domingo, 19 de abril de 2015

Dois poemas modernistas

O Rebanho

Oh! minhas alucinações!
Vi os deputados, chapéus altos,
Sob o pálio vesperal, feito de mangas-rosas,
Saírem de mãos dadas do Congresso...
Como um possesso num acesso em meus aplausos
Aos salvadores do meu Estado amado!...

Desciam, inteligentes, de mãos dadas,
Entre o trepidor dos taxis vascolejantes,
A rua Marechal Deodoro...
Oh! minhas alucinações!
Como um possesso num acesso em meus aplausos
Aos heróis do meu Estado amado!...

E as esperanças de ver tudo salvo!
Duas mil reformas, três projetos...
Emigram os futuros noturnos...
E verde, verde, verde!...
Oh! minhas alucinações!
Mas os deputados, chapéus altos,
Mudavam-se pouco a pouco em cabras!
Crescem-lhe os cornos, descem-lhe as barbinhas...
E vi que os chapéus altos do meu Estado amado,
Com os triângulos de madeira no pescoço,
Nos verdes esperanças, sob as franjas de ouro da tarde,
Se punham a pastar
Rente do palácio do senhor presidente...
Oh! minhas alucinações!

(Mário de Andrade, in Paulicéia Desvairada, 1922)

Erro de português

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

(Oswald de Andrade, in Pau-Brasil, 1926).

Os poemas “O Rebanho” e “erro de português” dos poetas modernistas Mário de Andrade e Oswald de Andrade abordam o tema da situação política brasileira, tanto do ponto de vista da sociedade “independente” pós-colonização portuguesa, quanto do início da própria colonização. A análise da situação de dependência do Brasil é uma preocupação recorrente na obra dos dois autores, que procuram ajudar na emancipação cultural e política do Brasil, bem como na criação de uma identidade nacional. Tanto um quanto outro poema contribuem para o encontro desta identidade.

No poema de Oswald percebemos claramente esta preocupação, quando logo se constata no primeiro verso uma referência à chegada dos portugueses ao Brasil. O ato de "vestir" e de "despir", expostos naqueles versos, sugere a relação de poder entre o povo dominante e o povo dominado. Vestindo os indígenas, o colonizador tinha a intenção de impor sua cultura: catequese, língua, vestimentas, etc. A maneira em que nos vestimos é uma reflexão da influência da sociedade a que pertencemos. As vestimentas de uma população refletem seus hábitos, sua cultura. O poema refere-se também às condições da chegada dos portugueses: "debaixo duma bruta chuva", que é usada para simbolizar os tempos sombrios que estavam por vir e que “nublariam” o sol da vida simples e idílica dos povos indígenas.

Já em "O rebanho", a alucinação ganha foro de “iluminação”. O tema da loucura, também presente em outros poemas de “Paulicéia Desvairada”, traduz os ritmos das negociatas políticas, captados em meio às alucinações do poeta. No primeiro verso da primeira estrofe, podemos ler "Oh! Minhas alucinações!”, trecho que se repete mais de três vezes ao longo do poema, incluindo no seu último verso. Tal frase não emoldura um texto em vão. Ela certamente remete à ideia de imaginação e desejo de algo diferente da realidade vivenciada, a qual percebemos ser a realidade política da época em questão. A seguir, o restante da primeira estrofe descreve a atitude e a pose arrogante de políticos de nosso país sob a visão irônica do poeta.

