A
atual direção do Alcides Cunha se elegeu entre o final de 2015 e março de 2016,
num processo conturbado, que polarizou a escola, envolveu o secretário de
educação e deixou marcas positivas e negativas. Aquela vitória foi fruto de um
esforço coletivo de inúmeros colegas e alunos que tinham visões e posições
políticas distintas, mas que souberam trabalhar juntos. Esta união certamente teve
um peso decisivo para a construção de “um Alcides melhor”. Abriu-se, então, um
período de democracia dentro da nossa escola bastante diferente da esmagadora
maioria das escolas públicas estaduais, onde impera o autoritarismo ditatorial
de diretores, geralmente, em sintonia com a SEDUC.
Porém, apesar destes inegáveis
aspectos progressivos, houveram outros tantos problemas de ordem política e
pedagógica que agora precisam ser enfrentados se queremos avançar.
1) Balanço 2015-2018:
Analisando o Plano de Ação que foi
apresentado pela chapa “Por um Alcides melhor” podemos ver todos os pontos
positivos que foram alcançados, representando uma mudança profunda na escola,
embora tenham outros tantos que não saíram do papel. O mais importante foi a
derrota da camarilha de professores e “pais” que monopolizavam o CPM e a
direção da escola, utilizando esta estrutura para fins pessoais. A corrupção de
uma “dinastia” foi derrotada por um esforço decidido e coletivo de educadores e
alunos, que começou no Conselho Escolar entre 2013 e 2015, ao qual se somaram
novos colegas que compreenderam a gravidade da situação. Nem todos ficaram até
a vitória final. Uns pediram pra sair, outros compreenderam equivocadamente o
papel da nova direção (ao qual pensaram que seria um novo “grupo de amigos”).
Virada esta página, se iniciou o trabalho de reconstrução.
Sabemos pela experiência cotidiana
que as políticas de governo criam as piores dificuldades para os educadores
executarem seu trabalho, a começar pela questão salarial. A “gestão” da SEDUC e
das CREs cria o caos, com informações atravessadas e confusas. Na verdade
praticam cotidianamente um desserviço, gerando mais problemas do que soluções.
Tudo isso é um empecilho para um bom desempenho, embora isso não deva nos
paralisar. Aos problemas de governo há que se responder no campo da luta
sindical e na unidade com toda a categoria e as demais escolas. Se é certo que
a nossa escola foi vanguarda nesta luta, também é certo que existem problemas
de concepções sindicais que mereceriam análise e debate, mas isto transcende os
objetivos desta carta (deve ficar para um debate futuro). Houve, no geral,
liberdade sindical na nossa escola que não foi bem aproveitado por nós,
educadores, sobretudo no que diz respeito ao debate e à organização.
Há que se reconhecer que, apesar das
políticas de governo, muitos problemas encontram-se no chão da escola, partindo
dos próprios educadores e da sua relação com a comunidade escolar (desde as
concepções pedagógicas e administrativas, até as concepções sindicais). Constatar
isso nada tem a ver com o debate midiático de culpabilização dos educadores.
O turbilhão de problemas que consomem a direção de uma escola se impôs e não se
debateu seriamente uma política para superar isso. A “correria” do cotidiano
foi uma desculpa, por parte da direção, para se evitar que um regime
disciplinar mais sério e eficiente se estabelecesse na escola a partir dos
organismos que tinha se proposto a construir no “Plano de Ação”. Se não se
alinha o corpo docente através de uma disciplina livremente debatida e
contratada, quem dá o ritmo do andamento da escola é o corpo discente através
da “ditadura da preguiça”. A indisciplina e os problemas pedagógicos entram num
círculo vicioso que é difícil conter. O trabalho educativo torna-se, então,
mais pesado e dispendioso; e acumula-se, caindo sobre os ombros de poucos ou de
ninguém.
O Plano de Ação foi parcialmente cumprido.
