domingo, 28 de junho de 2015

Os meios de alienação em massa

A mais primordial liberdade de imprensa
consiste em ela não ser um negócio.
(Karl Marx)

A grande mídia atingiu uma enorme influência social. Seus tentáculos se estendem por diversas tecnologias: TV, rádio, internet, jornais impressos, revistas, celulares, aplicativos. Segundo os teóricos da burguesia, vivemos a era da “informação”, da globalização e da “radicalização dos meios de informação”. Esta afirmação, por não ter um contraponto, é aceita por muitos acriticamente. A globalização não passa de um eufemismo para esconder o poder do imperialismo e a submissão dos países neocoloniais a ele. Vivemos a etapa de degeneração do capitalismo há pelo menos um século, sofrendo com todas as suas consequências. O aumento da barbárie social em todos os países do mundo é evidente, apesar do discurso fantasioso de “democracia”, “globalização” e “aumento da informação”.
           
A relativa facilidade com que sabemos de fatos ocorridos do outro lado do mundo quando vemos fotos, imagens, vídeos, dá a impressão de que isso é verdade. Os meios de comunicação atuais realmente tornaram possível a rapidez da informação, mas isso não quer dizer que ela esteja livre da manipulação e da censura. Em alguns casos influencia diretamente movimentos golpistas (militares, fascistas) e desvirtua movimentos populares. Seu poder ideológico é incomparável. Nem reis, imperadores e a Igreja medieval dispunham de tantas facilidades para manipular a mente e a opinião de milhões como o grande capital midiático dispõe hoje. A grande mídia em geral, e a TV em particular, entram como um elo fundamental na relação de dominação atual da burguesia sobre o proletariado. É mais um “avanço tecnológico” utilizado a serviço da exploração, do embrutecimento, da ignorância e do obscurantismo religioso.

Por tudo isso, para a vanguarda proletária é questão de vida ou morte saber fazer a leitura das entrelinhas da mídia burguesa através de uma ótica de independência de classe, bem como entender os seus métodos de manipulação, a sua dinâmica de atuação, a sua lógica de classe e as suas estruturas econômicas e políticas.

Os gigantescos monopólios empresariais da grande mídia
Em todos os países do mundo – com exceção das reminiscências do stalinismo, como é o caso da Coréia do Norte –, a mídia exerce um poder avassalador, possuindo, muitas vezes, maior poder que os governos. Divulga e abafa escândalos de corrupção de acordo com suas conveniências e aliados, e dá destaque a determinados fatos quando lhe convém. Isto se passa desta forma porque as principais empresas de comunicação são grandes monopólios de TVs, jornais, rádio, portais de internet, revistas, etc. – resultado de um processo crescente de concentração de propriedade, tecnologia e capital. Elas não funcionam de acordo com as necessidades sociais de comunicação e informação públicas, mas com os interesses privados, da sua publicidade política e empresarial, sempre visando o lucro e à preservação da ordem social capitalista. É o capitalismo que possibilita este império das “comunicações” e o monopólio que dá o pleno poder de manipular as opiniões e os interesses públicos. Os trabalhadores, dentro desta ordem, não têm a menor possibilidade de influir sobre os programas, a grade de programação e o teor das notícias veiculadas diariamente em jornais e telejornais.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação da hegemonia do imperialismo norte americano sobre o mundo, as grandes empresas de comunicação formaram-se e fortaleceram-se como gigantescos monopólios. Foram elas que deram origem ao que se chama de “grande mídia”, que tem o poder de censurar ou abafar informações inconvenientes à ela própria e à manutenção do sistema, bem como a possibilidade de tornar verdade qualquer absurdo e justificável qualquer injustiça, utilizando-se do método da repetição e aproveitando-se da facilidade com que entra nas casas e na mente do povo pobre. Goza de um enganoso prestígio, criado ao longo dos anos, de que tudo o que fala e dissemina é inquestionavelmente sério e verdadeiro. A casa mais miserável do Brasil possui TV, mas não o hábito da leitura (sobretudo da “leitura das entrelinhas”). Quem lê o mundo para o povo pobre, portanto, é a TV, e não ele próprio, que olha o mundo pela ótica das emissoras. Em síntese, podemos dizer que a grande mídia tem como principal finalidade o controle ideológico das massas populares para manter e sustentar o capitalismo, sistema do qual depende, ainda que encha inúmeros editoriais falando em “democracia” e “liberdade de imprensa”.

Todos os meios de comunicação que surgiram com o desenvolvimento das tecnologias de informação – TV, rádio, cinema, internet – foram utilizados pelo capitalismo para a criação de uma “opinião pública” com a finalidade de sustentar a ordem social vigente. É do surgimento dessas grandes empresas que derivam a chamada “indústria cultural”, também dominada e controlada pelo imperialismo e pelas burguesias dos países neocoloniais. A indústria cultural produz desde os filmes políticos hollywoodianos, até as novelas brasileiras (chamadas eufemisticamente de “fábrica de sonhos”) e, também, a “indústria das notícias” dos telejornais, que seguem todos praticamente a mesma linha editorial. A hegemonia ideológica desta “indústria cultural” é burguesa, ainda que escassamente se encontre boas e isentas produções artísticas nestes meios.

Cabe destacar que, em um curto período, o mercado da mídia global passou a ser dominado por 7 multinacionais: Disney, AOL-Time Warner, Sony, News Corporation, Viacom, Vivendi e Bertelsmann. Há 15 anos atrás, nenhuma dessas empresas existia na sua forma atual, enquanto que hoje elas compõem o grupo das 300 maiores empresas não financeiras do mundo.

As grandes empresas privadas de comunicação no Brasil
O surgimento dos grandes monopólios de comunicação no Brasil remonta a década de 1950 e 1960. Juscelino Kubtscheck (JK) escancarou a economia brasileira às multinacionais imperialistas, o que fez a dívida externa explodir, mas permitiu a livre instalação da indústria imperialista. A TV invadiu o Brasil junto com a indústria dos eletrodomésticos, arrasando de vez com as ilusões dos herdeiros do varguismo de realizar uma industrialização nacionalista. Porém, foi com a ditadura militar que o sistema de comunicação se instalou oficialmente e se espalhou por todo o país. A atual mídia brasileira é filha legítima da ditadura militar. Foi ela que levou a cabo o projeto de “integração nacional” dos militares. O Estado Novo varguista, com a sua Voz do Brasil no rádio, não foi tão eficiente em criar uma identidade nacional como a Rede Globo.
           
É desta aberração – chamada de “liberdade de imprensa” e de “mercado” – que surgiu o monopólio de apenas 7 famílias sobre 90% dos canais de comunicação de massas no Brasil. São elas: Rede Globo (Marinho – dividindo sua hegemonia com os Sirotsky através da RBS, no sul), Band (Saad), SBT (Abravanel), Folha (Frias), Abril (Civita), Record (Macedo) e RedeTV (Carvalho). As duas últimas emissoras surgiram mais recentemente, mas nem por isso representam pluralidade de concepções dentro de uma suposta “liberdade de imprensa”. Cada uma dessas empresas, além de ligadas ao imperialismo direta ou indiretamente, possuem outros tantos canais de TV fechada, portais de internet, editoras e jornais impressos. Contudo, a hegemonia do mercado de comunicação ainda pertence a Rede Globo. Durante a década de 1960, frente a crise das emissoras pioneiras em TV no Brasil – Tupi, Excelsior, Continental, Rio – , a recém fundada TV Globo, do grupo de Roberto Marinho, colocou a sua nova infra-estrutura a serviço dos interesses do governo militar[1]. Evidentemente que não assumiu isso abertamente e a sua auto crítica recente, feita por Willian Bonner no Jornal Nacional, soa cínica e ardilosa, pois visa limpar sua imagem para continuar cumprindo sorrateiramente o mesmo papel no “regime democrático”.


