O Mercado
de Trabalho Agrícola brasileiro se insere em uma estrutura produtiva
majoritariamente voltada para o que identificamos como agronegócio, marcado
pela modernização tecnológica a partir da década de 60 com a “Revolução Verde”,
que transformou o modo de produção agrícola adotado até o momento, baseada no
melhoramento genético das cultivares, intensificando a utilização de insumos e
agrotóxicos, de maquinário e tecnologia, o que, a longo prazo, demanda o
aprimoramento das técnicas de cultivo, criando uma dependência por esses
insumos, por território, e, principalmente, pelo mercado externo consumidor
desses produtos. O processo de tecnificação da agricultura impactou fortemente
o trabalho rural por conta da mecanização do trabalho, da mudança de
sazonalidade dos cultivos e da demanda por mão-de-obra nas diferentes fases de
cultivo e até mesmo por mudanças no ciclo biológico desses cultivos.
O processo de modernização conservadora
contribuiu para a consolidação do atual modelo do agronegócio brasileiro,
marcado pelo foco na produtividade voltada para exportação de produtos brutos.
É importante ressaltar que apenas médios e grandes produtores tiveram acesso
aos programas de crédito fornecidos pelo Governo no início desse avanço
tecnológico, o que vai determinar a dinâmica de trabalho ligada às atividades
agrosilvipastoris a partir daquele momento, acarretando na organização do
trabalho tal como é estabelecida hoje. Dessa forma, esse padrão estabelecido
quase que impositivamente – ou você se adequa, ou fica à margem – passou a
criar dois polos antagônicos de modelos produtivos: o da agricultura patronal e
o da agricultura familiar. São duas formas distintas de produzir alimento, que
assumem diferentes papéis no contexto brasileiro do mercado de trabalho e suas
ocupações, com objetivos diferentes em relação ao destino de suas produções,
além da diferença de valor agregado ao produto entre elas, diferenciando-as
também no processo produtivo e em suas formas de comercialização. Por um lado,
o mercado de trabalho agrícola brasileiro é amparado por recursos públicos para
o desenvolvimento de uma agricultura voltada para a manutenção favorável da
nossa balança comercial – o que é importante –, mas que não podemos destinar
apenas a esse setor a responsabilidade por manter positiva a economia
brasileira frente à concorrência internacional, uma vez que essa dependência na
verdade fragiliza nossa economia externa, e por outro lado, deixamos de
incentivar não só alimentos destinados à alimentação dos próprios brasileiros,
mas também incentivar ‘novos’ produtos, dentre eles os com valor agregado,
beneficiados talvez por jovens produtores de pequeno porte que, atraídos por
programas de acesso a crédito e incentivos fiscais, passam a considerar a
agricultura como uma alternativa digna e sólida de atividade remunerada, ou
seja, de trabalho, condição para permanecerem no campo.
Como pode considerar-se avançado um país
em que uma das suas principais atividades econômicas, a Agricultura, vem sendo
cada vez mais renegada pelas gerações mais novas?! É uma contradição. Ainda
mais, seria muito audacioso pensar em uma juventude saindo da cidade e indo
para o campo para se dedicar a uma das tarefas mais ‘nobres’ que pode existir,
que é produzir algo tão essencial à vida: o alimento?! E se esse alimento for
cultivado, em cada local, para abastecer a sua proximidade, respeitando seu
ciclo natural, em equilíbrio e até imitando a natureza, se tornando a cada
safra mais independente de aporte de insumos externos como fertilizantes,
utilizando sim o desenvolvimento tecnológico, mas apenas o suficiente para
empregar um modelo que produza não apenas alimentos, mas também saúde,
independência, facilitando o acesso da população a tais alimentos, tanto na
questão do preço final dos produtos, que hoje acabam encarecidos por conta da
falta de incentivo e necessidade de certificações de alto custo aos produtores
– no caso dos alimentos orgânicos –, quanto na questão de transporte desses
alimentos: quanto mais se encurtam as cadeias produtivas, sem necessidade de
atravessadores, ganham produtores e consumidores, pois o preço do produto baixa
e o lucro do produtor aumenta, assim como a quantidade vendida, já que o consumidor
terá maior poder de compra com preços mais acessíveis.