Ao aplaudir os deputados deixando o Congresso, o “eu poético” vê os distintos políticos transformados em “cabras”. Investido da liberdade pela “alucinação”, a voz lírica satiriza os políticos, que, sob a face distinta dos “chapéus altos”, envergam trejeitos, trajes e costumes de pessoas mandadas, comandadas e dirigidas, como cabras ou gado em seus rebanhos, que seguem a “correnteza”. Aqui, novamente, vemos a alegoria dos trajes estrangeiros presentes na definição da dominação e na aculturação. O parlamento brasileiro, que deveria ser soberano e “original”, além de ter de debater mais de duas mil reformas e aprovar meros três projetos, segue a imagem semelhança de um parlamento europeu, mais especificamente do parlamento britânico. As roupas para o frio, típicos do clima europeu, com os seus “chapéus altos”, cartolas, ternos e sobretudos, são trazidas mecanicamente para a realidade brasileira, onde impera um calor infernal que contrasta com tudo aquilo. Ser “civilizado” e “progressista” para eles é copiar o que vem das metrópoles européias, inclusive a vestimenta. Ainda é possível estabelecer um laço de continuidade entre “O rebanho” e “Ode ao burguês” (poema famoso que também consta em "Pauliceia Desvairada"), uma vez que se afinam como sátira, como escárnio expressionista ao burguês e à sua sociedade, criada à imagem e semelhança da sociedade burguesa européia.

O senhor presidente, por sua vez, surge com a sua figura mítica de um verdadeiro fazendeiro, dono do rebanho. O seu palácio seria uma espécie de casa grande da fazenda, dispondo de um amplo campo verde, onde os deputados-cabras pastariam conforme a vontade do dono. O uso da palavra “esperança” enche o poema de expectativa incerta sobre o futuro de nossa nação, a de “ver tudo salvo!”. Como se algo estivesse perdido, mas tivesse solução. No entanto, não é o poeta que pode agir e resolver os problemas que vê, mas aqueles que poderiam por em prática seus “projetos”. O poeta só pode esperar que eles ocorram através de suas “verdes alucinações”, onde deixa evidente que o verde é a cor da esperança.

Podemos constatar com os dois poemas analisados que eles não apenas criticam o passado colonial e a “atualidade” de repetições dos padrões e modas políticas das metrópoles européias, mas, sobretudo, investem em uma ruptura com o passado literário nacional. Ou seja, procuram a experimentação de novas técnicas e, principalmente, da liberdade poética para criticar o passado colonial e aquela realidade brasileira ainda não superada.

sábado, 4 de abril de 2015

O outono brasileiro

Em analogia ao que a esquerda e a grande mídia convencionaram chamar de “primavera árabe”, podemos dizer que no Brasil estamos vivendo um “outono neoliberal”. Os protestos contra o governo Dilma (PT), impulsionados principalmente pela oposição de direita (PSDB, Democratas, Solidariedade), apóiam-se, sobretudo, nas camadas da pequena-burguesia, ainda que contem também com o apoio de setores dos trabalhadores.

Este “movimento” defende um programa neoliberal, mas usa como disfarce para angariar mais apoio entre a população o “combate à corrupção” (dentre outras demandas reacionárias, vagas e confusas). Ele conta com o apoio dos aparatos da mafiosa Força Sindical (dirigida majoritariamente pelo partido Solidariedade) e da grande mídia, que manipulou assustadoramente números, bandeiras, consignas e tem dado gigantesco destaque para estas “manifestações” e para a operação lava-jato, visando desmoralizar o PT, não pelo que ele é hoje, mas pelo que foi um dia. O “anti-petismo” destas “mobilizações” está sendo usado para destilar ódio e preconceito contra toda a esquerda, principalmente a revolucionária. A intenção deste “movimento” é se apoiar no descontentamento popular da classe média contra a corrupção e os “altos impostos” para fazer cumprir integralmente o programa neoliberal, que atende, sobretudo, aos interesses econômicos do imperialismo norte americano, em crise desde 2008. Os setores mais atrasados desta classe média tomaram coragem para defender demandas reacionárias reprimidas e levantam abertamente medidas neoliberais (privatizem mais; fora o “comunismo”; dentre outras pérolas como a volta da ditadura militar). Querem puxar a roda da História para trás.

