terça-feira, 29 de setembro de 2020

PCdoB: montanha parindo ratos

Recentemente o historiador e ativista gaúcho, Mário Maestri, sofreu uma série de ataques por parte do PCdoB por publicar um texto crítico à obra do neostalinista italiano, Domenico Losurdo. Como este partido é parte integrante da institucionalidade burguesa, possuindo muitos meios de influência sobre a classe trabalhadora (inclusive a possibilidade de caluniar ou diminuir opositores, relembrando o stalinismo clássico), compreendemos a importância de compartilhar o texto de Maestri para dar voz a aqueles que procuram manter viva as denúncias de Trotski sobre o stalinismo, tão necessárias para compreendermos não apenas a restauração do capitalismo, mas, também a onda do neostalinismo.

*Por Mário Maestri


A tentativa de salvação de Domenico Losurdo pelos ideólogos do PCdoB tem sido miserável. Fernando Garcia, mestrando em História, produziu crítica ao meu ensaio Domenico Losurdo: um Farsante na Terra dos Papagaios que constituiu verdadeira “saudação à bandeira”. Como destaquei em minha resposta, escapuliu pelas bordas e não respondeu sequer uma das múltiplas impugnações centrais que fiz aos dois livros referenciais de Domenico Losurdo. Reparos que me permitiram qualificar o italiano como um ideólogo falsário e farsante.

Desta vez a investida é feita por quadro mais graúdo e mais conhecido do PCdoB. O professor doutor João Quartim de Moraes, filósofo de profissão, ex-professor titular da Universidade Estadual de Campinas de 1982 a 2005, atacou-me com seu artigo “Besouro caçando águia”, no qual a águia seria Losurdo e o Besouro seria eu, folga dizer. Ou seja, o PCdoB faz o que pode, em defesa do italiano, usando sua artilharia miúda e grossa. Servindo-me também de adágio referente ao reino anima, diria que a “montanha pariu”, nesse caso, “dois ratos”.

Meu crítico parte sem peias para elogio estrambólico de Domenico Losurdo, como “um dos mais importantes autores marxistas de seu tempo” ou seja, de 1980 e hoje! Estranho. Tenho visitado livrarias italianas sem encontrar um livro do homem exposto. E segue em apologia sumária dos trabalhos filosóficos do italiano. Não sendo filósofo, deixo essa crítica para quem tenha condições e interesse. Mas surpreenderia-me que alguém com tamanha frouxidão intelectual, nos dois trabalhos que analisei, tenha sido um pensador rigoroso em outras áreas. E destaco, novamente, que centrei minha crítica nas duas obras de maior influência política do italiano Stalin: história crítica de uma legenda negra (Rio de Janeiro: Revan, 2019) e O marxismo ocidental: como nasceu, como morreu, como pode renascer (São Paulo: Boitempo, 2018.)

E, após o elogio filosófico, meu antagonista segue faceiro sem enfrentar a real discussão, fazendo agora o elogio de seu herói itálico pela defesa que teria feito da URSS quando de seu “desmantelamento”; por sua denúncia da OTAN; pela sua crítica do “universalismo da ideologia liberal” e das “discriminações étnicas e raciais do colonialismo”. Peço desculpa para dizer o óbvio. Sem entrar no caráter dessas críticas, elas foram e tem sido feitas em forma radical e sensível por literalmente milhares de “marxistas ocidentais”.

Sobre as “discriminações étnicas e raciais do colonialismo”, eu próprio trabalhei, exaustivamente, nos últimos quarenta anos, com foco no Brasil, e sempre apoiado em documentação primária, o que é sempre recomendável! E publiquei minha produção, sob formas de livro, no Brasil, no Paraguai, na França, na Bélgica e na Italia. Não cito pois está tudo disponível na internet. Como tantos outros meus colegas historiadores, que fizeram o mesmo trabalho que fiz ou o fizeram em forma ainda melhor. Também nada portanto de novo no front. Apenas “nariz de cera”, para não dizer “abobrinha” variadas, do polemista que resiste a abordar o que importa.

Meu detrator elogia igualmente a crítica perneta de Domenico Losurdo ao "marxismo ocidental", que teria praticado o “ocultamento da questão colonial” e suprimido a “questão nacional”. Sobre essa questão, dediquei todo o segundo capítulo de meu ensaio, publicado anteriormente em forma isolada. Destaquei ali a literal insanidade do italiano ao liquidar com os autores referenciais do marxismo Marx, Engels, Rosa, Lenin, Trotsky, etc. E isso, devido, entre outras razões risíveis, a terem segundo ele se embebido na tradição judaico-cristã! Coisa de doido! Sobre isso, neca peteca do matador de besouro!

E registrei o ocultamento por parte de Domenico Losurdo da solidariedade política e física com a luta anti-colonial e em defesa dos direitos nacionais da melhor tradição “marxista ocidental”, na própria Europa. E dei o nome aos bois. Ressaltei a ignorância esperta da crítica lusordiana de toda a tradição marxista latino-americana e de seus principais teóricos Jose Carlos Mariateghi, Caio Prado, Guilherme Lora, Ernesto Che Guevara, Jacob Gorender, Rui Mauro Marini, Milcíades Peña, Mario Roberto Santucho, entre tantos outros. Tradição que enfrentou, teórica e praticamente, a luta pela independência nacional, a luta anti-imperialista e a luta pelo socialismo. Combate no qual milhares de marxista latino-americanos deixaram a vida. Para Losurdo “terceiro-mundista no sabor euro-cêntrico”, a América do Sul e Central simplesmente não existem!

Algumas gramas de integridade intelectual exigiriam que os dois ideologistas do PCdoB abordassem, ao criticar-me, o que critico em Domenico Losurdo, com destaque precisamente à estranha proposta da morte do “marxismo ocidental” e sua salvação pelo “oriental”. Este último criado pioneiramente por Stalin, ao enformar o primeiro. Também sobre tudo isso, sequer uma mísera linha. Na sua louvação quase religiosa, meu contraditor cai de joelho diante de Losurdo por ele ter publicado, “no final do século passado, o artigo ´Panamá, Iraque, Iugoslávia: os Estados Unidos e as guerras coloniais do século XXI´”.

Sempre sem discutir a qualidade da crítica de Losurdo, registro que também a contestação da ação imperialista tem sido feita em forma qualifica e arguta por milhares de “marxistas ocidentais”. E até o besouro que vos escreve, impugnou, no calor dos acontecimentos, pela imprensa, pela rádio, pela televisão, em livros, as iniciativas contra-revolucionárias do imperialista no Afeganistão, na Polônia, na URSS, na Iugoslávia, na Síria, na Líbia, na Coréia do Norte. Em defesa incondicional daqueles Estados sem, é claro, apoiar seus dirigentes e estadistas. E isto em forma tão pioneira que, nos anos 1990, quando reinava o “fim da história”, o besouro foi convidado a fazer, apesar de reconhecidamente trotskista, saudação em congresso ou convenção regional… do PCdoB, no RS! Partido que, naqueles anos, namorou, rapidamente, o programa socialista, para logo abandoná-lo e traí-lo sem dó. Portanto, até esse ponto, segue-se em “encheção de linguiça”, com pouca carne e muito sebo!

Após encomio desbragado do italiano, o exterminador de besouros finalmente se refere ao meu ensaio, que se esquece de referenciar como manda a integridade intelectual, professor , talvez habituado ao uso frouxo do seu ídolo peninsular quanto às exigências de escritos sérios. Para tal, retoma o artigo de seu antecessor, que refere esse sim corretamente! Aí, o professor se apequena ao limite do visível. Sugere que não li os dois livres que comentei detalhadamente, citando as páginas dos tropeços, das invenções, das calúnias. Centra a crítica no destaque que dei à escassa abordagem de Marx e ao uso de Hegel como espécie de passe-partout, em Stálin. O que ensejou erro crasso no índice onomástico do livro. A refeição começou com verdadeiro pastel de vento!

E a coisa que estava ruim, ficou pior. O ideólogo pecedobistas, já sem o menor medo ao ridículo, me acusa de comer “na mão das ideias” “imperialistas” por utilizar o termo “globalização”. Em meu ensaio, de 163 página, com os dois principais capítulos dedicados a registrar, na forma e no conteúdo, o caráter falsário e farsante do ideólogo neo-estalinista italiano, é o que escolhe para destacar. Envergonha-me ter que lembrar que “globalização” é termo polissêmico, que usei, como tantos outros, para definir a integração e subjugação crescentes da sociedade mundial pelo grande capital, sobretudo depois da restauração capitalista na URSS e na China. A argumentação já sugere um rato medroso que não quer se aproximar do besouro.

E segue o pecedobista empurrando com a barriga. Fico sabendo que emprego “o termo ‘nacional’ pejorativamente, tratando-o como coisa de ‘stalinista’”. E que, na “hora de atacar a China (…) ele (ou seja, eu, o besouro) redescobre os interesses nacionais para denunciar, intrépido, ‘o grande capital imperialista chinês’.” É certo que impugno a proposta de “revolução nacional” lusordiana, em contraposição à revolução operária, socialista e internacionalista, base da visão marxiana e marxista de mundo, incontornável no passado e ainda mais nos dias de hoje de “globalização”.

Não ataco a nação chinesa, que tenho defendido publicamente contra a atual ofensiva do imperialismo estadunidense hegemônico. Mas, não sendo “garoto propaganda” do grande capital chinês, Registro, apoiado na categoria leninista de “imperialismo”, o caráter já maduro do capital monopólico e imperialista chinês. Em 2019, a China era a quarta nação mundial em exportação de capitais, com 8,9% dos investimentos internacionais, após o Japão (17%); os Estados Unidos (9,5%) e os Países Baixos, 9,4%. E defendo que a inversão de capital chinês no Brasil é tão deletéria, do ponto de vista da população e da nação, como as inversões japonesas, estadunidenses, holandesas, etc.

E aí termina a impugnação de tudo que questionei e denunciei nos dois livros referenciais de Losurdo. Quando o comensal faminto esperava o prato de fundo, após lhe terem servido lufadas de vento, o garçom pimpolho apresenta a conta salgada, elogiando o que não serviu. Não diria que o militante pecedobista não leu meu ensaio Domenico Losurdo: um farsante na Terra dos Papagaios. Apenas, ele e seu parceiro de partido bordejaram em forma rústica e consciente a impugnação que propus, fugindo dela como ratos fogem do gato e, no caso, do besouro. Diria que por isso não referenciaram meu livro. Não queriam deixar pistas para a comprovação da empulhação que procederam.

Efetivamente. Nem uma palavra sobre a literal “invenção” terraplanista da Terceira Guerra Civil soviética, daquele que seria um “dos mais importantes autores marxistas de seu tempo”. Ela existiu, ou não, estimado? Foi engano, invenção ou descoberta revolucionária do italiano de nariz de Pinóquio, estimado professor? Nem uma palavra sequer sobre a fantasiosa organização da “insurreição” trotskista de 1927 contra o Estado soviético. Ou dos terroristas trotskistas! Para não falar da justificativa da destruição do poder soviético, da ditadura burocrática, do massacre literal da velha e da nova guarda bolchevique praticada pelo stalinismo, da calúnia e da destruição da memória de milhares de comunistas internacionalistas. Tudo proposto por Domenico Losurdo, sem jamais pisar em um arquivo, pontificando sobre a história soviética sem conhecer o russo, confundindo fatos e datas, e por aí vai. Poderíamos dizer que os ratos não tiraram a cabeça pra fora da toca com medo da picada do besouro. Ou, que, com tantos cadáveres do passado e do presente no armário do PCdoB, preferiram manter a porta cuidadosamente fechada.

Os dois ideólogos pecedobista não escreveram literalmente uma linha sobre minha crítica à impugnação farsesca do marxismo revolucionário pelo italiano, através da liquidação do “marxismo ocidental”, como proposto. Tudo para deslocar a centralidade do mundo do trabalho e do socialismo na luta contra o grande capital e assim liquidá-la. Proposta lusordiana em favor de subjunção ao capital das classes populares e trabalhadoras, não apenas nacional, para a formação de Estados fortes, logicamente capitalistas, ao exemplo da Rússia capitalista de Putin e da China capitalista de Xi, que o italiano tanto amava. Propostas lusordianas que corroboram o entreguismo proposto hoje pelo PCdoB através de uma “Frente de Salvação Nacional”, sob a hegemonia dos piores inimigos da população, dos trabalhadores e da nação brasileira.

No presente artigo, os dois ideólogos do PCdoB destrataram-me de “baixo”, de “mentiroso”, de “falastrão”, de “preguiçoso”, de “malandro”, de “pro-imperialista” e por aí vai. Todos qualificativos morais, não atinentes à luta política e ideológica. Jamais sugeriram as minhas razões em me expor, criticando duramente um ícone do neo-estalinismo brasileiro, que sempre contou e segue contanto com o apoio de forças realmente poderosas. Logo eu, um “besouro” sem partido, sem mídia, sem sequer um grupinho acadêmico.

A resposta é simples. Minha crítica da grotesca construção brasileira de Domenico Losurdo como pensador marxista constitui desdobramento de meu esforço de mais de meio século para contribuir, dentro de minhas possibilidades, à luta pelo marxismo revolucionário e pelo socialismo. Algo cada vez mais difícil nos dias atuais, em que o mundo do trabalho vive alguns dos momentos mais críticos de sua história, e o oportunismo invade como nunca a esquerda que a direita gosta. Não ganho nada a não ser bordoadas, de antagonistas logicamente bem colocados. Mas são os ossos de ofício livremente escolhido.

Não creio que falte inteligência aos ideólogos do PCdoB. A tergiversação rústica para não abordar o que é essencial na discussão é necessária à defesa da natureza e dos objetivo do partido que abraçam e que por ele são abraçados. Partido que funciona, há décadas, como instrumento do capital no seio do movimento social. E a argumentação esquálida que apresentam repete a defesa tradicional estropiada de todos os serviços prestados pelo PC do B às classes dominantes e ao imperialismo voto em Rodrigo Maia; apoio à alienação da Base da Alcantara; adulação ao general Mourão; voto na anistia das corporações evangélica, para referir apenas as últimas e mais salientes. Para não falar dos apoios espúrios que atapetaram a trajetória política do PCdoB nas últimas décadas ao governo Sarney, a Moreira Franco, a Garotinho, a Eduardo Paes, etc.