Podemos pensar também em um sistema
agroalimentar que inclua a produção no meio urbano, utilizando espaços dentro
das cidades para produzir alimento. Se foram verticalizadas as habitações para
poder abrigar cada vez mais pessoas no meio urbano, por que não pensar em
estratégias também para otimizar a utilização do espaço urbano para produção de
alimento?! Não que o meio urbano passe a ser o principal produtor, mas que se
aproprie, na sua capacidade, da produção de certos gêneros alimentícios que
hoje em dia dependem do campo, mas que teriam plenas condições de serem
cultivados na cidade, como temperos, chás e hortaliças, por exemplo. Evidente
que para viabilizar essas alternativas precisamos que pessoas se dediquem a
estudar essas estratégias, em diferentes esferas da complexidade em que essa
perspectiva se apresenta. No entanto, já existem algumas iniciativas que
caminham nessa direção, que é o caso da compostagem doméstica. Além de dar uma
destinação mais correta aos resíduos sólidos orgânicos, diminui os gastos da
prefeitura - que gasta por tonelada de lixo - com coleta, transporte,
transbordo e destinação final dos resíduos, e que ainda produz fertilizantes
sólido e líquido, que podem ser melhor estudados para serem aplicados nessas
produções urbanas. Dessa forma o ciclo se completa: a pessoa come o alimento,
composta, gera adubo para produzir outro alimento. Sem abordar a educação
alimentar e ambiental, mudança de hábitos, quebra de paradigmas: “estou
desembalando mais que descascando?”.
Se continuarmos pensando de acordo com o
modelo vigente, sem pautar novas estratégias de produção, transporte e
comercialização de alimentos, não será possível avançar. As questões que
influenciam o sistema agroalimentar atual, como a insegurança alimentar como
questão de segurança nacional, a apropriação de terras, o espaço para produção,
o cenário de mudanças climáticas influenciadas pela forma como se preferiu
fazer agricultura, devem ser melhor formuladas, repensadas, sendo necessário
abrir mais espaço para modelos nos quais já vemos resultados positivos. Tomemos
como exemplo a FAO (ligada à ONU), que não teve alternativa a não ser
progredir. Muito baseada no exemplo de países europeus ditos desenvolvidos -
como a Alemanha, em que 80% da população consome orgânicos e tantos outros que
já têm uma ampla rede de políticas públicas voltadas à agroecologia também como
forma de prevenir doenças, por exemplo - aderiu ao desenvolvimento humanitário
e passou a apoiar a forma de agricultura que realmente está disposta a
erradicar a fome no mundo e a garantir a segurança e soberania alimentar: a
produção agroecológica de alimentos.
Nesse contexto de avanço, não abrir um
espaço maior para esse mercado que se agiganta à nossa frente (o de produtos
mais saudáveis com valor agregado) significa não aproveitar o potencial de
ampliação de mercado de trabalho e a consequente diversidade de possibilidades de
ocupações. Nos resta questionar a quem está servindo conter o avanço desse
nicho com potencial tão elevado, e em meio a todas essas alternativas que esse
novo mercado propõe, assistimos aos representantes políticos deste mesmo país
aprovarem projetos de lei que restringem a venda de produtos orgânicos ao mesmo
tempo que flexibilizam a utilização de agrotóxicos.
Diversificação
de produtos: agregar valor e dependência do mercado chinês (com citações em
itálico, neste e no próximo tópico, extraídas do artigo: “A força que move o
agronegócio brasileiro”, publicado na revista China Hoje e disponível em: http://www.chinahoje.net/a-forca-que-move-o-agronegocio-brasileiro/).
- De 2000 a 2020, as
importações chinesas saltaram de 2% para 35% da pauta exportadora do agro
brasileiro; a China se tornou o principal cliente global do Brasil, bem
distante de EUA e Europa
- Neste momento
delicado das contas internas brasileiras, com tendência de piora por causa da
recessão global, é mais conveniente tratar bem nosso cliente histórico,
inclusive porque ele poderá produzir grãos e petróleo na África e ser menos
dependente da nossa produção”, prevê Roberto Rodrigues referindo-se à “Rota da Seda”, projeto
chinês de US$ 1 trilhão para infraestrutura na Ásia, Europa, Oriente Médio e
África.