Não se criou uma tradição em que o Conselho Escolar passasse a gerir a escola
em todas as suas questões essenciais conjuntamente com a direção. Houve meses
em que ele não foi convocado; em outros, debateu apenas pautas aleatórias, não
indo além de questões secundárias. Muitos problemas com alunos que deveriam ser
resolvidos pela supervisão e orientação eram simplesmente jogados ao Conselho
Escolar, que deveria debater apenas os casos extremos. Não se criou a tempo uma
tradição de debate acerca do investimento financeiro, de ampliação da prestação
de contas, bem como questões político-pedagógicas. O próprio PPP ainda é apenas
uma esperança. Em inúmeros casos o método foi aquele em que se ignorava as decisões
das reuniões (seja do Conselho Escolar, seja de professores), sendo que isso
contrariava abertamente o que tinha sido exposto no Plano de Ação. Este método
de funcionamento e a relação do Conselho Escolar e a direção precisa mudar se
queremos avançar na democratização da escola; caso contrário, retrocederemos.
A autoridade democrática, ora
respeitada, ora não respeitada nos seus encaminhamentos, só não pôde se impor
porque não encontrou respaldo geral no grupo de educadores (e estes não puderam
e não quiseram construir essa autoridade conjuntamente aos alunos). Ou seja,
preferiu-se o esconderijo atrás de individualidades, para que esta autoridade
coletiva não pudesse funcionar plenamente. Sem esta autoridade da coletividade,
que ainda precisa ser criada e consolidada, não será possível organizar um
trabalho democrático a partir do Conselho Escolar, reunião de professores,
sindical, etc. A tendência é “a correria do cotidiano” se impor e nos tragar
totalmente. É preciso combater conscientemente esta tendência, que é sempre
usada como desculpa. Mantêm-se apenas as reclamações sem ações concretas.
No campo político pedagógico é
importante superar certos problemas da relação aluno-professor a partir de um
melhoramento nas questões relacionadas à supervisão e orientação educacional.
Na gestão atual (2015-2018) a supervisão não trabalhou em sintonia com as
reuniões dos professores. Grande parte disso se deveu a ausência de supervisão
por quase 2 anos, mas houveram problemas de concepção tanto no campo da
supervisão quanto da orientação. Até o presente momento tudo isso não foi
debatido, portanto o resultado não poderia ser outro. Porém, agora que tomamos
consciência desses problemas, se faz necessário que a futura direção mude a
postura em relação a isso se quiser avanços.
Por estes motivos, muitas das nossas
reuniões pedagógicas e conselhos de classes foram improdutivos. Uma razão para
isso é que os encaminhamentos que deveriam ser cobrados e acompanhados pela
supervisão e orientação não aconteceram (muitos encaminhamentos eram
conscientemente ignorados porque não havia responsáveis para isso ou, quando
existia, não cobravam, “se esquecendo”). Cada setor acabou funcionamento de
forma autônoma em relação ao outro, gerando uma verdadeira Torre de Babel. Supervisor
educacional não é patrão. Não deve supervisionar trabalho como se fosse uma
empresa privada, de onde as ordens partem sempre de algumas “cabeças
iluminadas”. É, sobretudo, um trabalho de duas mãos. Observa os alunos e os
problemas dos professores, organiza o debate coletivo e aplica as diretrizes
que forem construídas democraticamente, em reuniões gerais e assembleias. Só aí
pode ter autoridade para cobrar algo. A iniciativa da supervisão e orientação é
sempre importante e bem vinda, desde que embasadas por debates democráticos.
A orientação educacional de nossa
escola deve construir, juntamente com os professores, uma nova relação com os
alunos, verdadeiramente freiriana,
visando a autonomia do indivíduo e não simplesmente impondo autoridade de cima
pra baixo (ou os tratando agressivamente). Há que se debater e trabalhar também
coletivamente, a partir de reuniões democráticas, que tenham seus
encaminhamentos respeitados. A atual política-pedagógica executada, cuja
diretriz principal é “aluno não sabe mais do que professor”, deve ser
substituída por uma nova, em que cada caso é analisado nas suas especificidades
e se crie uma possibilidade de crescimento coletivo para alunos e professores.
Como a filosofia pedagógica da maioria do nosso corpo docente é avessa a isso,
precisamos trabalhar no sentido de criar raiz na pedagogia freiriana, debatendo em formações pedagógicas e, mais do que isso,
trabalhando permanentemente a nossa própria atividade prática a partir de uma
profunda autocrítica. Só com esta conduta poderemos ter moral para cobrar
alunos e pais.
