quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Sobre como o petismo tende a repetir os métodos do bolsonarismo

 

Após postar o texto Basta eleger a esquerda institucional para a situação melhorar?, publicado no dia 28 de dezembro, no grupo Magistério Público Estadual do facebook, muitos ataques despolitizantes foram feitos, o que traz à tona a importância de os analisarmos sob uma luz crítica. O grupo em questão possui uma comunidade virtual de cerca de 17 mil pessoas, sendo, portanto, uma boa expressão do que pensa e escreve o magistério público do RS. A linha política hegemônica no grupo é a petista, apesar de haver pequenos setores mais à esquerda e mais à direita.

         Cabe chamar a atenção para os argumentos (ou a falta deles) de algumas pessoas deste grupo – por serem muitos e por serem, no essencial, bizarros, selecionamos apenas alguns que sintetizam repetições recorrentes:

1) Muitos que “criticaram” o texto sequer o leram. Se por ventura o leram, não o entenderam (ou não quiseram entendê-lo porque contrariava suas convicções íntimas). O título serviu como uma espécie de barreira e já acionou gatilhos emocionais de ódio ou de aversão.

Essa observação também vale para algumas pessoas que “apoiaram” o texto, apenas lendo superficialmente o título.

2) O argumento mais utilizado para criticá-lo, sem conhecimento de causa, é o mesmo de sempre – e é tipicamente petista: “Este tipo de texto às vésperas de uma eleição só nos fragiliza”. Ou seja, não há abertura para debater o conteúdo do texto e também não se explica exatamente o motivo de “nos fragilizar”. Também não aponta qual seria o momento “correto” de se fazer essa discussão (o que nos deixa livre para concluirmos que, provavelmente, seria o dia de são nunca).

Outro “crítico” diz o seguinte: “Complicado esse tipo de discussão em determinados momentos, que aliás por esse viés levou o magistério a eleger a direita”. Aqui, mais uma vez, o “crítico” sequer leu o texto e reproduz a essência da fala anterior. Incorre no erro de pensar que o magistério sozinho pode eleger ou não um governador (o que dirá um presidente da república?). O peso eleitoral existe, mas a categoria é visivelmente heterogênea e pragmática – fruto de uma crise de direção sindical e de formação teórica que só se agrava.

Ou seja, tal como o bolsonarismo, este tipo de conduta não quer debate algum: quer apenas gado, que siga, vote e não discorde de nada. Aonde nos leva esse tipo de “crítica” senão ao total esmagamento de qualquer diferença sincera e honesta?

3) Uma “crítica”, vendo o debate por um prisma mais tacanho ainda, ataca pelo seguinte flanco: “Se não basta votar na esquerda para resolver os problemas, devemos votar em quem? Na terceira via?”. Esta pessoa certamente não se deu o trabalho de abrir o link para ler o texto, dado que nele não há em nenhum momento discussão sobre o voto; aliás, trata-se de uma crítica a uma política sindical de mais de 30 anos, que tornou-se, praticamente, uma cultura sindical. O texto analisa detalhadamente a forma de funcionamento do parlamento burguês, independentemente das eleições – portanto, observam apenas a instituição a qual as eleições visam preencher as vagas, independentemente de quem as vençam. Sobre isso, que é a essência e a razão de ser do texto, nenhum “crítico” falou uma única vírgula.

Nesse sentido são movidos por gatilhos emocionais, tal como o é a base bolsonarista, que não debate argumentos e ideias, mas simplesmente acusa e reproduz discursos de ódio (em maior ou menor medida). Espera-se que aqueles que pretendem vencer o bolsonarismo hajam com mais sagacidade e capacidade argumentativa; mas o que vemos, infelizmente, é uma espécie de movimento correlato à “esquerda”.

4) “Críticos” mais desesperados, percebendo as respostas dadas ao longo dos comentários anteriores – e provavelmente sem ler o texto também –, foram apelando cada vez mais, até que chegamos a esta mediocridade: “Discurso burro da direita. A direita sempre foi vadia por ofício e mentirosa por vício”. E outro, mais além, complementa: “Eu já imaginava que, chegando próximo às eleições, era inevitável a direita se manifestar no grupo. Faz parte. Só não entendo que colegas façam campanha contra si mesmos. Ou é um robô que cópia o mesmo texto como resposta pra todos”.