Portanto, compreendo e empreendo essa discussão como ela é. Logicamente não se trata de discussão acadêmica, ainda recomendável o respeito às suas praxes. E também não é debate entre companheiros e camaradas com eventuais propostas divergentes. A vejo como confronto ideológico normal com inimigos que procuram penetrar e se instalar na trincheira do mundo do trabalho. E como tal devem ser combatidos.

sábado, 26 de setembro de 2020

Incêndios florestais, morais e políticos

É preciso dizer em alto e bom som: quem está queimando a Amazônia e o Pantanal?

O AGRONEGÓCIO! Subsidiado pelo Estado brasileiro.

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"Do papa de Roma ao mais humilde padre de paróquia, não há sacerdote que não profira palestras sobre a vida sexual. Como podem saber tanto de uma atividade que estão proibidos de praticar?" (Do livro "Espelhos", de Eduardo Galeano).

O mesmo não poderia ser dito sobre a ministra Damares e os evangélicos sem perder nenhum pouco do seu sentido?

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A "democracia" estadunidense tem milícias neofascistas para acuar movimentos de rua e eleições ameaçadas por ações "extraconstitucionais" liderado pelo chefe do neofascismo internacional, Donald Trump e o seu Partido Republicano.

Justamente aquele país que é exaltado pelos nossos vira-latas da pequena-burguesia nacional como um exemplo de respeito às instituições e à lei, acompanha Trump afirmar que "se alguém está infringindo a lei tem que ser punido" (tanto pela polícia que mata negros aos borbotões nas periferias, quanto pelas suas milícias "cidadãs" que ameaçam os movimentos de repúdio a tais assassinatos), ao mesmo tempo em que "perdoa" as represálias extrajudiciais dos seus partidários e financia com bilhões de dinheiro público os magnatas de Wall Street.

Assim avança o neofascismo nos EUA, no Brasil e no mundo.

Enquanto isso, o movimento negro norte-americano sofre uma brutal repressão e se encontra sem maiores perspectivas de saída porque não se propõe a avançar para uma organização social que transponha os limites do capitalismo, já que é combatido pelo Partido Republicano de armas nas mãos, e pelo Partido Democrata com discursos contra o "socialismo". Entre os setores mais conscientes do movimento dos trabalhadores se afirma que "se os democratas perderem em 3 de novembro, ou mesmo se eles ganharem, a resposta não seria diferente. Eles oferecerão imediatamente uma trégua a Trump e ao Partido Republicano"*. Esta conjunção capciosa de fatores faz o movimento bater cabeças e não apontar para nenhuma perspectiva política e programática além do capital, mesmo que parte do movimento negro retome a importante ação dos Panteras Negras de se auto armar.

Porém, ainda que hajam armas, falta a estratégia e a organização. A ausência destes elementos leva ao simples "vandalismo", que é usado por Trump como forma de justificar a repressão neofascista. Assim, com assassinatos, crimes e manipulações maquiavélicas, o sistema se recicla e vai atingindo uma nova etapa de acumulação e exploração (isto é, uma "nova economia"), desumanizando e implodindo o que resta de direitos e "liberdades democráticas" para os explorados, enquanto que os exploradores acumulam fortunas ainda maiores e gozam de todos os tipos de liberdade; incluso a de mentir impunemente. Até que desapareça a propriedade e o capital, não haverá uma justa nem igualitária distribuição das coisas, nem o mundo poderá ser felizmente governado. É justamente contra isso que a burguesia estadunidense luta desesperadamente, seja através do neofascismo republicano ou das declarações "contra o socialismo" dos democratas.

Os países "desenvolvidos" mostram o futuro aos países "subdesenvolvidos" que os tem como modelo. Eis aí o que nos aguarda se não superarmos a forma de atuação da "velha esquerda", seja na sua versão oportunista, que se institucionalizou, se corrompeu e não escuta mais ninguém além de si mesma ou da institucionalidade burguesa; seja na sua versão sectária e fragmentária de pequenos grupos, que tratam posições como uma nova forma de religião... 

Sobretudo é necessário levar em consideração as lições sobre a psicologia de massas e desenvolver, a partir disso, uma nova prática!


REFERÊNCIA:

*https://www.wsws.org/pt/articles/2020/09/16/pers-s16.html?fbclid=IwAR1J6-qBWJvAK_kNl8G6xa9azzzfoWSwzdJhhSa5TUa5cq7KveQG2hvwXpQ

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Autocrítica

3. PROCESSO PELO QUAL ALGO OU ALGUÉM SE TORNA DIFERENTE DO QUE ERA.

2. ALTERAÇÃO, MODIFICAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO

1. DEIXA
A PORTA ABERTA 
PRA ELA ENTRAR:
MUDANÇA:

SUBSTANTIVO FEMININO
SINGULAR
DEVERIA SER VERBO
ASSIM COMO: REVOLUCIONAR

COMPREENSÃO FUNDAMENTAL PRA:
MUDANÇA
MUDANÇA NECESSÁRIA 
PRA
MUDANÇA

O MUNDO DANÇA
A QUALQUER INSTANTE
CAI A FICHA
MUDANÇA ESTÁTICA
NEM NA FOTOGRAFIA
FÍSICA
MÁQUINA FOTOGRÁFICA:
EU
TU
NÓS
AUTOCRÍTICA
PRA ELA ENTRAR
DEIXA
A PORTA ABERTA



<...>
R.L.

sábado, 12 de setembro de 2020

"Socialismo com características chinesas" ou capitalismo de Estado?

Os presidentes norte-americanos Jimmy Carter e Richard Nixon olham sorridentes para Deng Xiaoping


Todas as nossas definições sobre “socialismo” e “comunismo” esbarram num problema da maior gravidade e interesse: a prática! Como estes sistemas econômicos representam o futuro e o novo, não temos receitas de bolo ou mapas que possam nos dizer: “chegamos” ou “está feito”! Existem inúmeras polêmicas a respeito de tais termos que são, é claro, utilizados indevidamente pela burguesia e os seus ideólogos para aprofundar a confusão e a incerteza. É por isso que todo e qualquer tipo de dogmatismo termina por dificultar ainda mais a nossa missão, que é ajudar os trabalhadores e as trabalhadoras a vencerem a burguesia e a construírem o socialismo – que, genericamente falando, sabemos ser a “fase inferior” do comunismo.

         Nesse terreno pantanoso das dúvidas e das incertezas não devemos ter medo, mas olhar confiantes o futuro, tal como os pioneiros, que são aqueles que puxam o fio condutor da história! Revisitar as palavras da grande economista chinesa Pao-Yu Ching é fundamental: “não afirmamos que Marx ou os marxistas conhecem o caminho para o socialismo completamente. Isso não faz sentido. Sabemos a direção desse caminho, sabemos quais forças de classes dirigem ao longo do caminho, mas de maneira concreta e prática, isso será aprendido com as experiências das milhões de pessoas que assumirem essa tarefa”[i].

         Ou seja, ainda que nesta jornada humana a teoria seja fundamental, devemos ter como principal medidor (termômetro e bússola) “a experiência de milhões de pessoas que assumirem essa tarefa”. As revoluções do século XX foram e são os principais medidores deste processo, pois representam dolorosas experiências das quais devemos extrair todas as lições possíveis; e, dentre estas, cabe destacar a experiência empreendida por milhões de trabalhadores e camponeses chineses, que nos forneceram – muitos com a própria vida – uma riquíssima experiência teórica e prática que devemos examinar com todo o interesse de um cientista.

         Justamente por não termos nenhuma receita de bolo, a despeito de toda a teoria socialista – sobretudo os clássicos marxistas (Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, dentre outros e outras) –, temos que nos esforçar para avançar sozinhos. Esta é a quota de sacrifício que nos cabe nesta construção histórica. Repetir afirmações passadas de forma dogmática e vazia de nada nos ajudará, senão que prolongará a agonia e as tentativas vãs. Portanto, temos que apreender dialeticamente os detalhes e as evidências que a realidade nos traz nos dias atuais, passadas as dolorosas e importantes experiências do século XX, olhando firmemente para os desafios e as novidades do século XXI.

         Dentre estas experiências atuais destaca-se a economia chinesa e a sua ascensão mundial, que traz uma série de fenômenos não analisados e homericamente ignorados pela “esquerda” brasileira, que a enxerga com as lentes um tanto embaçadas do século XX (ou, então, a idealiza infantil e perigosamente). Por exemplo: grande parte dela entende “socialismo” como a aplicação esquemática de planos quinquenais e despreza qualquer outro caminho como “desvio burguês”. Joga-se fora não apenas as próprias experiências revolucionárias de milhões de pessoas que assumiram a tarefa de edificação socialista no século XX, mas os próprios indícios da prática atual, que deve ser sempre a nossa principal guia.

         Quando falamos da China contemporânea, o debate resume-se a saber se ela é capitalista e imperialista ou “socialista”. Uma vez que se chega a alguma conclusão, cola-se o rótulo, fica-se de bem com a própria consciência, e ignora-se toda a trajetória revolucionária e as principais lições deste processo, concordemos com ele ou não. Por acaso todo este processo, que envolve e envolveu milhões de pessoas, não teria nada a acrescentar na nossa luta pela construção socialista, mesmo que o consideremos como um equívoco ou uma traição?

         A teoria marxista nos deixou um norte importante, que aponta o comunismo como a fase superior e o socialismo como “a fase inferior do comunismo”. É consenso entre a esquerda revolucionária e os intelectuais honestos que nunca existiu socialismo sobre a face da Terra, justamente porque o mercado mundial sempre foi dominado pelos países imperialistas e o capitalismo nunca teve sua espinha dorsal quebrada. Um país solitariamente não pode atingir o socialismo – esta foi uma das principais conclusões práticas das polêmicas entre o stalinismo e o trotskismo no seio da União Soviética (URSS), comprovadas pela história.

         Com mais razão ainda podemos afirmar que jamais existiu comunismo, pois este é caracterizado por dar fim às classes sociais e ao Estado. Este seria o norte máximo do sistema comunista. Para atingi-lo, seria necessário passar por sua “fase inferior”, o socialismo, levando à emancipação dos trabalhadores e a construção das condições materiais desta emancipação a partir do controle operário da produção e de um governo revolucionário que prepararia sua própria dissolução. Entre o capitalismo – isto é, a sociedade atual, com suas distintas realidades nacionais – e o comunismo, existe um emaranhado de incertezas e confusões que, nas palavras de Lenin, exigirá uma série de formações econômicas mistas. No percurso desse processo histórico as forças produtivas devem se desenvolver, superando o atual estágio do seu desenvolvimento.

 

1) O mercado mundial como encarnação do sistema capitalista

         O capitalismo é um sistema econômico mundial, que hoje estende suas raízes por todos os países e regiões. Possui um centro e periferias em uma totalidade interligada que não pode ser nunca esquecida. Grande parte da noção do internacionalismo proletário desenvolvido pelo marxismo provém desta compreensão. Nem sempre ele foi assim. Atingiu esse grau de maturidade ao longo de sua transformação de capitalismo comercial (ou mercantilismo) em capitalismo industrial, quando os mercados regionais e nacionais começaram a interligar-se dando origem ao mercado mundial.

Marx escreveu em O capital que “a circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital. A produção de mercadorias e o comércio, forma desenvolvida da circulação de mercadorias, constituem as condições históricas que dão origem ao capital. O comércio e o mercado mundiais inauguram no século XVI a moderna história do capital”[ii]. Marx apontará ainda que somente no mercado mundial adquire o dinheiro plenamente o caráter de mercadoria. Assim sendo, a “alma” do capitalismo é produzir para o mercado. O papel histórico progressista do sistema capitalista, bem como sua “missão” histórica, foi unificar as distintas regiões do planeta em torno do mercado mundial. Isso, como sabemos, foi feito com profundas e graves contradições que custaram (e ainda custam!) inúmeras vidas humanas.

Lenin, por sua vez, apontou que “o capitalismo não pode existir nem se desenvolver sem estender sempre o âmbito do seu domínio, sem colonizar novos países, sem inserir no turbilhão da economia mundial velhos países não-capitalistas”[iii]. E salienta “a existência de uma divisão mundial do trabalho, já constituída, e de um mercado mundial, graças a que as colônias podem se especializar na produção maciça de produtos agrícolas, recebendo, em troca, produtos industriais acabados ‘que, em outras condições, teriam de fabricar”[iv]. Ou seja, os países imperialistas vão modelando e remodelando as diversas regiões do mundo e dominando-as política, econômica e militarmente (se necessário for).

Deste modo, dentro do mercado mundial nenhuma economia está desconectada da outra. O centro comanda as periferias e umas se desenvolvem em detrimento de outras. Isso explica, em parte, porque a elite brasileira procura “enxugar os gastos públicos” do Estado para poder subsidiar a produção do seu setor agro-exportador ou dos monopólios industriais e comerciais que aqui operam. Para “atrair capital” joga as taxas de juros para a estratosfera e busca vender os recursos naturais do país (incluso a força de trabalho do povo) pelo preço mais barato possível. Evidentemente que o colapso de economias periféricas tem menos peso na engrenagem mundial do sistema do que as economias centrais (vide a crise de 2008), mas não podemos pensar o desenvolvimento do socialismo, por exemplo, dissociado dessa relação com o mercado mundial. A não ser, é claro, que joguemos fora a compreensão marxista de que o socialismo deve surgir das contradições internas do próprio capitalismo, trabalhando para superá-las e levar o desenvolvimento das forças produtivas a um estágio superior.