Exigir o fim da “corrupção” e, ao mesmo tempo, medidas neoliberais é uma contradição que estes setores não percebem (ou não querem perceber). As práticas neoliberais legalizam a corrupção. Os montantes roubados dos cofres públicos nas privatizações dos governos do PSDB fazem corar as da operação lava jato. Que moral tem PSDB e Democratas para exigir punição à corrupção na Petrobrás? Outras características do neoliberalismo, como a especulação financeira e o pagamento das dívidas externa e interna (a maior das corrupções), são fontes de inúmeras outras vias da corrupção, legal e ilegal, que a mídia não veicula e os “indignados” não contestam. Não é a toa que PSDB, Democratas e Solidariedade não criticam estas medidas do governo Dilma, bem como os seus “ajustes”, senão que é precisamente isto que visam intensificar, além, é claro, da privatização total da Petrobrás e da intensificação da retirada de direitos. Com a exploração do escândalo da Petrobrás a seu favor, o PSDB trabalha por sua plena privatização para que preferencialmente empresas multinacionais hegemonizem as novas licitações, tal como era no governo FHC. Já o PT quer seguir o seu modelo próprio de privatização, dividindo as concessões entre o capital nacional e internacional, sobretudo às empreiteiras brasileiras amigas do governo federal. Em 2008 o governo Lula anunciou a Petrobrás como a “locomotiva estatal do desenvolvimento”. A empresa era a espinha dorsal das políticas econômicas dos governos petistas; tanto é assim que ela era a responsável por 60% das obras do PAC. Portanto, os ataques fulminantes e sem tréguas da oposição de direita e da grande mídia contra a Petrobrás são premeditados e certeiros, não para resolver os seus problemas de corrupção, mas para desestabilizar o governo e acelerar a sua entrega às multinacionais do Big Oil.

Ao que tudo indica – incluindo o discurso da mídia –, não haverá impeachment, ainda que este não possa ser totalmente descartado, a depender da correlação de forças. Os setores mais conscientes deste “movimento” (Aécio, Paulinho da Força e os demais caciques das legendas de oposição) manobram dentro da legalidade democrático burguesa, ora usando a mídia, ora usando estas “mobilizações”, para desgastar política e eleitoralmente o governo federal, de olho em 2018, e, principalmente, para aplicar plenamente sua pauta neoliberal segundo o ritmo dos interesses da oposição de direita e do imperialismo.

A grande mídia, sem perder um único minuto, já saiu divulgando as declarações de Dilma para comprometê-la e pressioná-la: “Algumas das frases da presidente: – Vamos fazer os ajustes necessários, dialogando com todos, numa posição de humildade, mas com firmeza para que possamos chegar a um bom resultado (...) Não temos mais condições de fazer política anticíclica do jeito que fazíamos (...) Ninguém pode negar o fato de que fizemos de tudo para a economia reagir. A fala deu peso à tese de Christopher Garman do Eurásia Group no Brasil, que poucas horas antes havia dito, em teleconferência da GO Associados: – É hora de dobrar aposta na estratégia do Levy. O custo político de não fazer é maior. O governo está mais refém dessa agenda do que nunca (ZH, 17 de março de 2015). Eis aí o resumo da tragédia. “Ajuste”, no caso, são os cortes orçamentários, a retirada de direitos (MPs 664 e 665), novas privatizações (que o governo chama eufemisticamente de “concessões”); isto é, todas as medidas neoliberais exigidas para o pagamento das dívidas com os bancos e agiotas nacionais e internacionais.

Uma vez que o impeachment é descartado como saída imediata, os acordões de bastidores já estão sendo costurados. O PMDB (como sempre) está no centro destes acordões. É por intermédio deste partido que internamente a pressão pela “direita” será intensificada. O PT paga o preço da sua política de alianças e da sua estratégia reformista. Que nenhum trabalhador esqueça dessas lições! A degeneração do PT é irreversível e ele não pode mais fazer frente as pressões da direita: aplica planos de “ajuste” contra os trabalhadores e depois quer mobilizá-los contra a “ameaça da direita”! Hoje é um partido burguês como qualquer outro (o mesmo se aplica ao PCdoB: o cão de guarda do petismo). A classe média reacionária (que exige o “Fora PT”) vê nele ecos das greves de 1980, de “socialismo”, mas isso não passa de preconceito de classe. Delphin Neto, guru da “direita”, já deu o seu veredicto sobre os governos do PT: “Lula salvou o capitalismo no Brasil”. Ele está corretíssimo! Lula afirmou certa vez que “os banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”.

