terça-feira, 29 de setembro de 2020

PCdoB: montanha parindo ratos

Recentemente o historiador e ativista gaúcho, Mário Maestri, sofreu uma série de ataques por parte do PCdoB por publicar um texto crítico à obra do neostalinista italiano, Domenico Losurdo. Como este partido é parte integrante da institucionalidade burguesa, possuindo muitos meios de influência sobre a classe trabalhadora (inclusive a possibilidade de caluniar ou diminuir opositores, relembrando o stalinismo clássico), compreendemos a importância de compartilhar o texto de Maestri para dar voz a aqueles que procuram manter viva as denúncias de Trotski sobre o stalinismo, tão necessárias para compreendermos não apenas a restauração do capitalismo, mas, também a onda do neostalinismo.

*Por Mário Maestri


A tentativa de salvação de Domenico Losurdo pelos ideólogos do PCdoB tem sido miserável. Fernando Garcia, mestrando em História, produziu crítica ao meu ensaio Domenico Losurdo: um Farsante na Terra dos Papagaios que constituiu verdadeira “saudação à bandeira”. Como destaquei em minha resposta, escapuliu pelas bordas e não respondeu sequer uma das múltiplas impugnações centrais que fiz aos dois livros referenciais de Domenico Losurdo. Reparos que me permitiram qualificar o italiano como um ideólogo falsário e farsante.

Desta vez a investida é feita por quadro mais graúdo e mais conhecido do PCdoB. O professor doutor João Quartim de Moraes, filósofo de profissão, ex-professor titular da Universidade Estadual de Campinas de 1982 a 2005, atacou-me com seu artigo “Besouro caçando águia”, no qual a águia seria Losurdo e o Besouro seria eu, folga dizer. Ou seja, o PCdoB faz o que pode, em defesa do italiano, usando sua artilharia miúda e grossa. Servindo-me também de adágio referente ao reino anima, diria que a “montanha pariu”, nesse caso, “dois ratos”.

Meu crítico parte sem peias para elogio estrambólico de Domenico Losurdo, como “um dos mais importantes autores marxistas de seu tempo” ou seja, de 1980 e hoje! Estranho. Tenho visitado livrarias italianas sem encontrar um livro do homem exposto. E segue em apologia sumária dos trabalhos filosóficos do italiano. Não sendo filósofo, deixo essa crítica para quem tenha condições e interesse. Mas surpreenderia-me que alguém com tamanha frouxidão intelectual, nos dois trabalhos que analisei, tenha sido um pensador rigoroso em outras áreas. E destaco, novamente, que centrei minha crítica nas duas obras de maior influência política do italiano Stalin: história crítica de uma legenda negra (Rio de Janeiro: Revan, 2019) e O marxismo ocidental: como nasceu, como morreu, como pode renascer (São Paulo: Boitempo, 2018.)

E, após o elogio filosófico, meu antagonista segue faceiro sem enfrentar a real discussão, fazendo agora o elogio de seu herói itálico pela defesa que teria feito da URSS quando de seu “desmantelamento”; por sua denúncia da OTAN; pela sua crítica do “universalismo da ideologia liberal” e das “discriminações étnicas e raciais do colonialismo”. Peço desculpa para dizer o óbvio. Sem entrar no caráter dessas críticas, elas foram e tem sido feitas em forma radical e sensível por literalmente milhares de “marxistas ocidentais”.

Sobre as “discriminações étnicas e raciais do colonialismo”, eu próprio trabalhei, exaustivamente, nos últimos quarenta anos, com foco no Brasil, e sempre apoiado em documentação primária, o que é sempre recomendável! E publiquei minha produção, sob formas de livro, no Brasil, no Paraguai, na França, na Bélgica e na Italia. Não cito pois está tudo disponível na internet. Como tantos outros meus colegas historiadores, que fizeram o mesmo trabalho que fiz ou o fizeram em forma ainda melhor. Também nada portanto de novo no front. Apenas “nariz de cera”, para não dizer “abobrinha” variadas, do polemista que resiste a abordar o que importa.

Meu detrator elogia igualmente a crítica perneta de Domenico Losurdo ao "marxismo ocidental", que teria praticado o “ocultamento da questão colonial” e suprimido a “questão nacional”. Sobre essa questão, dediquei todo o segundo capítulo de meu ensaio, publicado anteriormente em forma isolada. Destaquei ali a literal insanidade do italiano ao liquidar com os autores referenciais do marxismo Marx, Engels, Rosa, Lenin, Trotsky, etc. E isso, devido, entre outras razões risíveis, a terem segundo ele se embebido na tradição judaico-cristã! Coisa de doido! Sobre isso, neca peteca do matador de besouro!