A medida de isolar do mercado mundial e criar embargos econômicos aos países que passam por processos revolucionários é uma ação consciente do imperialismo no sentido de contê-los e asfixiá-los, matando o “germe da rebeldia” na raiz e impedindo que se espalhe para todo o corpo. As revoluções daqui para frente não podem mais perder de vista esta compreensão. Tampouco devem se satisfazer com o auto isolamento, como fizeram as burocracias stalinista soviética e chinesa (até 1978), o que significa um suicídio. Também não devem “vender a alma” para permanecer no mercado mundial, tal como fez a última após 1978.

Partindo da experiência chinesa, devemos tirar as lições de todo o processo e buscar uma política justa que encontre um equilíbrio entre todas estas disjuntivas.

 

2) A abertura econômica da China ao mercado mundial: “socialismo de mercado” ou capitalismo de Estado?

         É dentro de uma lógica binária de “totalmente bom versus totalmente mal” que grande parte da “esquerda” brasileira e mundial analisa a política de abertura do Partido Comunista Chinês (PCC) ao mercado mundial. Muitos “trotskistas” e outros tantos “comunistas” (sobretudo os stalinistas), por olharem a realidade pelo prisma binário, desconsideram totalmente as lições da política de abertura de Deng Xiaoping, sem separar o joio do trigo, porque no início o principal beneficiário desta política foi o imperialismo estadunidense. Por se tratar de uma burocracia stalinista, simplesmente colocam um rótulo e deixam de agir como cientistas sociais, que aproveitam as boas oportunidades – mesmo que não concordemos com as políticas que analisamos – para extrair todas as lições possíveis. Outros tantos, por verem que a burocracia chinesa encontrou-se em maus lençóis, tendo que abandonar certos preceitos “socialistas” e, consequentemente, frustrando seu “revolucionarismo”, acabam, também, por jogar tudo fora.

         As “reformas” de Deng Xiaoping possuem méritos e defeitos. Os últimos são maiores do que os primeiros, mas não quer dizer que os primeiros não existam. Há um certo parentesco entre as reformas de Deng e a Nova Política Econômica (NEP, na sigla em russo) proposta pelos bolcheviques após o final da guerra civil de 1919-1921. Há, também, perigosas diferenças que pretende-se analisar a seguir.

         O pensamento corrente entre a esquerda brasileira e de grande parte dos intelectuais burgueses é que “socialismo” é sinônimo exclusivo de planos quinquenais; isto é: que “para ser socialista” a economia deve ser exclusivamente planificada, seja pra sempre ou por um tempo determinado (no caso soviético, em planos que abrangiam 5 anos). Nos planos quinquenais se determinavam as metas, por setor econômico, do que seria investido e o do que seria produzido. Na URSS stalinista se considerava crime contra o Estado o não cumprimento das metas de produção estabelecidas. Ainda que a planificação econômica seja fundamental e indispensável para uma economia socialista, ela não é o único instrumento e, em muitos casos, não deve ser o principal – sobretudo se levarmos em consideração a forma como a burocracia stalinista entendia a aplicação de tais planos. Em todos os casos, a planificação não pode sufocar completamente o mercado.

Há que se ter um certo equilíbrio dependendo do nível de desenvolvimento econômico de cada país e região. O mercado é um mecanismo econômico importante que pode ser assimilado por uma economia socialista, principalmente na sua fase inicial. O “mercado socialista”, é claro, deve ser regulamentado e controlado – ou seja, o oposto do que o capitalismo neoliberal professa, inclusive através das armas e invasões militares. Como já foi analisado no texto A ascensão mundial da China, não é isso que acontece no país de Deng Xiaoping, marcado por um capitalismo de Estado. Falar em “mercado socialista”, portanto, pressupõe a tomada do poder pelos trabalhadores em diversos países e a transformação do mercado mundial, pelo menos em uma grande parte dele, em “mercado socialista” – levando-se em consideração também outros critérios, como o controle operário da produção, as instituições políticas e econômicas, etc. Socialismo jamais pode ser considerado apenas do ponto de vista da planificação, pois Japão e Coréia do Sul planificam e planejam suas economias sem serem países socialistas.

De qualquer forma, é fundamental compreender a experiência econômica chinesa desencadeada pelas reformas de Deng Xiaoping – chamada eufemisticamente de “socialismo com características chinesas” – para poder desmistificá-la e incorporar suas lições positivas e progressistas à luta e ao programa do proletariado mundial, visando enriquecer a teoria socialista. Dois perigos ameaçam atualmente o processo chinês: a burocracia stalinista à frente do poder – com métodos políticos burocráticos e paternalistas que impedem a emancipação dos trabalhadores – e o agudo aumento das desigualdades sociais; ambos podem preparar o caminho para a retomada plena do poder político por parte do imperialismo Ocidental, fato que ainda não ocorreu.

Mineiros chineses retratados pelo artista Liu Xiaodong

3) Pontos positivos e negativos da abertura proposta por Deng Xiaoping

         É consenso entre os historiadores que nos primeiros anos após a revolução de 1949, o governo chinês adotou como norte os planos quinquenais soviéticos. Durante esse período (1949-1978) se acreditou que ser “socialista” e “marxista” significava seguir o modelo e a experiência da construção econômica soviética (stalinizada, cabe acrescentar). Mao Tsé-tung proclamou que “o Partido Comunista da URSS é o nosso melhor mestre, e devemos acatar suas lições”[v], ao mesmo tempo em que afirmava que ele “triunfou sob a direção de Stalin”, igualando-o, como sempre fez – para o regozijo da mídia burguesa –, a Lenin.

Mao Tsé-tung lendo livro de Stalin durante a guerra civil, de onde tirou
grande parte de suas ideias políticas e econômicas

         Geralmente a mídia burguesa ignora e menospreza os grandes avanços da sociedade chinesa com a planificação imposta pelo PCC sob o controle de Mao, como a industrialização do país, que jamais ocorreria sem a revolução de 1949. Contudo, a visão stalinista e maoísta tende a isolar a economia nacional do mercado mundial, como se a parte pudesse se desenvolver sem o todo. Se é certo que pode haver industrialização e desenvolvimento econômico em um país isolado, é mais certo que haverá um claro limite para este desenvolvimento, que tende a se esgotar e estagnar; além de ser impossível de construir o socialismo, uma vez que tal país ficará à mercê do mercado mundial e de quem o controla.

         Fernando Claudín alerta para o fato de que “a industrialização da URSS – que constituía o conteúdo econômico efetivo desse ‘socialismo integral’ – não era objetivamente incompatível com a economia mundial capitalista”[vi]. Para o stalinismo e todo o “marxismo” vulgar, socialismo se resume à industrialização e planificação. Mas como bem alerta Claudín, isso não é incompatível com o mercado mundial. Como ao longo do século XX Rússia e China estavam na periferia do sistema e não desempenhavam na economia mundial nenhum papel comparável, ainda que de longe, ao dos principais países capitalistas, o mecanismo pôde continuar funcionando sem essas “peças” (sobretudo sem a Rússia, já que o mercado interno chinês sempre foi cobiçado pelo imperialismo Ocidental e gradativamente tenderia a “emperrar a engrenagem”).

         Com o passar do tempo, ficou patente que a economia chinesa não poderia desenvolver-se a partir de planos quinquenais isolados, conforme atesta o fracasso do “grande salto adiante” (plano quinquenal proposto pelo PCC entre os anos de 1965 e 1969 em meio à ruptura política e econômica com a URSS). Tal proposta foi o mesmo que tentar se salvar da areia movediça se puxando sozinho pelos cabelos, uma vez que buscava um desenvolvimento econômico e tecnológico isolado e autóctone, ignorando as contribuições dos outros países e o intercâmbio com o mercado mundial.

         “Os absurdos mortais do ‘grande salto adiante’ – escreveu Hobsbawm – se deveram basicamente à convicção, que o regime chinês partilhava com o soviético, de que a agricultura devia ao mesmo tempo alimentar a industrialização e manter-se sem o desvio de recursos de investimento industrial para ela. Em essência, isso queria dizer substituir os incentivos ‘materiais’ por ‘morais’, o que significava, na prática, pôr o volume quase ilimitado de braços humanos disponíveis na China no lugar da tecnologia que não havia”[vii]. Para Francisco Martins Rodrigues, “o grande salto em frente estava condenado ao fracasso. Para os direitistas não era difícil demonstrar a incongruência de se pretender levar os camponeses a passar ao comunismo quando a economia não estava preparada para tal. A supressão dos estímulos materiais e a distribuição de alimentos segundo as necessidades e não de acordo com o trabalho prestado iriam provocar uma baixa na produção. A criação de indústrias artesanais improvisadas nas comunas não tinha qualquer valor econômico. Tudo não passava de uma espécie de ‘comunismo primitivo’”[viii].

         A crise aberta com a estagnação econômica resultante do “grande salto adiante” levou à Revolução Cultural (1966-1976) e, com o fim desta, à ascensão política da fração de Deng Xiaoping, que surfou no desgaste político dos defensores dogmáticos do “modelo soviético” – isto é, dos planos quinquenais burocráticos. Em um processo que vai durar de 1978 até 1992, Deng inicia uma grande campanha interna que abrirá a China ao mercado mundial em um programa de reformas que ficará conhecido como “as quatro grandes modernizações”[ix].

         Utilizando-se de métodos stalinistas e inicialmente reabilitado e apoiado pelo próprio Mao, Deng expurga os “esquerdistas”; isto é: o grupo político que o condenou como “direitista” ao longo da Revolução Cultural e que entendia “socialismo” e “marxismo” como a aplicação burocrática dos planos quinquenais. Alijando os seus mais ferrenhos adversários do poder, Deng dribla a burocracia política para conseguir aplicar as reformas, buscando uma aliança direta com os dirigentes provinciais, a quem contrapõem à cúpula do PCC em Pequim – prometendo liberdade de comércio e rendimentos de impostos a partir das zonas francas que foram criadas em suas províncias –; e com o exército, a quem conquista o apoio a partir da promessa de liberdades econômicas, como a livre compra e venda de armamentos, tal como faz o exército dos EUA, ingressando no mercado internacional do ramo militar, além da possibilidade de possuir empresas próprias como as que existem hoje: Xinxing, Norenco e Poly Tech; todas aptas a competir no mercado mundial[x].

         A política das “quatro grandes modernizações” previa a reabertura de enormes zonas territoriais da China em um regime “econômico especial”, onde a propriedade privada e o capital seriam não apenas garantidos, como incentivados, para, segundo Deng, captar recursos econômicos e tecnologia do Ocidente, modernizando, assim, a indústria. O plano previa também “modernizar” a agricultura a partir da legalização dos rendimentos privados e da restauração de relações de produção capitalistas no campo; “modernizar” a defesa, abrindo o exército para a possibilidade de grandes rendimentos econômicos em troca da lealdade às suas políticas e ao poder político estabelecido na China pelo PCC; e “modernizar” a cultura, legalizando os princípios capitalistas da meritocracia, calcados na eficácia e na produtividade. Deng propôs a “reforma” das empresas estatais para torná-las mais receptivas às “forças do mercado”, bem como legalizou o fim do pleno emprego, abrindo precedentes para a demissão de trabalhadores. Mesmo escancarando a China para o mercado mundial e o imperialismo Ocidental, Deng reforçou o poder centralizador do PCC, atribuindo às instituições políticas chinesas um “caráter inegociável” – diferentemente da restauração capitalista na URSS, em que, à abertura econômica, seguiu-se a abertura política aos partidos e instituições burguesas[xi].

         A esta política econômica contraditória Deng chamou perigosamente de “socialismo com características chinesas”; e assim o PCC a vem chamando desde então. Contra a acusação dos “anciãos do partido”, como Chen Yun, que o acusavam de querer repetir a abertura soviética protagonizada por Gorbatchev na URSS, Deng se defendia afirmando que o Estado ainda mantinha a predominância na propriedade das zonas francas de “economia especial”, se beneficiando da importação de tecnologia e no aprendizado da administração. Para ele “a linha demarcatória entre planejamento e mercado não é a diferença substantiva entre socialismo e capitalismo, e isso não tem qualquer ligação com a escolha entre socialismo e capitalismo. Economia planejada não é a mesma coisa que socialismo, porque capitalismo também tem planejamento. Por outro lado, economia de mercado não é igual a capitalismo, porque socialismo também tem um mercado. Tanto o planejamento como o mercado são instrumentos da economia”[xii].

         A uma compreensão correta da utilização de “mercado” e “planejamento” como “instrumentos da economia”, Deng agrega uma perigosa compreensão de que o que fez com suas “reformas” foi construir o “socialismo com características chinesas” e não o desenvolvimento de um tipo peculiar de capitalismo de Estado[xiii]. Além disso, instituiu que tal projeto de reformas não deveria ser modificado por cerca de 100 anos e que o PCC deveria zelar por ele ao longo de todo esse percurso de tempo. Somente assim a China tornar-se-ia uma potência mundial. Ao longo de distintas passagens dos seus textos e discursos, Deng “confunde” o “socialismo com características chinesas” com a transformação da China em potência mundial. Aqui cabe perguntar no que a China realmente está interessada: construir o socialismo ou tornar-se uma potência mundial?

         Para tentar encontrar a resposta, temos que analisar o contraditório pensamento e as ações de Deng. Ele declarou solenemente que “a chave para atingir a modernização é o desenvolvimento de ciência e tecnologia (...). Conversa mole não vai levar nosso programa de modernização a parte alguma; precisamos ter conhecimento e pessoal treinado (...). Agora parece que a China está uns bons vinte anos atrás dos países desenvolvidos em ciência, tecnologia e educação (...). Já na Restauração Meiji, os japoneses começaram a fazer um grande esforço em ciência tecnologia e educação. A Restauração Meiji foi uma espécie de campanha de modernização empreendida pela emergente burguesia japonesa. Como proletários devemos, e podemos, fazer mais”[xiv].