O “robô” em questão era a essência das respostas repetidas aos comentários de desprezo, dado que as “críticas” eram basicamente as mesmas: preocupação unicamente com o voto, com o apoio cego a qualquer candidato petista e o discurso fajuto de que qualquer crítica ao PT fortalece automática e irremediavelmente a direita. Seriam suas convicções políticas e os seus projetos de governo tão frágeis a esse ponto? Tudo indica que sim.

5) Certos “críticos” reproduzem frases ocas ouvidas na luta contra o bolsonarismo, como, por exemplo, a acusação de “negacionismo”. O que, por exemplo, há de negacionismo no conteúdo do texto? Ainda que o discurso de muitos petistas não seja de ódio fascista, puro e simples, tal como é o bolsonarismo, podemos perceber certa tendência à repetição e à uniformização; sendo que em alguns casos descamba para o ódio aberto. Reparem o nível: “não mando abraço pra quem luta contra o sindicato ou contra o partido de que faço parte. Aprenda a fazer uma política pública que defenda quem te defende”.

Muitos desses “críticos” julgam-se os campeões da defesa da classe trabalhadora, quando são, na verdade, parte fundamental da sua ruína. Há, na maioria dos casos, apenas uma defesa das suas condições profissionais específicas – isto é, corporativas – disfarçadas de “defesa da classe trabalhadora”.

Podemos perceber, infelizmente, tanto no grupo do facebook, quanto na prática sindical brasileira, que é cultivado um certo nojo físico pelos adversários. Não estamos trabalhando para esclarecer divergências para crescermos juntos, mas dando vazão à imposição inquestionável e, portanto, autoritária de caminhos já trilhados como “novidade” e como “única saída”. Nem no CPERS e na maior parte da militância petista, nem nesses “críticos” virtuais, há o menor vestígio de um exame de consciência. Estamos muito longe disso.

As nossas certezas de ocasião e pessoais são as principais impulsionadoras dos discursos virtuais de ataque à posições minoritárias como os apresentados acima. Argumentos pobres, vulgares, sem conhecimento de causa em sua maioria é o que tem caracterizado o miserável debate público do magistério estadual do RS. O mais engraçado é que grande parte destes “críticos” se dizem contra a direção central do CPERS, mas, na prática, como vimos, aprovam integralmente a essência da sua política.

Assim, julgando-se os campeões da democracia, este tipo de militância nada mais faz do que reforçar a (de)formação política que leva ao fortalecimento das práticas que, por sua própria natureza, só podem dar vantagem ao inimigo que supostamente combatemos: isto é, por jogar no campo do inimigo, com os seus métodos, dá vigor e força à direita e ao próprio bolsonarismo.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Basta eleger a esquerda institucional para a situação melhorar?

 

Há uma ilusão presente em diversas categorias do funcionalismo público de que basta eleger maiorias de “esquerda” para os parlamentos federal, estaduais e municipais para solucionar a situação deplorável em que nos encontramos. Lula falou recentemente sobre isso, afirmando que “não basta elegê-lo sem eleger uma maioria de ‘esquerda’ no Congresso Nacional”[1].

         O resumo dessa compreensão foi sintetizado também pela direção estadual do CPERS num dos seus últimos vídeos, lançados em razão da aprovação do “reajuste” salarial do governo Leite (PSDB e cia.) para menos da metade da categoria – como sempre, e com grande êxito, dividindo-a. Ela disse, solenemente, que: “a nossa saída é elegermos um governo de esquerda e uma maioria de esquerda na Assembleia [Legislativa do RS]. Somente isso fará com que possamos lutar para avançar”[2].

         Há quanto tempo o PT e a direção do CPERS vendem tal ideia? Qual foi o resultado dessa política sindical de “pressão sobre os deputados” e de “eleger a ‘esquerda’” (institucional – faltou acrescentar), levada a cabo por décadas dentro do nosso sindicato e nos discursos petistas, senão o aumento desenfreado de ilusões e a perda compulsória de direitos?

         Esta política fomenta o pior tipo de ilusões porque o parlamento é burguês, bem como toda a estrutura do Estado. Esperar que se possa governar para a classe trabalhadora por dentro desta estrutura apenas tendo “maiorias” é disseminar passividade, conivência e (des)ilusões para com a máquina que nos massacra e só recebe legitimidade para isso.

