terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A degeneração do PT*

O PT governou o Brasil por mais de dois mandatos. Foi depositário de grandes esperanças, mas deixou um legado de desilusão e ceticismo no futuro. O que levou o PT a abandonar o suposto “discurso radical” e abraçar as alianças com Sarney e Maluf, a corrupção escancarada, a aplicação dos projetos neoliberais? Alguns intelectuais burgueses divulgam suas opiniões sobre a adaptação do PT ao capitalismo, que circulam através de artigos nos jornais, em telejornais e correntes de e-mails, sendo, muitas vezes, assimiladas pelos trabalhadores por falta de um contraponto. Estas análises dizem que a adaptação ao capitalismo é inevitável, que isto é a única “realidade possível”, que qualquer partido que chegue ao poder inevitavelmente se degenerará. Isto oculta um pensamento catastrofista de que não há saída. Só se pode concluir, então, que não adianta lutar e que devemos nos resignar aos ataques, desvinculando a luta dos trabalhadores da perspectiva do poder.

Deixar os trabalhadores reféns deste falso raciocínio, como faz a atual “esquerda” – ávida por galgar os mesmos cargos eleitorais dentro do Estado burguês –, é um crime. O PT não mudou somente quando chegou ao poder. Optou conscientemente pelo reformismo, pela suposta “administração” do capitalismo, deixando todas as portas abertas à influência da burguesia. E são essas lições que precisam ser discutidas e assimiladas pelos trabalhadores.

É preciso que se diga, também, que o capitalismo exerce uma pressão ideológica e política permanente sobre as organizações dos trabalhadores, sejam elas partidos, sindicatos, associações, etc. Há uma tendência inerente do sistema a influenciar boa parte da vanguarda no sentido da burocratização. Estes males, portanto, só podem ser evitados por uma luta permanente e consciente. E esta “luta” só pode ser levada a cabo por um partido revolucionário que sustente um programa marxista.

1) A transição da ditadura militar para a democracia burguesa
O PT teve um papel chave na transição da ditadura para a democracia burguesa. A sua origem remonta o ascenso do movimento operário da década de 1980. Inúmeros movimentos que contestavam a ditadura militar e o seu sindicalismo oficial pelego se unificaram em torno do projeto político do PT. A composição política dessas correntes era heterogênea: sindicalistas, parlamentares, marxistas, a ala esquerda da Igreja, dentre outros. O papel cumprido pelo PT neste momento foi progressivo, muito embora já expressasse limitações políticas e os futuros germes da degeneração. Os primeiros documentos e cartas de princípios continham elementos classistas e combativos, mas foram, a partir do congresso de fundação em 1980, pouco a pouco, cedendo espaço a um programa conciliador.

As greves radicalizadas que aceleraram o fim da ditadura foram dirigidas pela cúpula do PT no interesse da transição para a democracia burguesa. As suas principais lideranças sindicais – como é o caso de Lula e da Articulação Sindical – sempre defenderam uma “democracia” abstrata, contrária ao socialismo; isto é, defendiam dissimuladamente a democracia burguesa. Sua política nunca foi orientada pela revolução socialista. Refletindo a queda do muro de Berlim e a restauração do capitalismo nos ex-Estados operários, a burguesia mudou de tática. O discurso “democrático” passou a ser a sua propaganda política, cuja principal função era fazer respeitar a legalidade e as instituições “democráticas”; segundo ele, bastava eleger um representante dos trabalhadores ao parlamento e tudo se resolveria. A luta, ordeira e legal, serviria apenas para projetar candidatos. Tudo se resolveria pacificamente. Mas existia um movimento sindical em ascenso que ansiava por mudanças. Por isso, o PT se especializou no discurso demagógico, típico do reformismo: falava em socialismo nos dias de festa e nos sindicatos, enquanto que nas greves e no parlamento, mantinha uma postura que não ameaçava a ordem burguesa; senão que a fortalecia.