         Se por um lado Deng conseguiu dar o tão esperado “salto adiante” e, portanto, conseguiu desenvolver a ciência e a técnica da China, sendo, por isso mesmo, um grande incremento e um importante passo no sentido do “socialismo” (ou dito de outra forma: o socialismo deve surgir de uma superação do capitalismo em todos os seus pontos positivos – esta sempre foi a perspectiva colocada por Marx e Engels); por outro, usando um discurso pernicioso, Deng deixa aberta perigosas portas para a retomada total da China pelo imperialismo, uma vez que os trabalhadores chineses estão capciosamente afastados de qualquer órgão de poder – sem o quê não existe a menor possibilidade de efetivamente construir o socialismo – e iludidos quanto ao discurso oficial do PCC (ou reprimidos quando tentam afirmar o oposto).

         Deng teve méritos, sem dúvida, no sentido de lutar contra concepções petrificadas e dogmáticas de membros da burocracia do PCC e da “esquerda” em geral, propondo reformas econômicas que contrariavam preceitos há muito arraigados na “doutrina oficial”, o que abriu precedentes para tirarmos conclusões acerca desta experiência; porém, distorce a noção do que é socialismo, chegando ao ponto de falsificá-lo, tirando-o da perspectiva de qualquer poder operário e popular. A principal vitória do socialismo – para além da industrialização, da eliminação do analfabetismo, do desenvolvimento de condições materiais básicas para o proletariado – estará na sua capacidade de formar adultos socialmente auto-suficientes do ponto de vista intelectual e emocional (mas sempre ligados entre si pelos interesses gerais da sociedade), para que estes possam educar as crianças no mesmo sentido e assumam suas responsabilidades nos organismos políticos e instituições de massas com poder real sobre o governo e a sociedade. Neste esforço, a luta contra o irracionalismo das massas e o seu espírito de rebanho é fundamental, sem o quê, para além das condições materiais, não haverá possibilidade alguma de acabar com as classes e o Estado para, aí sim, criar as condições reais que possam atingir o comunismo.

O PCC e a sua “nova” doutrina não apenas não lutam contra isso, como reforçam este docilidade diante da autoridade. Assim, de nada adianta o grande desenvolvimento econômico das forças produtivas, tal como propunha Deng. Pra piorar, ao longo da década de 1990, o PCC incentivou a propaganda de um nacionalismo chinês a partir do resgate da figura de Mao Tsé-tung, mesclando-a com o confucionismo; tudo em detrimento da ideologia comunista (que é internacionalista por excelência).

 

4) NEP versus reformas de Deng: lições, erros e acertos

Mesmo havendo parentesco entre a NEP proposta por Lenin e algumas das reformas de Deng, há profundas e perigosas diferenças que merecem ser analisadas e pontuadas agora.

Após a vitória do governo revolucionário soviético liderado por Lenin e Trotsky sobre os exércitos contra-revolucionários na guerra civil de 1919-1921, a Rússia encontrava-se arrasada social, política e economicamente. “Os três primeiros anos [da revolução russa] – escreveu Trotsky – foram de uma guerra civil aberta e dura. A vida econômica foi inteiramente subordinada às necessidades das tarefas de combate”[xv]. Era necessário, portanto, reestruturar a economia e superar o chamado “comunismo de guerra” – um termo que gera muita confusão porque nos remete à “comunismo”, mas que não passou de uma forma de requisição forçada de mercadorias e mantimentos para manter de pé o exército revolucionário e o governo –, sobretudo porque não houve revolução europeia, o que selou o isolamento internacional da URSS. Durante este período, Lenin apontou que “o ‘comunismo de guerra’ nos foi imposto pela guerra e pela ruína. Não foi e nem podia ser uma política que respondesse às tarefas econômicas do proletariado. Foi uma medida provisória. (...) é preciso não esquecer o seguinte: a miséria e a devastação são de tal ordem que não podemos restabelecer de repente a grande produção fabril, a produção estatal, a produção socialista”[xvi]. Para Trotsky, “o confisco dos excedentes de grãos dos camponeses e a distribuição das rações não eram medidas próprias de uma economia socialista, mas de uma fortaleza sitiada”[xvii]; “o comunismo de guerra” criava toda uma burocracia que envolvia uma certa unidade econômica – em parte necessária, em parte reproduzindo as características herdadas da antiga economia russa.

A partir de 1921, quando a guerra civil se encerrou, os congressos do Partido Comunista da URSS se debruçaram em um debate apaixonado sobre os rumos econômicos a seguir e delinearam, por iniciativa de Lenin, o que veio a ficar conhecida como Nova Política Econômica (NEP em russo). Em síntese, ela consistia em restaurar as leis de mercado entre o campo – atrasadíssimo – e a indústria recém coletivizada, em um país onde os pequenos camponeses eram maioria[xviii] (além de preservar parte da pequena propriedade nas cidades). Não casualmente, tanto Gorbatchev, com sua nefasta Perestroika[xix], quanto o PCC de Deng, fazem referências à NEP e a esse período da história soviética. Contudo, há que se ter muito cuidado nessa comparação.

Ainda que Lenin e Trotsky sempre enfatizassem a necessidade da aplicação de uma NEP como o resultado da derrota da revolução europeia e do isolamento da URSS, devemos levar em consideração outros pontos não abordados por eles, como a possível necessidade de uma etapa de capitalismo de Estado na transição para uma sociedade socialista; ou, nas palavras de Lenin, um estágio que seria a “ante-sala” para a passagem ao socialismo. Ele escreveu que “a transição ao comunismo pode se efetuar também por meio do capitalismo de Estado”, e sublinhou a palavra “também” para enfatizar que essa passagem não deve se dar somente por meio do capitalismo de Estado[xx]. Porém, vimos que o capitalismo não pôde ser superado de forma tão fácil com planos abstratos, sendo necessário o desenvolvimento de formas mistas de transição de um sistema econômico para o outro – sem capitular à conciliação de classes! –, sabendo usar a força do inimigo e o peso da inércia das mentalidades contra ele próprio. Cabe ressaltar ainda que em outras passagens de diversos artigos sobre a NEP, Lenin parece contradizer-se com o que afirmara a respeito da ponderação do “também”.

Por exemplo: “os melhores não compreenderam que os mestres do socialismo não tinham falado em vão de todo um período de transição entre o capitalismo e o socialismo e não salientaram em vão as ‘longas dores do parto’ da nova sociedade e não entenderam que ela é, por certo, uma abstração e só pode encarnar na vida por meio de ações concretas, imperfeitas e variadas, para se criar um ou outro Estado socialista. Exatamente porque não se pode continuar avançando a partir da atual situação econômica da Rússia, sem passar pelo que é comum ao capitalismo de Estado e ao socialismo, é um completo absurdo teórico assustar os outros e a si mesmo com a ‘evolução para o capitalismo de Estado’”[xxi]. Ou ainda: “o socialismo não é mais que o passo seguinte ao monopólio capitalista de Estado. (...) [ele] é a sua ante-sala, um degrau na escada histórica entre o qual e o degrau chamado socialismo não há nenhum degrau intermediário”[xxii]. Justo na primeira “experiência socialista” foi-se necessário recorrer a ele. Na China novamente. Portanto, deve haver alguma ligação (que certamente precisa ser melhor debatida e desenvolvida) entre o capitalismo de Estado e as formas de transição baseadas na construção de uma nova hegemonia na sociedade, bem ao estilo da “estratégia socialista para os países ocidentais” proposta por Gramsci.

Isso se passaria desta forma porque não há como tirar da cartola uma nova economia, pronta, em perfeito estado de expansão e prosperidade, sobretudo após uma revolução, que inevitavelmente apresentará uma série de formas mistas de economia – principalmente nos países periféricos. Qualquer formalismo neste assunto compromete o êxito revolucionário, porque é necessário ter a clara consciência de que o novo regime que surgirá da revolução não pode ser, em nenhuma medida, outra coisa que não um regime de transição, com formas econômicas mistas e até opostas. Se não somos idealistas que vivem nas nuvens ou tementes crônicos à frustração, é inevitável se recorrer a alguns velhos métodos econômicos, bem como às técnicas e aos especialistas da velha sociedade burguesa.

Foi por isso que Lenin afirmou que “o socialismo é inconcebível sem a grande técnica capitalista, calcada na última palavra da ciência moderna, sem uma organização estatal harmônica, que submeta dezenas de milhões de pessoas à mais rigorosa observância de uma única norma na produção e na distribuição”[xxiii]. A despeito dos problemas de desumanização da técnica capitalista e, também, da submissão “de dezenas de pessoas ao Estado” – o que gera contradições absurdas (e até mesmo fascistas), sendo necessário analisá-las num artigo específico –, sem dúvida o socialismo precisa partir do ponto evolutivo onde o capitalismo “parou”, e não estagnar, retroceder ou criar uma “economia nova do nada”. Lenin ainda afirma que “ao derrotarmos os latifundiários e a burguesia, limpamos o caminho, mas não construímos o edifício do socialismo”; e que “não é o capitalismo de Estado que luta contra o socialismo, mas sim a pequena burguesia mais o capitalismo de economia privada, unidos, de comum acordo, que lutam tanto contra o capitalismo de Estado como contra o socialismo”[xxiv].

Evidentemente que Lenin sempre falou em um “capitalismo de Estado” como o resultado de uma revolução, que leve ao poder uma organização revolucionária dos trabalhadores; e não uma economia saída de eleições burguesas, dentro de um Estado burguês. Ele afirma que somente “quando a classe operária tiver aprendido a defender a ordem estatal contra o anarquismo pequeno-proprietário, quando tiver aprendido a colocar em marcha a grande organização estatal da produção, tomando por base os princípios do capitalismo de Estado, terá em suas mãos todos os triunfos; deste modo a consolidação do socialismo estará assegurada”[xxv]. Ou seja, o capitalismo de Estado saído de uma revolução vitoriosa seria o andaime da construção do edifício do socialismo, que deve ser obrigatoriamente retirado quando este edifício estiver “pronto”.

Lenin também sugeriu – embora o governo revolucionário nunca tenha concretizado tal sugestão – entregar zonas econômicas especiais ao grande capital privado internacional para que explorassem recursos naturais da Rússia que o poder soviético não tinha condições de explorar naquele momento. Cabe ver o que ele escreveu a respeito: “O exemplo mais simples de como o poder soviético dirige o desenvolvimento do capitalismo em direção ao capitalismo de Estado são as concessões. Agora, todos estamos de acordo que as concessões são indispensáveis, mas nem todos refletem sobre seu significado. (...) O concessionário é um capitalista. Dirige as empresas à maneira capitalista, com o objetivo de obter lucro, estabelecendo um acordo com o poder proletário tendo a finalidade de obter lucros extras, superlucros, ou tendo a finalidade de obter um tipo de matéria-prima que não poderia obter ou dificilmente conseguiria de outro modo. O poder soviético obtém vantagens no desenvolvimento das forças produtivas, do aumento imediato ou a curto prazo da quantidade de produtos. (...) A determinação da medida e das condições em que as concessões são convenientes, e não representam um perigo para nós, depende da correlação de forças e se resolve pela luta, já que também as concessões representam um aspecto da luta, a continuidade da luta de classes sob outra forma, e de modo nenhum a substituição da luta de classes pela paz de classes. Os métodos de luta a serem empregados serão determinados pela prática. (...) Pagamos um certo ‘tributo’ ao capitalismo mundial, ‘resgatando-nos’ dele, em alguns aspectos, obtendo, em certa medida, imediatamente, a consolidação do poder soviético e a melhoria das condições de gestão de nossa economia. (...) Inegavelmente existem dificuldades e os erros seguramente serão inevitáveis nos primeiros momentos, mas essas dificuldades são mínimas se comparadas com outros problemas da revolução social, particularmente com outras formas de desenvolvimento, admissão e implantação do capitalismo de Estado. (...) A política de concessões, em caso de êxito, nos proporcionará um pequeno número de empresas-modelos – em comparação com as nossas – que estarão no nível de adiantamento do capitalismo atual; que, depois de alguns anos, passarão integralmente para as nossas mãos”[xxvi].

Muitas passagens do trecho acima são semelhantes ao que escreveu Deng Xiaoping para justificar as concessões na China, que lá assumiram o nome de zonas econômicas especiais (o mesmo que zonas francas, como são chamadas no Brasil). No entanto, demonstram, também, profundas diferenças, como, por exemplo, o fato de Deng ter proposto exatamente a substituição da luta de classes pela “paz de classes”.

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Já em Trotsky, podemos ler que “uma vez conquistado o poder, o trabalho de construção, sobretudo no campo econômico, torna-se o trabalho-chave e também o mais difícil. Sua solução depende de fatores das mais variadas ordens e de diferentes magnitudes. Em primeiro lugar, do nível de desenvolvimento das forças produtivas, sobretudo da relação recíproca entre a indústria e a agricultura”. Depois complementa, dentre vários fatores, que o mais fundamental é o desenvolvimento das forças produtivas, depois o nível cultural do proletariado e, finalmente, a situação política e militar em que se encontra o proletariado”. Depois chama a atenção para a questão decisiva de que “o que é racional na vida econômica nem sempre é racional na vida política”, embora qualquer economia possa crescer “desde que exista certa proporcionalidade entre seus diferentes setores”[xxvii].

Eis aí apenas uma pequena parte do problema.

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         Podemos perceber nestes trechos de Lenin e Trotsky muitos parentescos com algumas das ideias que Deng Xiaoping aplicou na China. Como por exemplo, a busca e a forma de aprender com a experiência do capitalismo “mais avançado”. Deng afirmou que: “é preciso aprender a gerenciar a economia com meios econômicos. Se nós mesmos não conhecemos a metodologia avançada desse gerenciamento, devemos aprendê-la com quem conhece, em nosso país ou no exterior. Esses métodos devem ser aplicados não apenas em operações empresariais com tecnologias e materiais recentemente importados, mas também na técnica das empresas existentes. Até podermos começar em campos limitados a introdução de um programa nacional unificado de gerenciamento moderno; digamos, uma região em particular ou um determinado comércio e, a partir daí, levar a aplicação do processo a outras áreas”[xxviii].