Refletindo as características da época imperialista, a grande mídia brasileira se desenvolve no sentido da concentração de propriedade dos pequenos grupos pelos grandes monopólios. É ilustrativo a história da Rede Globo: “Antes da chegada dos militares ao poder, a empresa possuía o jornal O Globo, uma estação de rádio, uma editora de revistas em quadrinho e instalava um canal de televisão. Vinte anos depois, o grupo controlava a primeira rede de televisão, com cinco estações emissoras e 45 afiliadas; tornara-se o primeiro grupo de imprensa feminina; o segundo de revistas em quadrinhos; entrava na edição de livros, após a compra da editora Globo, uma das mais prestigiosas do país. Esse grupo controlava também 83% da publicidade brasileira, 90% da televisão Monte Carlo, comprada ao grupo italiano RMC, e tinha 30% do mercado brasileiro de disco com o selo Som Livre e a empresa Sigla; possuía também a empresa de videoclip Globoteca, bem como 17 estações de rádio, o jornal O Globo, [...] e, finalmente, empresas pecuárias como 70 mil hectares, exploração de uma mina de ouro com a British Petroleum, um banco de investimentos, empresas da BTP, de serviços de telecomunicações por satélite e a filial brasileira do grupo eletrônico japonês NEC. O grupo Globo empregava 15.400 pessoas e tinha negócios anuais avaliados em 800 milhões de dólares”[2].
           
Assim, fica claro o motivo da árdua luta anti-comunista da grande mídia brasileira – em particular da Rede Globo – e da sua campanha permanente contra os movimentos sociais. Como uma empresa que detém tamanha concentração de capital pode ser “imparcial” no que tange a luta de classes e ao capitalismo? Poderia ela passar alguma notícia de forma verdadeiramente “imparcial”?
           
Ainda é preciso dizer que a Rede Globo expressa o que acontece com todos os monopólios empresariais da grande mídia. Seu caso é o mais evidente porque está no topo da pirâmide. Enganam-se aqueles que pensam que o único problema é a Rede Globo, preocupando-se apenas em denunciá-la. O problema central é o capitalismo que funciona unicamente através deste tipo de concentração de propriedade. Todas as demais emissoras almejam ser a Rede Globo ou dominar a sua parcela de mercado. A Rede Record e a BBC de Londres, por exemplo, não são melhores do que a Globo. Querem apenas abocanhar o seu mercado. A briga entre elas, portanto, não é para esclarecer os trabalhadores, mas pela liderança do poderoso mercado proporcionado pela grande mídia.

Grande mídia e neoliberalismo
Como se sabe, as grandes empresas midiáticas são árduas defensoras do neoliberalismo, pois desta política econômica depende a sua existência enquanto monopólio e a sua “evolução tecnológica”. RBS, Globo e Folha de SP foram algumas das empresas que se engajaram na compra de estatais privatizadas, tais como a Telesp e a CRT. A mudança de regime cambial iniciada com o plano real, na esteira da aplicação do neoliberalismo, possibilitou que muitas destas empresas contraíssem empréstimos para investir em tecnologia, importando-a em detrimento da criação de tecnologia nacional. Uma vez que são empresas ligadas ao imperialismo, são visceralmente anti-nacionais, pouco se importando com o endividamento público e com a dependência tecnológica do exterior.

As Organizações Globo respondiam por 60% do endividamento total do setor, devendo cerca de R$10 bilhões. Na busca por um novo parque gráfico editorial e pela instalação de um provedor de internet, o Grupo Folha de SP alcançou uma dívida de R$ 290 milhões, enquanto que o Grupo O Estado de São Paulo chegou a cifra de R$384 milhões e o Grupo RBS a marca de R$ 125 milhões. A maior parte das dívidas dos dois últimos grupos se deu em razão do seu envolvimento na compra das empresas públicas de telefonia privatizadas. Estes são alguns dos motivos que levam as grandes emissoras a defenderem as privatizações, o neoliberalismo e as dívidas externa e interna, enquanto vendem-se como “imparciais” atrás dos discursos de “modernização” e “melhoramento dos serviços públicos”.

Grande mídia X mídias alternativas e redes sociais: a liberdade de imprensa é apenas para a burguesia
A despeito da grande importância da ascensão de outros meios de comunicação alternativos (blogs, sites, facebook, twitter, youtube, rádios comunitárias, etc.), a TV ainda é o meio de influência mais poderoso, utilizada como forma de doutrinação política, econômica, filosófica e científica, segundo a visão de classe da burguesia. Ver TV não exige esforço de leitura, nem selecionar vídeos. Leva vantagem sobre o rádio porque emite imagens e efeitos especiais. Toda a leitura política da realidade já é feita pela ótica das emissoras. É verdade que existe a possibilidade de trocar de canal; mas também é verdade que a programação e linha editorial dos noticiários das diversas emissoras não diferem quase nada entre si.

Além disso, a TV está presente em praticamente todos os lares brasileiros (incluindo os mais humildes), sendo um aparelho que pode ser adquirido com relativa facilidade. A declaração de Roberto Irineu Marinho (herdeiro das organizações Globo) é elucidativo: “Compartilhamos da intimidade dos brasileiros, entramos em suas casas. Somos mais um membro da família, do qual os brasileiros se orgulham, conosco se emocionam, às vezes criticam, dividem suas queixas, aprendem e se informam”[3]. As demais emissoras têm, em maior ou menor medida, estes mesmo privilégios. E, conforme foi explanado ao longo do texto, sabemos que tipo de “informação” elas transmitem. Por isso, não é casual que o controle de concessão de TV no Brasil e no mundo seja controlado com mãos de ferro pelo Estado. Os movimentos sociais, lutas sindicais e organizações políticas de trabalhadores independentes ficam restritos às redes sociais e às chamadas “mídias alternativas”, que tem infinitamente menos capacidade de influência do que a TV, rádio, jornais e grandes portais de internet.

Sendo assim, ainda que as mídias alternativas sejam importantes, não são e nem podem ser a solução para o problema da manipulação da grande mídia, como propõe implícita ou explicitamente muitos setores da esquerda. A própria burguesia, através da sua mídia, divulga o aparecimento das mídias alternativas como expressão de sua “liberdade de imprensa”. Mas isso é uma ilusão! A TV esmaga a mídia alternativa e tem total supremacia sobre ela, podendo distorcer ou mesmo anular qualquer tipo de debate ou denúncia feita através das mídias alternativas. O que, evidentemente, não invalida a importância de utilizá-las, sobretudo para divulgar o programa socialista.

A nova forma de censura
É constantemente divulgado pela grande mídia (mas também por outros meios, como o acadêmico), que após o fim da ditadura militar a censura sobre a imprensa e os meios de comunicação cessou. Isto é um erro que distorce o que realmente se passa. A censura não acabou, apenas mudou de forma e de intensidade. Ela não é mais feita por um governo militar, mas por um truste entre os próprios monopólios de comunicação que imperam na grande mídia, com o apoio semi-consentido dos governos “democráticos”. É semi-consentido porque muitas vezes estas empresas entram em conflito com os governos que fogem eventualmente aos seus interesses (casos específicos sobre isso podem ser vistos no Brasil com a Globo e suas sucursais; na Venezuela com a Venevisión e a RCTV; na Argentina com o Clarin – que tem ligações com a Veja do Brasil –; e no México com a Televisa) e, por isso mesmo, são criticados pontualmente por estes mesmos governos.

A grade de programação e a linha editorial jornalística são decididas pela alta cúpula dos grandes monopólios de comunicação. As notícias e posições políticas expressas através da grande mídia visam criar um consenso em torno das posições da burguesia e uma condenação aos movimentos independentes dos trabalhadores, sobretudo quando se trata de greve ou de movimentos sociais contestatórios. Só é permitido expressar posições que estejam na lógica da ordem social, da democracia burguesa e da sua institucionalidade. Quando ocorre algum tipo de entrevista ou de debate, geralmente são expressas através de militantes de um partido reformista-burguês ou de um burocrata sindical, que propaga posições reformistas ou burocráticas. Isto é, posições que não destoam da lógica geral da manutenção da sociedade burguesa. Esta censura não fica clara para a grande massa da população, que nos momentos de calmaria não intervém na luta sindical e política; e que não consegue enxergar a sutileza destas manipulações. Muitos intelectuais burgueses e reformistas ajudam a obscurecê-la com discursos relativistas e de desmoralização da esquerda.
           