2) A democracia capitalista é uma ditadura disfarçada
A burguesia pode governar de diversas formas: monarquia, monarquia constitucional, república democrática, ditadura militar. Todas estas formas de governo se sustentam num estado capitalista e, portanto, representam uma ditadura sobre os trabalhadores. Algumas formas permitem certas liberdades pontuais aos trabalhadores, outras não. A transição da ditadura militar para a “democracia” mudou apenas a forma do Estado, mas não o seu conteúdo, que se baseia na exploração do trabalho assalariado pelo capital. A democracia burguesa não passa de um disfarce democrático, que concede o voto simbólico nos partidos que a burguesia oferece aos trabalhadores, de dois em dois anos, e limitadíssimas liberdades sindicais. A nossa época é caracterizada pelo domínio dos monopólios imperialistas, que submetem ao seu poder econômico todos os parlamentos do mundo. Os partidos do Congresso Nacional brasileiro ou são financiados diretamente pelo capital ou estão, de alguma forma, à seu serviço. Os trabalhadores não podem influir sobre os rumos políticos, a política econômica, o dinheiro público, as decisões gerais do parlamento e sequer podem fazer greve seriamente (a “lei de greve” coloca limitações que tornam qualquer movimento grevista inócuo; sem falar da repressão violenta às manifestações).

Mesmo quando um partido “operário” – como supostamente era o PT – é eleito para administrar o Estado burguês, o que prevalece são os interesses nos quais este Estado se sustenta: a garantia da propriedade privada, a organização hierárquica da classe trabalhadora, a livre compra e venda e a subsequente exploração da força de trabalho, a acumulação privada de capital.

Por tudo isso, não é possível eleger um “governo dos trabalhadores” por dentro do Estado e da democracia burguesa. Todos aqueles que defendem esta tese, ou não conhecem a história do movimento operário, ou estão enganando os trabalhadores. Os teóricos da direção do PT se enquadram na segunda opção. O proletariado pode chegar ao poder não nos quadros formais da democracia burguesa, mas somente por via revolucionária. Isto é demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela prática. Para a burguesia monopolista, o regime parlamentar e o regime fascista não representam senão diferentes instrumentos de sua dominação: recorre a um ou a outro, segundo as condições históricas. A “fascistização” do Estado significa destruir as organizações operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de organismos que penetre profundamente nas massas e destinado a impedir a cristalização independente do proletariado. As perseguições e torturas da ditadura militar destruíram as organizações operárias; o seu sindicalismo pelego oficial aprofundou o controle do Estado sobre os sindicatos. A CUT, quando surgiu, empunhava a bandeira da independência do Estado, mas, pouco a pouco, foi abandonando-a, até que, em meados da década de 1990, tornou-se partidária do sindicalismo cidadão, que se intitulava como “sindicalismo de resultado”, mas que não se propunha a transpor os limites do capitalismo “democrático” e, por isso mesmo, não tinha nenhum resultado. No regime “democrático” da sociedade capitalista, a burguesia apóia-se, antes de tudo, na classe operária domesticada pelos sindicatos e partidos reformistas.

Democracia e direitos humanos no capitalismo contemporâneo

Desde o congresso de 1980 que a burocracia lulista vem retirando as bandeiras socialistas do programa e transformando-o numa plataforma aceitável para a burguesia. Assim, esta foi vendo a possibilidade de abandonar a repressão direta e, paulatinamente, ir se apoiando no PT. Este, dirigindo as greves do movimento sindical de fins da ditadura militar, não lutou pela derrubada do capitalismo; pelo contrário, entrou como um elo político na transição da ditadura militar para a democracia burguesa, acalmando e domesticando o movimento operário. Neste intento, o PT contou com o apoio de PCB e PCdoB, além das suas correntes internas na época, que hoje conformam PSOL, PSTU e PCO.