         Dentre as propostas apresentadas por Deng, está a que defende uma espécie bem evidente de capitalismo de Estado adaptado às condições da China do final do século XX: “a economia de mercado transformou todas as transações econômicas em mercado e moeda corrente. O propósito da nova formulação era retirar o governo do microgerenciamento da economia. O documento nº4 reduziu o papel da Comissão de Planejamento Estatal e aumentou o papel do mercado. Esse novo dispositivo deixou bastante claro que o papel principal era do mecanismo de mercado que controlava toda a distribuição. O planejamento central continuaria com a vigência do novo dispositivo, mas o governo não mais interferiria nas empresas por meio de ordens administrativas. Em vez disso, regulamentaria e padronizaria as atividades empresariais por meio de planejamento não-obrigatório e do uso de alavancas econômicas tais como impostos, taxas de juros e políticas industriais, manobra muito semelhante àquela aplicada pelos japoneses por intermédio do Ministério de Indústria e Comércio Internacional”[xxix].

         Deng leva em consideração o conjunto das relações internacionais – e, portanto, o mercado mundial. Para Lenin, não levar em consideração tais relações é sempre um erro. Os adversários de Deng dentro do PCC apresentavam argumentos fraquíssimos, pautados num dogmatismo agonizante que resultava da ortodoxia stalinista da URSS. Nada de muito positivo poderia nascer deste embate, embora muitos deles, como Chen Yun, tenham apresentados pontos importantes, ainda que profundamente limitados.

A esquerda critica e excomunga Deng por ter tomado medidas econômicas “capitalistas” no sentido de modificar a indústria e o desenvolvimento da China. Como sabemos, por ter sido uma colônia de distintos países imperialistas ocidentais, esta fase ficou incompleta[xxx]. A revolução de 1949 criou as possibilidades de resolvê-la, embora o comitê central do PCC e muitos autores, de “esquerda” e de “direita”, compreendem que houve um período de “construção do socialismo” na China (isto é, entendem “socialismo” como um período de isolamento econômico nacional baseado em planos quinquenais). O próprio Deng incorre neste erro quando afirma que “o socialismo em nosso país se desenvolveu por um curto período”[xxxi].

Tal como vimos em Lenin, a busca pelo incremento econômico, a conquista da técnica “baseada na última palavra da ciência” e no desenvolvimento das forças produtivas estão em consonância com o que preconizou Marx e Engels – e isso mereceria ser reconhecido e debatido entre a esquerda, sobretudo para gerar uma nova prática, novos debates sobre a transição ao socialismo, etc. A esquerda brasileira e mundial, na contra mão disso (e quase como regra), joga tudo fora para reproduzir dogmas.

Por outro lado, reconhecer os méritos de Deng não exclui analisarmos os efeitos negativos de sua política, que são por demais evidentes; e nesta interação dialética entre o lado positivo e o negativo das reformas e aberturas de Deng, podemos não apenas enriquecer a teoria socialista, como tentar intuir os passos em direção ao socialismo, bem como compreender a ascensão da China ao posto de país imperialista hegemônico no mercado mundial. Já foi analisado a natureza e o papel do Estado e da economia existente na China atual no texto A ascensão mundial da China[xxxii]; por isso não retomaremos essa discussão aqui.

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         Quando Lenin e Trotsky iniciaram o processo de aplicação da NEP na URSS, tiveram o seguinte cuidado na narrativa: “hoje, temos que recorrer ao velho método burguês e aceitar os ‘serviços’ dos grandes especialistas burgueses em troca de uma remuneração mais alta. Os que conhecem a situação compreendem isso, mas nem todos param para pensar a respeito do significado de tal medida tomada pelo Estado proletário. É evidente que essa medida constitui um compromisso, um desvio dos princípios sustentados pela Comuna de Paris e por todo poder proletário, que exigem a redução dos ordenados ao nível do salário operário médio, que exigem que se lute contra o arrivismo com fatos e não com palavras”.

         E concluem: “é evidente que tal medida não só é uma interrupção, em certo terreno e em certo grau, da ofensiva contra o capital (já que o capital não é uma simples soma de dinheiro, mas determinadas relações sociais), mas é também um passo atrás de nosso poder estatal socialista, soviético, que desde o primeiro momento proclamou e começou a levar à prática a política de redução dos altos salários até o nível do ordenamento de um operário médio. (...) Ocultar às massas que atrair os especialistas por meio de salários extremamente elevados é um desvio dos princípios da Comuna, seria descer ao nível dos políticos burgueses e enganá-las. Ao contrário, explicar abertamente como e por que retrocedemos nesse caso, discutir publicamente os meios de que dispomos para recuperar a perda, significa educar as massas e, baseados na experiência adquirida, aprender com elas a construir o socialismo. (...) É indiscutível que as altas remunerações exercem uma influência desmoralizadora, tanto sobre o poder soviético, como sobre a massa operária. Porém, todos os operários e camponeses pobres, conscientes e honrados, concordarão conosco, reconhecerão que não estamos em condições de nos livrarmos, de repente, da herança nociva do capitalismo. (...) E se Bukhárin afirma que nisto não há violação de princípios, eu sustento que o que se infringe é o princípio da Comuna de Paris. O capitalismo de Estado não tem sua raiz no dinheiro, mas sim nas relações sociais. Quando nós pagamos à razão de dois mil rublos, conforme o decreto ferroviário, isto é capitalismo de Estado”[xxxiii].

         Eis que Deng Xiaoping e o PCC fizeram exatamente o oposto na aplicação do seu tipo de capitalismo de Estado: não apenas não o chamaram pelo nome, mas o enfeitaram, batizando-o, capciosamente, de “socialismo com características chinesas”. Como não poderia deixar de ser, os intelectuais e a mídia burguesa tiram todo o tipo de vantagem propagandística disso. Portanto, conforme o linguajar de Lenin, agiram como políticos burgueses e enganaram as massas, escondendo que estavam rompendo princípios e, ao invés de explicarem clara e publicamente que retrocediam, afirmaram exatamente o contrário, que estavam construindo o “socialismo com características chinesas” (isto é, “avançando”). Mesmo todas essas diferenças nada desprezíveis não impedem os intelectuais e a mídia burguesa de chamarem Deng e o PCC de “leninistas”.

         No caminho contrário ao deles, Lenin aponta “o fato de que o trabalho para organizar o registro e o controle tenha ficado atrasado em relação à obra de expropriação direta dos expropriadores explica por que o poder soviético foi obrigado a dar um passo atrás ou a aceitar um compromisso com as tendências burguesas. Por exemplo, foi um passo atrás, um retrocesso em relação aos princípios da Comuna de Paris, a introdução de altos salários para alguns especialistas burgueses. Um compromisso desse tipo foi o acordo com as cooperativas burguesas a respeito das gestões e medidas visando incorporar paulatinamente toda a população às cooperativas. Enquanto o poder proletário não estabelecer por completo o controle e a contabilidade populares, tais compromissos são indispensáveis e nossa tarefa, sem ocultar o mínimo que seja ao povo os seus aspectos negativos, está em intensificar todos os esforços para melhorar o confronto dos salários com os resultados gerais do trabalho da fábrica, com os rendimentos das ferrovias ou do transporte fluvial, etc.”[xxxiv].

         Aqui, novamente, percebemos que não apenas os aspectos negativos são ocultados, como Deng e o PCC trabalharam no sentido de afirmar que estão aplicando os princípios do “socialismo” com o seu mágico adendo de “com características chinesas”. Dentro da lógica de Lenin, a colaboração prevista entre socialismo e capitalismo de Estado não teria um compromisso de poder. Privilegiar-se-iam as relações econômicas assentadas no capitalismo de Estado e, portanto, em definitivo as relações capitalistas de produção, mas não o poder político dos capitalistas como classe. Aos capitalistas que estivessem dispostos a colaborar, seria pago um tributo econômico, mas ficariam, como antes, excluídos do poder, que permaneceria solidamente nas mãos da classe operária como poder da ditadura proletária para que tais relações fossem limitadas e não se transformassem em novas relações de poder[xxxv].

         O que Lenin critica de forma enfática é exatamente o que acontece na China. Baseando-se na teoria de Mao-Stalin da “Nova Democracia”, ocorre não apenas a participação da burguesia no governo do PCC, mas as posições defendidas por Deng e consolidadas por outros líderes “comunistas” chineses, passaram a permitir a filiação de “bilionários, que encontram na atual estrutura social chinesa a fonte de sua riqueza; e outros tantos empresários e burocratas corrompidos que nem sequer sabem o que significa     ‘comunismo’, mas ajudam a manter toda a pirâmide hierárquica”[xxxvi].

 

5) O capitalismo de Estado como primeira etapa da fase inferior do comunismo, isto é, do socialismo (ou como o primeiro “degrau” antes do “degrau do socialismo”)

         Foi durante as polêmicas de aplicação da NEP que somos brindados com um dos textos mais sóbrios de Lenin, que confronta a teoria com a dura realidade que os bolcheviques foram obrigados a encarar. Trata-se do artigo Sobre o imposto em espécie, onde ele polemiza com a visão “infantil” cristalizada em grande parte dos militantes bolcheviques, que tendiam a ter uma visão teórica e prática dogmatizante, embalada por um verbalismo revolucionário que, como sempre, servia para dissimular a perda da noção de realidade. Tais debates são riquíssimos e, certamente, representam um grande tesouro do pensamento socialista – sobretudo no que diz respeito a edificação do socialismo.

         Foi durante estas polêmicas que Lenin constatou que os raciocínios sobre a transição e edificação do socialismo contem erros quanto aos prazos. Segundo ele, estes se revelaram mais longos do que se supunha então (desconsiderando ainda o isolamento da revolução russa, que também foi determinante). A realidade da Rússia colocou uma série de desafios à teoria que, obviamente, não foram e nem poderia ser previstos por Marx e Engels. Um destes desafios é o debate sobre o capitalismo de Estado, que segundo Valentino Gerratana, “foi tacitamente sepultado”, não se encontrando nas pautas posteriores do partido bolchevique nenhum sinal dele[xxxvii]. A ascensão do stalinismo, que coagiu e sufocou qualquer tipo de discussão, transformou o capitalismo de Estado, mesclado a outras formas econômicas híbridas, no conceito definidor do que seria “socialismo” (a grande mídia burguesa passou a chamar tudo isso, posteriormente, de “socialismo real”). A confusão e o estrago estavam feitos. Qualquer semelhança com o processo chinês liderado por Deng não é mera coincidência.

         Para Lenin, ao contrário: “tecemos sutilezas a respeito de como se deve compreender o capitalismo de Estado e folheamos velhos livros. Mas nada disso encontramos aí, em absoluto, pois fala-se dele no regime capitalista, mas não há um só livro que fale do capitalismo de Estado que existe sob o ‘comunismo’. Nem mesmo Marx suspeitou da necessidade de escrever uma só palavra sobre isso, e morreu sem deixar citações precisas ou indicações irrefutáveis. Por isso, agora temos que nos esforçar para avançarmos sozinhos. (...) O capitalismo de Estado desorienta muitas pessoas. Para que isso não ocorra é preciso recordar o fundamental: que não há teoria e nem trabalho sobre economia que analise um capitalismo de Estado do nosso tipo, pela simples razão de que todas as noções comuns, relacionadas com essas palavras, se referem ao poder burguês na sociedade capitalista”[xxxviii].

         Talvez seja por isso que Lenin adverte-nos sobre aqueles que “como papagaios repetem palavras decoradas, sem contudo, compreendê-las”; e que, justamente por isso, é “um erro evidente dar rédeas soltas aos faladores e linguarudos, que se deixam levar pelo ‘brilhante’ revolucionarismo, mas são incapazes de realizar um trabalho revolucionário firme, refletido e ponderado, que leve em conta também as dificílimas transições”[xxxix]. Grande parte da militância da “esquerda” está picada por este mosquito do “revolucionarismo”, que causa intolerância a frustrações e cegueira diante da realidade em que as “dificílimas condições de transição” a contra-revolução e a luta de classes nos colocam. Fácil seria se tivéssemos uma receita de bolo infalível que nos desse a rota da estrada de tijolos amarelos ao socialismo; mas infelizmente tal receita não existe. Assim, quem “teme lobos” deve continuar “evitando ir à floresta”[xl].

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         Todas as experiências do movimento operário internacional são valiosas lições da tentativa de construção do socialismo. Estudá-las e conhecê-las o mais profundamente possível é tarefa fundamental de todo trabalhador e toda trabalhadora consciente. Contudo, nenhuma delas deu a última palavra sobre o socialismo – nem poderia dar. Estamos, precisamente, na fase histórica de transição ao socialismo (a fase inferior do comunismo), vindo de profunda derrota (restauração do capitalismo nos ex-Estados operários, onde a burguesia retomou plenamente o poder) e, por isso mesmo, tal como nos apontou Lenin, devemos nos “esforçar para avançar sozinhos”.

         Ele dava toda razão a Marx “quando ensinava aos operários a importância de se conservar a organização da produção, exatamente para facilitar a passagem para o socialismo”[xli] – dentre outras recomendações não menos importantes. Grande parte da “esquerda” ainda se prende a noção – baseada, em parte, no anarquismo, expresso por Proudhon – de que devemos formar federações colaborativas de pequenas propriedades individuais, quebrando a lógica da grande produção e, provavelmente, as importantes relações internacionais criadas pelo mercado mundial. Tais medidas não nos levariam à superação do capitalismo e à continuidade do desenvolvimento das forças produtivas, mas, possivelmente, ao retrocesso a etapas já superadas pelo capitalismo como parte de um elo na evolução dos modos de produção humanos.

         Nesse sentido, o capitalismo de Estado deve ser, como preconizou Lenin, a ante-sala do socialismo – e não uma forma de embelezamento do capitalismo, tal como faz toda a sorte de reformismos –, uma vez que não temos como conservar a grande produção criando uma economia totalmente nova ou tirando-a de uma cartola num passe de mágica, como querem os “brilhantes revolucionaristas”. O capitalismo de Estado – como o estágio inicial e embrionário da fase inferior do comunismo, o socialismo; ou como sua “ante-sala” – é, segundo Lenin, “um degrau da escada histórica entre o qual e o degrau chamado socialismo não há nenhum degrau intermediário”[xlii].

