sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Sobre a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”

Os textos abaixo foram escritos em 2019. O primeiro foi publicado originalmente como um capítulo do extenso balanço do X Congresso do CPERS* apresentado pela corrente sindical Construção pela Base; o segundo é um trecho de uma polêmica com uma organização revolucionária de São Paulo que já chamava o Fora Bolsonaro desde aquele momento; ele tenta resgatar elementos do que seria a essência do leninismo**. Ainda que o debate do primeiro texto aborde temas específicos das polêmicas internas do CPERS e cite as mesmas palavras de ordem levantadas para governadores gaúchos, vale para a reflexão de toda a esquerda, já que a lógica é a mesma. O central do debate que segue é demonstrar que não existem milagres nem mágicas na luta de classes. Nada substitui o trabalho de base, a formação teórica, a agitação e a propaganda conectadas com a realidade concreta e as principais lições da teoria revolucionária. De resto, apenas transformamos o espontaneísmo em teoria e damos provas de um desespero manifesto. 

Se existe tamanha "unidade da esquerda" nesta palavra ordem como demonstra a foto acima, o que acontece de errado?


1.

Há tempos o CPERS agita as palavras de ordem de “Fora este ou aquele”. Já exigiu “Fora Yeda” e “Fora Sartori”. Esta última foi uma palavra de ordem agitada febrilmente desde o Congresso de 2016 em atos e manifestações de rua. Tal como Yeda, Sartori terminou o seu mandato sem maiores sobressaltos. Nenhuma conclusão ou balanço foi feito de tais agitações. Por este tema ser recorrente dentro do CPERS, nos parece que para a imensa maioria das correntes é correto fazer qualquer tipo de agitação que aparente radicalidade, mesmo que não haja correlação de forças para tanto.

Puxado pela Intersindical (tese 10), o debate sobre o “Fora Bolsonaro” foi motivo de polêmica, mas acabou derrotado. Esta discussão, no entanto, abre a possibilidade de uma reflexão para os futuros “Fora este ou aquele” que certamente deverão ser levantados. O governo Bolsonaro é uma catástrofe para os trabalhadores; e isso é uma visão unânime das teses apresentadas ao X Congresso. É o resultado das táticas equivocadas da “esquerda” e da manipulação midiática; além, é claro, da fraudulenta operação Lava-Jato e da politicagem burguesa. Em 9 meses de governo está destruindo tudo o que pode, inclusive fazendo a Amazônia arder. Sem sombra de dúvidas precisa ser derrotado e afastado do poder o quanto antes. Porém, a correlação de forças ainda lhe é favorável e nenhuma palavra de ordem radical poderá operar um milagre. Ao contrário, facilitará a sua manutenção no poder.

As palavras de ordem e a ação da “esquerda” brasileira quando não são abertamente oportunistas e degeneradas, são infantilmente inventadas. Do ponto de vista da propaganda do socialismo estaria correto debatermos com os trabalhadores a necessidade de tirarmos Bolsonaro pelas nossas mãos através da luta e de uma revolução. E deste ponto de vista somos favoráveis a explicar porque precisamos por Bolsonaro pra fora. Mas não é assim que a “esquerda” compreende esta palavra de ordem, pois a trata como uma tarefa de agitação para ser concretizada agora.

Antes de agitar “Fora Bolsonaro” devemos perguntar: quem tem forças hoje para colocar Bolsonaro pra fora? A CUT, que sabota qualquer luta independente? O CPERS, que é dirigido pela CUT-CNTE? O PT, que foi deposto vergonhosamente pelos aliados de ontem e aposta todas as fichas na institucionalidade burguesa e nas eleições? Ou seriam as pequenas centrais e os pequenos grupos de militantes? Sem responder a estas perguntas, o “Fora Bolsonaro” torna-se uma aventura; e uma forma de extravasar a raiva e o desespero, sem que nada de concreto aconteça (tal como foi o “Fora Sartori”; e dentro em breve será o “Fora Leite”). A questão aqui é que os trabalhadores não estão suficientemente conscientes e nem suficientemente organizados para concretizar uma ação tão decisiva quanto essa. Além disso, seus sindicatos estão dominados por burocracias sindicais que são incapazes de levar qualquer luta com coerência. Isso deveria ser admitido antes de pensarmos em uma palavra de ordem tão séria para agitação de rua, que só pode ser agitada nas vésperas de um movimento de massas em que os trabalhadores estejam suficientemente organizados para tomar o poder e, que ainda por cima, tenham a perspectiva do socialismo.