A pesquisadora da mídia “Tascher (1992) relata que, à época da censura imposta pelo regime militar, a agência de notícias do Grupo Folhas foi utilizada para centralizar a autocensura em todos os jornais do grupo”[4]. Com o fim da ditadura militar e o início do “regime democrático”, esta centralização passou a ser exercida pelos monopólios de comunicação e, dentro deste, pelas empresas mais poderosas, como a Rede Globo e as agências de fachada que funcionam como trustes. Supostamente baseado em um critério democrático, a nova censura se exerce através da desculpa do mercado e do ibope, que seleciona programas e notícias conforme a procura ou justifica a sua exclusão.

           
Cabe destacar ainda o escândalo na Inglaterra que envolveu o dono de um destes monopólios de comunicação internacional, Rupert Murdock. Em julho de 2011, Murdoch enfrentou acusações de que suas empresas, incluindo o jornal News of the World, de propriedade da News Corporation, se utilizavam da prática ilegal de grampos telefônicos, em telefones fixos e celulares da realeza, de celebridades e até de pessoas comuns, para obter notícias, caracterizando violação de privacidade. O que garante que esta mesma prática não possa ocorrer por qualquer outra destas grandes empresas, incluindo empresas brasileiras? Se trata, obviamente, não apenas de uma forma de “obter notícias”, mas para espionar e se antecipar a qualquer debate ou posição política dos movimentos sociais, organizações de esquerda e sindicatos. Segundo relatos de Edward Snowden, outras empresas são suspeitas de proceder da mesma forma; são elas: Apple, Google e Facebook (dentre outras).

Faz parte da censura a infiltração ideológica nos discursos da esquerda. Quando a grande mídia não consegue impedir uma posição política de se expressar, ela procura infiltrá-la para distorcê-la, jogando sombras no debate para dificultar a compreensão do grande público. A academia burguesa faz o mesmo com o marxismo. A distorção teórica e política não se restringe apenas aos noticiários, mas se espalha para as novelas, programas de auditório, de humor, de variedades e de debates. Nestes, a manipulação ideológica se torna menos explícita, mais casual e sutil. Forma-se assim, uma cadeia assustadora de lavagem cerebral sem contraponto, que somente as futuras gerações de revolucionários poderão reabilitar.

A liberdade de imprensa e de pensamento dentro da grande mídia não existe. As posições revolucionárias e da real indignação social (como foi o caso dos operários das obras do PAC e tantas outras greves radicalizadas pelo país) são sutilmente excluídas. Ocorre uma campanha surda, ardilosa e capciosa, de difamação e de transformação dos lutadores sociais em inimigos da paz e da ordem social. Segundo os telejornais tudo estaria bem (ou quase bom), mas os sindicalistas e “vândalos” de esquerda perturbam o bom andamento da sociedade. Quando acontece o acaso de um militante revolucionário ser entrevistado, suas posições são abafadas pelo pouco tempo cedido a ele frente à repetição exaustiva das posições oficiais, ou mesmo impedidas de ir ao ar com diversos tipos de desculpas de “edição” e “tempo” (como já aconteceu em algumas entrevistas de greve). Um caso absurdo de censura se deu com a chapa da corrente de oposição à direção do CPERS – Construção pela Base – nas eleições sindicais de 2014, quando o principal jornal do Rio Grande do Sul, por conhecer suas posições políticas revolucionárias, simplesmente ignorou a sua existência até o exato dia das eleições[5].

A grande mídia não reflete em absolutamente nada as correntes de opinião dos trabalhadores, sobretudo os organizados e, evidentemente, os da esquerda revolucionária. Quando acontece a raridade de entrevistar um trabalhador em greve ou chamá-lo para um debate em rede de TV, o seleciona a dedo nos altos extratos da burocracia sindical ou partidária (PT, PCdoB, PSOL, PSTU, PCB, PCO). Impera na TV a opinião da esquerda reformista, que está adaptada política e teoricamente à democracia burguesa, não se constituindo, por isso mesmo, em uma ameaça para a ordem social capitalista. Pelo contrário, ajuda a dar um “verniz” de democracia que ilude milhares de pessoas.

Mas por que supostamente faltaria tempo na TV para debates relevantes sobre os movimentos sociais, greves, ocupações e a luta dos trabalhadores? Dentre outras formas, esta censura seletiva se dá pela ocupação do tempo da grade de programação com anúncios publicitários, por programas idiotizantes e semelhantes no fundamental – independentemente da emissora –, que ocupam praticamente todo o tempo útil da TV e relegam às brechas ou à censura total o debate político e os programas que interessam aos trabalhadores.

A grade de programação
A grande mídia vende a sua aparente variedade de programas e opções de canais como sinônimo de “liberdade de imprensa”. Contudo, se submetermos a grade de programação a um olhar mais crítico, veremos que ela é essencialmente igual e cumpre a mesma função já desnudada.

a) Telejornais e jornais impressos de grande circulação: Todo o telejornalismo da grande mídia é pausterizado e padronizado. Fingem imparcialidade. Independentemente de emissora, todos os telejornais dão as notícias da mesma maneira tendenciosa e sob o mesmo enfoque editorial. A notícia transformou-se em uma mercadoria, que para ser mais facilmente consumida, precisa passar por um processo de industrialização e de marketing, que tem a preocupação em fazer um produto mais digestivo, acessível e sedutor, pronto para ser consumido pelo senso comum e, sobretudo, para alimentá-lo e mantê-lo. Esta preocupação com telespectadores e leitores procura não deixar de agradar nenhum senso comum dos segmentos do mercado consumidor. Quanto maior for a quantidade de telespectadores e leitores de um telejornal e jornal, melhores serão as condições das emissoras de “se vender” ao mercado publicitário, também interessado em um público amplo e diversificado. Porém, naturalmente interessa qualquer ibope, menos o que possa, de alguma forma, se voltar contra as bases do capitalismo. As grandes empresas – e os monopólios de comunicação da grande mídia, em particular – despendem vultuosos capitais para abafar os assuntos que lhe são incômodos; e para isso não poupam despesas.
           
Segundo a lógica deste “jornalismo imparcial”, uma greve sempre causa prejuízos à população, mas nunca se coloca em enfoque o verdadeiro prejuízo causado às categorias profissionais pela exploração do sistema (arrocho e defasagem salarial, destruição das condições de trabalho, aumento da precarização dos trabalhadores e da sua miséria). A dívida externa e o superávit primário não causariam mais prejuízos ao povo do que a greve de uma categoria? Uma greve causa mais prejuízos aos patrões e aos governos ou ao povo? Categorias de trabalhadores do setor privado em greve são geralmente ignoradas (quando se trata de greve dos operários das grandes montadoras a notícia é quase um flash – quem viu na TV cobertura da greve na GM, Volkswagen ou na CAFF?). Ocorre uma censura para que a patronal possa esmagar os trabalhadores da maneira mais rápida e eficaz possível (isso se passou com os operários das obras do PAC, onde existiu caso de assassinato de trabalhadores e a mídia nada falou).


Nas questões internacionais o jornalismo da grande mídia se alinha criminosamente ao imperialismo (em especial ao ianque). Estados e países inimigos dos EUA são tratados como inimigos do “povo brasileiro” e do “Ocidente”. Utilizam-se da mesma nomenclatura e expressões, tais como “terroristas”; “comunismo” como sinônimo de “ditadura”; “violação dos direitos humanos” quando se trata de uma luta contra a democracia burguesa ou contra os interesses do grande capital. Aliás, a grande mídia tem trabalhado incansavelmente no sentido de associar automaticamente “capitalismo” à “democracia” e “comunismo” à “ditadura”. Apenas os aliados circunstanciais e subordinados politicamente são “democráticos” e apresentados como “amigos”, mesmo que sejam genocidas de povos e torturadores. Rotular e usar os mesmos termos lingüísticos faz parte das estratégias de dominação política.
           