3) O PT como oposição nas instituições democrático-burguesas
Passado o período de maior radicalização das greves, fruto da contenção da burocracia sindical lulista, o movimento operário entrou em descenso. Aí se aprofundou o processo de adaptação do PT ao capital. Em fins da década de 1980 o discurso do PT já acentuava o divórcio com a sua prática. Estava começando uma escola de demagogia política que se estende até hoje. A burguesia destacava este discurso “pseudo-radical” para assustar a pequena-burguesia, mesmo que fosse só retórica. Isso ficou bastante evidente na eleição de 1989, quando Collor foi santificado e Lula demonizado em razão deste suposto discurso “radical” petista. Frente ao entusiasmo popular por Lula e pelo PT, a grande burguesia lançou mão de inúmeras calúnias: dizia que se Lula fosse eleito presidente muitos empresários partiriam do Brasil e assim a economia do país ficaria arrasada. Panfletos anônimos anunciavam que Lula iria colocar os mendigos para morar nos apartamentos das classes médias e que iria confiscar suas poupanças (exatamente o que Collor fez depois de eleito). O último debate do segundo turno foi totalmente manipulado pela Rede Globo mostrando apenas os trechos que beneficiavam o seu candidato, Collor. Cada vez mais o PT foi entrando no jogo da burguesia, aceitando seu discurso mentiroso acriticamente e procurando “dialogar com as classes médias”.

O PT começou sua adaptação material a partir dos anos 1990: recebeu as primeiras doações financeiras eleitorais da burguesia – tal como recebe o PSOL nos dias de hoje. Estas doações significavam apoio político ao projeto do PT. Em seguida, assumiu os primeiros cargos de vereadores, deputados, prefeitos. As suas denúncias como oposição parlamentar – sempre restritas ao regime democrático-burguês – e o seu papel aparente de “sempre dizer não” aos projetos neoliberais de PSDB, PMDB, PFL (hoje Democratas), etc., lhe conferia uma aura de partido que “defendia os trabalhadores” e de uma ilusão de mudança caso se elegesse a cargos executivos maiores, tais como governador ou presidente. Mas todo o teatro parlamentar e os gritos “ultra-radicais”, na verdade, não evitava a retirada de direitos, as privatizações, o desmonte dos serviços públicos pelos sucessivos governos neoliberais. O PT servia como válvula de escape ao descontentamento popular, dando um verniz de esquerda e “colorido” ao regime democrático-burguês, ajudando a consolidá-lo. A carta final da Constituição de 1988, denunciada pelo PT como uma “carta burguesa”, passou a ser seu guia para a ação legal e para fazer com que pelo menos 30% das categorias trabalhassem quando entrassem em greve.

O movimento sindical, ao invés de ser uma forma de organização e conscientização dos trabalhadores visando à revolução, foi tornando-se uma moeda de troca eleitoral, cujo principal objetivo era desgastar politicamente os governos de plantão (que geralmente eram do PSDB-PFL-PMDB). E esta prática perniciosa ia se disseminando pelo movimento, fazendo escola, arrasando a consciência de classe e colocando em seu lugar uma consciência pequeno-burguesa. As eleições deixaram de ser um espaço de denúncia do capitalismo e passaram a ser a estratégia política de poder.

4) O PT chega ao poder!
No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o regime democrático-burguês chega a uma nova fase. Lá se iam 15 anos de experiências com os políticos e o Congresso Nacional. A era tucana no governo federal chegava ao fim; era necessário uma nova face, aparentemente “pura”, para renovar as ilusões nas instituições “democráticas”, ao mesmo tempo em que tudo continuaria essencialmente igual. Lula, antes de assumir, assinou uma carta de compromisso com o imperialismo. De antemão já sabia de todo o jogo das instituições democrático-burguesas, da chantagem reinante em seu interior que atende pelo nome de “governabilidade”. Antigos rivais parlamentares inevitavelmente tornar-se-iam aliados fundamentais, desde Sarney até Maluf, passando por Collor. Nos principais escândalos de corrupção o PT atuou como defensor dos partidos burgueses da base aliada, constituída de notórios corruptos. Na atual CPMI de Carlinhos Cachoeira e da empresa Delta, conjuntamente com o PSDB, protegeu os partidos da sua base aliada. Os “300 picaretas com anel de doutor” tornaram-se os 300 aliados providenciais.

