sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Metamorfoses contemporâneas

Dívida externa vira dívida interna
Dívida interna vira dívida externa
Dívida pública vira lucro privado
Lucro privado vira dívida pública
Dívida interna ou dívida externa?
A escravidão moderna:
Dívida eterna...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Gramática burguesa e gramática proletária

- Vossa Alteza;
Vossa Majestade;
Vossa Eminência;
Vossa Excelência;
Vossa Magnificência;
Vossa Excelência Reverendíssima;
Vossa Reverência;
Vossa Santidade;
Vossa Senhoria.

- Camarada!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Universo eterno


         O Cosmos é tudo o que existe, que existiu ou que existirá”
(Carl Sagan).

A teoria do Big Bang é uma grande concessão aos dogmas religiosos do criacionismo. O universo não tem uma criação, um início e um fim. Ele é eterno. A noção filosófica de espaço reflete a propriedade geral dos corpos de terem certa extensão, de ocuparem um lugar específico e estarem dispostos de determinada maneira entre outros corpos no mundo e no Cosmos.

A imensidão cósmica

Tempo e espaço estão intimamente ligados. Não se pode dissociá-los. Ambos são uma realidade material independente da consciência humana. Esta tende a conceber as coisas conforme a sua realidade finita no tempo e no espaço.

A noção de eternidade do espaço agride a nossa pequenez e a nossa consciência da finitude. Como uma coisa não pode ter fim? A matéria não tem fim, apenas transforma-se ao longo do tempo e do espaço, de acordo com as influências espaço-temporal e do meio, se modificando, até perecer; isto é, até transformar-se em outra forma material.

Os corpos celestes – planetas, estrelas, asteróides, poeira estelar – são transformáveis; estão em constante mudança: nascem, crescem, evoluem e morrem no Cosmos. A vida terrestre – e a humana, em particular – só foi possível graças às condições materiais específicas da evolução da Terra, um “oásis” em meio a uma estrela periférica da Via Láctea.

A Via-Láctea: o Sol é uma das estrelas periféricas ao centro luminoso
O tempo é um dos determinantes da vida. Para os insetos tratam-se das horas; para os mamíferos, de anos; para as civilizações, dos séculos; para os corpos celestes, dos milênios (bilhões e bilhões de anos); e para o Cosmos, da eternidade, que vive eternamente em mudança. Mudança esta que é muito lenta para a vida humana mortal e ínfima. Quiçá a estupidez humana esteja relacionada com a nossa finitude e o parco tempo de vida?

A escala dos planetas do Sistema Solar em relação ao Sol
O fato é que foi aqui nesta poeira cósmica que é a Terra que a matéria adquiriu consciência de todo este processo natural, numa lenta evolução de centenas de milhares de gerações. Por certo existem inúmeras explosões, expansões, retraimentos e ciclos no Cosmos, mas isso não significa que houve um início ou uma “criação”. Certamente o fim da existência é doloroso. Mas de nada adiantam os subterfúgios. Cabe aproveitarmos da melhor forma possível toda esta consciência que a existência nos proporciona, tornando-nos pessoas melhores, mais lúcidas cientificamente e, sobretudo, transformando a sociedade e a relação entre os seres humanos.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

A pré-história no Bonfim

Em pleno século 21 convivem, lado a lado, as "maravilhas modernas" e a pré-história mais atrasada. As palmeiras da Av. Oswaldo Aranha sombreiam a frota de ônibus e carros que pelo asfalto deslizam, entrecortadas pelos fios do sistema elétrico e pela selva de concreto que se estende por todos os lados.

No meio de um dos canteiros, logo abaixo de uma palmeira, habita um homem de neanderthal portoalegrensis. Sua pele tostada do sol, a imensa barba e o pedaço de pano que o tapa compõem sua vestimenta. Ele não fala, urra onomatopeias inaudíveis a uma cidade muito ocupada. Não sei se ele sabe falar, mas seu olhar diz: onde eu estou? Quem são vocês? Tenho fome! Socorro!!! Para defender seus restos de "comida" e o seu "território" ele possui um pedaço de pau com um prego na ponta, a sua lança, provavelmente para ser utilizada contra cachorros, pombas e pessoas.