O jornalismo da grande mídia noticiou em uníssono que os ataques militares genocidas do exército israelense contra o povo palestino desarmado e cercado era uma “guerra” e não um genocídio. Deu o suporte ideológico para o massacre do sionismo contra o povo palestino. Da mesma forma, noticiou que o massacre da polícia paranaense contra os professores estaduais desarmados, ocorrido em 29 de abril de 2015, foi um “confronto”. Deu amplo destaque para as justificativas do governador fascista, Beto Richa (do PSDB), e não entrevistou professores da base da categoria que foram espancados.

Existem inúmeros meios de fingir um “jornalismo imparcial” para os trabalhadores mais atrasados. Por exemplo: basta dar destaque à justificativa de Israel de que o seu exército apenas responde ao “terrorismo do Hamas” e abafar a verdadeira situação do povo palestino. Da mesma forma, se esconde as verdadeiras questões em jogo sobre a previdência do Paraná, e se justifica o massacre policial escondendo-se atrás da trágica tática dos “black blocs”, que segundo as palavras do governador, amplamente disseminadas pela mídia, “teriam começado a jogar pedras nos policiais”. Isso é uma inverdade reconhecida até mesmo por setores da grande mídia (o cinegrafista da Band mordido por um PitBull denunciou que não haviam black blocs naquela manifestação). Como milhões de pessoas não participaram da manifestação no Paraná e nem acompanharam pessoalmente a situação da Faixa de Gaza, o estrago está feito e a manipulação consumada. A versão vencedora sempre será a dos grandes monopólios de “comunicação”. Este método jornalístico se estende a outras áreas sociais: dá a justificativa do governo ou dos patrões para não conceder aumento salarial, ignorando ou minimizando as demais pautas de reivindicação dos trabalhadores; demonstra apenas o lado maléfico dos criminosos, mas omite toda a estrutura de desigualdade social.

Outro exemplo digno de menção se deu quando o novo papa (Jorge Bergóglio) assumiu e foi acusado por inúmeros movimentos sociais de ter apoiado a ditadura militar argentina. A grande mídia apresentou “imparcialmente” as justificativas do Vaticano e ignorou a investigação dos fundamentos daquelas acusações, mesmo sabendo que a Igreja enquanto instituição apoiou e sustentou inúmeras ditaduras pelo mundo. Proceder dessa forma foi como defender veladamente o novo papa, bem como servir de esteio para a Igreja Católica, instituição que cumpriu e cumpre um papel muito similar ao da grande mídia. Um episódio parecido se deu com o caso de Edward Snowden, que denunciou o amplo esquema de espionagem global por parte do imperialismo norte-americano. A abordagem da revista Época, da editora Globo, procura relativizar a gravidade das denúncias, se escondendo “imparcialmente” atrás das declarações oficiais do governo dos EUA: “A lei [de espionagem] foi promulgada pelo presidente George W. Bush logo após os atentados de 11 de setembro de 2001. Seu objetivo oficial era identificar células terroristas. (...) ‘Acredito que devemos combater o terrorismo e que devemos ter força contra nossos inimigos’, afirmou [Rand Paul, senador republicano do Kentucky]. Mas não precisamos deixar de ser quem somos para derrotá-los”[6]. O primeiro negrito destaca a mentira de que o “objetivo oficial” era combater o terrorismo; essa era, na verdade, a desculpa, como bem denunciou Snowden. O segundo negrito traz a tona a hipocrisia da declaração do Partido Republicano, que tenta vender os EUA como defensor da “democracia” contra os terroristas do Oriente Médio. Segundo o que dá a entender, os EUA estariam perdendo seus princípios no combate ao terrorismo. Tudo uma mentira deslavada disseminada pela grande mídia: os EUA se utilizam de um terrorismo infinitamente mais nefasto que o da Al Qaeda, o terrorismo de Estado. Mesmo com essa declaração para tentar abrandar as denúncias de Snowden, a espionagem continua operando de diversas formas, pois faz parte da natureza do imperialismo e da sua necessidade de manutenção da “ordem social”. A grande mídia está repleta de reportagens e citações sutis e “imparciais” como estas.

No caso da criminalização ou extradição de presos ou perseguidos políticos a mídia sempre é contra os ativistas dos movimentos sociais, como foi o episódio envolvendo Cesare Battisti, quando desencadeou uma verdadeira campanha midiática que durou cerca de dois anos. Em contrapartida, acoberta a não-extradição de banqueiros (Salvatore Cacciola), ditadores (Alfredo Stroessner) e políticos burgueses. Da mesma forma, “imparcialmente” faz terrorismo psicológico noticiando como destaque o corte de ponto de grevistas pelos governos e a prisão de “vândalos” e “baderneiros” no que chama de “excessos” dos movimentos sociais. O apoio da Rede Globo e demais órgãos da imprensa burguesa (como o jornal Folha de S.Paulo) à ditadura militar foi “resolvido” com uma cínica e curta autocrítica no ar (se é que aquilo pode se chamar de autocrítica).

Seguindo as orientações da chamada “indústria de notícias”, que é um braço da “indústria cultural”, todas as notícias são dadas da mesma maneira superficial e/ou tendenciosa, sem procurar entrar nas suas causas mais profundas. A maneira que a burguesia encontrou para prestar “informações” sem comprometer os seus interesses foi justamente escondendo-se atrás desta superficialidade, dando pequenos retoques tendenciosos que são imperceptíveis ao senso comum. Trata-se da linguagem que procura atingir e seduzir o maior número de leitores e telespectadores. Esta forma está diretamente vinculada à produção de notícias e aos modelos de objetividade importados. A linguagem jornalística é levada ao extremo da simplificação, a ponto de retirar das notícias – cada vez mais breves e mais curtas – a possibilidade de contextualização. Isso contribui para o empobrecimento da interpretação dos fatos e da conjuntura. Esses fatores parecem suficientes para comprovar o argumento da sujeição dos conteúdos jornalísticos à racionalidade da organização industrial capitalista[7].

É importante destacar a forma como os jornalistas são formados no Brasil (na verdade, seria mais correto dizer “deformados”). Em cadeira da faculdade de jornalismo da Famecos (PUCRS) existem professores que colocam como pauta principal e permanente a queda dos "regimes comunistas". Não há uma única aula sem um ataque aberto ou dissimulado à esquerda. Certo dia, o professor perguntou aos alunos se eles conheciam o CPERS[8]. Ninguém conhecia, a exceção de uma pessoa. Em seguida, perguntou: "em uma greve de professores quem vocês devem entrevistar?". Silêncio absoluto! O professor respondeu: "É claro que os alunos, os principais prejudicados pela greve; e o governo, que também é afetado". Em nenhum momento ele falou que deveriam entrevistar um professor. É assim que se formam as novas gerações de jornalistas para a “indústria da notícia” da grande mídia.

É preciso não esquecer ainda que ela utiliza a seu favor a grandeza geográfica do país, abafando casos regionais de grande repercussão, dando ênfase a temas secundários em suas afiliadas, priorizando apenas o que convém ao grande capital. Os casos de corrupção são emblemáticos. Quando se quer desgastar o governo se dá ênfase para determinadas coberturas, como é o atual caso da “Operação Lava Jato”, que visa desestabilizar o governo Dilma e o PT, não necessariamente para derrubá-lo, mas para quebrar qualquer possibilidade de resistência à aplicação plena do programa neoliberal de “ajustes”. Quando os governos do PT estavam em seus primeiros mandatos, a grande mídia deu todo o suporte político para a frente popular atuar e frear o movimento operário, divulgando suas “pesquisas de opinião” sobre a alta popularidade de Lula e propagando a falácia da diminuição da pobreza e do aumento numérico da classe média. Em outros casos, a atenção do público é desviada para assuntos diversos, ainda que se fale rapidamente do escândalo de corrupção (como foram os casos do governo FHC). Em nenhum desses casos as suas reais causas são debatidas e desnudadas.