Todas estas críticas não excluem o
fato de que muitos bons trabalhos foram feitos isoladamente por professores, mas
isso não tira a responsabilidade de que precisamos melhorar a unicidade da
escola e a nossa prática pedagógica. Sem esta mudança prática, não haverá
avanço na democracia escolar, nem em relação às direções passadas. Ao invés de
um “Alcides melhor”, teremos um “Alcides retrocendendo”. Basta lembrar que, com
exceção das questões relacionadas à democracia e parte da prestação de contas,
este funcionamento político-pedagógico era prática comum antes de 2015, que em
quase nada foi modificado. Esta mudança não é fundamental apenas para a
democratização da escola e da relação com os alunos e a comunidade escolar, mas
para que haja um melhor andamento da escola e, portanto, o trabalho educativo
seja menos pesado e tormentoso. Um trabalho bem feito e articulado, feito
antecipadamente e se baseando numa democracia reconhecida, tende a aliviar o
fardo coletivo. O oposto gera apenas o caos, o peso morto das intriguinhas e redobra
o fardo.
Outra questão que melhorou, mas que
precisa melhorar ainda mais, diz respeito à prestação de contas, que ocorreu de
forma parcial e a gestão financeira terminou restrita à direção. Apesar disso,
vimos o dinheiro sonegado pela antiga direção aparecer e uma nova escola
ressurgir com as “poucas verbas” que entram, desde a troca de vidros, pintura,
portas, materiais e classes; até móveis e serviços de xerox. Tudo isso, é, sem
dúvida, um ponto positivo. Porém, não se criou uma cultura de decisões
coletivas e de prestações de contas permanentes, também como uma questão
pedagógica e educativa para toda a comunidade – sobretudo em relação à verba da
merenda. É claro que o problema não foi apenas do funcionamento da direção, mas
esteve presente também na tendência ao “individualismo” do corpo docente para
escapar às suas responsabilidades sociais. Isso se refletiu, inevitavelmente,
nos alunos e pais, que não participaram como deveriam de todo este processo.
Quem tem a responsabilidade de puxar estes fios condutores, como a experiência
atesta, são, sem dúvida, os educadores e a direção da escola. Ficam estas
lições para contribuir na superação destes problemas.
2) Perspectivas
Como resumo de todo este balanço, há
que se apontar algumas perspectivas para que o Alcides continue melhorando e
não retroceda. São elas:
a) Respeitar e incentivar as decisões
coletivas, com responsáveis que tenham autoridade para executá-las. Não dificultar
tais execuções, mas debatê-las e construí-las com espírito coletivo. O Conselho
Escolar é uma instância que precisa se abrir à toda a comunidade, portanto,
deve ser respeitada e encarada enquanto tal (não ser apenas solucionadora de
casos de alunos, mas que debata, com método, sobre todos os principais assuntos).
Se isso for compreendido, a democracia será mantida na escola e ajudará a aliviar
o fardo de alguns e da própria direção, socializando as decisões, mas também os
problemas. Nesse sentido, é fundamental que o que for registrado nas atas seja
cumprido (e não apenas letra morta, como acontece hoje e é reconhecido até
mesmo pelos alunos). De que adiantam milhares de atas se elas terminam como
letra morta? Disso tudo só pode resultar o caos e aquela sensação de que as
reuniões não adiantam nada! Muitos conflitos profissionais e de outra ordem,
desde que previamente avaliados, podem e devem ser levados ao Conselho Escolar
para que se torne uma tradição democrática debatê-los e solucioná-los
coletivamente. Porém, continuaremos perecendo se mantivermos a posição de falar
uma coisa e fazer outra (sem respeitar o que é encaminhado). Muitos encaminhamentos
de reuniões do conselho, de professores e de debates com o grêmio estudantil também
não foram respeitados. A espinha dorsal dos nossos problemas de organização é a
falta de compromisso com os encaminhamentos de debates COLETIVOS entre nós próprios
e a direção da escola. Se isso não mudar, não teremos melhores condições entre
nós, nem maior organização e, muito menos, uma democracia, pois se nos
encontramos pra debater, mas os encaminhamentos não são levados a sério, então ela
não é verdadeira, mas um clube estéril de discussão. Para isso, vencer o
instinto de conservação pessoal e se propor a falar o que realmente pensa é
indispensável. Sem isso não há democracia verdadeira. O espaço democrático que
foi criado nestes 3 anos, ainda que tenha muitas debilidades e problemas,
permite que isso ocorra.