O governo Lula e o governo Dilma demonstraram, pela milionésima vez, o papel nefasto do reformismo. Esta experiência vai desde a social-democracia alemã do início do século 20, passando pelas frentes populares européias, e chegando até as frentes populares latino-americanas, como a de Allende no Chile, e a Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua. Ao contrário do século 19 e do início do século 20, vivemos uma época em que o capitalismo não concede mais reformas. O reformismo, portanto, é só um discurso vazio, geralmente eleitoreiro. O governo Lula e Dilma não só não realizaram nenhuma reforma, como retiraram direitos dos trabalhadores aplicando impiedosamente todos os planos do imperialismo e da burguesia nacional (verdadeiras contra-reformas): reforma da previdência, cumprimento da política dos superávits primários para o pagamento das dívidas externa e interna, contra-reformas privatistas na educação, saúde, infraestrutura, isenção de impostos às multinacionais, além da nefasta ocupação militar do Haiti. Não por acaso o PT é hoje o partido que mais recebe doações eleitorais dos grandes bancos e das multinacionais.

Com o advento do governo Lula, o PT transformou-se diretamente num partido burguês, que hoje cumpre o papel de serviçal do imperialismo de forma muito mais eficaz do que a “velha direita”, pois controla o movimento sindical brasileiro (CUT, UNE, MST) através de suas burocracias sindicais encasteladas nos principais sindicatos do país e nas centrais governistas. Os governos do PT são os atuais administradores dos negócios da burguesia nacional e, sobretudo, estrangeira. PSDB, PMDB, Democratas, constituem a “velha direita”; e o PT, PCdoB, PSB, a “nova”. Com a passagem definitiva e aberta do PT para o campo da burguesia, outros passaram a ocupar o seu lugar de embelezador da democracia burguesa. Falamos de PSOL, PSTU, PCB, PCO e seus satélites compostos de pequenas organizações políticas. Usam como justificativa a “alta popularidade” de Lula e Dilma para não denunciar estes governos como agentes do grande capital e, desta forma, continuar a conciliação de classes com os governistas no movimento sindical. As chapas em comum com CUT e CTB em inúmeros sindicatos do país servem de exemplos.

A “alta popularidade” dos governos do PT é mais um consenso de propaganda entre imperialismo, a “nova” burguesia nacional, a grande mídia e a esquerda reformista. Esta “alta popularidade” se sustenta numa campanha midiática sensacionalista repetitiva e na ausência de denúncias coerentes e de massas por parte desta esquerda, que deveria impulsionar uma grande agitação nacional. Como não cumprem este papel, as ilusões no governo não são combatidas. Suas palavras de ordem, pelo contrário, as reforçam. A campanha da mídia não encontra um contraponto de massas. Em razão da política conciliadora desta “esquerda”, não se vê alternativa política e nem uma explicação coerente do caráter dos governos do PT. Sendo assim, as ilusões se reforçam.

5) Governo Tarso: a farsa da farsa!
Em 2010, após toda esta experiência política com o governo Lula, elegeu-se governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. O justo ódio à Yeda (PSDB) foi capitalizado eleitoralmente pelo PT, contando com a ajuda de PSOL (Intersindical), PSTU (CSP-Conlutas), CS, PCB, CEDS, etc. Tarso posou como o “novo” frente à Yeda e não foi denunciado pela vanguarda do CPERS (em especial por PSOL e PSTU), nem mesmo quando declarou publicamente via primeira página de ZH que iria manter todas as políticas públicas de Yeda (ZH: 07/10/2010). No VII Congresso do CPERS, em plena campanha eleitoral, Tarso foi saudado pela direção do CPERS e pelas demais correntes que lhe dão sustentação.