Atualmente tem se tornado comum a disputa pelo número dos participantes dos atos de rua, numa grande manipulação por parte da grande mídia para demonstrar como vazios os atos dos trabalhadores e como de massas os atos da direita contra o governo. Usam os números da polícia contra os apresentados pelos sindicatos. Da mesma forma, a grande mídia tem “denunciado” sistematicamente o “corporativismo nos sindicatos”. Traduzindo para uma linguagem proletária, isto significa a denúncia da burocracia sindical e a sua utilização dos sindicatos como um bloco que se contrapõe, às vezes, aos interesses imediatos da grande mídia. Como sabemos, a burocracia sindical é um câncer que usurpa a direção dos sindicatos da verdadeira representação da sua base. Contudo, esta crítica deve ser feita pelos trabalhadores conscientes, e não pela grande mídia, até porque o corporativismo do conglomerado monopólico de “comunicação” é infinitamente maior e mais influente.

Os comentaristas dos telejornais e jornais impressos de grande circulação personificam todo o reacionarismo da oligarquia brasileira. São colunas e mais colunas preenchidas pelas mesmas posições: umas mais exaltadas (Arnaldo Jabor, Percival Puggina, Olavo de Carvalho, Paulo Santana, Boris Casoy), outras mais brandas (LF Veríssimo, Túlio Millman, Zuenir Ventura, Fernando Mitre). Entre umas e outras, emerge algum intelectual que não ultrapassa os limites do reformismo mais rasteiro (Juremir Machado, Flávio Tavares, Ricardo Boechat). Dada a repetição de notícias manipuladas e comentários reacionários, quando surge uma voz que destoe um pouquinho, é recebida com grande entusiasmo por setores da “esquerda”. O que, na verdade, não passa de uma válvula de escape!

É bastante ilustrativo analisar o programa da Band, chamado eufemisticamente de “Canal Livre”, abordando o tema da terceirização, que estava para ser votado no Congresso Nacional e sofria forte oposição da maioria da sociedade. Para debater o projeto de terceirização, foi selecionado “Delphin Neto” (ex-ministro da economia da ditadura militar e guru da direita). No programa de 26 de abril ele disse: “O problema das terceirizações é só sobre quem vai ficar com o imposto sindical”; e acrescentou: “sindicato + política = corrupção”. Ou seja, sua atuação foi no sentido de facilitar a aprovação do PL no Congresso e de confundir descaradamente o senso comum do povo, utilizando-se para isso de preconceitos arraigados nestes setores mais atrasados, como o ódio inconsciente contra as burocracias sindicais. Além disso, reforçou o economicismo, afirmando diversas vezes que os sindicatos e, consequentemente, os trabalhadores, não devem se meter em política. Este preconceito, que é na verdade uma catástrofe, tem amplo eco nos setores mais atrasados da classe trabalhadora, que atribuem as derrotas e traições da burocracia sindical não ao capitalismo e aos seus efeitos, mas à participação abstrata dos partidos políticos nos sindicatos. Os trechos desse “debate” foram apresentados em diversos telejornais da emissora. Houve ainda um novo programa sobre o tema em que foi levado um professor da USP que expressou exatamente as mesmas posições só que de maneira diferente. Nenhuma posição contrária a estas foi apresentada nestes espaços “livres”.

Os observadores um pouco mais atentos, críticos e honestos, percebem sem grandes dificuldades a verdadeira campanha que o jornalismo da grande mídia faz para sustentar as bandeiras políticas e econômicas da burguesia nacional e do imperialismo. Há requintes de verdadeiras campanhas surdas, repetidas como “tantras”.
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O jornalismo esportivo, por sua vez, se centra praticamente no futebol, dando ênfase quase que exclusiva ao clube dos 13. Foi este tipo de jornalismo, repetido diariamente, que elegeu e transformou o futebol como “paixão nacional”, ajudando a esconder a corrupção reinante nesse meio (vide o caso da FIFA e da CBF). A paixão não é pela prática, mas por acompanhar os grandes clubes, que movem bilhões de reais. As grandes emissoras, como a Globo, além de deterem o monopólio da transmissão dos jogos, definem os horários segundo as conveniências da sua grade de programação. Não há incentivo pela prática esportiva como forma de disciplina e educação, mas apenas a intenção de criar um verdadeiro fanatismo dos grandes clubes que serve como catalisador do descontentamento social e dos problemas pessoais, sejam eles descarregados através da catarse dos estádios de futebol ou atrás da tela da TV. Não se trata de ser contra o esporte em si, mas contra a sua utilização midiática para alienar, vender e idiotizar a população.

b) Programas sensacionalistas (de jornalismo policial e de variedades): tornou-se uma verdadeira “febre nacional” os programas policiais na grande mídia (Cidade Alerta, Brasil Urgente e Balanço Geral são alguns deles). Eles abordam principalmente os casos de mortes, assaltos, assassinatos, tráfico de drogas e, também, as falhas na prestação do serviço público (atraso de obras, descaso em hospitais, escolas, etc.); sobretudo retrata as grandes periferias e os grandes bolsões de miséria, onde vive gente sem perspectiva.
           
O jornalismo oficial (apresentado anteriormente) e este “jornalismo” policial desenvolvem uma relação dúbia e cínica com o público. Ao mesmo tempo em que defendem abertamente os projetos da burguesia contra o povo (privatizações, planos de ajustes, austeridades; em suma: toda a ordem social burguesa que domina, explora e oprime os trabalhadores), precisam amaciá-lo, amansá-lo, bajulá-lo, fingir que lhe presta um serviço de utilidade pública. Criticam os políticos, os projetos públicos que nunca terminam ou sequer saem do papel, bem como a atitude de arbitrariedade para com os serviços públicos. Na verdade, tudo isso é apenas uma válvula de escape para conseguir audiência e aliviar a pressão do descontentamento social, pois a sua verdadeira função é criminalizar a pobreza, apavorar a classe média com a barbárie do submundo das periferias e facilitar a intervenção armada do Estado nas favelas, onde impera uma verdadeira ditadura sobre o povo pobre. Essa campanha de criminalização da periferia serve como uma forma de legalizar a ocupação militar, como as UPPs no Rio de Janeiro, dentre outros lugares.
           
Não há dúvida que os crimes urbanos são bárbaros. Denotam a completa falta de humanidade e de civilidade dos setores excluídos da sociedade capitalista oficial. Porém, estes programas sensacionalistas nunca debatem as raízes da criminalidade: desemprego, miséria, fome, prostituição, a existência de inúmeras favelas que, em pleno século 21, não dispõem sequer de saneamento básico e, em alguns casos, de luz elétrica. Apenas culpabilizam os pobres por serem violentos, como se a sua realidade social não tivesse nada a ver com a criminalidade reinante. Estes programas não querem discutir seriamente as raízes da criminalidade porque, no fundo, não podem desnudar as reais causas que a criam: o capitalismo; pois isso iria contra a fonte de sustento da sua própria emissora e, consequentemente, contra si mesmo.

c) Programa de fofocas, de crises familiares, de “humor” e idiotizantes: Como o capitalismo não pode propiciar um lazer edificante aos trabalhadores, uma vez que isso poderia quebrar a corrente da alienação que proporciona o lucro e a ordem social burguesa, investe em programas que reforçam e aprofundam os instintos animais da população. Uma verdadeira onda de programas que abordam a vida de “famosos” se proliferou assustadoramente nos últimos anos, disseminando as mesquinharias mais insignificantes da vida dos famosos no sentido de prender a atenção do telespectador comum. Horas de ócio são perdidos na frente da TV, vendo programas deste nível. Faz parte da lógica do sistema manter um showbusiness, com nomes de cantores, jogadores e atores da moda, que mudam depois de algum tempo; mas a lógica geral nunca é quebrada.
           
