1.
Muito se fala entre a militância do CPERS que o
sindicato está afastado da base e que a direção central não a reflete. Porém, a
direção central, composta por PT, PCdoB, PDT, PP, CUT e CTB, reflete quase que
fidedignamente o pensamento e a conduta da maior
parte da categoria. Não é casual, portanto, que tenha se eleito pela
terceira vez consecutiva – ainda que possamos questionar muitos aspectos das
eleições sindicais do CPERS.
2.
Como
seria, então, esse pensamento e essa conduta da base que se reflete na direção
central?
Em grande parte, o magistério público tende a um
pensamento reformista e conformista, que reflete, de certo modo, suas condições
e que, por isso mesmo, aposta toda a artilharia em uma “mudança” gradual, via
eleições, pressão institucional nos deputados e vereadores, além da espera
passiva pela justiça burguesa, com uma incapacidade de aprender com as
experiências que beira, muitas vezes, a negação. Poderíamos estender essa
tendência ao funcionalismo público em geral, não casualmente, dirigido e
orientado pelo petismo e o sindicalismo cutista, embora esta política sempre encontre
boa receptividade na base.
Isso não quer dizer que o funcionalismo público não
lute. Ele luta, embora subordine de bom
grado a luta à estratégia reformista, com todas as ilusões eleitorais
decorrentes daí. Basta ver como o discurso de “votar certo nas próximas eleições”
se repete seguidamente na base e quando vem das direções sindicais também é
recebido com um abraço caloroso cheio de ilusões.
3.
A
direção central, portanto, sabe como abordar as ilusões mais sentidas pela base
com uma linguagem que lhe é acessível e cara – embora, obviamente, sua política
não solucione praticamente nada. Ela instiga o espírito de rebanho, a espera passiva, o paternalismo e a lei do
menor esforço.
Em linhas gerais, a maior parte da base do CPERS
foge das responsabilidades que lhe cabem e tende
a apoiar qualquer discurso que alimente e dialogue com estas esperanças.
Por outro lado, isso não quer dizer que ele não possa ser derrotado e
modificado. Para isso, o primeiro passo é tomar consciência da gravidade do
problema.
Contudo, a direção central, sem nenhum tipo de
escrúpulo, sabe utilizar-se muito bem deste discurso paternalista –
reproduzido, em muitos aspectos, pelas “oposições”. Estas, por sua vez, mesmo
reproduzindo o essencial deste paternalismo, tentam se diferenciar a partir de
uma retórica “de luta”, “mobilização e ações radicalizadas” que, na realidade,
estão descoladas da realidade concreta. Elas não percebem (ou não querem
perceber) que a sua política não tem a mesma aceitação que o discurso petista,
servindo, no geral, para jogar a maior parte da base nos braços da própria direção
central. Não tiram nenhuma conclusão da realidade a sua volta e não reavaliam
nunca seus métodos e práticas.
4.
Combater
o pensamento petista requer uma discussão de fôlego que as “oposições” não têm
disposição, dado que é impopular e faz perder influência política num
sindicalismo hegemonizado pelo PT e por ilusões eleitorais na sua base.
Procuram atalhos que não existem e não questionam o que é o mais importante: a
prática desta hegemonia sindical! Tensionam com discursos radicalizados,
propondo sempre pautas supostamente
mais avançadas – como greve em quase todas as oportunidades, tipo uma solução
milagrosa; ou “ocupações” sem correlação de forças –, enquanto conciliam com
todo o restante da estrutura e da cultura sindical vigentes, a qual respeitam
religiosamente e não percebem nela nenhum problema, chegando, até mesmo, a
reivindicá-la. Todo o problema seria apenas “a linha da atual direção central”.
Dentro
dessa cultura sindical destaca-se o discurso dissociado da prática, a
não-escuta, o correntismo (isto é, a preponderância das correntes sobre o
estatuto)[1], a
reincidência nos crimes de não cumprir quando não se quer o que é deliberado nas
instâncias de base, nem discutir o que vem dos núcleos no Conselho Geral, que é
um organismo totalmente vertical e controlado pela direção central. Por que
isso ocorre? Por causa, precisamente, da hegemonia do sindicalismo petista
sobre o CPERS.