O discurso de Dilma sobre a defesa da “ordem democrática” é a confirmação do pântano em que está atolada. Seu governo não pode ir além desta ordem. E quanto mais a reivindica e sustenta, mais se afunda neste lamaçal e se torna refém da ofensiva da direita. Só um caminho revolucionário poderia romper o círculo vicioso. Mas, por tudo que já demonstrou, bem como pelo seu novo caráter, o PT não está disposto a seguir esse caminho.

A crise capitalista que se aprofunda no Brasil e no mundo exige mais sacrifícios dos trabalhadores. A oposição de direita quer os cortes e o arrocho já! O governo do PT, que já está fazendo os ajustes neoliberais, mescla a entrega das riquezas do país com doses homeopáticas de Bolsa Família e de uma pseudo política nacionalista da Petrobrás, como foi do seu feitio durante 12 anos. A oposição de direita quer a submissão total e incondicional ao imperialismo ianque (sem demagogias); enquanto que o governo do PT quer jogar com duas possibilidades: boa vizinhança com o imperialismo ianque e aproximação com China e Rússia. Para o imperialismo ianque e a oposição de direita isso é intolerável! Ainda mais quando constatamos que o governo Lula contraiu um empréstimo de U$10 bilhões com o Banco de Desenvolvimento da China (BDC) para financiar a sua política de desenvolvimento a partir da Petrobrás, que tem como contrapartida gastar U$3 bilhões em compra de equipamentos e tecnologias da China, e o comprometimento da Petrobrás em lhe fornecer 200 mil barris de petróleo por dia, durante 10 anos.

Atualmente o mundo todo está submetido à disjuntiva: EUA X China/Rússia. É só lançar um olhar mais crítico para a situação de Ucrânia, Síria (Oriente Médio em geral), Argentina, Venezuela. Entre os primeiros países, os ânimos estão acirrados ao ponto do enfrentamento militar aberto; e nos segundos, ao enfrentamento disfarçado. Por aqui, a “mobilização” pacífica das bandeiras neoliberais vai cumprindo a sua missão. O patriotismo deste “movimento” e dos partidos da oposição de direita é profundamente cínico, pois significa apenas a incondicional submissão aos interesses do imperialismo ianque. O único e verdadeiro “patriotismo” é o que levanta e defende a bandeira histórica dos trabalhadores: o socialismo; ou seja, valoriza o povo e, por isso mesmo, defende a unidade internacional de todos os trabalhadores, que não tem pátria. O discurso patriótico sempre serviu como uma luva para o fascismo. Agora não é diferente.

As organizações da “esquerda” brasileira faliram. Cumprem um papel de auxiliar de um ou outro setor da burguesia. Ou apóiam o governo com a desculpa de “golpe da direita”, ou apóiam indiretamente a direita quando esquecem da correlação de forças da conjuntura para impor um governo alternativo ao de Dilma. É preciso uma análise lúcida dos fatos para rebater as armadilhas dos dois campos burgueses, dando ênfase para o atual ascenso da direita em todo mundo, fruto do acirramento da crise capitalista internacional.