Como se não bastasse o capitalismo proporcionar a desfragmentação familiar, obrigando crianças e jovens sem pais e sem perspectivas de futuro a trabalhar como mão de obra barata muito antes do seu amadurecimento emocional, a grande mídia passou a se aproveitar das brigas familiares que, geralmente, tem como pano de fundo uma disputa econômica (pagamento de pensão, alugueis, cestas básicas, etc.) ou traições conjugais. A maior parte destas famílias são miseráveis, cheia de carências e dificuldades econômicas e emocionais. A briga de vizinhos que gera a fofoquinha mais desprezível no bairro, na rua, no boteco da esquina, que não pode ser acompanhada em razão de um certo “incômodo moral”, agora pode ser visto de camarote pela TV, seja no “Casos de Família”, “Teste de Fidelidade” ou “Programa do Ratinho”, com o seu nefasto e deprimente teste de DNA, que realiza um “serviço” para uma família sem condições econômicas, enquanto explora o “espetáculo” de sua desgraça. Da mesma forma, famílias endividadas pelo extorsivo sistema bancário e pela carestia de vida, participam de programas que podem lhe proporcionar dinheiro desde que acertem ou cumpram joguinhos infantis que nada acrescentam culturalmente ao povo brasileiro (Programa Silvio Santos, do Gugu, Mega Senha, Caldeirão do Huck, etc.). Pode haver barbarismo mais desprezível transformado em suposto entretenimento? O que programas desta estirpe, que ocupam o horário nobre da TV brasileira, incentivam a população a fazer?
           
Outros tipos de programas de “humor” e entretenimento, também de baixo nível, levam à idiotização da população: Pânico na Band, Jack Ass, Big Brother Brasil, programas de auditório que se repetem incessantemente (Domingo Legal, Domingão do Faustão, Hora do Faro, Esquenta, etc.). É incentivado um humor barato, que na verdade apenas “idiotiza” a população e realiza passatempos que prendem a atenção de forma a desligar-se da realidade. Entre as emissoras se desenvolve uma luta por audiência visando desesperadamente o mercado publicitário. Os programas não são nivelados por cima, mas por baixo. Exploram o corpo da mulher e o sexo de maneira vulgar. Programas como o Esquenta, da Rede Globo, glorificam a favela, a pobreza e a miséria, como se tudo isso fosse muito bonito e natural. As músicas e as bandas são amplamente veiculadas não pela sua qualidade musical, mas de acordo com a venda de CD e jingles, que proporcionem refrões fáceis, de baixo nível melódico e de conteúdo. O mercado de filmes e de livros segue a mesma lógica. A escolha artística e cultural, portanto, não é feita por sua qualidade, escolhida livremente pelo povo, mas pelo crivo das emissoras, gravadoras e editoras, que colocam as suas exigências de mercado acima das exigências da qualidade artística. Assim, a cultura popular e o nível intelectual do povo são sempre nivelados por baixo com a desculpa do ibope e da audiência. Para fazer a população se interessar por uma cultura mais elevada é preciso quebrar esta lógica empresarial da grande mídia e, sobretudo, o seu “direito” de propriedade.

d) Novelas da Globo: “fábrica de sonhos” ou “fábrica de manipulações sutis”? As novelas da Globo geralmente tratam dos temas infalíveis: amor, traições, crises familiares, emocionais, desentendimentos humanos; enfim, de questões comuns ao dia-a-dia da população. É de contrabando com estes temas que são trazidos a público assuntos moralistas e de conduta, bem como questões políticas imperceptíveis ao senso comum.
           
Além disso, as novelas vendem “moda”, através das roupas e maquiagens, bem como estética através dos atores. Também vendem músicas para as grandes gravadoras; serviços financeiros para os bancos; além de uma verdadeira campanha de catequização de diversas doutrinas religiosas (católicas e espíritas, na Globo; evangélicas na Record). Esta catequização ocorre de forma velada, escondida sob uma roupagem insuspeita e “ingênua” de uma singela história de amor. Todas as novelas, independentemente de emissora, fazem propaganda política e ideológica de alguma forma.
           
Alguns exemplos: em o Salvador da Pátria (1989), o protagonista Sassá Mutema (Lima Duarte) é uma alusão à Lula, que, naquele momento histórico em que o PT ainda defendia algumas bandeiras progressivas, tentava chegar à presidência da República lutando contra Collor de Melo. O trabalho oculto da novela consistiu em colocar o semi-analfabeto Sassá Mutema como um frustrado candidato à prefeitura da cidade fictícia, querendo induzir a população a pensar o mesmo de Lula. O resultado desta manipulação, somado a outros meios, foi extremamente eficaz. Outro exemplo é a novela Duas Caras (2008), que através da ascensão de um líder comunitário e populista, Juvenal Antena (Antonio Fagundes), faz uma crítica a Hugo Chávez na Venezuela. O chavizmo estava em seu auge na época em que a novela foi transmitida. Além disso, a novela queria desmoralizar o movimento estudantil – que estava em ascenso a partir das ocupações de reitoria – através de um estudante que só aparecia dizendo coisas sem sentido e que nos embates com o reitor sempre saía derrotado, sem argumentos consistentes, ora apresentado como um baderneiro, ora como um ingênuo ou irresponsável. Esses são apenas alguns exemplos; muito mais poderia ser dito.

Para muitas vidas solitárias nos grandes centros urbanos, a TV passou a ser uma companheira que “fala”, lança sons e imagens para ilusoriamente diminuir a angústia da solidão de centenas de milhares de indivíduos. Muitas pessoas se emocionam, choram e chegam até mesmo a se apaixonar por apresentadores, atores, artistas e jornalistas da TV. A “fábrica dos sonhos” não está preocupada com o avanço da arte cênica (ainda que existam boas produções do ramo ligadas à adaptação de obras literárias), mas sim, na manipulação política através da exploração do lado emocional da população.



e) Programas religiosos X programas científicos (restritos à TV fechada): várias emissoras destinam seus horários nobres para uma catequização em massa. Um pastor, que mais parece um político em campanha eleitoral, divulga sua doutrina religiosa e, por trás dela, reafirma sutilmente bandeiras políticas reacionárias (contra o aborto; defesa da família patriarcal, da pátria, etc.). Todo o imaginário religioso e místico da população é trabalhado em um espaço televisivo que poderia ser utilizado para a divulgação da ciência ou de alguma grande produção cultural da humanidade.

Os programas sobre ciência estão em absoluta desvantagem em comparação ao misticismo religioso, amplamente patrocinado. Algumas igrejas detém diretamente o controle de emissoras de TV e empresas de comunicação (como é o caso da Rede Record, controlada pela Igreja Universal; e a Rede Vida, uma das emissoras controladas pela Igreja Católica dentre várias outras que influencia indiretamente). A maior parte dos programas científicos estão restritos à TV fechada e, tanto estes, quanto os da TV aberta, sofrem com a infiltração do misticismo. Isto é, apresentam à população conclusões pseudo científicas, que reforçam de uma forma ou outra o pensamento religioso e idealista. Diversas reportagens tratam insistentemente de fatos “sobrenaturais”, não para esclarecê-los, mas para instigar o medo e o lado místico do povo.
           
A tamanha desproporção entre os horários dos programas religiosos e os programas “científicos” (se é que podemos chamá-los assim), torna a afirmação de que o Estado brasileiro é laico uma farsa. Na verdade, demonstra apenas que se trata de um cinismo institucionalizado. A TV e a grande mídia patrocinam a catequização religiosa do povo (católica, evangélica, espírita, mística) visando uma finalidade de dominação política. Quem é doutrinado no abstrato, no além, no sobrenatural, não consegue enxergar o real, o humano, o político, o concreto. Quanto menos capacidade crítica e científica tiver a população, mais facilmente será dominada e iludida por qualquer engodo veiculado na grande mídia.
           