Apesar
dos discursos aparentemente radicais e diferentes, por respeitarem
religiosamente a atual estrutura sindical baseada no correntismo, situação e
oposição terminam por se equivalerem no essencial. A base da categoria, por sua
vez, com poucas exceções, enfia a cabeça na terra, tal como faz o avestruz,
dizendo: eles que são “políticos” que se entendam e, preferencialmente, me
apresentem soluções prontas e fáceis! Aí chegam as eleições e ela vota no
discurso oficial, mesmo dizendo que “o CPERS não faz nada”; ou se omite de sua participação ativa, seja nas eleições, seja
no cotidiano do sindicato.
5.
Vigora na base do CPERS a noção de que o sócio é
como um consumidor de classe média. Ou seja, ele se associa ao sindicato e
espera receber apenas benefícios pelo simples ato de se associar. Tal como um
consumidor, que espera que sua mercadoria funcione quando a compra e, se isso
não acontece, liga para o PROCON para reclamar. Reclama demais, sem ação condizente
com sua reclamação e sem compreender as relações sociais que a envolvem,
ignorando suas responsabilidades sociais,
sindicais e, muitas vezes, profissionais. Isto é, sem reconhecer nenhum problema na sua
omissão, acha que o simples ato de se desfiliar do sindicato irá resolver algo.
Com esforço podemos compreender o descontentamento
do ato da desfiliação, mas isso não pode ter outro resultado que o próprio
fortalecimento da burocracia sindical que supostamente quer combater. Se
associar a um sindicato é fazer parte de uma agremiação, se juntar a outras
pessoas e tentar organizar a luta por direitos coletivos (muitas vezes vistos
apenas como individuais) e reconhecimento profissional. Isso quer dizer que
precisa ser ativo e não simplesmente passivo, esperando que as direções,
correntes ou outros atores decidam “por nós”. Esta cultura precisa ser
enfrentada e modificada urgentemente.
É necessário acompanhar o sindicato, ser crítico, ser coerente com a nossa
crítica e com a nossa cobrança. Em síntese, é fundamental se ver como parte do
sindicato e não como um agente de fora dele que apenas se preocupa em ganhar
benefícios sem esforço algum, simplesmente esperando isso do ato de se filiar[2].
6.
Contudo, é preciso afirmar que grande parte desta
noção de “consumidor de classe média” é mantida pela estrutura burocrática dos
sindicatos, que tende a afastar a base das principais decisões, além das
correntes majoritárias, que trabalham no sentido de reforçar essa compreensão,
bajulando-a e poupando-lhe críticas que venham no sentido de despertar esta
consciência da necessidade de sua participação ativa e independente no sindicato. A maior parte das correntes entende
“participação no sindicato” como apoio e suporte passivo às suas posições,
candidatos, chapas, delegados, etc.
Esta atitude é compreensível: caso a base vá além
desta consciência, tende a não aceitar mais a atual estrutura sindical em voga
no CPERS.
7.
Essa incoerência gritante entre o que se fala e o
que se faz, tanto no CPERS, quanto fora dele, não seria aceitável caso a maior
parte da base se levantasse e a acusasse, dando e lutando por outros exemplos.
Mas infelizmente ela tende a tratá-lo como normal.
Por um lado, isso reflete os séculos de opressão,
de espírito de rebanho e submissão. Por outro, demonstra certas propensões
humanas para nos identificarmos com aquilo que supostamente criticamos e
combatemos. No caso, há uma certa identificação e uma auto-justificação para
proceder conciliando com estas incoerências ou, pelo menos, a tratando como
normais.
8.