         Senão vejamos: se elegemos um “governo de esquerda” – tipo PT ou Psol – vamos ter algumas medidas progressivas, mantendo-se toda a podridão burguesa, dado o seu peso econômico de classe dominante. As forças políticas da burguesia tirarão, mais cedo ou mais tarde, com a mão direita tudo o que concederem à classe trabalhadora (geralmente migalhas) com a mão esquerda, tão facilmente quanto foi eleger tal tipo de governo.

         O parlamente burguês e os governos dentro do capitalismo já deram provas de que são reféns do peso econômico da burguesia, que jamais abrirá mão de influenciar o “eleitorado” por meio de fraudes abertas ou disfarçadas; sejam elas as malfadadas pesquisas eleitorais, compra de votos, de candidatos, de projetos, da opinião pública; sejam as influências legais ou ilegais sobre a justiça, as deliberações legislativas e judiciárias, pressão sobre os locais de trabalho, de moradia e de estudo, através da grande mídia, do pragmatismo cotidiano ou do próprio senso comum – sem falar na teatralidade vazia que está no cerne do funcionamento dos parlamentos, usada para acalmar os ânimos e vender “mudanças” que, a bem da verdade, só garantem a permanência do que está aí. Ao invés de tentarmos um novo tipo de programa e de trabalho de base, apenas brigamos com os colegas e conhecidos “que votam errado” e são influenciados pela máquina de marketing eleitoral dos partidos de direita, das igrejas, da grande mídia, da “justiça” eleitoral, dos parlamentos, etc. Como poderia ser diferente, sendo que a própria esquerda institucional entra nessa ciranda e a aprova integralmente?

         Mesmo que nos nossos sonhos mais belos e coloridos um parlamento fosse composto por uma maioria de candidatos de “esquerda”, o peso econômico da burguesia continuaria a influenciá-lo e a dominá-lo, de um jeito ou de outro. Pra piorar, em nenhuma encruzilhada desse tipo ela abriu mão de dar golpes parlamentares, jurídicos e/ou militares para assegurar a manutenção do seu poder. Como o parlamento é burguês, ele foi feito para dar maiorias seguras à burguesia e não à “esquerda”, que só pode ser um enfeite “democrático”, um arremedo de representatividade – ou foi mera casualidade que ao longo dos governos Lula e Dilma a bancada evangélica, do empresariado e do agronegócio não tenha diminuído?

         A direção do CPERS e o PT, como representantes do reformismo em geral, “esquecem” disso tudo e adoçam a classe trabalhadora, vendendo-lhe as ilusões mais doces e infantis, fazendo terra arrasada da história do movimento operário nacional e internacional. Enquanto estas ilusões forem preponderantes no funcionalismo público e na classe trabalhadora, veremos governo após governo, legislatura após legislatura, retirar um a um dos direitos que restam, impor novos decretos e “leis” que apenas interessam ao empresariado, direta ou indiretamente.

         Não há meio termo possível, por mais que se queira acreditar nesse meio termo. A história do país e do Estado comprova. Sem levar adiante uma ação que questione toda a estrutura política, econômica e social – o que inclui o próprio parlamento – não haverá mudança pra melhor. Nossa luta e qualquer candidato de “esquerda” eleito deveriam apostar neste caminho inexplorado e não no que adoça a classe trabalhadora, fazendo-a esperar passivamente uma mudança eleitoral – que apenas pode ser superficial e passageira, enquanto garante as condições para que nada de essencial mude na máquina política dos ricaços.

Num momento de crise de direção profunda, de desorganização da classe trabalhadora e de ascensão do neofascismo até se pode condescender que se vote em partidos reformistas e sociais-democratas, como é o caso do PT e do PSol – dentre outros. Mas jamais se deve compactuar com a venda de ilusões, tal como sempre acontece nesses casos, que afirma ser esse o único caminho possível. Este círculo vicioso só pode nos manter chafurdando na lama eterna, enquanto, obviamente, a burguesia nos olha, sorri e agradece. É a eterna loucura de esperar resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual.