O militante trotskista norte americano, George Novack, analisando o conteúdo do mercado editorial dos EUA, nos dá uma excelente análise de como a grande mídia trata a questão da ciência (materialismo) X religião (idealismo): “Os defensores do capitalismo – da universidade e das igrejas aos meios de comunicação – realizam persistentes esforços para evitar a penetração do pensamento materialista. Aqui vai um exemplo típico. A publicação de Henry Luce, Life, a revista de maior circulação nos EUA, é um dos protagonistas mais ativos da cruzada antimaterialista. Em 1956 publicou uma série sobre a ‘epopéia do homem’ que tratava das últimas descobertas científicas sobre as origens da civilização. Era impossível referir-se a este tema sem minar, ainda que por suas implicações, o cristianismo ortodoxo. Se, como demonstra indiscutivelmente a teoria da evolução, o homem surgiu do reino animal, que crédito pode ser dado a Adão e Eva e fábulas similares sobre a origem divina do homem? Os editores se apressaram em vacinar seus leitores contra qualquer heresia materialista: ‘a cosmogonia materialista – escrevem – demonstrou ser tão pouco satisfatória como a leitura literal do Gênesis, do sistema geocêntrico de Ptolomeu ou o universo mecânico de Newton. E o segredo da origem do homem e a razão de sua existência nesse planeta seguem sendo tão misteriosos como antes’. Ou seja, todas as conclusões da ciência não nos dizem nada que as tribos israelenses não soubessem sobre o desenvolvimento do mundo e o destino da humanidade! Descartada assim a ‘cosmogonia materialista’ (e de passagem os resultados da ciência), os editores colocam que o surgimento e a atividade da ‘consciência’ constitui a prova decisiva da natureza divina do homem. Contrapõem a moralidade eterna às conclusões da ciência moderna que se baseia no método do materialismo. Os argumentos teóricos destes apologistas da existência de deus são tão débeis como imensos seus recursos financeiros e influências. Mas uma coisa é evidente. Estes defensores da religião e do capitalismo consideram o materialismo seu principal inimigo ideológico, que precisa ser combatido ainda que o custo signifique o suicídio da ciência. Estes cérebros que funcionam nos arranha-céus se colocam no mesmo nível que os adversários do materialismo da Grécia antiga, os caçadores hereges da Europa católica e os caipiras batistas que tentavam banir o darwinismo no Tenesee há algumas décadas”[9].

A longa citação foi necessária porque elucida a questão.

f) O horário eleitoral, os debates e a cobertura das eleições na grande mídia: O nível político da democracia burguesa é tão baixo que o grande trunfo dos partidos é o controle da maior parcela do horário eleitoral. Geralmente ganha as eleições quem tem o maior tempo de TV; daí advém muitas coligações esdrúxulas visando esta finalidade ou leiloando os seus minutos de TV. Para muitos partidos – inclusive os reformistas – participar das eleições é apenas uma oportunidade de aparecer na TV como um fim em si mesmo. A partir destas aberrações se pode constatar a total falta de democracia, pois como é possível achar normal o tempo de 10 ou 5 minutos para alguns partidos e 45 ou 50 segundos para outros? Não deveria haver um rateio de tempo entre todos os partidos e o que apresentasse o melhor programa se consagrasse vencedor? Isso é impossível, pois, no essencial os programas políticos são idênticos e os partidos reformistas não rompem com a lógica geral do discurso eleitoral, mantendo a sua propaganda dentro dos marcos da democracia burguesa, do reformismo e do doutrinarismo (ainda que eventualmente um que outro partido reformista fale em “revolução” de uma forma totalmente dogmática, descontextualizada e demagógica). Vencem, portanto, os partidos que aparecem mais, que conseguem mesclar a melhor publicidade de um “candidato-mercadoria” com a lavagem cerebral feita em forma de jingle e efeitos especiais; além, é claro, dos seus contratos ocultos com grandes empresas, empreiteiros, latifundiários e o imperialismo.
           
O que se vê no horário eleitoral na TV é uma voraz disputa pelo voto, sem nenhum argumento consistente. Não se debate programa político. O que se tenta é vender um produto, uma imagem. Geralmente os horários eleitorais fazem filmes que mostram o “drama” da trajetória pessoal dos candidatos, suas relações familiares, suas "qualidades" pessoais, etc. Estes filmes tentam comover o lado emocional da população, mostrando-os como “pessoas comuns” que não teriam interesses econômicos maiores a zelar. Que voto um político poderia receber se defendesse em seu horário eleitoral o corte de gastos para pagar as dívidas externa e interna? Que privatizaria empresas públicas, portos e rodovias? É evidente que tudo isso fica para “depois da eleição”, enquanto que no horário eleitoral é legalizada a propaganda pela metade, distorcida, omissa ou mesmo mentirosa. O programa de governo não é apresentado porque, no essencial, todos são iguais. O horário eleitoral, portanto, não serve para esclarecer, mas somente para vender ilusões, imagens, tal como um anúncio publicitário qualquer. Isto é assim porque os candidatos e os partidos não podem apresentar abertamente o seu programa, que nada mais é do que os interesses do capitalismo: o desmonte dos serviços públicos, a entrega dos recursos naturais e financeiros ao imperialismo, o pagamento da dívida interna e externa; em suma, a política de benefício do grande capital em detrimento dos “interesses públicos”. É por isso que votar não muda pra melhor a vida dos trabalhadores.
           
Outra manipulação descarada da grande mídia são as “pesquisas eleitorais” que induzem descaradamente o voto apresentando os candidatos e partidos “mais bem posicionados”. A partir daí, ela dá maior cobertura a estes candidatos, o que é outra aberração. Este tipo de pesquisa prévia deveria ser proibida, mas é exatamente ela que dá a tônica para o “debate eleitoral” e para as eleições. Em 2014 as pesquisas erraram descaradamente (não 1 ou 2 pontos percentuais, mas mais de 20%) e causaram grande comoção, levando à proposta de criação de uma CPI no Congresso Nacional, que foi rapidamente abafada através do lobby dos grandes monopólios de “comunicação”.
           
O debate eleitoral é outra farsa, montado capciosamente para não se debater nada de sério e profundo. Não se debate programa político, mas temas genéricos, como saúde, educação e moradia, sem nunca tocar em temas caros ao capitalismo como a dívida externa e interna, que consomem quase 50% dos recursos do país. Como é possível ter política para os serviços públicos mantendo o superávit primário para pagar os juros das dívidas? Não seria mais honesto debater prioritariamente a questão das dívidas ou, então, dizer honestamente como os custos serão passados para o povo?

O regime democrático-burguês, através da grande mídia, dá as piores desculpas para excluir os partidos de "esquerda" dos debates na TV: representação no Congresso Nacional. Isto, na verdade, é uma desculpa esfarrapada; é falta de vontade política, censura. Ainda que no essencial estes partidos sejam reformistas e não representem ameaça ao regime, podem levantar temas e questionamentos incômodos que, em épocas eleitorais, mudem um pouco a matemática das posições, das manipulações e da vitória final. Cabe ressaltar ainda a manipulação do debate eleitoral entre Collor e Lula em 1989 pela TV Globo – manipulação esta admitida atualmente pelo diretor Boni, que nenhum tipo de penalidade sofreu por isso, nem a sua emissora.

Todos os debates verdadeiramente essenciais estão fora do horário eleitoral, que servem apenas para uma propaganda enganosa, ou são deturpados e manipulados. Não há como se “informar” seriamente sobre a situação política do país e nem escolher em quem votar, porque não existe explanação de propostas e debates verdadeiros na TV, apenas clichês, dissimulações e manipulação.

g) Propagandas: Os informes publicitários consomem a maior parte do tempo da TV. Não há nenhum programa televisivo que não tenha um patrocinador e que dê grande destaque para a propaganda. Este mercado é praticamente dominado pelos grandes empresários, sobretudo os ligados ao ramo das multinacionais montadoras de carros, que pagam pelo horário nobre. Quem paga a banda, escolhe a música. O conteúdo da TV não é livre. Está totalmente subordinado ao grande capital que anuncia seus produtos nos horários destinados à propaganda e sustenta toda esta estrutura de alienação.