b) É muito importante que a reunião da
direção-supervisão esteja em consonância com o Conselho Escolar. A gestão que
se encerra agora reuniu a direção apenas uma ou duas vezes. As diretrizes
gerais devem ser dadas pelo debate com o conselho escolar e a reunião dos
educadores gerais da escola. A reunião da direção deve ser a executora dessas
medidas gerais, fazendo correções e alterações quando a realidade exigir e não
houver alternativas. As reuniões de balanço devem acontecer seguidamente para
que as lições possam ser tiradas. O grupo de professores também não foi
consultado em muitos casos, embora não tenha assumido suas responsabilidades no
sentido de garantir a democracia na escola e a divisão de tarefas. Se por um
lado certamente houveram problemas em razão da falta de funcionários e de
professores, por outro, muitas tarefas debatidas e encaminhadas não foram
respeitadas por direção e corpo docente.
c) É preciso ainda organizar melhor os
materiais, como chaves, utilização das salas (como o data show), equipamentos,
etc.; muitas vezes há um bate cabeça em relação aos materiais ou chaves, que
são pegos por um, entregues a outros e, muitas vezes, todos esses materiais e
chaves são extraviados. Uma possível solução é estabelecer responsáveis por chaves,
salas e materiais.
d) O calendário escolar precisa ser debatido
democraticamente e toda a preparação prévia nos levar a falar uma única língua:
semana de provas, entrega de boletins e atividades que envolvem muitas pessoas
geralmente terminam sempre em muita confusão, fruto de toda esta
desorganização. O método de indicar organizadores e respeitar suas orientações
ajudaria muito.
e) Melhorar a relação humana entre nós,
educadores, e com a comunidade. Maior preocupação e sensibilidade entre nós,
entre corpo docente e discente, entre educadores e supervisão, entre alunos e
orientação. É preciso trabalhar o reconhecimento às diferenças e procurar a
solidariedade de classe, sempre! Segundo Nietzsche: “Nós somos, até a medula e
desde o começo habituados a mentir”. Como falar de verdade o que sentimentos e
pensamos, onde tudo é interpretação? Este é um dos desafios para a nossa
relação profissional nos próximos 3 anos se queremos realmente “um Alcides
melhor”.
f) Debater e aprovar um novo Plano Político
Pedagógico (PPP) que esteja ancorado na comunidade e não na burocracia política
e educacional. Debater e tentar inovações pedagógicas, como aulas diferentes,
com horários flexíveis (algo como as oficinas que se tentaram durante as
ocupações de escola), retomada de projetos comuns para além das divisões
rígidas entre as áreas de conhecimento (que apenas criaram novas divisões e não
chegaram nem perto de solucionar o problema da interdisciplinaridade).
g) Manter e aprofundar a liberdade sindical,
respeitando suas deliberações e levando ao maior envolvimento dos educadores.
Procurar criar as condições para que a decisão da maioria seja respeitada por
todos (esta é a única e real democracia sindical). Criar as condições para que
todos opinem e demonstrem seus descontentamentos, sempre de forma respeitosa.
h) Se a questão anterior a ser resolvida na
eleição de 2015 era a democracia mínima e a prestação de contas, a de 2018 é o
aprimoramento da nossa democracia, o respeito e o cumprimento das decisões e o
melhoramento da relação aluno-professor-comunidade; isto é, o aperfeiçoamento
da questão pedagógica.
***
Muitos outros temas poderiam ser
debatidos e acrescentados nessa carta. No entanto, penso que se estes pontos
simples e, ao mesmo tempo, complexos, forem respeitados, teremos condições de
avançar mais e evitar retrocessos, pois o que não avança certamente retrocede.
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