         Em caso de um processo revolucionário em que seja possível dispensar o capitalismo de Estado ou qualquer tipo de compromisso econômico (e nunca de poder) com a burguesia, mantendo a grande produção e as suas forças produtivas, os trabalhadores e suas organizações não devem titubear em passar direto ao socialismo. Mas isso soa muito abstrato. A experiência histórica do século XX serviu para nos demonstrar que esta transição é mais longa e contraditória do que supúnhamos. Conhecemos apenas os seus primeiros passos. Para Lenin, “todos estamos de acordo em que os primeiros e fundamentais passos que se deem [no sentido do socialismo] devem consistir em medidas como a nacionalização [estatização] dos bancos e dos cartéis. Realizemos antes de tudo essas medidas e outras semelhantes e depois veremos. Uma vez conseguido isso, saberemos melhor a que nos ater, pois a experiência prática, que vale milhões de vezes mais do que os melhores programas, ampliará infinitamente o nosso horizonte. É possível, e até provável, e, mais ainda, indubitável, que nem mesmo aqui possamos prescindir de ‘tipos combinados’ de transição”[xliii].

         Haveremos, segundo Lenin, de começar e recomeçar várias vezes; e para isso, a independência e a criatividade para “avançarmos sozinhos” serão decisivas. Não se trata apenas dos países mais atrasados, mas provavelmente dos “desenvolvidos” também, dadas as contradições sociais, psicológicas, culturais, etc. No texto A ascensão mundial da China foi questionado se é “errado um governo operário se utilizar do mercado para o seu desenvolvimento econômico com vistas ao socialismo”[xliv]; e a resposta foi “não! Seria, ao contrário, um dever! Porém, seria importante traçar alguns critérios bem claros para explicar tudo aos trabalhadores – tal como Lenin e Trotsky fizeram com a Nova Política Econômica (NEP) em 1921, ao contrário do PCC de Deng”. Como vimos, há uma distinção entre a forma de aplicação da NEP – falando sempre tudo claramente sem vender gato por lebre – e das reformas de Deng – que chama capitalismo de Estado de “socialismo com características chinesas”.

         Parte da tarefa do governo revolucionário neste período de transição entre o “degrau do capitalismo de Estado” e o degrau seguinte, “o socialismo”, está em, ao mesmo tempo que permite determinada acumulação de riqueza pessoal (quer dizer, uma relativa condescendência com a formação de poupanças pessoais, familiares e de algumas empresas privadas), regulamentar e controlar o mercado; isto é, a intervenção consciente do Estado na economia – ou seja, a concretização do pesadelo dos neoliberais de todos os matizes. A formação e a existência dos monopólios e trustes econômicos, por exemplo, só podem ser públicos e jamais privados, pois são estas distorções que geram a degeneração completa de um punhado de bilionários que controlam mais da metade da riqueza gerada na maioria esmagadora dos países (são os monopólios privados que precisam ser combatidos conscientemente pelos revolucionários, procurando ganhar o apoio daqueles que possuam uma pequena riqueza ou poupança, até que se abra uma nova fase de desenvolvimento econômico mundial tornando obsoleto tal tipo de compreensão e programa). As organizações dos trabalhadores deverão intervir conscientemente no processo econômico, acompanhando passo a passo e combatendo as inevitáveis contradições que resultarão de tudo isso. Entende-se que apenas um governo revolucionário, com uma clara perspectiva socialista (o que não é o caso do PCC), pode direcionar o desenvolvimento do capitalismo de Estado em direção ao socialismo (qualquer outro governo, sobretudo as frentes populares eleitorais, criarão somente um novo emaranhado de dificuldades que terminarão abrindo caminho à direita fascista ou neofascista).

         Dentro desta perspectiva, Trotsky observa que “é o mercado que certifica a rentabilidade econômica de uma linha [de trem], já que não elaboramos os métodos de cálculo estatístico de uma sociedade socialista. (...) Considerando a rede como uma entidade técnica auto-suficiente, fixando modelos uniformes de locomotiva e vagões, centralizando os trabalhos de reparos e, por conseguinte, seguindo um plano técnico-socialista abstrato, nos arriscávamos a perder totalmente o controle do que era necessário, aproveitável ou não, de cada linha em particular e de toda a rede. Que linha deve ser ampliada ou reduzida? Tal linha deve existir? Que financiamento deveria o Estado fazer para suas próprias necessidades? Que divisão da capacidade de transporte deveria ser feita entre as necessidades particulares e as das organizações?”.

         E ainda complementa que “durante um longo tempo o Estado operário deverá utilizar os métodos capitalistas, ou seja, servir-se do mercado para dirigir a rede. (...) Nem os planos econômicos incubados entre as paredes de um escritório, nem os sermões comunistas abstratos garantirão [o funcionamento da economia]. Cada empresa estatal, com seu diretor técnico e comercial, deverá necessariamente estar sujeita a um controle permanente, que virá não só de cima, ou do Estado, mas também de baixo, isto é, do mercado, que continuará sendo o regulador da economia estatal por muitos anos no futuro. (...) Agindo dessa forma, o Estado não parte de um cálculo a priori e de hipóteses abstratas, que seriam, em grande parte, inexatas, como ocorreu durante o ‘comunismo de guerra’. Seu ponto de partida está na ação do mercado. A condição monetária do país e seu sistema de crédito governamental centralizado servem para regular o mercado”[xlv].

         E conclui: “Sob um capitalismo de Estado autêntico, ou seja, sob uma direção burguesa, o crescimento do capitalismo de Estado significa o enriquecimento do Estado dos burgueses e seu poder crescente sobre as massas operárias. Entre nós, o crescimento da indústria estatal soviética significa o crescimento do socialismo, que procede diretamente do poder proletário. No curso da história, observamos diversas vezes o desenvolvimento de um fenômeno novo, apesar de mascarado por velhas formas. Fenômeno que, por outro lado, se dá de maneiras diferentes. Quando a indústria assentou suas raízes na Rússia, ainda sob as leis feudais, na época de Pedro, o Grande, as fábricas, embora fossem concebidas de acordo com os modelos europeus da época, foram edificadas, contudo, com sobrevivências da base feudal. Os servos se encontravam ligados a elas por meio de sua força de trabalho (as fábricas recebiam a denominação de fábricas senhoriais). Os capitalistas (...) proprietários destas empresas, desenvolveram seu capitalismo no interior do ‘sistema feudal’. De modo similar, o socialismo deve dar seus primeiros passos no círculo capitalista que o antecede. Não se pode realizar uma transição para métodos perfeitos, saltando a primeira tarefa do socialismo, e isso ainda quando a sua cabeça se encontra suja e despenteada, como ocorria com nossa cabeça russa. (...) Devemos aprender sempre e sempre continuar aprendendo”[xlvi].

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         Grande parte da população – sobretudo a classe média – tem verdadeiro horror ao discurso “socialista” de retribuir o salário de todos (ou quase todos) com o salário médio de um operário (tal como o preconizado pela Comuna de Paris e repetida, muitas vezes, de forma dogmática e descolada da realidade pela “esquerda” atual). Toda a condenação à “ausência de liberdade” supostamente ocasionada pelo “socialismo” tem a ver, no fundo, com o medo do fim da “liberdade econômica de acumular riqueza”. Como combater essa mentalidade? Apenas pela força? Seria possível usar a capacidade de gerar riqueza a partir da acumulação pessoal (controlada e em pequena-média escala) numa forma de incentivar a transição ao socialismo? Até que ponto seria possível e até que ponto não? Por que a esquerda se nega a debater tais questões, colocando um rótulo de que isso é “desvio do socialismo” e “resolvendo” os problemas desta maneira simplista? Se é possível fazer esse debate e seguir tal curso, qual programa seria o mais conveniente para a China, por exemplo (levando em consideração que lá o processo é outro, diferente da NEP)?

         É bastante plausível levar em consideração que se Marx está correto e não podemos quebrar a espinha dorsal da “grande produção”, partindo do atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas para fazer com que sigam evoluindo; e se Lenin também está correto quando parte da compreensão de que não podemos prescindir de tipos combinados de transição, num misto de “monopólio estatal proletário” com “livre concorrência”; então, forçosamente, temos que reconhecer que Deng não está completamente errado (apesar das suas graves falhas e conciliações – sobretudo as compreensões e práticas stalinistas) e que certa condescendência com práticas de mercado e de acumulação pessoal serão inevitavelmente necessárias.

Um dos principais erros de Deng consistiu, tal como o apontado no texto A ascensão mundial da China, em cessar a propaganda e a luta revolucionária nos demais países da periferia do mercado mundial para demonstrar sua “boa vontade” aos investidores estrangeiros, chegando ao cúmulo de apoiar a ascensão de ditadores pró-capitalismo neoliberal, como Pinochet, no Chile[xlvii]. Assim, Deng cumpriu o mesmo papel que Stalin quando aceitou as orientações do 1º ministro britânico Chamberlain: “não temos nenhum problema em comerciar com vocês, mas, por favor, tenha a amabilidade de acabar com a Internacional Comunista”[xlviii] – que servia “casualmente” para impulsionar a propaganda e a luta revolucionária nos países capitalistas.

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         A propaganda imperialista Ocidental liderada pelos EUA, como sempre, não deixa de tirar vantagem da confusão. Utilizam-se da experiência chinesa atual – que, recordemos, é ignorada pela “esquerda” – para afirmar que Deng contrapôs mecanicamente a troca nos altos cargos decisórios da economia por “especialistas” e “tecnocratas”. Isto é, querem dizer que os “vermelhos” seriam marxistas ortodoxos que nada entendem de economia e que apenas os “especialistas” e “tecnocratas” são capazes de “fazer a economia funcionar”[xlix] (ou seja, apenas o capitalismo funcionaria e Deng teria reconhecido isso tacitamente).

         Trata-se, evidentemente, de uma profunda distorção da mídia e dos intelectuais burgueses, que contam com a cumplicidade de Deng por reforçar indiretamente o mesmo discurso. Em síntese: o que quer o imperialismo estadunidense com essa disputa ideológica é afirmar que haveria o abandono da “ideologia marxista” em prol do capitalismo de Estado como forma de afirmar que esta ideologia “não funciona” e “está superada”. Comparando este discurso com a aplicação da NEP na URSS e, estabelecendo um paralelo com as reformas de Deng, tenho a pretensão de ter deixado claro o real motivo do abandono do método marxista por Deng; e não, como vimos, por ter procurado utilizar-se do capitalismo de Estado como forma de transição ao socialismo (as diversas citações de Lenin não deixam a menor dúvida sobre o tema). Naturalmente, os ideólogos burgueses tentam aproveitar todas as oportunidades para vender o capitalismo como um sistema eterno, insuperável e preferível; o que está longe de ser o nosso caso.

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         Há outro problema fundamental também já analisado em A ascensão mundial da China, que versa sobre a questão ambiental. Os economistas burgueses sempre fazem uma análise metafísica e utilitária da realidade econômica porque separam economia de meio ambiente, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Tal “erro” também é cometido pela burocracia chinesa, que ignora as catástrofes ambientais de uma economia e de um mercado consumista, que coloca o lucro acima da vida e das condições de regeneração da natureza.

A utilização de um capitalismo de Estado que aspire atingir o socialismo deve estar dentro desta perspectiva – agroecologia, respeito aos ciclos da natureza e ambientais, busca por outras matrizes energéticas, etc. – tudo isso, obviamente, terá reflexos sobre a taxa de lucro. Mas o sistema socialista tem o duplo desafio de superar as forças produtivas do capitalismo ao mesmo tempo em que respeita a regeneração da natureza e, a longo prazo, entra em harmonia com ela. Nada disso esteve nas preocupações de Deng ou está, seriamente, nas do PCC (a não ser em palavras vazias).

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         Com esta discussão não se quer dizer que o que a China pratica hoje é o capitalismo de Estado proposto por Lenin com os debates da NEP. Não! Todo este texto é uma tentativa de nos apropriarmos da experiência chinesa no sentido de, em primeiro lugar, desmascará-la (pois não conduz o processo da mesma maneira que Lenin e provavelmente terminará no exato oposto – ou inevitavelmente se confrontará com revoluções futuras tanto na China quanto em outros países); e, em segundo, aprender com todo este processo, que envolve “centenas de milhares de pessoas”, muitas das quais, creem sinceramente estar construindo o “socialismo”.

         Dentro desta perspectiva, cabe se perguntar sobre o que apoiar e não apoiar na China atual? O que incorporar e não incorporar como “correto” à teoria socialista? A dolorosa experiência chinesa, bem como a maioria dos processos revolucionários do século XX, demonstraram não ser possível prescindir de uma etapa inicial de transição ao socialismo, que aqui procuramos chamar de capitalismo de Estado controlado por um governo revolucionário – discussão iniciada na URSS da NEP, mas sepultada precocemente. Outra importante parcela das respostas a estas perguntas foi dada no texto A ascensão mundial da China, e versam, essencialmente, “sobre a legalização de sindicatos e organizações operárias independentes do PCC”, além do impulsionamento entre a “esquerda” e, sobretudo, entre os trabalhadores chineses, de uma “nova psicologia de massas para que eles possam assumir seus postos nos organismos coletivos, como sovietes [se existem ou se ressurgirem], comunas, cooperativas, associações, órgãos de governo, etc.”; ou seja, o mesmo que Lenin exigia sobre possibilitar gradativamente a participação, a contabilidade e o controle popular das empresas e de toda a economia de acordo com a elevação do nível cultural e político dos trabalhadores.