Nesse sentido, a declaração de Roberto Irineu Marinho é esclarecedora: “Não tenho dúvida que a Globo do futuro continuará jovem, continuará vibrante e continuará a dona do seu tempo, informando, divertindo e emocionando os brasileiros. E que, juntos, continuaremos a explorar as oportunidades que assegurem o fortalecimento de nosso mercado e os melhores resultados para os nossos anunciantes”[10]. A grande mídia e as suas empresas monopólicas estão estruturadas conforme os interesses dos seus anunciantes. E é a partir daí que temos o fim de qualquer resquício de “liberdade de imprensa”. As emissoras e jornais publicam notícias de interesse de uma grande empresa e, em contrapartida, esta compra um determinado espaço publicitário[11].

As notícias, programas e matérias dos jornais impressos são feitas para preencher os espaços “deixados em branco” pelos anúncios. O setor de publicidade é o que define o espaço inicial, programado, página por página, programa por programa, dos anúncios a serem inseridos. O que sobra de espaço é distribuído entre as várias editorias, e a divisão é feita em proporções variáveis. A redação tem um caráter subordinado ao setor de publicidade, que é utilizado para instigar e direcionar o consumismo de acordo com as exigências do mercado e, é claro, do setor capitalista que pagar mais caro. Os governos em todas as suas instâncias também se utilizam da propaganda midiática para divulgar seus “feitos”, obras e os falsos slogans para melhor iludir os trabalhadores (Brasil: um país de todos; cada vez mais independente; sem pobreza, etc.). Para isso, compram espaço na mídia com dinheiro público.

As grandes empresas de comunicação ainda ganham isenções fiscais para prestar supostos serviços públicos, como veicular propagandas de instituições de caridade, como a APAE, o horário eleitoral e a propaganda política obrigatória. Além disso, as isenções de impostos aumentam quando as emissoras realizam programas assistencialistas como “Criança Esperança”, “Teleton”, dentre outros. É um “negócio da China”: os monopólios da grande mídia ganham rios de dinheiro com poucos minutos de espaço publicitário e isenções fiscais para fazer um suposto trabalho filantrópico. Com tal funcionamento, é óbvio que os monopólios midiáticos só poderiam trabalhar no sentido da luta visceral contra o socialismo.

Conclusões
No meio deste mar de manipulações e falsificações encontra-se algum tipo de prestação de serviços (notícias sobre o trânsito, previsão do tempo, informação de prazos), notícias úteis (até mesmo que aborde algum aspecto progressivo da conjuntura ou da luta dos trabalhadores), programas educativos e produções artísticas interessantes. Porém, encontram-se tão soterrados por toda esta estrutura midiática que é muito difícil encontrá-los ou não deixá-los se anular por este turbilhão de programas idiotizantes e manipuladores, cuja finalidade, como se viu, é alienar as massas trabalhadoras. Além disso, um instrumento com grande poder educativo como a TV não pode ser utilizado como uma máquina para o consumismo e a manipulação política inescrupulosa e capciosa.
           
Os gritos da grande mídia contra a inexistência de “liberdade de imprensa” nos países ditos “comunistas” ficam, assim, desmascarados. É tudo um jogo de cena para desviar a atenção da verdadeira censura à liberdade de imprensa que sofremos no “mundo civilizado ocidental”. O primeiro pré-requisito para a existência de liberdade de imprensa, como foi bem definido por Marx, é que ela não seja um negócio. E como vimos, ela é um dos negócios mais lucrativos, conformando monopólios que influenciam e alienam milhões de seres-humanos, seguindo, unicamente, o que entendem por “liberdade de imprensa”. Tudo o que fere o seu direito de propriedade e de continuar sendo um monopólio imensamente lucrativo é tratado como um “ataque à liberdade de imprensa”. É uma contradição absurda falar em liberdade de imprensa enquanto houver monopólio privado dos meios de comunicação. Para que ela exista efetivamente, a propriedade dos meios de comunicação precisa ser socializada.
           
A política do PT de regulamentação da mídia (repetida por PSOL e outros satélites) não resolve o problema real de censura e manipulação. Os encontros nacionais convocados pelas correntes sindicais e políticas do PT tinham dois eixos centrais: regulamentação de funcionamento para tentar evitar as manipulações; e o incentivo às mídias alternativas (internet, redes sociais, rádios comunitárias, etc.). Contudo, esta política apenas cria novas ilusões de que é possível controlar os monopólios midiáticos dentro do capitalismo e de competir com a grande mídia a partir das mídias alternativas. Esta política reformista é outra catástrofe que nem sequer se propõe a responder as distorções da grande mídia sobre os “ataques à liberdade de imprensa”. Não pode cumprir este papel em razão do caráter de classe do PT e dos seus governos.
           
A única forma de criar uma mídia que sirva aos interesses do povo é expropriando os grandes monopólios midiáticos e colocando-os sob controle das organizações proletárias. Para isso, é necessário uma revolução socialista, preparada por uma organização prévia dos trabalhadores, dentre as quais a principal é a construção de um partido revolucionário. Somente estas condições poderão permitir o debate da programação e dos conteúdos por congressos periódicos de trabalhadores, convocados e debatidos com toda a sociedade, transformando a TV de um instrumento de alienação, opressão e dominação, em um meio para a formação educativa, cultural e social de todo o povo.
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A luta política no final do século XIX e início do XX se dava através da criação e propagação de um jornal, que defendia abertamente posições partidárias. São exemplos disso a imprensa abolicionista e republicana, bem como os jornais das duas facções envolvidas na Revolução Federalista do Rio Grande do Sul. A expressão mais alta desta luta ideológica deu-se através dos jornais Iskra e Pravda do Partido Bolchevique, na Rússia. Em maior ou menor medida, a luta ideológica se processava em pé de igualdade de recursos. Os jornais conseguiam difundir-se, mesmo proibidos ou com poucos recursos. Não havia um abismo tão gigantesco entre a mídia burguesa e a imprensa operária.
           
Atualmente salta aos olhos esta disparidade de forças. Enquanto a burguesia dispõe de TV, rádio, jornais de grande circulação, portais de internet; a esquerda segue restrita ao velho jornalismo e às mídias alternativas e redes sociais (que, como foi dito, são muito importantes, mas não conseguem competir seriamente com a grande mídia). Contudo, essa dura conclusão não deve servir como desculpa para a prostração e o ceticismo. Enquanto não é possível atingir os objetivos de socialização dos monopólios midiáticos, é dever dos revolucionários denunciar as manobras e manipulações da grande mídia por todos os meios que lhes forem acessíveis e apresentar o programa socialista aos trabalhadores. Deve-se tornar prática comum do trabalho revolucionário atual desmascarar uma a uma as notícias falaciosas e tendenciosas veiculadas pela grande mídia. Por hora, o melhor remédio é formar as novas gerações de revolucionários vacinados contra a grande mídia e habituados a respondê-la no melhor estilo da crítica marxista.



NOTAS



[1] FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústria de notícias: capitalismo e novas tecnologias no jornalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
[2] Capparelli, 1989, p.23, in FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústria de notícias: capitalismo e novas tecnologias no jornalismo contemporâneo (p. 93). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
[3] Esta declaração foi dada na solenidade de premiação dos 50 anos da Rede Globo pela Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), com matéria exibida no Jornal da Globo de 15 de maio de 2015.
[4] FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústria de notícias: capitalismo e novas tecnologias no jornalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
[6] Revista Época, editora Globo, junho de 2015, “O triunfo do traidor herói”, página 14 (negritos nossos).
[7] FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústria de notícias: capitalismo e novas tecnologias no jornalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.
[8] Sindicato dos professores e funcionários de escola do RS. O segundo maior sindicato do país e o maior do RS.
[9] NOVACK, George. As origens do materialismo. São Paulo, 2015. Editora Sundermann.
[10] Declaração dada por R.I. Marinho na solenidade de premiação pela Abap aos 50 anos da Rede Globo (ver nota 3).
[11] FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. Indústria de notícias: capitalismo e novas tecnologias no jornalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.