         Algumas pessoas não percebem (ou não querem perceber) a relação que existe entre as armadilhas do circo eleitoral, a estrutura política e econômica ao qual o parlamento e os governos estão submetidos[3], e a retirada de direitos, as nossas misérias e derrotas recorrentes. Parte considerável dessas desgraças se deve, sem a menor sombra de dúvidas, a estas ilusões pragmáticas que parecem ser o orgulho e a certeza não apenas da direção do CPERS, mas de grande parte da sua base de sustentação[4].

Quando passamos a ignorar a experiência, tornamo-nos refém da ingenuidade; e se ela cruza certos limites, passa a ser parte do problema. A nossa saída, portanto, não pode ser ter simples “maiorias nos parlamentos burgueses” (ainda que possamos eleger parlamentares comprometidos com a sua denúncia e destruição por dentro – o que não tem sido o caso); mas, sim, lutar contra toda estrutura de poder da burguesia, o que inclui o próprio parlamento, visando criar novas instituições de poder que representem efetivamente a classe trabalhadora.

 

Referências

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Contribuição à organização do Comitê de Enlace

Esse artigo segue o debate acerca do chamado à formação de uma nova organização revolucionária no Brasil feita pela Transição Socialista (TS) em junho-agosto deste ano. O primeiro artigo do nosso blog sobre o tema foi publicado em 18 de agosto de 2021, e pode ser acessado clicando aqui. Quem assina o texto abaixo é o extinto "Grupo 1", que foi formado por um núcleo de militantes de diversas regiões do Brasil que compreenderam o processo de uma maneira semelhante.


Uma das questões que ocupou boa parte do tempo da primeira e da segunda reunião do Comitê de Enlace foi o debate sobre organização. Dado o grande número de ativistas independentes em relação às poucas organizações, é necessário repensar a proposta original feita pela Transição Socialista (TS) no sentido de testar novas formas de organização.

         As concepções organizativas hegemônicas entre a esquerda apresentam um desgaste que precisa ser reavaliado justamente porque terminam por engessar o debate, a troca democrática e, consequentemente, a política, a agitação e a propaganda. E sem mexer nessas certezas cristalizadas é provável que não consigamos animar uma nova organização revolucionária no Brasil que seja capaz de aglomerar massas e superar o petismo. Com esse documento queremos apresentar algumas ideias que precisam ser refletidas e testadas com a finalidade de buscar um novo caminho.

         Tentaremos esboçar e sintetizar algumas dessas ideias a seguir:

 

1) Para refletirmos sobre o tamanho e a importância da nossa tarefa, precisamos refletir sobre o que realmente somos. Há um erro comum cometido por quase todas as organizações socialistas e revolucionárias no Brasil que é se ver e se auto proclamar como o partido revolucionário pronto e acabado.

         Porém, precisamos pontuar que um grupo de propaganda não é um partido revolucionário. Geralmente, o primeiro é uma organização revolucionária germinal que pretende construir o segundo, mas ainda não o é; assim como uma semente de laranjeira não é a árvore e nem o seu fruto. Um partido revolucionário é uma força de massas na sociedade; sua militância se conta por centenas de milhares, não por dezenas; e ela está inserida em diversas categorias da classe trabalhadora, com uma influência sentida e refletida por ela. Um grupo de propaganda tem o papel mais restrito de fazer a semente germinar, numa fase ainda embrionária. Se já vemos a semente como a própria árvore ou a laranja, então comeremos um pequeno caroço sem suco e buscaremos uma sombra de poucos centímetros de altura. Isto é, cometeremos um disparate completo!

         Reparem o que Trotski escreveu em 1929: “O bolchevismo sempre foi forte por causa de sua elaboração historicamente concreta de formas organizativas. Sem esquemas áridos. Os bolcheviques mudaram sua estrutura organizacional radicalmente a cada transição de um estágio para o outro. No entanto, hoje, um único e mesmo princípio de ‘ordem revolucionária’ é aplicado ao poderoso partido da ditadura do proletariado, assim como ao Partido Comunista alemão, que representa uma força política séria; ao jovem partido chinês; e ao partido dos EUA, que é apenas um pequeno grupo de propaganda. (...) Um partido novo representando um organismo político em completo estágio embrionário, sem nenhum contato real com as massas, sem experiência de direção revolucionária, sem formação teórica, já foi armado dos pés à cabeça com todos os atributos da ‘ordem revolucionária’, ficando parecido com um menino de seis anos de idade que usa a armadura de cavaleiro do pai”[i].

