I.
Talvez uma das lavagens cerebrais mais recorrentes da intelectualidade burguesa atual é que vivemos num regime de “livre mercado”. Isso é repetido pelos meios de comunicação, passando pelos partidos burgueses e reformistas, MBL, até os membros da classe média, com os seus “experts mirins” em economia.
O que significa livre
mercado? Teoricamente seria aquela forma de economia em que o empreendedorismo
individual iria competir entre si, em condições de “igualdade”, regidos pela
lei da oferta e da procura, desenvolvendo uma taxa média de lucro e fomentando
a produção econômica. O “livre mercado” demonstraria quais são as tendências
econômicas principais e o “mérito individual do empreendedor” iria desbancando
e conquistando mercados dos concorrentes. O Estado não deveria intervir neste
processo, pois isso seria concorrência desleal e geraria “deformações”,
deixando que a liberdade de investimento guie os capitais na sua justa competitividade;
exceto, é claro, quando percebe algum tipo de exagero ou “injustiça” nessa
disputa, o que denotaria necessidade de regulamentar certos setores.
Para o liberalismo
clássico, o egoísmo individual na busca por lucros geraria o desenvolvimento
social e “faria o bolo crescer”, possibilitando o desenvolvimento social, ainda
que desigualmente entre todos os membros da sociedade. Isso significa que
estranhamente todos sairiam ganhando de alguma forma. Esta estrutura, segundo
eles, seria a forma social e econômica mais perfeita e democrática. Para os
liberais clássicos e para os seus reprodutores tupiniquins, qualquer ingerência
do Estado na economia, na regulamentação de setores ou, principalmente, no
investimento social a partir de estatais, é visto como uma heresia, como “gastança”
ou, ainda, como “socialismo”. A “intervenção estatal” na economia seria em si
mesma e em qualquer circunstância autoritária.
II.
Esta mentalidade,
típica da nossa classe média, criou a mitologia de que tudo o que provém do
Estado é ineficiente ou corrupto; e tudo o que venha do mercado ou da
iniciativa privada é bom, eficiente e serve de “solução” para todos os nossos males.
Como sabemos, a corrupção não se resume apenas ao Estado; e o mercado não é um
centro de virtudes. A corrupção está tanto num, quanto noutro; assim como os
dois também possuem virtudes.
Na formação histórica
do Brasil não houve um período de liberalismo clássico, que possibilitasse o
desenvolvimento da concorrência dentro de um mercado interno. Tudo foi
fomentado pelo Estado, sobretudo a industrialização nacional, que criou as
bases para o desenvolvimento de um mercado interno a partir do Estado Novo
varguista. Segundo vários autores brasileiros, somos um país de
industrialização hipertardia, que por
se processar numa época em que o capitalismo já tinha alcançado a fase
imperialista, é necessariamente dependente.
Esta fase do
capitalismo, iniciada em fins do século 19 e início do 20, é caracterizada,
dentre outras coisas, pelo fim do livre mercado. Surgem os monopólios, cartéis
e trustes que definem os preços artificialmente e controlam ramos inteiros da
produção e do mercado. Exemplo: 11 grandes marcas controlam tudo o que é
vendido nos supermercados brasileiros. O setor eletroeletrônico e
automobilístico é totalmente dominado pelas multinacionais. Grande parte dessa
classe média reproduz a falsa ideia econômica da grande mídia de que estão
“defendendo” o livre mercado e o empreendedorismo. Isso não existe há, no
mínimo, 1 século, e, no Brasil, nunca chegou a existir plenamente em razão da
dependência econômica internacional. Sente, intuitivamente, que seus
privilégios como classe média dependem dessa estrutura econômica, ao mesmo
tempo em que mantém o país como parte da periferia do mercado mundial,
exclusivamente produtor de commodities,
condenando a maior parte da população à pobreza e ao subemprego. Os monopólios
estatais são duramente atacados nos aspectos que servem ao povo, até caírem por
completo; as empresas públicas de ponta, como a EMBRAER e a Petrobrás, são
cobiçadas e fatiadas por sucessivos governos. A “corrupção” nas estatais (que
existe tanto quanto nas empresas privadas) é o álibi para a sua privatização;
além do falso discurso de ineficiência. Este procedimento cínico visa colocar a
empresa pública trabalhando dentro das regras impostas pela dinâmica
macroeconômica do capitalismo monopolista de Estado (CME).