- No ano passado, do
total das exportações brasileiras (US$ 225,4 bilhões), 28% foram para a China,
bem acima do segundo maior destino – EUA, com 13%.
- Para o
presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José
Augusto de Castro, “o agro é a salvação da lavoura porque, embora nossa
dependência se concentre em três produtos, o agronegócio é quase a soma dos
outros dois” exemplifica, referindo-se a soja,
petróleo e minério de ferro, que acumularam vendas de US$ 16,6 bilhões, US$
9,509 bilhões e US$ 7,545 bilhões, respectivamente, de janeiro a maio deste
ano.
- Castro sublinha que a
China é responsável por 90% do superávit da nossa balança comercial acumulado
nos primeiros cinco meses de 2020
- Outro dado indica a
relevância do comércio entre os dois países: o único país com que o Brasil
ampliou importações em 2020 foi a China. De todos os demais, as compras
brasileiras caíram mais de 11%. “Nos próximos dois anos, a China continuará
absoluta nas nossas compras externas. Hoje, 85% do que o Brasil importa da
China são manufaturados, e quase 100% do que exportamos são commodities”,
acrescenta Castro. “Nossa dependência não está só na exportação, está na
produção mesmo”
- Para o sócio-diretor
da MacroSector Fábio Silveira, o Brasil precisaria estreitar a cooperação para
abrir novos mercados, vender mais farelo de soja e açúcar, suco de laranja e
fumo. Outro exemplo é o café: em 2019, a China ocupou a 34ª posição entre os
países que mais consomem o grão brasileiro, apesar do salto das exportações de
328% na última década (US$ 177,4 milhões no ano passado). “Precisamos continuar
investindo em tecnologia e pesquisa para melhorar a qualidade do nosso café e
atender à demanda chinesa, que está aprendendo a consumir a bebida”, diz Nelson
Carvalhaes, presidente do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).
- “Ocupamos o espaço da
Argentina quando taxou as exportações de soja; mais recentemente, a guerra
comercial.
- avançar em várias
direções, entre elas, a maior presença do Brasil nas importações chinesas de
produtos semielaborados e acabados, e não só de commodities agrícolas e
proteína animal.
- Dos embarques para os chineses, o agronegócio respondeu por 42% (US$ 26,5 bilhões), dos quais US$ 20,5 bilhões somente em soja em grãos e US$ 4 bilhões de carnes de frango, bovina e suína. Ou seja, quase 100%.
- Exportando para eles
mais carne em vez de tanta soja, é uma maneira de agregar valor às nossas
vendas”, comenta Jank.
É possível perceber que se
compreende que o Brasil precisa diversificar os produtos que exporta, assim
como agregar valor a eles, mas parece que isso se limita a “ter mais produtos
para vender e dessa forma ganhar mais dinheiro”. Não é feito nenhum esforço
para enxergar além dos números, então a lógica que se estabelece é que se quase
100% do que foi vendido pra China pelo agronegócio foi grão de soja e carne no
geral, então se aposta alto exclusivamente nesse nicho, sem preocupação com o
risco que isso acarreta. E se esse comprador tão fiel até agora der um jeito de
não depender mais do Brasil dessa forma?! (Que é o que já estão fazendo...) Não
vamos ter outras opções na manga porque toda a estrutura produtiva do Brasil
vai ter sido moldada pra atender a demanda externa por soja e carne, fazendo
com que a gente tenha que lançar mão na marra, de uma hora para outra, do
desenvolvimento de outras possibilidades que possam ser fortes e competitivas
no mercado externo. Os mesmos que criticam a economia da Venezuela, que apostou
tudo no petróleo e por um jogo de poder geopolítico acabou como está agora,
dizem para o povo brasileiro que devemos plantar soja para alimentar o mundo!
Olhem a contradição!