         Isso foi escrito em uma polêmica com o stalinismo, nos albores da década de 1930, mas vale perfeitamente para a vanguarda “revolucionária” brasileira de 2021, que veste a armadura de cavaleiro do pai, mesmo tendo apenas 6 anos de idade – ou ainda menos! A maior parte das organizações de vanguarda do Brasil se ilude, querendo acreditar que a armadura esconde a sua falta de idade para vesti-la, porém, não engana a burguesia e a grande mídia. A classe trabalhadora, por sua vez, olha para elas com o mesmo ar estupefato de quem vê um indivíduo andando na rua com fantasia de carnaval em pleno mês de agosto!

 

2) Os grupos de propaganda revolucionários confundem as duas etapas e por isso suas palavras de ordem e a sua propaganda – na maioria das vezes – são estéreis e irreais, causando pouca preocupação na burguesia ou no reformismo. Por certo, um grupo de propaganda pode e deve levantar algumas palavras de ordem condizentes com o seu tamanho e intervir em categorias profissionais, mas isso está subordinado a sua tarefa central, que é a propaganda e a busca por uma nova hegemonia na vanguarda – segundo Lenin,“sem isso não é possível dar sequer o primeiro passo para a vitória”[ii]. Pobre deste grupo de propaganda se ele levanta ou reproduz palavras de ordem como se já fosse um partido revolucionário!

         Aqui devemos refletir melhor sobre que tipo de “tarefa central” de propaganda é essa? Trata-se de “pesquisar, estudar, descobrir, adivinhar, captar o que há de particular e específico, do ponto de vista nacional, na maneira pela qual cada país aborda concretamente a solução do problema internacional comum, do problema do triunfo sobre o oportunismo e o doutrinarismo de esquerda no seio do movimento operário”[iii]. Isto é, vencer o oportunismo e o doutrinarismo na vanguarda da classe trabalhadora.

Um pequeno grupo de propaganda precisa estar aberto à divergência e não ter medo delas, tal como fizeram Lenin e Rosa Luxemburgo na 2ª Internacional. Portanto, a etapa de um grupo de propaganda deve se caracterizar, antes de tudo, mais pela democracia do que pelo centralismo, dado que buscamos uma fisionomia própria no embate entre a vanguarda e precisamos oxigenar permanentemente os debates, buscando estabelecer o contato real com as massas – que é sempre muito difícil e deve, necessariamente, superar as antigas vanguardas que detêm esse “monopólio”. Para isso, novas práticas e novas buscas são fundamentais.

O centralismo democrático precisa ser construído de acordo com as condições concretas, sobretudo do tamanho, organização e inserção do partido, sendo mais o resultado e um meio de organização do que uma imposição formal e burocrática de cima para baixo, empregada através do voto formal. É preciso respeitar os diversos níveis de consciência da militância e da massa em geral, para, aí sim, intervir sobre ela. Se, negando a realidade, nos consideramos o partido revolucionário e não um grupo de propaganda, então a chance de colocar os pés pelas mãos e nos imiscuirmos em picuinhas e desconfianças intermináveis é gigantesca!

E para nós, mesmo que o Comitê de Enlace seja formado com sucesso a partir daquele número de presentes nos dias 18 de setembro e 30 de outubro, ainda sim será um grupo de propaganda revolucionária e não um partido revolucionário já construído.

 

3) Considerando todos estes aspectos desenvolvidos nos pontos 1 e 2, sugerimos que inicialmente o Comitê de Enlace se organizasse em forma de uma frente de ligas, organizações ou de indivíduos. Esta “frente” teria o papel de convergir, apresentar as divergências, debatê-las; mas, sobretudo, trocar informações, experiências e práticas. Saber ouvir sem segundas intenções ou imposições. Nesse sentido, podia ser eleito um comitê executivo – uma espécie de conselho geral, tal como existia na 1ª Internacional – que tivesse a finalidade de organizar reuniões, formações, publicações, encontros, etc.