Onde está o “livre
mercado” nisso tudo?
III.
Um dos principais
sintomas do esgotamento do modo de produção capitalista é a lei da queda
tendencial da taxa de lucros, já prevista por Marx há quase 2 séculos. Com o
aumento do uso de tecnologia e a diminuição física do proletariado, o capital
constante – expresso nos gastos com as máquinas e as matérias-primas – tende a
aumentar, e o capital variável – expresso nos gastos com salários e, também, de
onde provém o lucro – tende a diminuir. De onde, então, a burguesia compensa
esta tendência à queda da taxa de lucro? Ora, do inimigo número 1 dos neoliberais:
da intervenção do Estado! O tesouro nacional funciona como uma espécie de
fiador do capital financeiro geral; isto é, como o pressuposto do lucro
privado.
Assim, a mentira da
ineficiência do Estado, bem como a heresia liberal da proibição da intervenção
do Estado na economia caem por terra: a burguesia necessita do Estado para si,
para sustentar a taxa dos superlucros exigidos pelo imperialismo e a sua sócia
menor, a elite nacional, em detrimento da maioria da população. É precisamente isso
que está em jogo, e não aquela velha cantilena liberal de “sanar as contas
públicas para se tornar atrativo aos investimentos internacionais”. Isso
explica também as maiores taxas de juros do mundo, que servem para estimular
uma taxa de lucro superior àquela existente nos países centrais.
Segundo Carlos Nelson
Coutinho (CNC), o Estado transfere para os grupos privados uma parte da
mais-valia que gera ou de que se apropria através dos impostos; com isso,
aumenta a taxa de lucro do setor privado (em especial das multinacionais
imperialistas) e aparece como um fator
decisivo para contrabalançar a lei da queda tendencial da taxa de lucros.
Portanto, a função última das empresas estatais, dos recursos naturais do país
e da sua capacidade de arrecadação é desvalorizar o seu capital, transferindo
parte da mais-valia gerada por elas para os ramos de bens de luxo, dominados
essencialmente pelos monopólios multinacionais privados; uma transferência que
se dá mediante a venda a preços baixos das matérias-primas criadas pelo setor
estatal e que entram no consumo produtivo das empresas privadas. Outra forma
recorrente é a isenção de impostos para estes setores monopolistas, além da
venda de títulos da dívida pública no sistema financeiro, o que gera, alimenta
e aumenta a famigerada dívida pública. O senso comum, inclusive o da classe
média que idolatra o capitalismo, a burguesia e os EUA, entende a ineficiência
do Estado apenas como resultado da corrupção, da cobrança de impostos e da má
“administração”, ignorando toda esta lógica monstruosa de funcionamento.
IV.
A política do PT de programas
sociais gera uma disputa com a burguesia imperialista e nacional pelos recursos
do Estado. Em épocas de expansão econômica é possível aumentar a trilionária
“bolsa banqueiro, empresário e do agronegócio”, ao mesmo tempo que se garante
a esmola do bolsa família, do ProUni, do Pronatec, etc. Porém, em épocas de
crise internacional, através de “reformas”, exigem a totalidade desses recursos
para contrabalançar a queda tendencial da taxa de lucros. Os governos do PT
tentaram investir num desenvolvimentismo a partir das estatais, em particular,
da Petrobrás. Adquiriram refinarias para produzir combustível e, assim,
garantir uma relativa estabilidade de preços. Isso bastou para a elite nacional e a sua
mídia comercial taxarem o PT de “comunista”. Por essas razões, a Petrobrás foi
grampeada pelo imperialismo, segundo denúncias de Edward Snowden; e não
casualmente foi um dos principais alvos do golpe do impeachment de 2016. A conciliação política e programática do PT,
na contra mão da luta direta, levou ao fortalecimento da direita e à
possibilidade real de uma nova ditadura militar!
