quarta-feira, 25 de outubro de 2023

A lei de Israel impede a paz e estimula a limpeza étnica

 

A condição para a paz no Oriente Médio pressupõe a cooperação do Estado de Israel e da comunidade internacional com a criação de um Estado palestino. No entanto, é tudo o que não quer o governo israelense, com total apoio dos EUA, já que ambos precisam do caos permanente na região para justificar não apenas os interesses dos seus respectivos complexos industrial-militar, mas a intervenção política e militar autoritária.

         Exigir “paz” na Palestina sem reconhecimento mundial de um Estado soberano, que seja respeitado internacionalmente, mas, sobretudo, seja reconhecido por Israel, é uma contradição. Essa é a essência da questão. Sem a criação deste Estado, com suas respectivas instituições e soberania territorial, que tenha crescente inserção econômica mundial, deixa a população palestina à mercê de Israel. Para tornar um Estado palestino viável econômica e politicamente, seria necessário vontade política tanto de Israel, quanto dos EUA. Mas estes países estão interessados em manter uma zona de guerra permanente no Oriente Médio, tanto para atender os interesses do seu complexo industrial-militar, quanto para sabotar, sempre que possível, as ligações geográficas entre a China e a Europa.

         Na política interna israelense se notam duas perspectivas: uma, que é moderada e reconhecia a necessidade de tratados de paz com os palestinos, respeitando a necessidade da construção de um Estado independente, representada pelos trabalhistas; e a outra, de caráter fascista (chamada eufemisticamente de “extrema-direita”), que não apenas não quer nenhum tipo de independência para os palestinos, como precisa desta situação “indefinida”, inclusive com a tolerância tácita de “movimentações terroristas”, para justificar sua política permanente de guerra, representada pelo Likud, partido de Benjamin Netanyahu.

         Cada vez mais o partido fascista ganha terreno na política interna de Israel, seja através da propaganda ou da manipulação do inevitável sentimento de insegurança da população. Tomado por um fundamentalismo sionista, não há diálogo possível, uma vez que usam diversas manobras políticas para se recusar a ouvir e promover o caos do desentendimento, até a utilização de “esconderijos institucionais” de órgãos regionais e internacionais, como a ONU. Na condição de um Estado tolerado e patrocinado pelas potências Ocidentais, como os EUA e a Inglaterra, Israel pode promover livremente uma política belicista ininterrupta que impede qualquer tipo de paz na região.

 

O Ocidente e a sua tolerância tácita com a política interna de Israel

         A visão utilitarista Ocidental espera cinicamente uma paz impossível que não enfrenta a política interna de Israel, nem seu projeto geral. Depois cai num desânimo providencial que termina por “esquecer” daquela situação sem procurar chegar às suas raízes. Tal visão é pautada pelo extremo individualismo da sociedade capitalista, que consome o espetáculo midiático, no mais das vezes, acriticamente, se “comovendo” seletivamente e se assustando.

         Como se viu, não é possível paz na região se há uma fonte que tensiona permanentemente para ações de guerra, como a política interna de Israel, que não reconhece nenhum tipo de soberania política e sabota qualquer tratado de paz, agindo no sentido de ofender, humilhar e massacrar permanentemente os palestinos.

         A situação política e econômica internacional, bem como a propaganda da grande mídia Ocidental (chamada erroneamente de “jornalismo”), condiciona nossas mentes e a nossa visão sobre a situação da Palestina. Somos obrigados a raciocinar dentro de estreitos limites e fica fora da equação as questões decisivas da política interna de Israel, abençoada e sustentada, às vezes secretamente, às vezes abertamente, pelo imperialismo estadunidense.

         E querer paz para região ignorando essas questões decisivas é o mesmo que querer apagar fogo com gasolina. É como se houvesse um curto-circuito que impede um desfecho positivo e sobressai-se perante nossos olhos uma aparente situação sem saída. Há um permanente trabalho ideológico neste “jornalismo” para nos impedir de chegar às verdadeiras raízes do problema.