No âmbito dessas questões pode-se e deve-se votar em reuniões, mas não obrigar a centralização em debates políticos públicos que expressem diferenças profundas. O que não pudesse ser resolvido destas questões nas reuniões do comitê executivo, deveria ser levado para reuniões mais amplas (uma espécie de “assembleia”, tal como a ocorrida nos dias 18/09 e 30/10), onde todos os/as presentes tivessem direito à voz, voto e publicação de textos para o debate.

O mais importante deste processo é não forçar supressão de divergências, criar confiança por outros laços; debater e esclarecer posições divergentes; valorizar as convergências; publicar as posições divergentes para que a vanguarda e o próprio Comitê de Enlace possam conhecer e crescer com elas. Em síntese, devemos fazer o inverso do que a vanguarda de “esquerda” fez até hoje: aprendermos a nos fortalecer com as divergências, com formações e discussões honestas/fraternas e abertas. Atuar conjuntamente nos pontos em que se têm convergências naturais, nascidas deste processo. Respeitar e ter paciência com as diferenças.

 

4) Na era digital, onde tudo praticamente vem sendo feito online, é muito ruim que não tenhamos contato permanente com o pessoal que participa das reuniões. Por isso foi sugerido a criação de um fórum de e-mails e um grupo de whatsapp, geridos pelo Comitê Executivo, para todos e todas que quiserem participar. Evidentemente que estes espaços têm a finalidade de divulgação de materiais, posições e, obviamente, para que possamos nos conhecer melhor.

         As instâncias decisórias são outras: as reuniões do Comitê Executivo e as “reuniões gerais” (tal como as ocorridas nos dias 18/09 e 30/10). Estes serão os fóruns corretos de deliberação e discussão, sendo o grupo de e-mails e de whatsapp apenas uma forma extra e complementar de comunicação. Por fim, achamos ruim o que foi aprovado no dia 30 de outubro; isto é, que só grupos e organizações tenham “direito a voto e à produção e circulação de textos nos órgãos de discussão do Comitê de Enlace”. Dado o tamanho e as possibilidades tecnológicas, este direito, respeitando-se as principais pautas e discussões coletivas, devia ser estendido para gerar mais reflexão e menos burocracia na divulgação de ideias e críticas.

         Houve, assim, uma limitação de possibilidades auto imposta, voltando os olhos de todo mundo pra trás, e não pra frente. Ao contrário do que muitos pensam ao defender e aprovar tal proposta, isso nada tem de leninismo. Isso te a ver, de fato, com um leninismo formal, que ignora o realismo revolucionário de nos olhar, tal como somos; e, portanto, repete fórmulas ao invés de buscar desenvolver o verdadeiro realismo leninista[iv].

 

5) Um belo exemplo de como não agir: o editor do blog Espaço Marxista narra a formação, nos anos 2014/2015, da Frente Comunista dos Trabalhadores[v]. Após sadias relações na fase de “comitê paritário”, decidiu-se estreitar os laços e formalizar uma organização propriamente dita (e não a “confederação” de grupos e militantes, como era até então). Assim, se quis dar um passo maior do que a perna, num momento em que as condições não estavam maduras para tal.

Rapidamente a Frente entrou em decadência. Pareceu claro que o grupo maior, a Liga Comunista, na verdade “incorporou” os demais, a ponto de querer impor resoluções próprias (isto é, anteriores ao nascimento da Frente e que, portanto, não foram debatidas no novo espaço – quis, assim, crescer artificial e formalmente). À medida que as diferenças se fizeram mais transparentes, a Liga Comunista agia como fração monopolista na nova Frente, mobilizando seus membros em ataques contra o editor do blog, como é de praxe em organizações burocratizadas e hegemônicas na “esquerda”.


Grupo 1



Referências

[i] TROTSKI, Leon. Stalin – o grande organizador de derrotas; A III Internacional depois de Lenin. Editora Sundermann, São Paulo, 2010 (página 206 – grifos nossos).

[ii] LENIN, Vladmir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo.  Editora Expressão Popular, São Paulo, 2014 (página 140).

[iii] Idem, página 139.

[iv] Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/08/a-essencia-do-leninismo.html

[v] Ver: https://espacomarxista.blogspot.com/2020/09/espaco-marxista-2015-2020.html e https://espacomarxista.blogspot.com/2015/09/balanco-e-resolucoes-do-1-congresso-da.html