E registrei o ocultamento por parte de Domenico Losurdo da solidariedade política e física com a luta anti-colonial e em defesa dos direitos nacionais da melhor tradição “marxista ocidental”, na própria Europa. E dei o nome aos bois. Ressaltei a ignorância esperta da crítica lusordiana de toda a tradição marxista latino-americana e de seus principais teóricos Jose Carlos Mariateghi, Caio Prado, Guilherme Lora, Ernesto Che Guevara, Jacob Gorender, Rui Mauro Marini, Milcíades Peña, Mario Roberto Santucho, entre tantos outros. Tradição que enfrentou, teórica e praticamente, a luta pela independência nacional, a luta anti-imperialista e a luta pelo socialismo. Combate no qual milhares de marxista latino-americanos deixaram a vida. Para Losurdo “terceiro-mundista no sabor euro-cêntrico”, a América do Sul e Central simplesmente não existem!

Algumas gramas de integridade intelectual exigiriam que os dois ideologistas do PCdoB abordassem, ao criticar-me, o que critico em Domenico Losurdo, com destaque precisamente à estranha proposta da morte do “marxismo ocidental” e sua salvação pelo “oriental”. Este último criado pioneiramente por Stalin, ao enformar o primeiro. Também sobre tudo isso, sequer uma mísera linha. Na sua louvação quase religiosa, meu contraditor cai de joelho diante de Losurdo por ele ter publicado, “no final do século passado, o artigo ´Panamá, Iraque, Iugoslávia: os Estados Unidos e as guerras coloniais do século XXI´”.

Sempre sem discutir a qualidade da crítica de Losurdo, registro que também a contestação da ação imperialista tem sido feita em forma qualifica e arguta por milhares de “marxistas ocidentais”. E até o besouro que vos escreve, impugnou, no calor dos acontecimentos, pela imprensa, pela rádio, pela televisão, em livros, as iniciativas contra-revolucionárias do imperialista no Afeganistão, na Polônia, na URSS, na Iugoslávia, na Síria, na Líbia, na Coréia do Norte. Em defesa incondicional daqueles Estados sem, é claro, apoiar seus dirigentes e estadistas. E isto em forma tão pioneira que, nos anos 1990, quando reinava o “fim da história”, o besouro foi convidado a fazer, apesar de reconhecidamente trotskista, saudação em congresso ou convenção regional… do PCdoB, no RS! Partido que, naqueles anos, namorou, rapidamente, o programa socialista, para logo abandoná-lo e traí-lo sem dó. Portanto, até esse ponto, segue-se em “encheção de linguiça”, com pouca carne e muito sebo!

Após encomio desbragado do italiano, o exterminador de besouros finalmente se refere ao meu ensaio, que se esquece de referenciar como manda a integridade intelectual, professor , talvez habituado ao uso frouxo do seu ídolo peninsular quanto às exigências de escritos sérios. Para tal, retoma o artigo de seu antecessor, que refere esse sim corretamente! Aí, o professor se apequena ao limite do visível. Sugere que não li os dois livres que comentei detalhadamente, citando as páginas dos tropeços, das invenções, das calúnias. Centra a crítica no destaque que dei à escassa abordagem de Marx e ao uso de Hegel como espécie de passe-partout, em Stálin. O que ensejou erro crasso no índice onomástico do livro. A refeição começou com verdadeiro pastel de vento!

E a coisa que estava ruim, ficou pior. O ideólogo pecedobistas, já sem o menor medo ao ridículo, me acusa de comer “na mão das ideias” “imperialistas” por utilizar o termo “globalização”. Em meu ensaio, de 163 página, com os dois principais capítulos dedicados a registrar, na forma e no conteúdo, o caráter falsário e farsante do ideólogo neo-estalinista italiano, é o que escolhe para destacar. Envergonha-me ter que lembrar que “globalização” é termo polissêmico, que usei, como tantos outros, para definir a integração e subjugação crescentes da sociedade mundial pelo grande capital, sobretudo depois da restauração capitalista na URSS e na China. A argumentação já sugere um rato medroso que não quer se aproximar do besouro.

E segue o pecedobista empurrando com a barriga. Fico sabendo que emprego “o termo ‘nacional’ pejorativamente, tratando-o como coisa de ‘stalinista’”. E que, na “hora de atacar a China (…) ele (ou seja, eu, o besouro) redescobre os interesses nacionais para denunciar, intrépido, ‘o grande capital imperialista chinês’.” É certo que impugno a proposta de “revolução nacional” lusordiana, em contraposição à revolução operária, socialista e internacionalista, base da visão marxiana e marxista de mundo, incontornável no passado e ainda mais nos dias de hoje de “globalização”.

Não ataco a nação chinesa, que tenho defendido publicamente contra a atual ofensiva do imperialismo estadunidense hegemônico. Mas, não sendo “garoto propaganda” do grande capital chinês, Registro, apoiado na categoria leninista de “imperialismo”, o caráter já maduro do capital monopólico e imperialista chinês. Em 2019, a China era a quarta nação mundial em exportação de capitais, com 8,9% dos investimentos internacionais, após o Japão (17%); os Estados Unidos (9,5%) e os Países Baixos, 9,4%. E defendo que a inversão de capital chinês no Brasil é tão deletéria, do ponto de vista da população e da nação, como as inversões japonesas, estadunidenses, holandesas, etc.