         Escondem ou minimizam a política fascista de Netanyahu e seu partido para permanecer no poder e manter intacta as suas sucessivas manobras militares de limpeza étnica. No seu quinto mandato consecutivo, ele sofria com processos de corrupção e promovia, seguindo a linha do neofascismo internacional, uma série de ataques políticos ao judiciário, alegando excessivo poder de interferência.

         Por isso, tentava concretizar o que chamou de “reformas” para diminuir o seu poder. Em resposta, enfrentou uma sequência de protestos populares há meses, o que levou o seu governo a uma semi-paralia. O ataque do Hamas lhe deu providencialmente a justificativa para unificar o governo e o país em torno da guerra, criando, finalmente, uma “aliança de governo”. Como declarou que a “guerra será longa”, o caminho, fica livre, na prática, para “reformar o judiciário” por meio de poderes marciais.

         Enquanto bombardeia Gaza diariamente, vende cinicamente a ideia de que isto estaria justificado porque Israel é “a única democracia do Oriente Médio”. As suas declarações são reproduzidas aos quatro cantos pela mídia Ocidental.

 

A propaganda da grande mídia e da extrema-direita e a sua relação com o egocentrismo humano frente à causas complexas

         A mídia Ocidental também sabe lidar muito bem com o “seu público”. A população Ocidental é levada, através do discurso político oficial e da grande mídia comercial, a esperar uma paz “do nada”, por uma “boa vontade política de ambos os lados”, esquecendo-se das situações objetivas e fechando os olhos para ações políticas que acontecem nas sombras, permanecendo, assim, muitas vezes, em uma ingenuidade forçada que procura não ver para não se incomodar.

         Isto segue uma lógica da psicologia de massas. Se os observadores ocidentais acham que alguma coisa é possível, então gastam uma grande abundância de energia nessa “solução”, se empenham, se empolgam e até se tornam ativistas. Mas se sentem que algo é impossível, como supostamente é a situação da palestina, veem tudo como um grande desperdício de energia e se largam na correnteza do que existe, das coisas como elas são, e, então, vivem caindo de armadilha em armadilha.

         E como é fácil cair em armadilhas da grande mídia Ocidental e da extrema direita – especialistas em criar novas armadilhas –, uma vez que o discurso de ódio, que justifica a violência e a cultura de guerra é sempre muito sedutor para os seres humanos dominados pelas atividades egocêntricas. A sociedade capitalista é individualista, utilitária, e incentiva o egotismo como forma de dominação. A extrema-direita e a grande mídia sabem disso e incentivam tais “qualidades” na massa humana.

         Assim, como a maior parte das pessoas é dominada por estas atividades e preocupações egocêntricas, se importando superficialmente por assuntos que não lhe dizem respeito diretamente, vemos uma enxurrada de posições messiânicas, equivocadas, parciais ou interesseiras sobre a questão de vida ou morte da Palestina. Tais posições tendem a aprofundar o caos e a perpetuar a situação de violência sem fim na Palestina e no Oriente Médio.

         Temos visto que a política oficial de EUA e Israel, bem como o “jornalismo” da grande mídia Ocidental, alimentam na massa humana tendências animalescas, que a desumanizam. Criam e naturalizam xenofobias, genocídios e violências reais e simbólicas nas mais diferentes esferas; isto é, com sua narrativa ajudam a manter hordas de massas fanatizadas incapazes de pensar de forma abrangente e que nada veem nem ouvem além da voz do seu caudilho de ocasião, a letra da sua cartilha, da sua “cultura”.

         Em nome da imposição de um tipo de civilização – a sua –, desmerecem outras e as atacam se tentam resistir de alguma forma. Como pode uma mente confusa descobrir e entender qualquer coisa que não seja a projeção de sua própria confusão?

 

Por que, afinal, não há paz no Oriente Médio?

         Não há paz no Oriente Médio porque existe uma força tensionando permanentemente pela manutenção de uma linha política. Esta linha visa a imposição de uma vontade sobre as demais pela força; no caso, trata-se da força promovida pelo Estado de Israel – amparada pelos EUA –, sob o tacão político da extrema-direita, o Likud, que não mede esforços para sabotar acordos de paz e impor sua política de guerra sustentada por um terrível discurso de ódio, minimizado, ou mesmo ignorado, pela mídia Ocidental, que ressalta e salienta apenas o discurso de ódio do Hamas. O governo do Likud é, portanto, um centro permanente de sabotagem de qualquer autonomia para a Palestina e promotor de um terrorismo de Estado ininterrupto – minimizado ou tornado “natural e justo” pela grande mídia Ocidental.