A humanidade viveu por milênios abaixo de opressões
militares e religiosas sustentadas por monarquias e impérios sanguinários. A
obediência é uma marca dos seres humanos até hoje, que se transforma em
imperativos morais e de servidão voluntária e involuntária muito difíceis de se
quebrar. Isso deveria ser combatido nos
sindicatos (e não reforçado!), transformando-os em instrumentos da auto
emancipação da classe trabalhadora, e não de contenção e acomodação a serviço
da ordem.
Quando uma direção sindical fala com o linguajar
oficial da estrutura ou apela para os medos (da punição, do moralmente correto versus o moralmente errado; do bem versus o mal) está ajudando a adocicar a
raiva e o descontentamento, além de moldar a “sua categoria” aos ditames do que
quer a sociedade oficial – e todos os nossos principais problemas bebem, de uma
forma ou outra, nesta fonte.
Há um diálogo impositivo, que ocorre tacitamente,
entre a direção sindical que impõe políticas como um pai autoritário e uma base
que se submete como filho, muitas vezes buscando inconscientemente esta
autoridade que aprendeu como “único caminho correto” desde o berço. Todo
sindicalismo que alimenta ou aproveita-se dessa submissão está servindo, quer
queira, quer não queira, ao fortalecimento das estruturas patriarcais e,
portanto, oficiais; reforçando, assim, o sistema ou, na melhor das hipóteses, o
governo e a mídia que supostamente
querem combater.
Uma alternativa a isso não é a bagunça de posições,
a desfiliação ou a insubordinação geral, mas o incentivo à responsabilidade
social e sindical de cada um, seja no local de trabalho, seja cumprindo suas
atribuições sindicais e, principalmente,
sendo coerente com o seu discurso e com suas próprias reivindicações, que devem
ser acolhidas e replicadas por instâncias sindicais democráticas, abertas, de
escuta e cumprimento estrito do que é proposto e debatido, se convertendo numa
verdadeira via de duas mãos entre sindicato e base. Conclui-se, portanto, que é
necessário mudar a postura da base e a estrutura oficial do CPERS, sendo uma a
causa dos erros da outra.
9.
Há na
base do CPERS e no movimento da classe trabalhadora em geral o problema do
“eterno retorno”.
Mas o que é isso? É aquela tendência de cometer
sempre os mesmos erros, fazer sempre a mesma coisa e ainda assim esperar
resultados diferentes. Os nossos movimentos grevistas são repletos de exemplos
nesse sentido.
Desgraçadamente,
este “eterno retorno” também está presente na “vanguarda” de esquerda, que
poderia quebrar conscientemente estes círculos viciosos. Não há preocupação da
sua parte em condensar e passar adiante as lições do movimento operário
nacional, internacional e do próprio CPERS. Quando há a mínima preocupação com
isso, vemos que não há coerência com suas conclusões mais duras – porque
geralmente é uma tarefa impopular que não rende votos e influência fácil – ou
quando ocorre o milagre de ser coerente com elas, temos o oposto: a base da
categoria as ignora, dado que demonstra não
valorizar esse tipo de conduta, tendendo a consumir discursos que acalmem e
alimentem seus anseios íntimos de filhos.
10.
Uma
mãe ou um pai que protegem demais ou interferem demais na vida de um filho,
geram, inevitavelmente, um “medo da vida” e, de certa forma, uma dependência
extrema. O mundo externo se transforma num monstro assustador, muito maior do
que ele realmente é.
Portanto,
gera distorções e ilusões sobre a própria vida. A mãe e o pai saudáveis devem
educar seus filhos para a vida, para os problemas reais – o que inclui as
dúvidas, as dores e as incertezas.
Não casualmente, a direção central do CPERS e as suas principais correntes de “oposição” bajulam a base da categoria e não a “educam para a vida”, mas para a dependência; nem geram auto reflexão crítica nem soberania com responsabilidade social e individual, porque todo o seu sindicalismo está fundamentado nesta relação de dependência paternal (e material).
11.
Não é
apenas a direção central do CPERS que não escuta a sua base. Como vimos, ela é
uma reprodução mais ou menos exata do que se passa na base da nossa categoria,
que muitas vezes também não escuta estudantes e pais da comunidade escolar, se
colocando acima dela a partir de protocolos formais. Uma grande parcela da
nossa categoria – a de nomeados sem
consciência de classe – também não escuta e não faz questão nenhuma de
ouvir outra parcela – a de contratadas e contratados[3].