É evidente que o Brasil não está de
braços cruzados esperando isso acontecer, mas não é dada a devida importância à
diversificação que a produção de alimentos merece; muito pelo contrário, é
negligenciada, uma vez que o esquema já está todo organizado. É muito rentável
para a cadeia produtiva da oligarquia dos barões do agronegócio, que vai desde
os detentores de sementes, passando por fabricantes de todos os insumos
(fertilizantes, agrotóxicos, etc.) e abastecimento (super e hipermercados),
que, em parceria com bancos que concedem crédito aos produtores, tornam essa
atividade a mais lucrativa possível para eles, a minoria produtora rural do
país.
E se tivesse mais políticas públicas
voltadas pra incentivar (de mil e uma formas que não citaremos aqui, mas, por
exemplo, diminuindo imposto sobre a exportação - BEM COMO É FEITO COM AS
COMMODITIES!), diminuindo imposto de circulação desses produtos, diminuindo
taxação sobre produção e comercialização de produtos agrícolas voltados para a
transição agroecológica, como insetos nativos que predam outros considerados
praga em certos cultivos, ou então financiar massivamente pesquisas que
trabalhem nesse caminho, como produção de óleos essenciais, que mostram eficácia
como fitoterápicos (para as plantas), mas que são tão incipientes ainda! Aí
pegam a piretrina, molécula produzida
por uma planta, o crisântemo (o do bem-me-quer-mal-me-quer); copiam essa
molécula em laboratório e produzem inseticida a partir dela. A vida não pode
ser patenteada, mas com a cópia dela não precisa de qualquer escrúpulo.
O Brasil é um país continental. Temos
quase todos os biomas do mundo; temos uma variação climática incrível ao longo
do território; podemos produzir tantas espécies de plantas a se perder da conta!
Por que forçar que produzam as mesmas em qualquer canto do território nacional?
O quanto não foi investido de dinheiro público pra produzir uma variedade de
soja que se adaptasse às condições de solo e de clima do Cerrado brasileiro?
Pra beneficiar quem? Por que não investir na transição agroecológica, na
produção orgânica de café agroecológico, por exemplo? Porque os movimentos
sociais já estão cumprindo esse papel, já estão mais inseridos nesse mercado...
Teríamos um comprador maravilhoso: o mercado europeu. O problema não está em
que não temos hoje tecnologia para exportar produtos que perecem facilmente,
como frutas e hortaliças. Querem produto mais perecível do que a carne? Não
valeu a pena investir em pesquisa, tecnologia para buscar soluções para esse e
outros problemas?
Em relação à agregação de valor, podemos
dar o exemplo da nossa produção de café. Somos os maiores produtores de café do
mundo! Mas quem ganha mais dinheiro com a exportação de café é a Alemanha, que
compra o nosso café, o “beneficia” e o vende para o mercado externo. Por que a
gente não faz isso? O que a Alemanha tem que nós não poderíamos desenvolver?
Que interesses estão por trás dessa relação?
Ademais, com maior quantidade de
produtores em áreas menores (ao contrário de poucos produtores em áreas
gigantescas e muitos em áreas pequenas), produzindo ecologicamente, com
diversidade, o potencial produtivo do Brasil ia pulsar no mundo inteiro! Não
apenas na Europa, que poderia ser o principal parceiro comercial do Brasil. É
engraçado que o pessoal do monocultivo, da soja e da carne, odeia o mercado europeu,
vivem falando que é burocrático demais e que temos que valorizar a China como
parceiro externo. Claro, os produtos que a Europa quer não são os produtos
desse modo tóxico de produção!
O
que está por trás dos novos hábitos chineses? O mito da carne (proteína animal)
como fonte de proteína mais barata
- tem de estar atenta
às tendências nos hábitos, provocadas pela ocidentalização da cultura das novas
gerações.
- Turra observa o
interesse recente dos chineses por produtos mais prontos, com o crescimento da
classe média que migra do campo para as cidades.
- “As profundas
transformações se casaram em 2000, quando a demanda explosiva por proteína
animal da classe média emergente chinesa se encontrou com a imensa oferta de
soja do cerrado brasileiro. A soja, uma planta originária da China, é a
principal fonte de proteína da alimentação animal.
- Segundo o professor
do Insper e da Esalq-USP, o “casamento entre a demanda deles por proteínas
vegetais para produzir proteína animal lá provocou o avanço da nossa produção”.