         Do outro lado temos um povo sem Estado, sem soberania sobre o seu território, sem exército; massacrado e desesperado. Como se fossem “criados em laboratório”, suas experiências políticas desesperadas tendem a desenvolver formas de fundamentalismo, como o terrorismo. Se não há possibilidade de se manifestarem de outra forma; e se no cotidiano de sofrimentos incontáveis, são ignorados pela comunidade internacional, o que lhes resta? Se podemos “condenar o terrorismo” do Hamas, um tanto generoso com as intenções de Netanyahu e o Likud, dada a ausência da correlação de forças, não podemos deixar de reconhecer que é um reflexo de uma força maior, no caso, da opressão permanente do Estado de Israel. Qualquer ser humano que tenha um pingo de sensibilidade sabe que o terrorismo do Hamas poderia ser evitado ou, pelo menos, minimizado, se houvesse outra orientação política do lado mais forte, o que não é o caso.

 

A visão da “esquerda” sobre a situação da palestina

         O Hamas também dissemina um discurso de ódio, que é amplamente utilizado pelo governo de Israel e pela grande mídia Ocidental para acionar o lado sádico e violento das massas humanas.

         Como sofrer uma agressão e não revidar?

         Para isso, criam uma narrativa que esconde os fatos sobre a opressão histórica de Israel em relação à Palestina. Mesmo quando, por ventura, alguém saiba dos fatos, tende a tomar o lado da retaliação, uma vez que o ódio e a violência são forças incentivadas, disseminadas e valorizadas pela sociedade atual. A violência é admirada por si mesma como uma demonstração de força; e, assim, entendem que é legítimo que o lado mais forte prevaleça. Não é mais ou menos assim que funciona a mentalidade meritocrática?

         Então, a “esquerda”, no geral, tende a apoiar as ações do Hamas, acriticamente, o que só pode reforçar o círculo vicioso de violência desencadeado e sustentado pelo Estado de Israel.

         Mais do que isso!

         O governo de Israel, os EUA e a sua grande mídia contam com isso. E tudo fica ainda mais embolado a partir de um discurso frenético que reproduz a “teoria marxista” um tanto dogmaticamente, mas ignora a realidade concreta da disputa da luta de classes na região. Ou seja, se avaliza e se reforça direta ou indiretamente o discurso do Hamas. Assim, Israel desencadeia inúmeras ofensivas militares “amparada” no discurso de “auto defesa”, “justiça”, “liberação de reféns” (como se a faixa de Gaza não fosse uma região inteira que mantém 2 milhões de reféns) e “combate ao terrorismo”.

         Tudo isso gera uma espiral sem fim de violência e de cultura de guerra. O que redunda em mais massacre e, agora, numa política consciente promovida pelo Likud de limpeza étnica. Não existiriam “guerras” hoje em dia sem o apoio ativo da grande mídia, que conquista o “consentimento” do “cidadão médio” dos países do mundo, mas, em especial, de Israel. A contra-narrativa da esquerda tem reforçado e facilitado a política fascista do Likud, pois não há cuidado com a forma, nem com a realidade concreta.

         Compete a um lado sensato e lúcido romper com esta espiral de violência. O fundamentalismo islâmico e político beneficia a política do Likud e o ajuda a se disfarçar. O primeiro passo é nunca desviar a atenção da política interna de Israel, bem como de seus objetivos gerais, que só podem promover a guerra e a limpeza étnica. Estar consciente dela, nunca esquecê-la, denunciá-la em qualquer circunstância, mesmo frente à pior onda de desinformação propagandística promovida pela grande mídia Ocidental.

         Esta é a chave!