Devemos, em essência, militar pela criação das condições em que os trabalhadores chineses e suas organizações (e também a base do PCC, excluída de qualquer decisão oficial) possam decidir sobre as políticas oficiais, desde as econômicas, como as taxas de juros, impostos, política industrial, metas nas suas empresas, no campo; até as gerais, educacionais, sociais, culturais, etc. Em caso de negativa – que certamente deverá ocorrer – ir denunciando e demonstrando o mais amplamente possível todas as contradições sem capitular em 1 vírgula à política oficial do imperialismo ocidental que pretende derrubar o PCC para restaurar o multipartidarismo burguês e as suas instituições correspondentes.

 

6) Perspectivas do capitalismo de Estado chinês que toma abertamente formas de um perigoso imperialismo “multipolar”

         Vimos que o “socialismo com características chinesas” é um embuste. Trata-se, na verdade, de uma espécie de capitalismo de Estado que, dado o tamanho do mercado interno chinês, somado a outros fatores, transformou-se em imperialismo que tende a remodelar o mercado mundial. Conclui-se a partir desta discussão que a China vive um capitalismo de Estado que, visivelmente, não caminha no mesmo sentido da NEP proposta por Lenin. Tende a caminhar pra trás e ter dois possíveis desfechos: levar à restauração do capitalismo colonial em novas bases; ou, então, caso a burguesia sob a asa do PCC se perpetue triunfalmente, ir consolidando-se como um imperialismo capitalista direto e aberto, embora esse veredicto da história ainda não tenha sido dado, já que a guerra híbrida entre EUA e China pela hegemonia no mercado mundial não teve vencedor. A primeira hipótese é reforçada por “uma forte ala neoliberal do PCC que sonha com uma conversão do partido em uma espécie de social democracia ocidental e, ainda por cima, subserviente aos interesses do capital ocidental”[l].

         Nos EUA há duas políticas em disputa para lidar com a China: a dos Republicanos e a dos Democratas. A primeira nos é conhecida: trata-se de despertar as forças mais reacionárias e atrasadas, impulsionando políticas neofascistas de sabotagem e guerra sob total controle do deep state; a segunda tem um discurso aparentemente mais “humanista” e “democrático”, uma vez que procura dar ênfase à postura expansionista da China, que tende a atacar o “direito dos trabalhadores” – para isso, basta ver o documentário vencedor desta categoria no Oscar 2020, Indústria Americana, que demonstra como age a nova burguesia chinesa (isto é, no essencial atua exatamente como a burguesia estadunidense quando exporta capital e fábricas para outros países do mundo – e isso, como era de se esperar, foi omitido no filme).

         Ocultando a ação dessa nova burguesia da China, bem como a ação das estatais chineses, que vendem a ideia de que estão construindo “novas perspectivas de globalização”, o PCC tem patrocinado um discurso de que sua ascensão como potência mundial não causará distúrbio na comunidade internacional, impulsionando um mundo multipolar (isto é, com vários protagonistas), e que, sedutoramente, cumprirá “estritamente as leis e regulamentações dos países” que receberem seus investimentos, “assumindo ativamente as responsabilidades sociais correspondentes”[li]. O referido documentário Indústria Americana, patrocinado pela família Obama, demonstra exatamente o contrário de tais afirmações.

Apesar destas perspectivas nada animadoras, cabe aos trabalhadores conscientes levantarem reivindicações condizentes com o que prega a cúpula do PCC, seja para que efetivamente venha a cumpri-las (o menos provável) ou, então, para que seja desmascarada. Tais reivindicações devem ser intercaladas com a denúncia do papel dos EUA, que é um imperialismo abertamente intervencionista e hegemonista. Também é necessário aprofundar o debate sobre como aproveitar e intervir na luta entre EUA e China em prol da construção e benefício de um movimento operário internacional pautado pela independência de classe.

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         Entre as possibilidades de desfecho para a China, há uma leve preponderância sobre a tendência dela se transformar abertamente em imperialista em detrimento da possibilidade de regressar à condição de colônia sob “novas bases”. Isso se dá desta forma porque o PCC abriga sob sua asa uma perigosa burguesia que se disfarça de “vermelho”.

Há justamente aí uma diferença fundamental entre a burguesia da época de Mao Tsé-tung e a burguesia atual: dessa vez os chineses são senhores de seus próprios negócios e tem competência para fiscalizar os estrangeiros e seus investimentos[lii]. Por isso, certamente não abrirão mão desta nova condição que lhes foi garantida pela burocracia stalinista chinesa, constituindo-se num contraditório fruto da revolução de 1949.

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         Em seu livro A China de Deng Xiaoping, o representante do departamento de defesa dos EUA e “especialista” em segurança nacional da China, Michael Marti, sustenta que “o contínuo crescimento econômica da China se nutre do acesso ao capital e aos mercados estrangeiros, principalmente ao mercado norte-americano ou os mercados influenciados pelo mercado norte-americano. Aproximadamente 30% de suas exportações destinam-se exclusivamente aos EUA. Seria um duro golpe no esforço de modernização da China se esse comércio fosse interrompido. Por que, então, deveria a América [leia-se: os EUA] permitir acesso incondicional aos mercados norte-americanos, ao passo que a China nega o mesmo acesso às empresas dos EUA?”[liii].

         No entanto, o nosso “especialista” não percebeu que se preparava um turning point na relação EUA-China. A economia simbiótica que existia entre os dois países está se separando. O gigantesco mercado interno chinês de 1,4 bilhão de pessoas acabaria por tragar, inicialmente o asiático e depois o mundial, tal como uma força centrípeta[liv]; e Deng não apenas sabia disso, como apostou nisso. A cultura milenar chinesa, que se refletiu nele, colocou um prazo tímido de 100 anos para este desenvolvimento econômico e, muito antes disso, os resultados já começaram a ser sentidos: a Ásia não apenas sentiu diminuir drasticamente a presença norte-americana em prol da chinesa, como a China passou a estender seus tentáculos para Europa – reeditando a Rota da Seda –, África e América Latina.

         Apesar disso, a burocracia do PCC teme certas medidas de “alguns políticos americanos”, que defendem “a ‘teoria de desacoplamento’ entre a China e os Estados Unidos em uma tentativa de cortar artificialmente o fluxo de capital, tecnologia, produtos, indústrias e de pessoas entre os dois países”, demonstrando que ainda há certa dependência econômica entre ambos países. A China quer se tornar a economia de ponta do mercado mundial mantendo os EUA nele em uma posição secundária. Para tentar evitar esta tentativa de “desacoplamento”, o PCC critica a “mentalidade autoritária e dominadora destes políticos norte-americanos”, ressaltando que “o comércio bilateral de mercadorias entre a China e os EUA aumentou mais de 250 vezes em comparação com o momento do estabelecimento de relações diplomáticas, sendo que um total de 72.500 empresas americanas investiu na China. Uma pesquisa de 2019 divulgada pelo Conselho Empresarial EUA-China mostrou que 97% das empresas americanas sondadas tiveram lucros no mercado chinês. Os dados da mesma instituição revelam também que, entre 2009 e 2018, as exportações dos EUA para a China geraram mais de 1,1 milhão de empregos nos EUA. Uma pesquisa recente da Câmara de Comércio Americana na China indica que 84% das empresas americanas não querem deixar a China. Desde o início deste ano, empresas como a Exxon Mobil, Honeywell, Tesla e Walmart expandiram seus investimentos e cooperação na China. Em abril deste ano, a China voltou a ser o maior parceiro comercial dos EUA. A China e os EUA embarcando em uma viagem de cooperação win-win é uma necessidade inerente ao desenvolvimento econômico dos dois países, o resultado do desenvolvimento normal das relações internacionais e o cenário natural da coexistência pacífica humana”.

É por isso que a burocracia do PCC reafirma que “na era da globalização econômica, o ‘desacoplamento’ está destinado a deitar tudo por terra. Quanto terão os EUA de pagar e quantas perdas o mundo terá de suportar para que seja atingida a meta de dividir à força o mercado mundial e a cadeia global industrial e de fornecimento?”[lv].

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         Procurando mistificar esta realidade com “roupagem de esquerda”, Xi Jinping, em um recente artigo (de 16 de agosto de 2020), classifica o processo da China atual como a aplicação da “economia política marxista”, sustentando que o PCC “enriqueceu a economia política marxista ao combinar seus princípios básicos com novas práticas de reforma e abertura e obteve muitas realizações teóricas importantes”[lvi]. Isso, como vimos, é parcialmente verdadeiro. Houveram importantes realizações teóricas, mas não porque o PCC tenha aplicado a “economia política marxista”, e sim porque o processo desencadeado, sem as preocupações centrais apontadas por Lenin, serviram para que pudéssemos refletir sobre os seus resultados (como tentamos fazer com esta análise). Ou seja, as “realizações teóricas importantes” se deram pela negativa – ou dito de outra forma: como não fazer.

         O artigo de Xi ainda afirma que “diante de uma situação econômica extremamente complicada no país e no exterior, bem como de fenômenos econômicos variados, estudar os princípios básicos e a metodologia da economia política marxista é propício para o domínio de uma abordagem científica para a análise da economia. Além disso, ajuda a compreender as leis que regem o desenvolvimento social e econômico e a melhorar a capacidade de administrar uma economia de mercado socialista. (...) Sendo o ponto de vista fundamental da economia política marxista, a filosofia de que o desenvolvimento é para o povo deve ser mantida na implantação do trabalho econômico, na formulação de políticas econômicas e na promoção do desenvolvimento econômico”[lvii].

         Como já vimos, não se trata de “socialismo com característica chinesas” ou de “economia de mercado socialista”. Além disso, tal “desenvolvimento”, que foi a resultante da aplicação do capitalismo de Estado chinês, não tem sido em benefício do povo, senão que tem servido como uma luva aos interesses da nova burguesia chinesa, aumentando assustadoramente as desigualdades sociais no interior da China e reforçando um nacionalismo desprezível no PCC que não conserva nada do internacionalismo proletário.

Pintura de Liu Xiaodong

7) Trabalhadores do mundo: uni-vos para regulamentar o mercado mundial e expropriar os grandes oligopólios internacionais!

         Sabemos que o mercado mundial dominado pelo imperialismo norte-americano trabalha pela total desregulamentação econômica, impondo o dólar sem lastro-ouro para poder imprimi-lo segundo sua vontade política e repassar livremente a inflação para o resto do mundo. É assim que agiu e age o imperialismo estadunidense, sem falar na sua política de intervenção militar direta ou indireta como forma de moldar aliados e combater inimigos que, por ventura, se oponham às suas pretensões econômicas. Ainda que aparentemente pretenda restaurar o padrão lastro-ouro do dinheiro e queira dar um fim à farra da dólarcracia, o poderio econômico da China não tem servido para regulamentar o mercado mundial, tendo poucas diferenças se comparado ao papel desempenhado pelos EUA. Se realmente atendesse aos interesses dos trabalhadores, estaria criando as condições para a regulamentação do mercado mundial de acordo com esses interesses de classe.

         Durante os debates da NEP, Lenin afirmou que o comércio é uma das formas mais vantajosas e úteis que podem ser utilizadas pelas alavancas econômicas. Isso o capitalismo, como modo de produção, entendeu e desenvolveu bem, embora o tenha empregado cada vez mais inescrupulosamente, já que a liberdade de comércio é utilizada para a especulação – e esta é capaz de gerar distorções absurdas como uns poucos bilionários num polo e milhares de miseráveis e esfomeados noutro. Não é casual que durante os debates da NEP Lenin proponha combater a impunidade da especulação e a reformulação de todas as leis sobre ela. É precisamente este um dos principais objetivos a serem cumpridos pela ditadura do proletariado (entendida aqui sempre como Comuna de Paris e não como stalinismo) e o capitalismo de Estado: regulamentar os mercados internos e, por que não (?), o mercado mundial. É disto que fogem banqueiros, agiotas e empresários do mundo todo; seja em Wall Street, na City londrina, na Avenida Paulista ou em Hong Kong. Regulamentar o mercado é dar um passo importante no sentido do capitalismo de Estado e, consequentemente, no sentido do socialismo. A China faz isso? Não, apenas muito pontualmente no seu mercado interno.

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         Outra característica do mercado mundial que precisa ser encarada pelo movimento consciente dos trabalhadores é a sua transformação em reles fantoche dos oligopólios transnacionais. Segundo João Bernardo, hoje “verificamos que grande parte do comércio que as estatísticas oficiais contabilizam como externo é, na realidade, um comércio interno, constituído por transações entre matrizes e filiais”; e “esta alteração de perspectivas não ocorre apenas no plano econômico, mas no político também, porque as fronteiras entre os países marcam a amplitude da esfera de ação de cada governo”[lviii]. Para João Bernardo, torna-se cada vez mais patente o surgimento do que ele chama de um “Estado amplo”, controlado pelos monopólios e trustes internacionais, que não reconhecem os limites das fronteiras e legislações nacionais, em contraposição ao que ele chamou de “Estado restrito”, que é o Estado “tradicional”, com suas instituições políticas circunscritas ao território nacional, mas subordinadas e dependentes deste poder econômico superior. Assim, ocorre aquele fenômeno bizarro onde uma empresa transnacional tem um PIB maior do que um Estado nacional, como é o caso da GM em comparação à Bolívia.

Além disso, os grandes monopólios transnacionais, em conjunto com o Estado nacional dos países imperialistas, sabota qualquer tipo de tentativas sistemáticas de desenvolvimento industrial dos países da periferia do sistema. É deste modo que o centro do mercado mundial, controlado não apenas pelos países imperialistas, mas por suas respectivas empresas transnacionais – que se tornaram gigantescos leviatãs –, sabota as periferias, deixando-as condenadas à eterna dependência econômica como reles mercados consumidores e produtores de commodities. A China, que hoje é um poderoso Estado nacional, não apenas não combate esta ação perniciosa das grandes empresas transnacionais, mas em muitos casos ajuda a mantê-las.

         Na luta contra as empresas transnacionais, o movimento operário, mais do que nunca, precisa exercitar o seu internacionalismo proletário. Devemos escrever na nossa bandeira: regulamentação do mercado mundial para uma justa cooperação comercial entre os países e expropriação dos monopólios transnacionais que hoje dominam o mundo, visando distribuir sua riqueza para utilizá-la no desenvolvimento dos meios de produção sociais necessários para promover o desenvolvimento econômico das periferias do sistema e não apenas sustentar o seu centro. Provavelmente o socialismo como “próximo degrau” e “sistema” nasça desta perspectiva internacionalista.