A política cotidiana dos partidos de esquerda (PSOL, PSTU, PCB e PCO) é de sustentação do sindicalismo cutista, ainda que defendam eventualmente a desfiliação de sindicatos da CUT. O PSOL chega ao cúmulo de defender uma “frente popular” contra o “ascenso da direita”, exigindo que o governo Dilma “reverta o modelo” político que vem aplicando e propondo um programa mínimo em conjunto com setores do PT. Não se pode ter um programa em comum com o PT; no máximo, atos específicos em repúdio à “direita” e o seu “golpismo”, no sentido de alertar e mobilizar os trabalhadores. A nossa propaganda e programa devem ter total independência do PT. Da mesma forma que o PSOL, o PSTU trabalha no sentido de aprofundar as ilusões políticas no governismo. A sua política de exigências para que CUT, UNE e MST rompam com o governo é uma tragédia, pois serve apenas para gerar ilusões de que estas entidades burocratizadas até a medula possam efetivamente romper com o governo (na verdade, estas exigências são um presente para ele). Chega ao cúmulo de exigir que a Força Sindical rompa com o PSDB! O PSTU ainda defende uma “greve geral” para enfrentar esta crise política. Quem a convocaria e a sustentaria? A CUT ou a Força Sindical? Outra vez esta bandeira ignora a real correlação de forças do país e serve como matriz de novas ilusões. O PCO conclama abertamente a esquerda para apoiar o governo Dilma contra o “golpe da direita”, denunciando os “nem, nem” (nem direita, nem governo), mas não denuncia corretamente a inconsistência da política de PSOL e PSTU porque julga que sustentar o governo seria uma política em defesa dos trabalhadores. Na realidade, o PCO arrasa qualquer possibilidade de uma política de independência de classe e serve como sustentação política do PT. O PCB faz uma análise política um pouco mais lúcida, mas termina com um programa dogmático que esquece a correlação de forças do momento, sem falar de sua política sindical que vai a reboque do PT, PSOL e PSTU, sem críticas!

Existem ainda setores de trabalhadores que não estão organizados em partidos ou correntes sindicais que, da mesma forma que os partidos de “esquerda” já citados, terminam como base de sustentação dos atos da “oposição de direita” e do fascismo, ou apóiam o governismo por compreenderem o que estes “atos” e o crescimento do fascismo representam. Eles dizem: “combater o golpismo significa estabelecer uma sólida aliança com os companheiros do PT e da CUT”. Quem criou a atual possibilidade para o golpismo senão a própria política de conciliação de classes do PT? Devemos lutar contra o ascenso da direita sim! Mas isso não significa de nenhuma forma estabelecer uma “sólida” e “respeitosa” aliança com o PT e a CUT. Isso é o enterro definitivo de qualquer resistência real, pois o PT não tem interesse em uma resistência à direita, ao avanço neoliberal, às medidas de “ajustes” exigidas pelos bancos. Sua resistência será sempre vacilante e restrita aos limites do jogo viciado da democracia burguesa.

Os trabalhadores conscientes devem buscar construir um caminho de independência de classe para enterrar estas organizações oportunistas que sustentam de uma forma ou outra o governismo (e indiretamente a própria direita). Precisam fazer isso se não querem ficar reféns da sanha de urubus dos dois setores da burguesia em luta. O único “patriotismo” possível dos trabalhadores, portanto, é lutar para mudar a situação do país, fazer uma revolução socialista para erradicar a miséria, a pobreza, a ignorância e a exploração; em suma, lutar para derrubar o capitalismo. Mas, nesse momento, para concretizar esta intenção é preciso construir as condições através de um programa e de uma propaganda de independência de classe. A classe média que se compadece com os sofrimentos do povo e, principalmente, os trabalhadores conscientes, devem não apenas não se somar aos atos do 12A, mas, sobretudo, trabalhar para construir uma alternativa de movimento de massas com independência de classe dos dois setores da burguesia brasileira e imperialista.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Um balanço do neoliberalismo

Não é costume da burguesia e da sua mídia fazer balanços das suas políticas sociais e econômicas. Geralmente ela sempre procura esconder os seus resultados (aumento da pobreza, da disparidade de renda, da miséria, do analfabetismo e da exploração) e, como se diz, “vai levando”, vendendo tudo como “grande acerto” e como “única política possível”. Os pilares econômicos do sistema e das suas políticas não são nunca questionados seriamente. Um desses “balanços” nunca feitos é sobre o neoliberalismo, principalmente após a crise capitalista iniciada em 2008.