         No momento atual, de total desarticulação da esquerda a nível regional e internacional, cabe entender a situação e renovar a análise e denúncia da situação palestina da melhor forma possível, evitando a repetição de jargões e frases soltas que só podem ajudar politicamente o Likud, o Estado de Israel e os EUA, em decadência histórica.


quarta-feira, 18 de outubro de 2023

A criança palestina, o soldado israelense e o ramo de oliveira

 

Na faixa de Gaza, próximo a uma zona de confronto, uma criança estende um ramo de oliveira para um soldado israelense, que a olha, complacente, estende a mão, e pega o presente, solicitamente.

Pode parecer ficção, um delírio de um sonho de paz, mas é uma cena do documentário “5 câmeras quebradas”, filmado na vida real dos palestinos que nascem e crescem lá. Sabemos que não é uma cena comum naquela região, mas demonstra que, apesar de tudo, é possível outro tipo de relação humana!

Por que esta cena não se repete e é abafada por todo o tipo de violência? Acima das pessoas comuns, que apenas vivem, como as crianças, e aqueles que “só cumprem ordens”, como os soldados, estão as razões de Estado e os interesses de poder econômico e político, maquinando dia e noite para disfarçarem-se de distintas maneiras e venderem-se como “justos”.

Muita gente, cansada de ver e ouvir tanta mentira e violência, tende a simplificar uma situação complexa, com seus altos e baixos, e a igualar responsabilidades desiguais. Na tentativa de que a cena entre a criança palestina e o soldado israelense se torne a regra, e não a exceção, é imprescindível chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome, para que as “razões de Estado” não se disfarcem, sufocando e estrangulando tudo.

Parte das “razões de Estado” é sustentada pela narrativa da mídia Ocidental, que nos coloca num beco sem saída. Nesta narrativa parece não haver responsáveis reais, nem um início, mas uma culpabilização utilitária para esconder as reais causas, das quais depende também o seu futuro financeiro. Então, acaba parecendo que não há solução possível.

Analisar a situação com lucidez e compaixão, evitando tocar mais lenha na fogueira e tentando preservar as vidas inocentes, como for possível, é fundamental. Do contrário, apenas se mantém o ciclo num eterno retorno de violência e sofrimento.

O Estado de Israel foi fundado sob um barril de pólvora e imposto às comunidades árabes, sem discussão e sem planejamento humanista. O método de sua construção é um estado de guerra permanente, onde o massacre, a opressão, a humilhação, os bombardeios, a violência e os campos de concentração são realidades cotidianas. A resposta palestina, que não conta com um Estado organizado, nem com exército permanente, é também uma reação violenta numa escala menor, ainda que não unificada (pois o Hamas é só uma parte da população palestina).

Nenhuma vida inocente deveria ser perdida em meio a este “fogo cruzado”, mas qualquer garantia é impossível, uma vez que a violência do terrorismo de Estado quase sempre gera mais violência contra quem não tem nada a ver. Como as razões de Estado e os interesses econômicos não são permanentemente desmascarados, a tendência é que muito sangue inocente ainda seja derramado (com um número infinitamente maior do lado palestino; o que não significa minimizar o sangue inocente israelense).

Enquanto a população civil de Israel cresce e “se protege” em torno de um Estado armado até os dentes, com amplo apoio e financiamento dos países ricos do Ocidente (como EUA, Inglaterra e França); os palestinos são tratados como “animais humanos”, colocados em uma prisão a céu aberto, calados e massacrados de diversas formas, sob o silêncio inaceitável da comunidade internacional e da mídia Ocidental.

É comum a narrativa da mídia Ocidental insinuar ou mesmo afirmar que a defesa de Israel “é justa”, dado que o Hamas tem como objetivo “destruir o Estado de Israel”. O exército israelense está entre os mais modernos e poderosos do mundo. Isso significa o mesmo que justificar que um elefante esmague um rato porque o rato “jurou matar o elefante”. As “razões de Estado” de Israel não permitem negociações em relação ao seu projeto de expansão militar e assim tem sido há 70 anos. Os governos moderados são sabotados, chegando ao cúmulo de ter suas lideranças assassinadas, como foi o caso do primeiro-ministro Itzak Rabin. Nenhuma diplomacia e nenhum apelo humanista foram capazes de mudar a política de expansão militar das colônias israelenses: nem o sacrossanto direito à “propriedade privada”, nem os 10 mandamentos de Moisés do “não matarás”; tampouco as imagens inadmissíveis de crianças, mulheres e idosos feridos ou mortos (que deixaram de ser gradativamente veiculadas na mídia Ocidental).