Essa é uma pauta atrelada ao
vegetarianismo e ao veganismo, que vai além da preocupação com o bem estar dos
animais. Muito se fala que o vegetarianismo e o veganismo são elitizados e
caros, principalmente por esse pessoal que se alegra um tanto que os chineses
passaram a comer mais carne com o crescimento da classe média. Ora, se uma
alimentação baseada na carne como fonte de proteína fosse mais viável
economicamente, o que a ascensão da classe média teria a ver com o maior consumo
de carne pela China?! Não sou vegetariana, mas me questiono quanto ao “nível
saudável” da proteína de origem animal. Por outro lado, acho que a solução não
seria eliminar o consumo de carne, mas reduzir drasticamente essa dependência
da carne que nos foi criada. Se tivéssemos mais essa consciência, não
consumiríamos tanta carne e deixaríamos de movimentar essa engrenagem da
produção de soja, do desmatamento para avançar em área, que no fim e ao cabo,
serve para criar boi, vaca, porco, peixe, qualquer tipo de proteína de origem
animal. E a carne em si não é o maior problema, mas sim a produção de leite e
derivados. Se usa 10x mais área pra pastagem e produção de milho/sorgo pra dar
conta de produzir gado de leite do que gado pra carne. Portanto, essa ocidentalização
da cultura chinesa vem bem a calhar aos barões do agronegócio brasileiro.
Por outro lado, a produção de gado,
ovinos e caprinos por pequenos agricultores aqui no Rio Grande do Sul tem
extrema importância, principalmente para a preservação do bioma Pampa, cuja
parcela brasileira está localizada exclusivamente na metade Sul do Rio Grande
do Sul. É uma atividade realizada há gerações por esses pecuaristas que ainda
não se dobraram para a soja, embora já existam casos de desmatamento da mata nativa
para a implantação da cultura ou então para a implantação de megaminerações.
Segurança
alimentar e nutricional de uma população mundial em ascensão
-
De acordo com estudos da FAO e USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), para
o planeta ampliar em 20% a oferta de alimentos nos próximos dez anos e, com
isso, afastar o risco de fome, o Brasil terá de incrementar sua produção em
40%, no mesmo período, bem à frente de Estados Unidos (12%), Europa, China,
Índia e Rússia (14%).
Essa é uma das maiores bobagens da
história! Não precisamos produzir mais alimento, precisamos que os alimentos
produzidos sejam acessados pela população brasileira e mundial. Poderemos
produzir o quanto quisermos, 50 vezes mais, mil vezes mais, mas ainda teremos
bocas sem alimento se seguirmos com esse modelo vigente que é assegurado pela
desigualdade.
O setor alimentar deverá preocupar-se
nos próximos anos com estratégias a serem implementadas a fim de garantir a
segurança alimentar minimizando os impactos ambientais para uma população em
crescimento exponencial. Os métodos utilizados para a produção de alimentos
hoje no mundo se divide basicamente em dois grandes grupos: o que aposta na
agricultura extensiva para elevar a produtividade e o que acredita que este
modelo está defasado – sobretudo no quesito de conservação ambiental –, propondo diferentes alternativas.
A viabilidade de assegurar
alimentação de qualidade para a população mundial depende do empenho do poder
público e dos cidadãos produtores e consumidores de alimentos em garanti-los em quantidade suficiente e sem prejuízo à saúde e ao meio ambiente.
Para isso é importante sim que exista alta tecnologia sendo aplicada nesse
setor, alto recurso financeiro destinado à pesquisa e à capacitação tanto de
agricultores quanto de assistentes, visando prioritariamente a saúde da
população e a suficiência de alimentos. No entanto, o que percebemos é o
empenho de grandes empresas que hoje controlam direta e indiretamente a cadeia
produtiva, como a Bayer+Monsanto, em
garantir lucratividade em detrimento da erradicação da fome no mundo – esta
última vem sendo utilizada como principal justificativa para as práticas dessas
empresas em conluio com o setor estatal burguês, que muito se apoiam na
financeirização do setor alimentar, destacando-se a elevada concentração de
terras nas mãos de poucos produtores, da ascensão do preço da terra e
consequente restrição do acesso a ela pelos menos favorecidos.