O neoliberalismo é uma política econômica capitalista, que surgiu por volta da década de 1980 e se intensificou após a restauração do capitalismo na Rússia, leste europeu, China, Cuba, etc. Se caracteriza por levar os dogmas liberais até as últimas consequências e criar novos: o mercado deve “organizar toda a sociedade e não ter limites”; o Estado não pode interferir na economia, nem investir nos serviços públicos básicos (saúde, educação, transporte), pois isso seria “concorrência desleal” com o setor privado; os bancos centrais devem ser independentes dos governos e manter o câmbio flutuante, o “controle da inflação” e a economia pautada pelo dólar (as moedas nacionais não se pautariam mais pelo lastro-ouro, mas pelo lastro-dólar – esta medida transcende a questão neoliberal); os bancos privados também podem ter o “direito” de se tornarem independentes, podendo usar os depósitos individuais como garantias para a especulação financeira (este foi um dos fatos que desencadeou a crise econômica de 2008); a livre especulação financeira, sem limites, bem como a agiotagem internacional em relação as dívidas públicas devem nortear a atração de capitais para investimentos. Tudo deve ser regulado a partir da iniciativa privada, da “luta” voraz na “livre” competição capitalista.

É desta compreensão que surgem como “naturais” as privatizações. Como o Estado é induzido a não intervir na economia, qualquer empresa ou serviço público precisa deixar de sê-lo. O governo FHC (PSDB) privatizou inúmeras empresas a preço de banana (Telebrás, Eletrobrás, Vale do Rio Doce; iniciou a partilha da Petrobrás). O caso mais escandaloso foi a venda da estatal Vale do Rio Doce (a maior mineradora do mundo) por um valor 20 vezes menor do que ela realmente valia.

Segundo os ideólogos da burguesia e da grande mídia, se opor a este verdadeiro saque do patrimônio público é ser “anacrônico”, defender o “passado”, “ideologias retrógradas como o socialismo”. “Progressivo” mesmo seria entregar as riquezas nacionais e ainda bater no peito, orgulhoso. É importante relembrar que o neoliberalismo surgiu e se consolidou no período da restauração do capitalismo nos ex-Estados Operários, o que representou um retrocesso e uma dura derrota para os trabalhadores de todo o mundo. No momento em que sua degeneração atingiu o ápice, o PT reproduzia o discurso neoliberal de que os opositores às suas medidas eram “retrógrados”, para poder defender livremente as suas “reformas” (que na realidade eram apenas uma forma disfarçada de privatizar). Uma das primeiras medidas de Lula na presidência da República foi dar seguimento à “Reforma” da Previdência iniciada por FHC, que, além de aumentar a idade mínima para a aposentadoria, trabalha no sentido da sua privatização total. O mesmo caso pode ser aplicado à atual campanha contra a “corrupção” na Petrobrás levada a cabo pela Operação Lava Jato. O PSDB quer a sua plena privatização para que somente empresas multinacionais (do Big Oil) possam participar de novas licitações para explorar o petróleo brasileiro. Já o PT quer seguir o seu modelo próprio de privatização, dando prioridade para concessões entre o capital nacional e internacional, sobretudo às empreiteiras brasileiras amigas do governo federal.

Histórico do neliberalismo
O neoliberalismo foi idealizado pelo imperialismo inglês e norte americano, que tinham à sua cabeça as figuras de Margareth Thatcher (1ª ministra britânica de 1979 a 1990) e Ronald Reagan (presidente republicano dos EUA de 1981 a 1989). Em seguida, foi a vez das neocolônias seguirem fiel e servilmente as metrópoles: o Brasil, com Fernando Collor, Itamar Franco e FHC (e posteriormente pelo PT, disfarçando a defesa do neoliberalismo com o nome de “reformas”); a Argentina, com Carlos Menem, De La Rua e, agora, com os Kirchners, que fazem um jogo duplo, tal como o PT.