A comunidade internacional liderada pelos EUA e pela ONU tem um discurso retórico e uma outra prática, que toleram e fingem não ver os sucessivos rompimentos de acordos, bem como as inúmeras violações de direitos humanos na faixa de Gaza.

Sem exército, sem Estado soberano, sofrendo massacres e bombardeios permanentes, despontam entre os palestinos diversos tipos de fundamentalismos religiosos, políticos e sociais, sintomas de um povo desesperado. O desenraizamento e o desespero das populações palestinas criam um espaço fecundo para o fundamentalismo islâmico e o terrorismo, que só podem redundar em mais violência e mais mortes de inocentes, já que há uma flagrante inviabilização de outros métodos e práticas políticas, onde os acordos internacionais são violados e o silêncio da grande mídia em “tempos normais” é quase sempre a regra.

O dilema do povo palestino se resume, então, a ser massacrado e morrer em silêncio ou tentar qualquer tipo de ação irrefletida e urgente, pautadas pela sede de vingança. Os políticos de Israel, dos EUA e os seus jornalistas muito bem pagos, sabem desta contradição aguda e contam com ela, mesmo que alguns civis israelenses venham a morrer. Não é necessário ser um gênio da sociologia ou um “vidente” para esperar novos atentados terroristas e a proliferação de “saídas” desesperadas. E “cobrir” com seu “jornalismo” peculiar um atentado terrorista é a especialidade da mídia Ocidental, usada como arma de guerra para os interesses econômicos e políticos, bem como justificando e defendendo – às vezes abertamente, às vezes disfarçadamente – as “razões” dos seus respectivos Estados.

 

Resultado dos atuais bombardeios de Israel sobre a faixa de Gaza

O assassinato do primeiro-ministro moderado e a ascensão política de Benjamin Netanyahu

Não é a primeira vez que um atentado terrorista do Hamas vem “salvar” Benjamin Netanyahu e o seu partido de extrema-direita, o Likud. Em 1995 ele é suspeito de instigar o referido assassinato do primeiro-ministro israelense Itzak Rabin, considerado pelo Likud como “moderado” e conciliador com os palestinos. Na esteira do assassinato, Netanyahu foi eleito como primeiro-ministro e sabotou a concretização dos planos de paz com os palestinos. Ou seja, foi uma mudança brusca, uma verdadeira sabotagem na linha política que vinha sendo adotada pelo Partido Trabalhista de Itzak Rabin[1].

Neste contexto também aconteceu um atentado terrorista providencial do Hamas, que “casualmente” serviu para reforçar a posição política do Likud, o que reforça a hipótese de que há algum tipo de ligação direta ou indireta – ou pelo menos um consentimento de atuação – entre a extrema-direita israelense e o Hamas[2]. O mesmo se passou agora, quando Netanyahu enfrentava uma séria crise política de resistência popular às suas “reformas” do judiciário e via com maus olhos uma aproximação da Arábia Saudita e do Irã intermediada pela China. O governo de Netanyahu “ignorou” os sucessivos alertas das autoridades egípcias sobre “grandes movimentações militares” na faixa de Gaza[3].

Uma questão importante a ser observada é que a maior parte da sociedade civil israelense, educada no medo e na manipulação permanente do seu sentimento de segurança (tal como a sociedade civil global), tende a apoiar as ações da extrema-direita, principalmente quando instigada pelos atentados terroristas do Hamas. Da mesma forma que a maioria da classe média brasileira “odeia pobre”, grande parte da classe média israelense é levada, por diversas razões e ações, a odiar e repudiar os palestinos – ainda que haja honrosas resistências entre ela às políticas de apartheid da extrema-direita.