O que evidencia ainda mais a
incoerência capitalista das fusões dessas multinacionais é justamente a
transgressão do seu pilar básico: o liberalismo como estratégia para assegurar
a competitividade e, assim, garantir qualidade. Isso não acontece! Sem
competição, dentro do capitalismo, não há como assegurar a qualidade dos
produtos, muito menos baixos preços, pelo princípio econômico simples da
oferta/procura. Se a qualidade e o preço justo não eram prioridade antes das
fusões que ocorreram nos últimos anos, agora que a maior empresa de tecnologia
em agricultura e a de fármacos se uniram, o monopólio tende a abranger a vida,
uma vez que os remédios serão produzidos pela mesma empresa que nos causa
doença.
A
abertura para a exploração da nossa terra pelo o mercado internacional: neoliberalismo;
financeirização do alimento; pagamos esse preço com a nossa natureza!
Vejamos um trecho do livro “A Empresa Radar S/A e a Especulação com
Terras no Brasil”:
O agronegócio consome bilhões em
recursos públicos e créditos subsidiados que acabam por se transformar em
dívidas impagáveis. Dados oficiais revelam que as políticas agrícolas do Estado
brasileiro priorizam o apoio à expansão de monocultivos. O Estado disponibiliza
linhas de crédito subsidiadas para o agronegócio através da negociação de
Títulos do Tesouro Nacional no sistema financeiro. Segundo o Plano Agrícola e
Pecuário de 2015/2016, no decorrer da última década os valores destinados ao
agronegócio por meio do mecanismo de crédito rural mais do que sextuplicou,
saltando de R$27 bilhões em 2003/2004 para R$187,7 bilhões na safra de 2015/2016.
As empresas do agronegócio se utilizam ainda de acesso a créditos para
especular no mercado financeiro. Um exemplo ocorreu com a agroindústria
canavieira brasileira que utilizou tais recursos para especular com derivativos
cambiais ao longo da primeira década do século 21. Diversas usinas tomaram
empréstimos baratos em dólar, aproveitando a valorização do real ao longo
daqueles anos. Com a reversão dessa tendência e a valorização do dólar em
relação à moeda brasileira, a partir da crise econômica mundial iniciada em
2008, muitas usinas quebraram. O setor somou um prejuízo de mais de $4 bilhões
de reais apenas em derivativos cambiais, logo após o início da crise. As
empresas deixaram de investir, por exemplo, na renovação de canaviais, tratos
culturais e adubação, o que mantinha a elevação dos níveis de produtividade.
Por essa razão, em janeiro de 2012 o
governo brasileiro liberou $4 bilhões de reais para o agronegócio somente para
a renovação dos canaviais. A crise econômica mundial gerou uma mudança no
perfil do agronegócio no Brasil e estimulou a presença de empresas estrangeiras
de diferentes setores, não só agrícolas, mas também financeiras, automotivas e
petroleiras. Este processo ocorreu principalmente através de fusões e
aquisições, causando maior concentração de capitais. As empresas optam por tal procedimento com a intenção de aumentar seu
capital e demais ativos, como máquinas, terra, subsidiárias, entre outros.
Assim, o preço de suas ações, compostos por tais ativos financeiros, passa a
ser parte fundamental do valor de mercado das empresas e torna-se parâmetro
para que consigam crédito. O acesso a crédito e a novos instrumentos financeiros
gerou maior capacidade de endividamento do setor, permitindo uma transformação
tecnológica que aprofundou a diferença entre montantes de capitais investidos e
imobilizados em relação à força de trabalho a ser explorada. Este movimento
aprofunda a incapacidade das empresas se valorizarem por meio da exploração do
trabalho, justamente a finalidade do capitalismo que se critica.