Os contratados sem consciência de classe
não agem de forma muito melhor – e, assim, o círculo vicioso e destrutivo segue
seu curso, que beneficia e termina no leito morto da direção central.
Reproduz-se
então, a prática da não-escuta nas mais distintas esferas. Quem deveria dar o
exemplo para tentar quebrar esse elo
nefasto seria a direção central e as suas correntes majoritárias; mas, ao
contrário, reproduzem a lógica dos ouvidos-moucos e da patrola contra o que lhe
questiona. Não há diálogo, mas imposições.
Há,
também, um número expressivo de educadores do chão de escola que não escutam
aqueles lutadores independentes porque o discurso não lhes apresenta “soluções
fáceis e cômodas”, uma vez que foram “educados” na perspectiva do “sócio como
consumidor de classe média”.
12.
Os
núcleos de base podem ser a “salvação”! – empolgam-se alguns.
Poderia ser, se eles não fossem reprodutores da
cultura sindical oficial, presente tanto na direção central quanto nas
correntes de “oposição” que os dirigem, o que inclui a prática da não-escuta
daquilo que não se enquadra na cultura oficial.
Nos núcleos de base (seja nos de Porto Alegre, seja
nos do interior) existe um pequeno círculo de militantes que, no mais das
vezes, discursam para si mesmos, disputando entre correntes que nunca se
colocam questões essenciais da cultura sindical e do próprio funcionamento do
CPERS, em assembleias de 30 a 50 pessoas (na melhor das hipóteses), onde
existem mais de 1000 filiados! Tanto os discursos quanto a política dos
núcleos, no geral, não chegam nas escolas. Primeiro, porque estas têm sido
indiferentes à vida do CPERS; segundo, porque os núcleos reproduzem a cultura
sindical vigente, que está satisfeita em si mesmo, se julgando a mais correta e
a “única possível”.
Assim, o distanciamento entre sindicato e o chão da
escola está selado.
13.
O
CPERS reproduz tal e qual o que faz a Secretaria de Educação e a política
oficial do país: as CREs responsabilizam a SEDUC por determinada política; a
SEDUC responsabiliza os governos ou alguma outra secretaria de Estado, quando
não jogam a culpa diretamente em alguma de suas CREs. Assim, não há
responsáveis e a culpa é do espírito santo! Espera-se que as reivindicações
morram antes de se concretizar porque assim ninguém vai ser capaz de resolver o
que é reivindicado.
No
CPERS as correntes usam do mesmo método: os núcleos de “oposição” jogam a
responsabilidade sobre a direção central; a direção central a joga para os
núcleos de “oposição” e, assim, todos fogem das suas responsabilidades e
autocríticas necessárias sobre a cultura sindical que precisamos assimilar para
superar e mudarmos a situação calamitosa em que nos encontramos.
O
mesmo se passa com a base da categoria, ainda que de forma mais rarefeita. A
base joga para o sindicato a sua inação frente as aberrações que provém do
próprio sindicato; o sindicato joga para a base os reflexos da sua política
nefasta e da sua cultura sindical. Assim, ficamos refém de um problema
aparentemente sem causas. Todo mundo espera uma solução fácil que resolva tudo
sem que se tenha que fazer nada. E todos os erros estão sempre nos outros,
nenhuma pontinha deles estão em nós. O movimento sindical e a “luta” podem
fazer tudo por nós, menos a parte que nos cabe. As direções sindicais, por sua
vez, precisam tomar vergonha na cara e ter a coragem de reconhecer os reflexos
das suas políticas na base.
14.
