Um breve balanço dos atos do dia 29 de maio pelo “Fora Bolsonaro”
1.
A essência da engenharia política desenvolvida pelo neofascismo consiste em vender seus candidatos como “antissistema”.
Foi assim com Trump nos EUA; foi assim com Bolsonaro no Brasil. Suas retóricas
frequentemente se voltam contra a estrutura oficial das instituições da
democracia burguesa, como o STF, o Congresso Nacional e a grande mídia
burguesa. Isso lhes confere um ar de que “falam o que pensam”, enquanto que os
demais políticos calam e escondem suas intenções.
Vale lembrar que nos últimos 5 anos quem mobilizou massas e atacou conscientemente com algum impacto
as instituições da democracia burguesa não foi a “esquerda”, mas a extrema
direita. Evidentemente que os seus objetivos são opostos aos da “esquerda”,
pois visam a ditadura militar ou, então, a sutil reafirmação destas
instituições e do próprio sistema. Contudo, este cenário não gerou nenhuma
reflexão por parte do ativismo de “esquerda”. Ao contrário. Seguem fazendo as
mesmas coisas de sempre, esperando resultados diferentes.
2.
Ao contrário da “agitação” bolsonarista, o “Fora Bolsonaro” não questiona o
visível desgaste das instituições da democracia burguesa, procurando apontar
para uma perspectiva revolucionária e socialista. Além de levar água ao moinho
do vice-presidente ou, no melhor dos casos, das oposições burguesas bem
comportadas (como João Dória ou Lula), canalizam toda a luta para a reafirmação
e legitimação das caducas e corrompidas instituições da democracia dos ricos –
pois é delas unicamente que esperam que se tire Bolsonaro do poder.
Desde 2019, mas, sobretudo, nos atos de rua do dia 29 de maio, não se viu o
discurso pelo “Fora Bolsonaro” avançar para o questionamento das instituições. Antes de tudo a “esquerda” reforça
e legitima as instituições da democracia burguesa quando resume tudo à “saída”
da figura de Bolsonaro, cultuando como sempre, o movimento espontâneo. Nem
sequer se preocupa com um poder alternativo – e, portanto, com instituições
alternativas – porque esta é a última de suas preocupações, pautadas pelo
desespero imediatista.
3.
Que a esquerda reformista aja dessa forma é bastante compreensível, uma vez que
PT, PCdoB e Psol trabalham para trocar o governo e manter a estrutura social (e
eleitoral), que é sua razão de ser. O que causa uma profunda curiosidade é a
mesma atuação por parte da esquerda “revolucionária”, que grita “Fora
Bolsonaro”, mas não aponte e sequer se preocupa com um poder alternativo[1], formado por um governo da
classe trabalhadora e suas instituições correspondentes. Como ele não existe, a
construção deste poder deveria ser a sua tarefa principal nesta conjuntura:
isto é, buscar a melhor forma de criticar as atuais instituições e demonstrar a
imperiosa necessidade de substituí-las pelas instituições de um governo da
classe trabalhadora. Toda a sua política cotidiana deveria levar a isso, mas
não tem sido nem de longe o caso.
Ao fazer coro com a esquerda reformista e com uma larga parcela da grande
mídia, entram como a cauda do cometa de um dos campos burgueses em luta e
facilitam o caminho do bolsonarismo, que posa de “antirregime” e
“antissistema”, só que pela direita... e não é combatido, nem desmascarado.
4.
Mordendo
as iscas do neofascismo e agindo
dentro de um jogo cujas regras só são respeitadas pela esquerda reformista (e a
sua “sócia menor” no campo “revolucionário”), este culto a um espontaneísmo
bárbaro só ajuda a dicotomizar a realidade e a reforçar as esperanças nas
instituições da burguesia – sem demonstrar sua relação direta com a crise que
vivemos (fato explorado somente pelo bolsonarismo) – e no próprio sistema. Os
estragos ideológicos são tão grandes que um impeachment
em que entre o vice ou uma “alternativa” burguesa são vistos como “saídas”
que, na verdade, apenas se complementam na forma de salvar o sistema a longo
prazo[2] – preparando novas
armadilhas logo adiante.
Seus
principais alicerces e os reais atores que comandam a exploração dos 99% não
são questionados, mas escondidos. Hoje as megacorporações – uma espécie de
“Estado amplo” – controlam a economia mundial e nacional, hegemonizando o
comércio internacional; e estão acima dos poderes nacionais, incluso as
instituições, as legislações e as próprias eleições. Por mais que precisemos
tirar Bolsonaro do poder, a briga pelo “Fora este ou aquele” sem construir um
poder revolucionário alternativo é uma autoenganação
ou um engodo consciente – isto é, uma
nova forma de cultuar o espontâneo. É
por isso que, por mais importantes que sejam, os atos de 29M se resumem a uma
“multidão nas ruas” que “dançam marchinhas de carnaval, levantam cartazes e gritam
‘Fora Bolsonaro’”, demonstrando um descontentamento confuso e incoerente, mas
não questionam a estrutura social e as instituições burguesas que sustentam
todo o jogo (uma espécie de triste repetição de 2013[3]).
Tudo
isso está dentro do cálculo do sistema, suas instituições e grande mídia; mas,
de fato, está definitivamente fora da compreensão da esquerda “revolucionária”.
5.
Tudo isso também está dentro das expectativas da esquerda reformista, como o PT, PCdoB e Psol – que esperam canalizar o desgaste político e eleitoral –, mas não pode estar dentro de uma perspectiva revolucionária. Acrescentar ao “Fora Bolsonaro” um “Fora Mourão e os militares” não resolve absolutamente nada; apenas dá um ar mais fantasioso, dado que nada de concreto foi feito para que isso acontecesse, como trabalhar numa agitação e propaganda cotidiana e de massas contra as instituições dos ricos e criar, a longo prazo, um governo alternativo da classe trabalhadora (que hoje, repetimos, não existe).
A esquerda “revolucionária” continua lembrando Lenin como um “deus revolucionário”, mas esquece totalmente a sua crítica voraz à ausência de um realismo revolucionário[4]. A conclusão é bastante singela: a esquerda reformista e a “revolucionária” ajudam a grande burguesia nacional e internacional na reciclagem do sistema, sem lhe ameaçar ou sequer questionar nada do que é realmente essencial (vide a triste “transição” ocorrida nos EUA entre Trump e Biden).
6.
De nada adianta
gritar contra o oportunismo petista e, ao mesmo tempo, lhe ser o abre-alas nos
movimentos sociais, lhe embelezando
revolucionariamente a sua principal palavra de ordem do momento. Por isso
este blog insiste em perguntar: qual é a alternativa real de poder ao “Fora
Bolsonaro”? Que tarefas revolucionárias precisam ser concretizadas antes para se
colocar “Bolsonaro para fora”? O presente “Fora Bolsonaro” serve para atacar as
raízes e os fundamentos do poder burguês ou simplesmente reforça as ilusões
eleitorais, as instituições da democracia burguesa, o imediatismo e o
espontaneísmo mais bárbaros, que servirão, por sua vez, para reforçar e
reciclar o sistema e trazer, amanhã ou depois, “novos e piores bolsonaros”?
Ainda
estamos no aguardo da resposta da esquerda “revolucionária”, que parece ter uma
“ingenuidade” e uma excitação inesgotável nessa palavra de ordem que não possui, neste momento, a menor
correlação de forças favorável num sentido revolucionário.
Referências
[1]
Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/10/sobre-palavra-de-ordem-fora-bolsonaro.html
[4] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/08/a-essencia-do-leninismo.html