E aí termina a impugnação de tudo que questionei e denunciei nos dois livros referenciais de Losurdo. Quando o comensal faminto esperava o prato de fundo, após lhe terem servido lufadas de vento, o garçom pimpolho apresenta a conta salgada, elogiando o que não serviu. Não diria que o militante pecedobista não leu meu ensaio Domenico Losurdo: um farsante na Terra dos Papagaios. Apenas, ele e seu parceiro de partido bordejaram em forma rústica e consciente a impugnação que propus, fugindo dela como ratos fogem do gato e, no caso, do besouro. Diria que por isso não referenciaram meu livro. Não queriam deixar pistas para a comprovação da empulhação que procederam.

Efetivamente. Nem uma palavra sobre a literal “invenção” terraplanista da Terceira Guerra Civil soviética, daquele que seria um “dos mais importantes autores marxistas de seu tempo”. Ela existiu, ou não, estimado? Foi engano, invenção ou descoberta revolucionária do italiano de nariz de Pinóquio, estimado professor? Nem uma palavra sequer sobre a fantasiosa organização da “insurreição” trotskista de 1927 contra o Estado soviético. Ou dos terroristas trotskistas! Para não falar da justificativa da destruição do poder soviético, da ditadura burocrática, do massacre literal da velha e da nova guarda bolchevique praticada pelo stalinismo, da calúnia e da destruição da memória de milhares de comunistas internacionalistas. Tudo proposto por Domenico Losurdo, sem jamais pisar em um arquivo, pontificando sobre a história soviética sem conhecer o russo, confundindo fatos e datas, e por aí vai. Poderíamos dizer que os ratos não tiraram a cabeça pra fora da toca com medo da picada do besouro. Ou, que, com tantos cadáveres do passado e do presente no armário do PCdoB, preferiram manter a porta cuidadosamente fechada.

Os dois ideólogos pecedobista não escreveram literalmente uma linha sobre minha crítica à impugnação farsesca do marxismo revolucionário pelo italiano, através da liquidação do “marxismo ocidental”, como proposto. Tudo para deslocar a centralidade do mundo do trabalho e do socialismo na luta contra o grande capital e assim liquidá-la. Proposta lusordiana em favor de subjunção ao capital das classes populares e trabalhadoras, não apenas nacional, para a formação de Estados fortes, logicamente capitalistas, ao exemplo da Rússia capitalista de Putin e da China capitalista de Xi, que o italiano tanto amava. Propostas lusordianas que corroboram o entreguismo proposto hoje pelo PCdoB através de uma “Frente de Salvação Nacional”, sob a hegemonia dos piores inimigos da população, dos trabalhadores e da nação brasileira.

No presente artigo, os dois ideólogos do PCdoB destrataram-me de “baixo”, de “mentiroso”, de “falastrão”, de “preguiçoso”, de “malandro”, de “pro-imperialista” e por aí vai. Todos qualificativos morais, não atinentes à luta política e ideológica. Jamais sugeriram as minhas razões em me expor, criticando duramente um ícone do neo-estalinismo brasileiro, que sempre contou e segue contanto com o apoio de forças realmente poderosas. Logo eu, um “besouro” sem partido, sem mídia, sem sequer um grupinho acadêmico.

A resposta é simples. Minha crítica da grotesca construção brasileira de Domenico Losurdo como pensador marxista constitui desdobramento de meu esforço de mais de meio século para contribuir, dentro de minhas possibilidades, à luta pelo marxismo revolucionário e pelo socialismo. Algo cada vez mais difícil nos dias atuais, em que o mundo do trabalho vive alguns dos momentos mais críticos de sua história, e o oportunismo invade como nunca a esquerda que a direita gosta. Não ganho nada a não ser bordoadas, de antagonistas logicamente bem colocados. Mas são os ossos de ofício livremente escolhido.

Não creio que falte inteligência aos ideólogos do PCdoB. A tergiversação rústica para não abordar o que é essencial na discussão é necessária à defesa da natureza e dos objetivo do partido que abraçam e que por ele são abraçados. Partido que funciona, há décadas, como instrumento do capital no seio do movimento social. E a argumentação esquálida que apresentam repete a defesa tradicional estropiada de todos os serviços prestados pelo PC do B às classes dominantes e ao imperialismo voto em Rodrigo Maia; apoio à alienação da Base da Alcantara; adulação ao general Mourão; voto na anistia das corporações evangélica, para referir apenas as últimas e mais salientes. Para não falar dos apoios espúrios que atapetaram a trajetória política do PCdoB nas últimas décadas ao governo Sarney, a Moreira Franco, a Garotinho, a Eduardo Paes, etc.

Portanto, compreendo e empreendo essa discussão como ela é. Logicamente não se trata de discussão acadêmica, ainda recomendável o respeito às suas praxes. E também não é debate entre companheiros e camaradas com eventuais propostas divergentes. A vejo como confronto ideológico normal com inimigos que procuram penetrar e se instalar na trincheira do mundo do trabalho. E como tal devem ser combatidos.

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