Não
há dúvida de que a direção central tem mais responsabilidades que os núcleos –
assim como a SEDUC tem a maior responsabilidade do que as CREs (afinal de
contas, os funcionários das CREs simplesmente aplicam o que a SEDUC delibera e,
se procuram lavar as mãos, tornam-se
coniventes e responsáveis, ainda que de forma indireta, pela concretização
de sua política!). Mas nem tudo depende diretamente da direção central. Por
exemplo: uma política para formação sindical, a própria democracia de base nas
suas instâncias, uma outra cultura de escuta, a luta pela democracia nas
instâncias superiores, a delegação de poder e tarefas para pessoas de fora da
direção do núcleo; enfim, existem diversas possibilidades de se proceder de
forma diferente sem necessariamente depender de alguma liberação de verbas ou
de consentimento político por parte da direção central.
No
mais das vezes observa-se apenas esta desculpa entre “núcleos versus direção central” para não se
tentar algo diferente que procure renovar a prática sindical. Percebe-se,
portanto, que os núcleos de “oposição” estão em plena sintonia com a cultura
sindical burocrática e correntista professada pela direção central. Esta é a
causa real de sua inação!
15.
O
CPERS é um sindicato de aposentados. Mais de 50% do quadro de sócios é
constituído por eles. Nenhum setor é tão bajulado pela direção central quanto
os aposentados, que possuem diversos cargos e fóruns dentro do CPERS, muitos
deles à revelia de setores da ativa. Ainda que nem todos aposentados sejam
ligados à direção central e reprodutores da sua política, pois muitos são
independentes, um grande contingente é base de sustentação da cultura sindical
vigente, o que acaba levando água ao moinho da direção central.
A
estrutura eleitoral e de poder do CPERS está baseada nos “aposentados
reservistas”, que são mobilizados e convocados nos períodos eleitorais, nos
congressos e assembleias gerais decisivas para dar maioria segura às correntes
dirigentes. Estes “aposentados reservistas” não participam ativamente das
assembleias de núcleo, gerais ou mesmo das greves; em síntese, não participam
ativamente da vida sindical do CPERS, mas “aparecem” nos momentos decisivos
para dar maioria às políticas da direção central e correntes majoritárias. Esta
deformação da democracia sindical é percebida por poucos e tratada como
absolutamente normal pela direção central e pelas correntes majoritárias.
Isso
não significa ignorar a contribuição dada pelos aposentados para a construção
do CPERS. Trata-se, ao contrário, de renovar a prática sindical a partir da
percepção do papel que sua maioria vem cumprindo até aqui.
16.
Cabe
a pergunta: o que leva estes “aposentados reservistas”, bem como o conjunto da
base da categoria, a agirem desta forma? A questão é de difícil resposta, mas é
mais difícil ainda procurá-la fora dos métodos apontados pela psicologia de
massas (freudiana, reichiana e junguiana) e da filosofia da práxis.
Da mesma forma devemos proceder no que diz respeito ao ódio incontido que
impera em muitas falas de assembleias gerais ou outros fóruns contra
representantes de posições opostas às nossas.
O que o gera e o que ele alimenta?
17.
Há na
psicologia de massas um problema bastante sério acerca da relação entre
imagens. A relação entre as pessoas da massa e, também, entre as
“lideranças”, é baseada em imagens que fazemos de nós e dos outros. Há ainda a
imagem das correntes sindicais e das organizações que dominam a vida do CPERS.
A imagem que fazemos de nós mesmos e dos outros não
é o que realmente somos. Dá para se fazer um paralelo com os perfis das redes
sociais. Lá postamos apenas nossa realidade aparente, e não profunda. As nossas
tristezas, crises e conflitos não são postadas. Estas são a vida como ela é.
18.
A vida sindical é pautada por estas imagens: a
imagem que fazemos de nós mesmos e dos outros, a imagem das correntes, etc. Não
conhecemos os conflitos internos que paralisam e geram desordens nos outros,
nem demonstramos os nossos. Vivemos na superficialidade e no acordo tácito
entre imagens. Grande parte das pessoas que vivem presos nessa lógica, terminam
por consumir imagens, discursos, ideias vazias que nunca são colocadas em
práticas. Tudo fica aparentemente bem se essas imagens seguem intactas; causa
dor e confusão quando elas são questionadas. Tende-se, assim, a lançar nos
outros as nossas próprias sombras.