Para que projetos extremamente impopulares fossem aplicados, a máquina gigantesca de propaganda da grande mídia fez uma verdadeira lavagem cerebral em massa, disseminando um terrorismo psicológico subliminar e afirmando que esta era a única política viável. Sustentava que o Brasil iria ser excluído da comunidade internacional, iria virar uma “nova Cuba” (argumento reacionário recorrente da direita para passar a sua patrola política e econômica) e, se não aderisse às políticas neoliberais, se tornaria refém de ideologias “atrasadas”. Depois de privatizado o sistema de comunicação (Telebrás, CRT, etc.), de algumas estatais de energia elétrica, da Vale do Rio Doce, parte da educação, saúde e da Petrobrás, o Brasil não apenas continua atrasado, dependente do capital internacional e da sua tecnologia, como aprofundou esta dependência; a população segue na miséria, analfabeta, subempregada ou mesmo desempregada. Naturalmente que esta política neoliberal só serviria para concentrar ainda mais a riqueza nacional em poucas mãos e aumentar a miséria do povo. Apenas os ingênuos ou os neoliberais convictos interessados nessas “transações” não o veem.

O neoliberalismo levou à crise internacional de 2008 e a uma crise financeira permanente nos países neocoloniais
Este balanço da aplicação do neoliberalismo a mídia burguesa não faz. Ela continua defendendo e incentivando a política de privatizações do governo Dilma: entrega de portos, aeroportos, do pré-sal, da Petrobrás, etc. Os protestos anti-Dilma, insuflados pela mídia, também trazem uma pauta neoliberal e estão sendo usados pela oposição de direita para intensificá-la. A crise capitalista, iniciada em 2008 nos EUA e na Europa, foi o coroamento da política neoliberal: especulação financeira desenfreada, quebra de várias empresas e bancos ao redor do mundo, desemprego, recessão, crise e revolta popular (que geralmente tem sido canalizada ou mesmo dirigida diretamente pelos imperialismos em disputa).

E o mais irônico nisso tudo é que as empresas, multinacionais e bancos falidos recorreram ao Estado para escapar da falência. Foi drenado mais de 10 trilhões de dólares do dinheiro público para lhes salvar da bancarrota. Ou seja, podemos resumir a aplicação do neoliberalismo da seguinte forma: é a política econômica do capitalismo na sua fase de decadência histórica, de agonia, fruto das suas contradições insolucionáveis que levam à crises periódicas.

A restauração do capitalismo e as suas crises do final do século 20 impuseram uma nova “saída” na reformulação do liberalismo, transformando-o em neoliberalismo. Este legalizou a especulação financeira, a privatização das riquezas nacionais, a concentração de rendas sem precedentes que jogou milhares de pessoas no subemprego, no desemprego, na miséria e, portanto, fora do ciclo de consumo, o que por sua vez prepara sempre novas e piores crises econômicas. Assim, contribui permanentemente para novas crises de superprodução sem escoamento, novas formas de legalizar a especulação financeira que quebrou centenas de bancos para depois resgatá-los com o dinheiro público. Eis o resumo da ópera: o neoliberalismo privatiza os lucros e socializa os prejuízos; demoniza o Estado e tudo o que cheira à público, mas, como um sanguessuga, se gruda neles quando necessita. Como sempre, são os trabalhadores que pagam a conta disso tudo.

O capitalismo não pode regulamentar a especulação financeira, nem taxar as grandes fortunas. Esperar pela concretização destas propostas feitas por grande parte da esquerda e periódicos ditos “progressistas” – como o Le Monde Diplomatique, dentre outros – é, além de um contrassenso, uma utopia reacionária. O socialismo salta aos olhos como uma necessidade histórica imprescindível. Somente o socialismo pode regulamentar o sistema financeiro, o mercado, resolver o problema da especulação, das privatizações, da falta de dinheiro, dos serviços públicos de qualidade e resolver o problema da superprodução porque ataca as raízes de todo o problema: a propriedade privada e as relações de produção. Contudo, o socialismo não nascerá pela via pacífica e supostamente “reformista” das eleições burguesas. Só pode ser fruto de uma revolução dos trabalhadores. Para isso, é necessário uma nova vanguarda disposta a construção de um partido revolucionário em frontal oposição aos atuais partidos de “esquerda” (PSOL, PSTU, PCB e PCO) que estão mortos para as tarefas da revolução socialista.