O agronegócio necessita de cada vez mais
volumosas massas de créditos e subsídios estatais para manter sua expansão, o
que gera um crescente endividamento que, por sua vez, incentiva a expansão
territorial, expressa na contínua incorporação de “novas” áreas de
monocultivos, principalmente em regiões ricas em fontes de água, biodiversidade
e infraestrutura. A extensão territorial, que marca historicamente o
agronegócio no Brasil, aumenta diante do cenário de acúmulos constantes de
dívidas. Porém, é este contexto de expansão que motiva a própria crise, já que
o agronegócio se expande com o objetivo de remunerar o capital imobilizado na
forma de investimentos em mecanização e na crescente necessidade de aquisição
de insumos químicos. A necessidade de incorporação de novas áreas fomenta a inflação
do preço do solo, o que permite justamente que este passe a ser negociado como
ativo financeiro à parte, submetido à especulação de investidores em busca de
rendimentos.
Em pleno século 21, o país continua a
basear sua política agrícola nas supostas “vantagens naturais” de seu
território e na superexploração da força de trabalho. Esta política, sustentada
pelo monocultivo para exportação, serve aos interesses de uma oligarquia
latifundiária agora travestida de agronegócio, que supre as demandas dos países
centrais por commodities agrícolas.
Com isso, o Brasil perde a oportunidade de realizar propostas históricas
defendidas pelos movimentos sociais para a garantia de sua autonomia, que não
pode ser construída sem a própria soberania alimentar.
***
Vejamos, agora, um trecho de “A floresta negociada na bolsa”:
O novo Código Florestal, aprovado em
2012 (anos do governo Dilma/PT – vale lembrar), trouxe a novidade das Cotas de
Reserva Ambiental (CRAs), que possibilitam a adequação ambiental das
propriedades rurais em mecanismo similar ao do mercado de crédito de carbono,
que permite que países que emitem muito CO2 comprem cotas daqueles que emitem
menos. A diferença é que, no caso das CRAs, o negócio se dá entre as áreas de
Reserva Legal dos imóveis rurais. Uma Reserva Legal é uma área coberta por
vegetação natural dentro do imóvel rural que pode ser explorada somente com
manejo florestal sustentável, respeitando-se o bioma em que está a propriedade.
Funciona assim: os proprietários ou posseiros dos imóveis que possuírem um
excedente de Reserva Legal ou vegetação nativa declarado nos seus Cadastros
Ambientais Rurais (CARs) poderão vender, quando as CRAs forem regulamentadas,
essas áreas excedentes em forma de cotas, também chamados de “títulos
representativos”, para os imóveis que não estiverem com o nível de Reserva
Legal exigido pela legislação ambiental. Por lei, esse nível de Reserva Legal
varia de 20% a 80% da área do imóvel e leva em conta o bioma e a região do país
no qual está inserido.
***
Comparemos
tudo isso com outras citações escolhidas do artigo da revista China Hoje, “A força que move o agronegócio brasileiro”:
- A parceria pode ser
ampliada com a maior presença do capital chinês no Brasil. Para reduzir a
dependência de multinacionais no escoamento de suas importações, a China vem
adquirindo corretoras de commodities, concorrendo com gigantes como a Bunge.
Assim surgiu a trading estatal chinesa Cofco International, uma das maiores
exportadoras de soja do Brasil.
- Os chineses estão presentes nos negócios antes e depois da porteira. Só não estão dentro das fazendas porque estrangeiros não podem ser donos de terras no Brasil, assinala Eduardo Daher, diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Não é verdade que estrangeiros não podem ser donos de terras no Brasil. Existe, inclusive, um termo para isso, que tem sido acentuado nos últimos anos devido à facilidade com que empresas estrangeiras têm tido em se apropriar de terras no nosso país: “estrangeirização da terra”. Essa questão pode ser melhor entendida no artigo de 2016 de título O PROCESSO DE ESTRANGEIRIZAÇÃO DA TERRA E EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO NA REGIÃO DO MATOPIBA, de Lorena Izá Pereira e Lucas Pauli, cujo resumo é o descrito abaixo:
“A partir da crise agroalimentar de
2007/2008, observamos um período de intensificação na disputa mundial por
terras. A estrangeirização é analisada como um processo que ocorre em escala
global, com destaque para os países Africanos e Latino-Americanos, pois
apresentam terras com baixos preços, legislação ineficaz, terras agricultáveis
e com disponibilidade hídrica e mão-de-obra barata. É neste contexto que está inserida
a territorialização do capital transnacional na região do MATOPIBA, onde
atualmente possui 26 empresas de capital transnacional territorializadas,
sobretudo para a produção de commodities como algodão, cana-de-açúcar, milho e
soja. A expansão desta nova fronteira agrícola da estrangeirização da terra é
muito intensa, o que levou o governo brasileiro a elaborar um Plano de
Desenvolvimento Agropecuário para a região, evidenciando novamente o papel do
Estado brasileiro como mitigador do referido processo”.