 

Um atentado terrorista e um “conflito” providencial para o Estado de Israel, os EUA e a grande mídia

É possível que a mídia Ocidental utilize o massacre de palestinos e a crise humanitária decorrente, com suas imagens, polêmicas e apelos internacionais de “certo x errado”, como forma de ir mudando gradualmente o foco da atenção internacional da guerra da Ucrânia, que não apresenta possibilidade de solução real. Assim, evita-se fazer um balanço acerca do conflito militar russo-ucraniano, bem como o seu esgotamento sem saída, desviando os holofotes providencialmente para o Oriente Médio.

 

O governo Lula e o petismo frente à situação do Oriente Médio

O governo Lula, que atualmente preside o Conselho de Segurança da ONU, propõe uma resolução de “medidas humanitárias” apoiada por 12 países. Porém, bastou o veto de um único país, os EUA, para que a medida fosse rechaçada, o que demonstra bastante não apenas sobre a quem serve a ONU, como os interesses geopolíticos de Israel e EUA em manter a carnificina da limpeza étnica promovida pela política de Netanyahu. Cai de maduro que a intenção é manter a situação de desespero para que não haja nenhuma saída!

A declaração petista sobre a crise humanitária na faixa de Gaza é patética, pois apenas exige o cumprimento das resoluções da ONU e dos acordos de paz de Oslo. Se na guerra da Ucrânia o governo Lula cumpriu um papel razoável, com uma pequena independência discursiva que destoou muito do discurso Ocidental e incomodou o imperialismo, no atual massacre promovido por Israel ajuda a aumentar a cortina de fumaça e a manter as coisas como estão, inclusive condenando os “atentados terroristas” sem nenhum tipo de ponderação.

As perguntas que deveriam estar fazendo é: por que os acordos não são cumpridos? Por que a ONU nunca consegue deter Israel? Por que se centra apenas na condenação ao “terrorismo” do Hamas e não fala nada sobre o fato de não ser uma “guerra”, mas um genocídio?

A questão é que para se tentar evitar o genocídio e a limpeza étnica é necessário não reforçar a cortina de fumaça dos discursos hipócritas e inócuos da diplomacia oficial, que servem apenas para esconder e blindar as violências e evitar qualquer tipo de solução real. Para evitar ou encerrar uma suposta “guerra”, o primeiro passo é chamar as coisas pelo seu nome, evitar que razões de Estado se escondam em discursos sobre “justiça”, “autodefesa”, “lado correto da história”, etc. É uma maneira fundamental de constranger os agressores e evitar que se escondam atrás das narrativas midiáticas acobertadoras.

Assim, as razões de Estado e os poderosos interesses econômicos terminam sempre se sobrepondo à linda – e possível – cena do ramo de oliveira presenteado ao soldado israelense pela criança palestina. É nosso dever enxergar cenas como essa em um mundo que muitas vezes fica cego.

 

 

Referências


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

A guerra da mídia Ocidental e de Israel contra os palestinos

 

A Faixa de Gaza, na Palestina, em "guerra" contra Israel.

"Quando os homens descobriram que eram criminosos,
inventaram a palavra Justiça para justificar seus crimes".
(F. Dostoiévski).

No estrondo dos conflitos de classes, etnias, pessoas, Estados e impérios, a palavra vai sendo deformada.
O "jornalismo" Ocidental não produz informação, mas dogmas (Hamas = palestinos = terrorismo). Dogma pressupõe imposição sobre os outros, nunca a si mesmo.
Quem tem o poder da palavra, da imagem e do som, tem a seu dispor a invenção de dogmas religiosos, políticos, econômicos e sociais. E, também, dogmas da arte e da cultura; da epifania e da comoção social.
O dogma midiático tácito é uma arma de dominação — não tem como discutir, uma vez que ele é pausterizado para ser vendido à milhões de pessoas.
Os palestinos são massacrados há mais de 70 anos. Pelo menos a 20 vivem num campo de concentração chamado Faixa de Gaza, que nada fica devendo aos campos de concentração nazistas da 2ª Guerra Mundial.
A população árabe da Palestina teve suas terras roubadas, seus prédios bombardeados e destruídos; mulheres violadas, velhos e crianças torturados. A infância é roubada dos pequenos por soldados que desfilam com fuzis em riste.
Os pedidos de socorro ao mundo são ignorados pela comunidade internacional. O desespero é parte da vida cotidiana daquela gente, que vive oprimida e reprimida por um dos exércitos mais bem equipados do mundo.
Estas são razões suficientes para que os palestinos sejam apoiados incondicionalmente, apesar de suas direções políticas, como o Hamas.
Existem fortes indícios que o governo de Israel deixou se armar um ataque contra si para gerar uma retaliação e poder servir de justificativa para a unificação do governo, que estava dividido e em crise por causa dos protestos populares contra a reforma do seu judiciário (o governo de Netanyahu ignorou sucessivos alertas vindos de autoridades egípcias). Ou seja, busca, com a benção da mídia Ocidental e dos EUA, "legitimidade" para desencadear uma "guerra", que na verdade não é guerra, mas um massacre, um genocídio, crimes sistemáticos contra a humanidade.
Muita gente diz que "não tem solução". Isto parece, na verdade, uma desculpa. Há solução. O primeiro passo é chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome...