Homem de Neanderthal portoalegrensis, ignorado pela sociedade capitalista

Em dias de sol, ele deita-se, talvez esperando alguma explicação plausível para um mundo sem explicação, ou simplesmente esperando a morte chegar. Hoje chovia torrencialmente. Ele permanecia no seu canteiro, embaixo da mesma palmeira. Estava enrolado em um plástico escuro, com a cabeça de fora, toda encharcada. A lei do desenvolvimento desigual e combinado impera: o século 21 vergonhosamente convive com a pré-história.




segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um sonho com consciência de classe

"O Homem é do tamanho do seu sonho" 
(Fernando Pessoa). 

Escreveu a professora no quadro. Em seguida, perguntou aos seus alunos: – Me relatem quais são os seus sonhos?

Ricardo, ligeiro e falador, disse que gostaria de ser jogador de futebol, ser famoso, rico e ter três carros; Maria Eduarda gostaria de ser veterinária, ter uma boa casa, casar, ter 3 filhos; Dudu, meio constrangido, falou que gostaria de ser astronauta, o que fez toda turma cair na gargalhada; Roberta falou que queria ser top model, viajar pelo mundo, aparecer nas capas de revistas e morar no exterior.

A professora, vendo que Guilherme se contraía na classe encolhendo os ombros, perguntou-lhe: – E o seu sonho, Guilherme? Este hesitou. Muito a contragosto, foi obrigado a falar: – Não sei, professora! 

– Como assim, não sabe? – indagou ela.

Guilherme, filho de um pedreiro e de uma costureira, cresceu no meio da pobreza, sem brinquedos, sem roupas novas, sem material escolar, sem saneamento básico, vendo seus pais suarem para trazer arroz e feijão para casa. De noite ouvia os pais conversando baixinho: queriam que o filho estudasse, que tivesse outra sorte na vida.

Aos 5 anos, Guilherme foi com o pai à primeira assembleia do sindicato dos trabalhadores da construção civil porque a mãe estava trabalhando e não tinha com quem deixá-lo. Ouviu muitos discursos inflamados e não entendia direito o que se passava. Aos 9 anos acompanhou o pai num piquete de greve, onde viu como os operários se tratavam: – Companheiro! – Camarada! E passavam a vianda fumegando entre si; compartilhavam a mesma comida e a mesma bebida; e o operário detrás apoiava o da frente quando a repressão policial caía sobre eles. Neste momento, Guilherme aprendeu um novo significado para a solidariedade humana, mais singelo e verdadeiro. Aos 11 viu um colega de trabalho de seu pai ser demitido por "justa" causa e perder todo o salário do final do mês e do ano. Aos 12 anos foi com a mãe à uma reunião de mulheres do sindicato das tecelãs e ouviu uma delas formulando propostas para um programa contra a opressão feminina, o que fez sua mãe aplaudi-la com entusiasmo. Sempre ouvira que lugar de mulher era na cozinha "pilotando fogão"; mas eis que via operárias discursando política tão bem quanto os homens.

Uma noite, quando já era rapaz feito, discutiu com o seu pai sobre desigualdade social. Foi nesta ocasião que ele ouviu, pela primeira vez, sobre "socialismo" – reflexo de uma série de discussões que o pai mantinha com um estudante que estava seguidamente panfleteando no seu canteiro de obras. Depois dessas discussões algo aconteceu dentro dele. Não se interessava pelas coisas tidas como “comuns”. Seu coração ardia de ódio diante das injustiças. Guilherme, então, entendeu que a felicidade individual não podia existir enquanto houvesse pessoas vegetando na miséria, mendigando, desempregadas, analfabetas, prostituindo-se. Lembrou daquele grande pensador, citado muitas vezes pelo estudante, amigo de seu pai: “O dinheiro não é apenas um dos objetos da paixão de enriquecer, mas é o próprio objeto dela. Essa paixão é essencialmente auri sacra fames (a maldita ganância do ouro), faz com que as pessoas vivam em torno de uma medíocre vida, ocasionada por necessidades impostas, gerando uma rotina alienada. A natureza do homem está estabelecida de tal modo que ele só pode alcançar o seu aperfeiçoamento se agir para a realização, para o bem dos seus contemporâneos. Se escolhermos uma profissão em que possamos trabalhar ao máximo pela humanidade, não nos poderemos dobrar sob o seu peso porque ele apenas será um sacrifício por todos; não fruiremos então, uma alegria pobre, limitada, egoísta, mas a nossa felicidade pertencerá a milhões”.