Um estudo mais aprofundado sobre as
políticas públicas aplicadas à Agroecologia nos demais países da América Latina,
seria necessário para compreender melhor a dinâmica desse jogo de poderes com a
Macroeconomia que é o que impede a maior inserção da Agroecologia como forma de
produção alimentar nesses países. Poderemos, quem sabe, visar uma real
soberania alimentar, a partir do momento em que voltarmos nossa produção para a
diversidade de alimentos fortalecendo os “pequenos agricultores” (para não
repetir Agricultores Familiares, mas não soa muito bem esse termo) e dando-lhes
condições de produzir, bem como foi feito no passado – que se estende aos dias
atuais – com os grandes proprietários monocultores. Na verdade, o subsídio
estatal foi fundamental para o sucesso dos latifundiários em detrimento da
produção familiar (o que, inevitavelmente, enfraquece o mercado interno e
fortalece o centro do mercado mundial, para quem a produção dos latifundiários
do agronegócio é destinada).
A fala do professor Sérgio Schneider,
coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS, no
18º Seminário do SENGE sobre Agricultura e Desenvolvimento com a perspectiva da
Segurança Alimentar, que ocorreu no final de 2017, expõe a contradição do
modelo agroalimentar atual que precisa ser superado:“existe um movimento mundial que modifica o cenário agrícola,
desconectando-se da sua relação primordial com a nutrição e segurança alimentar
da população. É necessário mudar a forma de produção. Se no século passado o
objetivo era garantir a oferta de alimentos, hoje em dia é enfrentar os
desafios da crescente urbanização da população, especialmente em países mais
pobres, como a Nigéria e a Índia. Estamos atravessando uma transição no setor,
onde o problema não está na escassez, e sim na baixa qualidade dos alimentos,
aumentando as taxas globais de sobrepeso e obesidade. No Brasil, em 2010, 57%
dos adultos já apresentavam sobrepeso, impactando a saúde pública. Dos grandes
problemas de morte no mundo, as três grandes razões são doenças crônicas não
transmissíveis devido à alimentação inadequada, como diabetes, pressão arterial
e obesidade. O sistema alimentar se relaciona com a saúde pública. Atualmente o
sucesso está baseado em métricas de colheita e produtividade, e não de saúde da
população”.
Para garantir a segurança alimentar,
compatibilizando o crescimento da população com a conservação dos recursos
naturais e a produção de alimentos, deve-se focar na sua diversidade, bem como
na mudança do modo de produção: sem monocultura, imitando a natureza,
equilibrando o ambiente de produção para que não seja necessário o uso de
agrotóxicos. Temos muito recurso e tecnologia que, se forem empregados para
esse viés, poderemos erradicar a fome no mundo e, além disso, diminuir inúmeras
enfermidades causadas por essa forma de pensar agricultura e alimentação que
vemos ser dominante até o momento.
Referências:
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BUAINAIN, Antônio Márcio; ALVES, Eliseu; SILVEIRA, José Maria da;
NAVARRO, Zander. O mundo rural no Brasil do século 21: A formação de um novo
padrão agrário e agrícola. Brasília: EMBRAPA, 2014.
CRUZ, Fabiana Thomé; MATTE, Alessandra; SCHNEIDER, Sérgio. Produção,
Consumo e Abastecimento de Alimentos: Desafios e Novas Estratégias. Porto
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PEREIRA, Lorena Izá; PAULI, Lucas. O processo de estrangeirização
da terra e expansão do agronegócio na região do MATOPIBA. in
CAMPO-TERRITÓRIO: revista de geografia agrária. São Paulo, 2016.
PITTA, Fábio T.; MENDONÇA, Maria Luisa. A Empresa Radar S/A e a
Especulação com Terras no Brasil. Outras expressões: São Paulo, 2015.
Muito bom!!
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