Há uma ilusão presente em
diversas categorias do funcionalismo público de que basta eleger maiorias de
“esquerda” para os parlamentos federal, estaduais e municipais para solucionar
a situação deplorável em que nos encontramos. Lula falou recentemente sobre
isso, afirmando que “não basta elegê-lo sem eleger uma maioria de ‘esquerda’ no
Congresso Nacional”[1].
O resumo dessa compreensão foi sintetizado também pela
direção estadual do CPERS num dos seus últimos vídeos, lançados em razão da
aprovação do “reajuste” salarial do governo Leite (PSDB e cia.) para menos da
metade da categoria – como sempre, e com grande êxito, dividindo-a. Ela disse,
solenemente, que: “a nossa saída é elegermos um governo de esquerda e
uma maioria de esquerda na Assembleia [Legislativa do RS]. Somente
isso fará com que possamos lutar para avançar”[2].
Há quanto tempo o PT e a direção do CPERS vendem tal ideia?
Qual foi o resultado dessa política sindical de “pressão sobre os deputados” e
de “eleger a ‘esquerda’” (institucional – faltou acrescentar), levada a cabo
por décadas dentro do nosso sindicato e nos discursos petistas, senão o aumento
desenfreado de ilusões e a perda compulsória de direitos?
Esta política fomenta o pior tipo de ilusões porque o
parlamento é burguês, bem como toda a estrutura do Estado. Esperar que se possa
governar para a classe trabalhadora por dentro desta estrutura apenas tendo
“maiorias” é disseminar passividade, conivência e (des)ilusões para com a
máquina que nos massacra e só recebe legitimidade para isso.
Senão vejamos: se elegemos um “governo de esquerda” – tipo
PT ou Psol – vamos ter algumas medidas progressivas, mantendo-se toda a
podridão burguesa, dado o seu peso econômico de classe dominante. As forças
políticas da burguesia tirarão, mais cedo ou mais tarde, com a mão direita
tudo o que concederem à classe trabalhadora (geralmente migalhas) com a mão
esquerda, tão facilmente quanto foi eleger tal tipo de governo.
O parlamente burguês e os governos dentro do capitalismo já
deram provas de que são reféns do peso econômico da burguesia, que jamais
abrirá mão de influenciar o “eleitorado” por meio de fraudes abertas ou
disfarçadas; sejam elas as malfadadas pesquisas eleitorais, compra de votos, de
candidatos, de projetos, da opinião pública; sejam as influências legais ou
ilegais sobre a justiça, as deliberações legislativas e judiciárias, pressão
sobre os locais de trabalho, de moradia e de estudo, através da grande mídia,
do pragmatismo cotidiano ou do próprio senso comum – sem falar na teatralidade
vazia que está no cerne do funcionamento dos parlamentos, usada para acalmar os
ânimos e vender “mudanças” que, a bem da verdade, só garantem a permanência do
que está aí. Ao invés de tentarmos um novo tipo de programa e de trabalho de
base, apenas brigamos com os colegas e conhecidos “que votam errado” e são
influenciados pela máquina de marketing eleitoral dos partidos de
direita, das igrejas, da grande mídia, da “justiça” eleitoral, dos parlamentos,
etc. Como poderia ser diferente, sendo que a própria esquerda institucional
entra nessa ciranda e a aprova integralmente?
Mesmo que nos nossos sonhos mais belos e coloridos um parlamento
fosse composto por uma maioria de candidatos de “esquerda”, o peso econômico da
burguesia continuaria a influenciá-lo e a dominá-lo, de um jeito ou de outro. Pra
piorar, em nenhuma encruzilhada desse tipo ela abriu mão de dar golpes
parlamentares, jurídicos e/ou militares para assegurar a manutenção do seu
poder. Como o parlamento é burguês, ele foi feito para dar maiorias seguras à
burguesia e não à “esquerda”, que só pode ser um enfeite “democrático”, um
arremedo de representatividade – ou foi mera casualidade que ao longo dos
governos Lula e Dilma a bancada evangélica, do empresariado e do agronegócio
não tenha diminuído?
A direção do CPERS e o PT, como representantes do reformismo
em geral, “esquecem” disso tudo e adoçam a classe trabalhadora, vendendo-lhe as
ilusões mais doces e infantis, fazendo terra arrasada da história do movimento
operário nacional e internacional. Enquanto estas ilusões forem preponderantes
no funcionalismo público e na classe trabalhadora, veremos governo após
governo, legislatura após legislatura, retirar um a um dos direitos que restam,
impor novos decretos e “leis” que apenas interessam ao empresariado, direta ou
indiretamente.
Não há meio termo possível, por mais que se queira acreditar
nesse meio termo. A história do país e do Estado comprova. Sem levar adiante
uma ação que questione toda a estrutura política, econômica e social – o que
inclui o próprio parlamento – não haverá mudança pra melhor. Nossa luta e
qualquer candidato de “esquerda” eleito deveriam apostar neste caminho inexplorado
e não no que adoça a classe trabalhadora, fazendo-a esperar passivamente uma
mudança eleitoral – que apenas pode ser superficial e passageira, enquanto
garante as condições para que nada de essencial mude na máquina política dos
ricaços.
Num momento de crise de
direção profunda, de desorganização da classe trabalhadora e de ascensão do neofascismo
até se pode condescender que se vote em partidos reformistas e
sociais-democratas, como é o caso do PT e do PSol – dentre outros. Mas jamais
se deve compactuar com a venda de ilusões, tal como sempre acontece nesses
casos, que afirma ser esse o único caminho possível. Este círculo
vicioso só pode nos manter chafurdando na lama eterna, enquanto, obviamente, a
burguesia nos olha, sorri e agradece. É a eterna loucura de esperar resultados
diferentes fazendo tudo exatamente igual.
Algumas pessoas não percebem (ou não querem perceber) a
relação que existe entre as armadilhas do circo eleitoral, a estrutura política
e econômica ao qual o parlamento e os governos estão submetidos[3],
e a retirada de direitos, as nossas misérias e derrotas recorrentes. Parte
considerável dessas desgraças se deve, sem a menor sombra de dúvidas, a estas
ilusões pragmáticas que parecem ser o orgulho e a certeza não apenas da
direção do CPERS, mas de grande parte da sua base de sustentação[4].
Quando passamos a ignorar
a experiência, tornamo-nos refém da ingenuidade; e se ela cruza
certos limites, passa a ser parte do problema. A nossa saída, portanto,
não pode ser ter simples “maiorias nos parlamentos burgueses” (ainda que
possamos eleger parlamentares comprometidos com a sua denúncia e destruição por
dentro – o que não tem sido o caso); mas, sim, lutar contra toda estrutura de
poder da burguesia, o que inclui o próprio parlamento, visando criar novas
instituições de poder que representem efetivamente a classe trabalhadora.
Referências
[1]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/11/por-que-classe-trabalhadora-brasileira.html
[2]
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=4LMJz6jJ21c&ab_channel=CPERSSindicato
(grifos nossos).
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