Três segundos passaram-se no relógio. Guilherme voltou a si. Todos os olhos da sala estavam sobre ele. Sua garganta estava seca. Respirou fundo! Um medo afligiu-lhe o corpo inteiro e o seu coração pareceu congelar. Em frações de segundo, a indignação fez a sua garganta desenlaçar-se. Tomou coragem e disse: – O meu sonho, professora, é uma sociedade socialista, sem desigualdades sociais e sem exploração!

Um burburinho começou na sala. Um flash na sua mente: "O Homem é do tamanho do seu sonho" – qual o meu sonho? Guilherme sentiu o peito arder! Suas têmporas latejavam. Guilherme era do tamanho do seu sonho. Guilherme era do tamanho do universo!

A professora, boquiaberta e fora de si, deu dois passos pra trás. O giz caiu dos seus dedos e despedaçou-se no chão.

Inferências
O sistema nos faz acreditar cegamente que somente é possível vencer na vida individualmente: subir à gerência de uma empresa; passar no vestibular; tornar-se jogador de futebol; ter dinheiro, casa, carros, roupa da moda, fama!

A TV passa inúmeros programas e reportagens daquelas pessoas muito humildes e pobres que hoje “subiram na vida”. Vejam o Silvio Santos, foi camelô! E o ex-vice-presidente da república, foi um tecelão! E o Gerdau? Filho de camponeses humildes de Hanôver!

É isto que o “repórter alienação” e o senso comum nos apresentam: o caso do mendigo que morava nas ruas e hoje tem um... lugar para morar! Vejam o grande exemplo do catador que virou empresário e hoje abriu o seu próprio negócio!

Mas o “repórter realidade”, que tem bem menos audiência e glamour, mostra todos os dias os inúmeros camelôs, mendigos e camponeses que não se metamorfosearam em “homem do baú”. A estes resta apenas a sombra do anonimato e da criminalização. Muitos morrem nesta condição e nunca conquistam o “seu lugar ao sol”, mesmo sendo honestos e trabalhando duro de janeiro a janeiro. É preciso exemplos?
Guilherme nos fala de um outro tipo de sonho. É preciso combater o sonho individualista, excludente; a alegria vil e mesquinha da propriedade do que quer que seja: um computador, um carro, uma casa, uma pessoa! Uma alegria verdadeira deve ser proveniente da realização dos sonhos que tenham como meta o bem comum, social.

Em um momento de profunda alienação política e ideológica, de consumismo desenfreado e depredador da natureza, de desorientação política e de crise de direção, onde muitas pessoas vivem de aparência e numa grande “solidão em massa”, é fundamental não se esquecer que todas as conquistas de nossa classe foram arrancadas coletivamente da burguesia e, da mesma forma, desfrutadas coletivamente. Estas conquistas não serviram para melhorar o nível de vida de uma única pessoa, mas de toda uma categoria, de toda uma classe, de toda uma sociedade! São elas: a jornada de trabalho de 8 horas, a licença maternidade, o direito às férias, o 13º salário, o plano de carreira do funcionalismo público, o direito ao voto, à organização sindical, à educação pública; dentre muitos outros!

O raciocínio de Guilherme é simples: – E se ao invés de um gerente a gente socializasse a fábrica, passando a geri-la coletivamente e organizadamente, desde as metas e prazos, até a política salarial? E se ao invés de passar no vestibular a gente abolisse o vestibular para que todos tenham acesso real a educação pública, uma vez que nós sabemos que existe muito dinheiro para isso?

Se todos sonhassem o sonho de Guilherme conseguiríamos ajudar a realização de muitos outros sonhos bem mais humildes: desfrutar de um leito em um hospital público, uma vaga em uma creche, escola, universidade, ou, muitas vezes, o singelo direito ao trabalho...