O aperto de mão que vale mais do que mil palavras

Mesmo sabendo de todo o histórico do PT, esta esquerda jogou terra nos olhos dos trabalhadores gaúchos e ajudou Tarso a se eleger. Tudo em nome de uma aliança espúria para a diretoria do CPERS. Ouviu-se, então, a velha cantilena da burocracia sindical: “é preciso votar no PT para derrotar a direita (o PSDB)”. Este discurso mostrou todo o seu cinismo: a direita está no poder; e continuará, indefinidamente, enquanto o capitalismo existir. O governo Tarso, portanto, é a farsa da farsa, que confirma a caracterização do PT como um partido burguês: Tarso está aplicando todas as diretrizes políticas do Banco Mundial, aprofundando reformas neoliberais, dando isenção de impostos às multinacionais, privatizando a previdência pública, sucateando a educação e a saúde públicas, demitindo servidores.

E desde a sua eleição, em 2010, já haviam elementos nacionais que serviriam de base para uma ampla campanha de denúncia dos governos do PT, visando alertar os trabalhadores para que não depositassem uma grama de confiança no governo recém eleito, pois ele seria, inevitavelmente, por toda a lógica do seu programa, a continuidade do governo Yeda. A diferença entre eles é que Yeda entrará para a História como aquela que tentou aplicar os planos neoliberais e sofreu a resistência de uma “oposição” eleitoral de PT, CUT e correntes satélites; e Tarso, por sua vez, entrará para a História como aquele que conseguiu aplicar os planos de Yeda. E tudo graças ao apoio, ora aberto, ora dissimulado, dos sindicatos e centrais governistas, como o CPERS e a CUT.


6) Algumas conclusões

“Uma das origens psicológicas do oportunismo é uma espécie de impaciência superficial,
uma falta de confiança no crescimento gradual da influência do partido,
o desejo de ganhar as massas mediante manobras organizativas ou mediante a diplomacia pessoal.
Daqui surge a política das combinações de bastidores, a política do silêncio,
do encobrimento, das renúncias, da adaptação a consignas alheias e,
finalmente, a passagem total às posições do oportunismo”
Leon Trotsky

O PT é hoje o sustentáculo da ordem capitalista no Brasil. A burguesia o escolheu como seu governo para esse momento histórico em razão do seu controle sobre os sindicatos e as centrais sindicais. A cooptação do PT não aconteceu da noite para o dia, mas confunde-se com a transição da ditadura militar para a democracia burguesa, e o desenvolvimento desta. Não foi o PT que reformou o Estado burguês, mas o Estado burguês que transformou o PT em seu serviçal. Isso foi possível porque o PT renegou a estratégia revolucionária e abraçou o programa reformista. A experiência histórica nos diz que os partidos reformistas terminam se adaptando completamente ao regime burguês. No caso do PT pudemos ver a sua submissão consciente à chamada “governabilidade” dentro do Congresso Nacional, que exige alianças e troca de “favores”. O reformismo sempre adapta-se ao que é aceitável à burguesia.

Os motivos expostos acima são de ordem subjetiva. Existem os motivos de ordem objetiva, que são os determinantes, e que ajudaram a criar as justificativas ideológicas reformistas do PT: as derrotas históricas dos trabalhadores a nível mundial; em especial, a restauração do capitalismo nos ex-estados operários (URSS, leste europeu, Cuba e China) que tiveram um efeito destruidor em toda a esquerda mundial. A negação do programa socialista e a opção pelo caminho parlamentar burguês se fortaleceram com a campanha mundial orquestrada pelo imperialismo de que o “socialismo tinha morrido” ou “sempre se torna ditadura”. A desorganização das fileiras proletárias que se seguiu a restauração capitalista foi sentida em todos os cantos do planeta e a crise de direção se acentuou como nunca antes visto.

Muitos ativistas equivocadamente abraçam a ideia do apartidarismo e negam a necessidade de uma organização política e, em alguns casos, até mesmo sindical, pensando que, dessa forma, irão “punir” o PT e rechaçar a sua degeneração. Contudo, o grande erro do PT, desde a sua origem, consiste, como já foi dito, em renegar o programa revolucionário, a tomada do poder pelos trabalhadores pela via revolucionária e em subordinar toda a sua estratégia à eleição de um governo do PT, por dentro do capitalismo. A experiência do governo Lula e Tarso comprovam, de forma insofismável, que nenhum “governo dos trabalhadores” pode surgir e fazer alguma “reforma” em benefício dos trabalhadores por dentro do capitalismo.