Cada corrente sindical e organização política lança
a sua política “mais que correta e perfeita” ignorando e escondendo suas
próprias sombras. Grande parte da imagem que as pessoas fazem de si mesmas
consome essa política, seja no discurso, seja nas eleições, seja na prática
cotidiana.
Qual é o resultado inevitável disso?
19.
É
comum ouvir das pessoas que participam do CPERS sobre o problema relacionado ao
egocentrismo das lideranças sindicais. Este problema existe, embora ele não deixe
de ser, no geral, um reflexo
programático e político. Isto é: não existe um ego abstrato, pairando no ar,
mas eles encarnam os interesses de tal ou qual classe social, bem como dos seus
respectivos programas e ideias, que possuem suas contradições. Dependendo do
ego, assumem contornos maiores ou menores.
Por
isso mesmo é necessário prestar atenção à mecânica dos discursos e das práticas.
Muito se fala em “categoria” e na “classe trabalhadora”. As lideranças que
hegemonizam o CPERS sempre buscam se identificar com essas palavrinhas que dão
a ideia de coletividade. Em quase nenhum caso se trata da dissolução do ego na
coletividade, isto é, na categoria e na classe trabalhadora. Ao contrário,
trata-se da identificação do ego com o que é maior, isto é, tal ou qual
liderança se coloca como a plena representação da “categoria” ou da “classe
trabalhadora”, que é multifacetada e contraditória (ainda mais no estado em que
se encontra).
Este
jogo de retórica serve para esconder os interesses egocêntricos (ou de poucos)
como se fossem da coletividade. No discurso até pode haver elementos que
abordem interesses coletivos, mas no geral é essencialmente vantajoso para o
ego que o professa, no sentido direto de hegemonia ou controle, ou no sentido
indireto de fama, de reconhecimento, de vaidade. Por outro lado, grande parte
da base se vê refletida por este egocentrismo porque, de algum jeito, age da
mesma forma, só que em escala menor. É pelo ego que são pescados e manipulados,
já que o ser humano tende a erigir-se a si próprio como regra do universo.
Nesse
sentido, a propaganda eleitoral dentro do CPERS se reveste de uma dificuldade
específica: pouca ou nenhuma repercussão tem o debate geral sobre programa e
teoria feitos coletivamente; se destaca a propaganda individualizada e
personalista, na maioria das vezes baseada no “amiguismo” e feita de forma rasa.
Alianças sindicais e eleitorais são firmadas em cima destas práticas. Isso
decide as eleições sindicais, os congressos e o próprio futuro do CPERS.
20.
Como
diminuir essa atividade essencialmente egocêntrica dentro do CPERS? Como
diminuir o espírito de rebanho que bebe na fonte desse egocentrismo?
Responder essas perguntas é uma tarefa essencial
para a militância do CPERS que quer, de fato, uma mudança com consciência de classe para este
sindicato e para toda a categoria. Sem a resolução destas dúvidas talvez não
haja muito futuro para o CPERS, que tende a devorar-se a si mesmo numa luta
estéril.
Em síntese: estamos sempre nos adaptando ao que
existe, à realidade, com a justificativa de que é difícil mudar algo. Ou seja:
estamos sempre “aceitando” e depois vivendo no estado que “aceitamos”, nos
acostumando a ele, para em seguida viver reclamando dele. Nunca – ou quase
nunca – dizemos não! O que tememos não é o desconhecido, mas a perda do
conhecido. Esse conhecido é a nossa existência aflita, com muito sofrimento,
esperando que depois virá “coisa melhor”, um tanto espontaneamente, sem mexer
em nada de substancial na estrutura social, econômica e sindical, já que esta é
“muito difícil de se modificar”. Aí tendemos a fugir deste fato, adiando o
enfrentamento a tudo que questiona a falsa estabilidade emocional que construímos
para enfrentar este dia-a-dia.
Referências
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