 

8) O capitalismo de Estado e o Brasil: algumas conclusões

         Lenin e Trotsky sempre deram a entender que a NEP foi aplicada em razão da destruição econômica ocasionada pela guerra civil. No entanto, as afirmações de Lenin nesse sentido entravam seguidamente em contradição com conclusões que davam a entender que o capitalismo de Estado era necessário como formação transicional, independentemente da guerra civil, tal como as passagens que foram citadas abundantemente nesse texto.

Uma vez que os debates sobre esta temática foram sepultados de forma precoce na URSS – e depois mistificados pelos “teóricos” stalinistas –, não sabemos o desfecho que poderiam ter no desenvolvimento do capitalismo de Estado dentro da experiência soviética e, consequentemente, na teoria socialista. Partimos do pressuposto de que todas as experiências históricas levam a crer que ele é um “degrau” necessário como uma ante-sala do “degrau socialista”, nas palavras de Lenin. Além da pequena propriedade ainda ser numerosa, esta visão sobre o capitalismo de Estado complementa e dá certa lógica à proposta de Gramsci sobre a estratégia socialista para os países ocidentais.

         Ainda segundo Lenin, “do ponto de vista econômico, o capitalismo de Estado é infinitamente superior à nossa economia atual”[lix]. O mesmo valeu para a China e, com mais razão ainda, vale para o Brasil, que é um país totalmente controlado pelo capital internacional do centro do mercado mundial (tal como era o Brasil colônia – 1500-1822). O socialismo só poderá surgir efetivamente quando superar o capitalismo, que é, por natureza, um sistema econômico internacional – a encarnação do mercado mundial. Uma economia isolada e baseada unicamente em planos quinquenais não pode construir o socialismo, como nos atestou as experiências do século XX. Será necessário uma troca comercial, cultural e social em um mercado mundial regulamentado e controlado, que combata sem tréguas a especulação e a sabotagem. Tarefa muito difícil, mas não impossível, que deve estar na perspectiva programática das revoluções nacionais. As lições das revoluções russa e chinesa têm muito a nos ensinar nesse sentido.

         É claro que tais conclusões não pretendem ignorar a realidade concreta e nem dogmatizar a teoria, mas, sim, pensar e buscar um caminho que coloque muitas das dúvidas e abstrações teóricas em contato com a realidade.

***

         Atualmente, a burguesia brasileira – e grande parte da mundial – combate qualquer tipo de controle estatal ou popular sobre a economia. No nosso país vigora o “livre mercado” dos monopólios transnacionais, que decidem e “planejam” tudo em detrimento do bem estar do povo. Os recursos naturais e do Estado estão, em primeiro lugar, a serviço da exploração do capital internacional que se encontra nos países centrais – por isso nosso povo passa fome e é subempregado –; e em segundo, para subsidiar o empresariado agroexportador. A burguesia brasileira, capciosa e ardilosamente, associa controle estatal a “socialismo”. Foi assim que ela classificou os anos dos governos do PT. Sabendo onde o capitalismo de Estado pode desembocar, ela intensifica a sua salada de frutas ideológica.

         De fato, o petismo interviu em alguns setores da economia, embora muito timidamente. Quem controlava todo o processo, em última análise, eram as instituições burguesas e não os trabalhadores, que estavam alijados do poder e, no sentido de sua emancipação histórica, não eram representados pelo PT. Ou seja: o “capitalismo de Estado petista” era eleitoral e burguês! A ideologia comunista há muito tempo havia sido abandonada pelo petismo – que não tomou o poder através de uma revolução. Seus políticos e teóricos vestiram alegremente a camisa das teorias burguesas modernas e pós-modernas, além de encarnarem o perfeito defensor das suas leis, “constituições” e legalidade – ou seja, o PT incorreu no erro criticado por Lenin na aplicação da NEP a quase 100 anos atrás.

Assim sendo, fez muito pouco (quase nada) e inevitavelmente terminou alijado do poder quando a crise internacional exigiu que os recursos do Estado fossem integralmente drenados para o sistema financeiro e para subsidiar o agronegócio – isto é, para as commodities que garantem as matérias-primas para o centro do sistema. Aí surge o “bolsonarismo” e o neofascismo brasileiro, comprometidos com a destruição dos resquícios de “Estado de bem estar social” (CLT, previdência, “bolsas-famílias”, etc.). Além disso, o “bolsonarismo” queria retirar o Brasil da área de influência de China e Rússia, para colocá-lo, novamente, sob a asa da águia de rapina estadunidense. A longo prazo, o agronegócio tenderá a se converter no principal aliado do “imperialismo chinês” dentro do nosso país – e este é todo o desespero por parte da burguesia ianque. Daí advém não apenas o caráter “imperialista” da economia chinesa, mas também o seu lado reacionário e anti-socialista para o nosso país.

A revista China Today comemora o fato de que “Brasil e China criaram uma relação de interdependência que precisa ser aprofundada”. E ainda aponta que “a parceria do agronegócio brasileiro com a China, que começou no comércio e evoluiu para os investimentos, chegou a um grau de importância para as duas economias do qual não dá para recuar. (...) Além do comércio nos dois sentidos, também estão na agenda de estreitamento dessa relação: aporte de capital chinês em infraestrutura, inclusive logística de transportes, cooperação em tecnologia e inovação, bem como na agricultura, ampliando a eficiência da produção dentro e fora das propriedades rurais. Até mesmo no complexo grãos e carnes, o forte dessa parceria, existem brechas para serem exploradas, assim como em produtos ainda de pouca presença no mercado chinês – café, açúcar e algodão. (...) ‘Nos próximos dois anos, a China continuará absoluta nas nossas compras externas. Hoje, 85% do que o Brasil importa da China são manufaturados, e quase 100% do que exportamos são commodities’, acrescenta José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil.”[lx].

Ou seja, a relação com o “imperialismo chinês” prega a manutenção do Brasil como país exportador de commodities e matérias primas; o mesmo papel que sempre cumpriu no mercado mundial sob distintos imperialismos.

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         Os partidos burgueses do país (do PSDB ao “Novo”), por sua vez, estão integralmente comprometidos com a manutenção do Brasil na periferia do sistema, garantindo o Estado como fiador do setor agroexportador, bem como a farra dos juros que dão lucros estratosféricos ao sistema financeiro. Em sua maioria, defendem a submissão ao imperialismo estadunidense, embora já vejamos setores da elite inclinados à China (como Dória, Rede Globo, dentre outros). Em síntese: seja na submissão aos EUA ou na submissão chinesa, todos são criminosos lesa-pátria, pois entregam os recursos do Estado e a riqueza nacional ao centro do mercado mundial a preço de banana, deixando o país desassistido, dependente e subdesenvolvido conscientemente! Isto explica grande parte da situação econômica e social do nosso país. É precisamente isso que a direita entende por “modernização” e “empreendedorismo”: a “gestão” do subdesenvolvimento nas periferias para garantir o desenvolvimento do centro do mercado mundial.

         A “esquerda” nacional, por sua vez, oscilando do oportunismo reformista mais desavergonhado até o sectarismo mais tacanho, fica presa aos dogmas oficiais e à hipocrisia reinante, não conseguindo (ou não querendo) renovar seus métodos e desenvolver uma nova prática que leve em consideração tudo o que foi debatido até aqui. Segundo Lenin, “nós, com frequência voltamos a cair neste raciocínio: ‘o capitalismo é o mal, o socialismo o bem’. Mas esse é um raciocínio errado, pois esquece todo o conjunto das formações econômico-sociais existentes, destacando apenas duas delas”[lxi]. Saber extrair tudo o que há de bom num sistema econômico para incorporá-lo, superando-o, no sistema econômico que nos cabe construir, o socialismo, é parte fundamental da nossa tarefa histórica – Marx e Engels já apontaram inúmeras vezes a necessidade de superar o capitalismo e não retroceder para antes dele (estas são, precisamente, as condições que “herdamos das gerações passadas” e, para as quais, os dois tanto chamavam a atenção).

Para Lenin, estas conclusões dicotômicas de bem X mal não ocorrem por sermos fortes e inteligentes, mas “por sermos fracos e idiotas”. Ele ainda acrescenta que “tememos olhar cara-a-cara a ‘verdade vil’ e nos entregamos com demasiada frequência à ‘mentira que nos exalta’. Sempre caímos na afirmação de que ‘nós’ estamos passando do capitalismo ao socialismo, esquecendo-nos de definir com exatidão e clareza quem somos ‘nós’. É necessário levar em conta a relação de todos os elementos integrantes – absolutamente todos, sem exceção – das diversas formações sociais de nossa economia. E para que ‘nós’ possamos resolver com êxito a tarefa da passagem imediata ao socialismo, é necessário compreender quais são os caminhos, os métodos, os recursos, os elementos intermediários necessários para a passagem das relações pré-capitalistas [e capitalistas] para o socialismo. Este é o ponto nodal da questão”[lxii].

Além disso, Lenin já havia assinalado no célebre Esquerdismo: doença infantil do comunismo, que “podemos (e devemos) empreender a construção do socialismo não com um material humano fantástico, nem especialmente criado por nós, mas com o que nos foi deixado de herança pelo capitalismo. Não é necessário dizer que isso é muito ‘difícil’; mas, qualquer outro modo de abordar o problema é tão pouco sério que não deve nem ser mencionado”[lxiii].

Estas conclusões impõem uma inevitável ruptura com aquela prática militante que incentiva “um espírito sectário e dogmatizante, embalado num verbalismo revolucionário que dissimula a perda de noção da realidade” – isto é: a transformação dos militantes em “religiosos socialistas” e não em “cientistas militantes”. Temos que retomar esta noção de realidade encarando-a tal como ela é; e desenvolver nosso programa, nossa teoria e prática, em cima dela, sem medo de encará-la, de errar e começar de novo. Trata-se, principalmente, de atualizar os desafios para as novas condições da luta de classes que “herdamos”, visando, como disse Fernando Claudín, “ganhar as massas proletárias para uma política revolucionária em condições não revolucionárias” – que tem sido uma realidade costumeira no Brasil deste início de século.

         Olhemos pra trás e, separando o joio do trigo, extraiamos tudo o que pode ser extraído do século XX! Porém, insistentemente um estranho nos cutuca o ombro. Ao virarmos de frente, topamos com o século XXI: olhemos para ele com confiança, criticidade e, sobretudo, criatividade...

 

NOTAS

[i] Ver: https://lutacontinuablog.blogspot.com/2020/04/repensar-o-socialismo-o-que-e-transicao.html?m=1

[ii] MARX, Karl. O capital – crítica da economia política. Livro 1, o processo de produção do capital. Editora civilização brasileira, Rio de Janeiro, 2002 (página 177).

[iii] LENIN, Vladmir Ilich. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Coleção “Os Economistas”, Editora Abril Cultural, São Paulo, 1982 (página 372).

[iv] Idem (página 371).

[v] MAO TSÉ-TUNG. Sobre a ditadura do proletariado, 30 de junho de 1949; incluído no tomo IV das Obras escolhidas, edição chinesa, em francês (página 442). Citado em CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 653).

[vi] CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 361).

[vii] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006 (página 455).

[viii] Ver: https://www.marxists.org/portugues/rodrigues/1988/02/fim.htm

[x] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (página 185).

[xii] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (página 136).

[xiv] Idem (capítulo 8).

[xv] TROTSKY, Leon. A Revolução Traída. Editora Instituto Joséu Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2005.

[xvi] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (páginas 156 e 157).

[xvii]  Idem (páginas 193 e 200).

[xx] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (página 53).

[xxi] Idem (página 149).

[xxii] Idem (página 150).

[xxiii] Idem (página 148)

[xxiv] Idem (páginas 38 e 39).

[xxv] Idem.

[xxvi] Idem – extraído diretamente do artigo de Lenin, “Sobre o imposto em espécie – o significado da NEP e suas condições” (páginas 159, 160, 161 e 163).

[xxvii] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (páginas 189, 190 e 193 – negritos meus).

[xxviii] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (páginas 2 e 3).

[xxix] Idem (página 161).

[xxxi] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (página 139).

[xxxiii] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (páginas 40 e 41).

[xxxiv] Idem (página 58).

[xxxv] Idem (páginas 40 e 41).

[xxxvii] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (página 16).

[xxxviii] Idem (página 47).

[xxxix] Idem (páginas 153 e 154).

[xli] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (página 152).

[xlii] Idem (página 29).

[xliii] Idem (página 31).

[xlv] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (páginas 200, 202 e 203).

[xlvi] Idem (página 211).

[xlviii] CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 703).

[xlix] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (ver página 273 e outras).

[li] Revista China Hoje – edição brasileira de China Today – ano 5, nº29, fevereiro e março de 2020 – Editora Segmento – Editorial China hoje (páginas 9 e 47).

[lii] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (ver página 229 e 230).

[liii] Idem (página 278).

[lvii] Idem.

[lviii] BERNARDO, João. Transnacionalização do capital e fragmentação dos trabalhadores – anda há lugar para os sindicatos? Boitempo Editorial, São Paulo, 2000 (página 39).

[lix] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987 (página 147).

[lxi] A Nova Política Econômica (NEP), capitalismo de Estado – transição – socialismo. De vários autores, dentre eles Lenin, Trotsky, Valentino Gerratana. Organizado e traduzido por BERTELLI, Antonio Roberto. Global Editora, São Paulo, 1987  (página 165).

[lxii] Idem (páginas 163 e 164 – negritos meus).

[lxiii] LENIN, Vladmir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2014.

 

Post-Scriptum: há um certo parentesco de ideias entre as que foram desenvolvidas nesse texto e as que foram expressas por Christian Dunker neste outro: https://blogdaboitempo.com.br/2020/08/12/por-uma-esquerda-que-nao-odeie-o-dinheiro/