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Empate perturbador

 

O que o universo quer de mim?
Nada
Que eu seja nada!
Mas isso eu já sou!

Por que estamos aqui?
Por que sofremos tanto?
Por que tanta ilusão na nossa mente?

Os relacionamentos atuais demonstram isso
Que somos nada!
Entrementes, cabe perguntar
se temos que ser "tudo" pra alguém?
Não! Embora queiramos responder que sim
Mas também ser nada
Absolutamente nada
é um tanto complicado!

Há em nós muito amor por nós mesmos
Projetado no outro esperando que seja aceito
O mesmo amor esperado que uma mãe sinta pelo filho
incondicional
Onde o filho é tratado como "tudo" e a mãe como "nada"
Pensei que a função de professor, que é um tanto egocêntrica,
tivesse alguma importância
E nela depositei tudo
mas foi um novo engano egocêntrico
Já que ter importância é algo muito relativo e perigoso
Geralmente egoico.

O meu ego foi esmirilhado
e como estou apegado a ele
sofro pela sua humilhação
pela sua morte — ou pelo seu assassinato
Morte, humilhação e orgulho do ego
andam juntos.

O budismo é um refúgio?
Ou tem algum valor autêntico?
Seria o purismo e o nirvana um esconderijo?
Se deixar levar pelo daimonismo ctônico
e pela orgia seria o caminho?
Ou pelo menos um caminho?
É isto que cultua a energia, a recicla
e nos faz estar no mundo?
Para isso Sade tem que vencer?
Ou, pelo menos, aparecer soberano
sendo respeitado e levado em consideração?

Tenho certeza que nunca o ouvi muito bem
E como diz Blake, uma vez que reprimimos o desejo
ele se torna cada vez mais passivo
até não ser mais do que mera sombra de desejo

Seria o livre trânsito do desejo
o caminho de reintegração no mundo?
De que maneira aprender a respeitar nossos desejos
em uma civilização doente, incompreensiva e repressora?
São os desejos os redentores
das almas penadas e perdidas?

Samadhi e nirvana são fugas?
Ou seriam maneiras de dissolver o ego
sem ser por meio da humilhação
ou da autoaniquilação material?

Até que ponto se relocalizar no mundo preserva o ego?
E até que ponto o ego deve ser preservado?
Misturando-o e fazendo-o aceitar as nossas sombras
ele se torna melhor?
Até onde e quando?
Sempre conflituoso, sempre choroso
sempre sofrendo
Crescer e expandir a consciência do ego
Pra quê?
A 'anima mundi' redime o ego?
Ou o reforça?

Se eu matar meu desejo
preservo a civilização?
Se eu destruo a civilização,
preservo o meu desejo?
É possível preservar o meu desejo
sem destruir o outro?
A mulher estuprada pelo Marquês de Sade
não importa nada para a saciedade do seu desejo?
Ou se justifica a sua insinuação inconsciente
como explicação para o sadismo?

Quem tem razão nisso tudo?
Ou não é necessário razão alguma?
Basta ter desejo e ponto final?
Algo me diz que todas essas perguntas
não tem respostas
e que não vamos sair de um empate perturbador