Esta estrutura estatal
voltada para a sustentação do lucro privado foi batizada por CNC e outros
teóricos de capitalismo monopolista de Estado (CME). Segundo ele, foi
precisamente a ditadura militar que colocou o Brasil nesta fase. No Brasil,
esta integração entre Estado e monopólio se processou, sobretudo, depois do
golpe de 64, mas é algo que já se esboçava como linha programática desde a
aplicação do Plano de Metas do governo Kubitschek. Nesse sentido, foi uma
necessidade histórica da burguesia imperialista, usada para quebrar
resistências populares e “nacionalistas”, que queriam manter uma política
estatal antimonopolista e antiimperialista. A partir da ditadura militar de 64
o Estado foi colocado a serviço da grande concentração de capital, criando
assim, a articulação entre Estado e monopólio privado, que caracteriza o CME.
Além da repressão do movimento operário, uma das suas principais tarefas foi a
sujeição dos interesses setoriais capitalistas à lógica da reprodução
monopolista do capital.
V.
A ditadura militar que
Bolsonaro (PSL) pretende implantar agora, para além da repressão aos
trabalhadores, pobres, negros, LGBTs, etc., têm finalidades econômicas claras.
Não se trata apenas de um ultraneoliberalismo e de facilitar a repressão contra
as resistências proletárias, mas de garantir uma nova forma de funcionamento
político que facilite o ajuste fiscal e, portanto, uma nova forma de acumulação
capitalista. Para isso, tem o aval e o apoio do imperialismo de Trump e do
Partido Republicano, que querem alinhar os países semicolonais do hemisfério
ocidental para fazer frente ao “imperialismo chinês e russo”. Nesse sentido,
começará pela imposição do ajuste fiscal nos países periféricos para acabar com
os resquícios do “Estado de bem estar social”, aumentando a exploração sobre o
proletariado no sentido de possibilitar a mesma taxa de lucro e as mesmas
garantias dadas pelo Estado que caracterizam o atual capitalismo chinês. As
instituições da democracia burguesa, como o Congresso Nacional, não poderão
concretizar tamanhos ataques de forma pacífica e “democrática” sem enfrentar
profundas resistências. A burguesia imperialista liderada por Trump e a elite
nacional representada pela candidatura de Bolsonaro mexeram no tabuleiro e
colocaram suas peças na ofensiva para concretizar este projeto.
A nova fase exigida
pelo CME precisa destruir todos os gastos sociais do Estado, como os direitos
trabalhistas, a previdência, os serviços públicos, o funcionalismo. Quer
desmantelar totalmente o Estado que era supostamente protegido pela
Constituição de 1988; legalizar o subemprego (o precariado). Provavelmente
dividirá os trabalhadores jogando uma massa sem direitos contra um pequeno
setor que ainda detém algum tipo de seguridade. Tudo visando evitar a queda
tendencial da taxa de lucros, que exige sempre maiores e piores sacrifícios dos
trabalhadores e do povo pobre. Tal como em 64, a elite precisa desmoralizar o
“comunismo” e o “socialismo”, criminalizando as “esquerdas”, pois somente elas
– apesar das suas profundas diferenças – representam uma alternativa econômica
a esta barbárie que pretendem institucionalizar.
É precisamente esta
tendência da economia capitalista que explica a força de uma candidatura liderada
por um sociopata, em uma legenda de aluguel sem expressão alguma até ontem, que
passou a sustentar um discurso totalmente irracional e odioso. Em sua sanha
incontrolável e predatória por lucros, tal como o nazi-fascismo na Europa e a
ditadura militar no Brasil, o capitalismo – gritando contra o “comunismo” e o
“socialismo” fictícios – deixará um rastro de sangue e de morte nesta sua passagem
para esta nova etapa. A desumanização de todos aqueles que apoiam este projeto
e da sociedade como um todo é a consequência inevitável.
VI.
PS:
quando a panela de pressão estiver prestes a estourar novamente, repleta de
dor, sofrimento, torturas e assassinatos, é
possível que, após implantar e consolidar essa nova etapa de exploração e
acumulação de capital, a burguesia possa prescindir do regime fascista. A
partir daí se abriria um novo período de democracia burguesa com um precariado
sobrevivente, reiniciando o ciclo e se abrindo um “novo” período de
“crescimento econômico”... para a burguesia.
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