Se enganam aqueles que pensam que rechaçando todos os partidos estão punindo a traição do PT e se conservando da “degeneração”. Ao rechaçar todos os partidos não estão rechaçando apenas os partidos da “velha” e da “nova” direita e os da “nova” esquerda, mas também a necessidade premente da construção de um partido revolucionário (e sem este, se vai todo o projeto político independente da classe operária). A classe trabalhadora tomada em si, desorganizada, não é senão matéria de exploração. O papel próprio do proletariado começa no momento em que, de uma classe social em si, se torna uma classe política para si. Isto só se pode produzir por intermédio do partido revolucionário. O partido é o órgão histórico com o auxílio do qual a classe operária adquire a sua consciência (foi justamente deste papel que o PT abriu mão ao aderir ao reformismo). Dizer: “a classe está acima do partido” é o mesmo que afirmar: a classe em estado bruto está acima da classe em vias de adquirir a sua consciência. Não só isto é falso, como é reacionário. O desenvolvimento da classe, em sua consciência, isto é, a edificação de um partido revolucionário que arraste atrás de si o proletariado, é um processo complicado e contraditório. A classe não é homogênea. Suas diferentes partes adquirem consciência por caminhos diferentes e em épocas diferentes. A burguesia toma uma parte ativa nesse processo. Cria os seus órgãos na classe operária, utiliza os existentes, opondo certas camadas de operários a outras.

Aí está o papel do PT e dos demais partidos burgueses, tais como PCdoB, PSB, etc. e dos reformistas, tipo PSOL, PSTU, PCB, etc. Em sua origem, o PT iniciou espontaneamente um processo que incentivava uma tomada de consciência de classe. Isso se expressa em suas primeiras declarações programáticas que continham elementos classistas. Mas essa consciência foi sendo renegada, pouco a pouco, graças a atuação da burguesia exteriormente e da burocracia sindical no seu interior; gradativamente foram desviando o PT daquele caminho, levando-o a transformar-se em mais um partido reformista, do tipo social-democrata, até chegar aos dias de hoje, completamente degenerado, onde opera no interior do movimento como uma agência da burguesia e, no Estado, como gerenciador dos negócios do imperialismo.

Evitar a degeneração é uma via dialética de duas mãos: só a estreita vinculação com a classe trabalhadora, a sua educação no “espírito” revolucionário e no programa revolucionário, combatendo todo o tipo de ilusão e de conciliação, podem prevenir a degeneração de um partido revolucionário, isto é, a transformação de um partido dos trabalhadores em mais um partido da burguesia; e somente um partido revolucionário pode agir de forma consciente, combatendo, denunciando e expulsando os partidos da burguesia dos sindicatos e do movimento operário como um todo. Devemos rechaçar não os partidos em geral, de forma abstrata, mas os partidos burgueses e reformistas, em particular.


O que os trabalhadores precisam rechaçar, portanto, é o programa reformista – os seus conchavos de bastidores, o sindicalismo economicista, as ilusões perniciosas que dele decorrem –, bem como todos aqueles demagogos que o sustentam com uma oratória pseudo-revolucionária. O PT e a CUT se vão, mas as lições ficam. A prostração, o desânimo e o ceticismo somente beneficiam a burguesia, porque, puxando para trás a vanguarda proletária, paralisam o próprio proletariado. Assimilar estas lições é o primeiro passo para superar o PT e não voltar a cometer os seus erros.
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* Este texto foi enviado para publicação no Le Monde Diplomatique Brasil, uma vez que os seus editores dizem que a revista está aberta à contribuições. Porém, até o presente momento, mesmo enviando muitos e-mails para a redação, o autor do texto não recebeu uma única resposta do periódico, o que o fez concluir que sua contribuição foi  "democraticamente" e sumariamente ignorada pelos editores.