O “Fora Bolsonaro” como forma de agitação significa hoje, concretamente, trabalhar para que o vice assuma (tal como aconteceu com Dilma) ou desgastar o governo eleitoralmente para que algum outro partido assuma o governo (mesmo o PT não teria condições de assumir hoje, dado o seu desgaste pela direita). Sabemos que em todos estes casos nada mudaria (o PT aliviaria a corda no pescoço por alguns anos, mas prepararia os futuros golpes da direita). Hoje o “Fora Bolsonaro” significa “Viva Mourão!”. Ou os camaradas acham que por um evolucionismo vulgar a palavra de ordem “Fora Bolsonaro”, como que por um passe de mágica, irá crescendo numa maré montante conforme os nossos desejos e fará o governo cair? Se isso é certo, porque não aconteceu nada com o “Fora Sartori” e o “Fora Yeda”? Quais condições existem hoje para um governo alternativo dos trabalhadores? Não seria isso tudo uma demonstração de impaciência (ou até mesmo de desespero)?

Uma lógica mais correta nos diria que, como ainda não temos condições de “botá-los todos para fora”, devemos nos centrar nas palavras de ordem de acumulação de forças, de desgaste do governo do ponto de vista revolucionário e não eleitoral; na luta contra a burocracia sindical para destravar os sindicatos e os movimentos sociais. Não existem atalhos milagrosos e não podemos cair em tentação de colocar a carroça na frente dos bois, pois isso só prolonga a agonia e os próprios males.


2.

A força do leninismo, mais do que o centralismo democrático em si, está na sua conexão com a realidade. Podemos dizer, seguramente, que o leninismo tem força e realizou uma revolução sobretudo porque estava escrupulosamente conectado com a realidade. Sua política revolucionária era a expressão desse realismo e combatia sem tréguas e sem piedade qualquer política deslocada da realidade ou dúbia. Isto é, ao meu ver, o que mais precisamos resgatar do leninismo. É por isso que a palavra de ordem de “Fora Bolsonaro” ou “Fora qualquer um” levantada neste período histórico de crise de direção que vivemos não tem nenhum vestígio de ligação com o leninismo.

Análise do "Fora Bolsonaro"  a partir de citações de Lenin extraídas do livro de Trotsky "Stalin - uma análise do homem e de sua influência":

As palavras de ordem e a ação da esquerda brasileira quando não são abertamente oportunistas e degeneradas, são “infantilmente inventadas” (Esquerdismo, doença infantil do comunismo). Do ponto de vista da propaganda do socialismo estaria correto debatermos com os trabalhadores a necessidade de tirarmos Bolsonaro pelas nossas mãos através da luta e de uma revolução. Mas não é assim que a “esquerda” compreende esta palavra de ordem, pois a trata como uma tarefa de agitação para ser concretizada agora. 

Devemos comparar o “Fora Bolsonaro” de hoje com o método empregado por Lenin durante a Revolução de 1917, mais especificamente enquanto ocorriam as jornadas de julho, quando os operários estavam armados e exigiam a saída dos “ministros capitalistas” e a própria derrubada armada do governo provisório. Nesta ocasião, Lenin disse o seguinte: "O verdadeiro governo é o Soviete de Deputados Operários... Nosso partido é uma minoria no Soviete... Isso não pode ser contornado! Cabe a nós explicar - pacientemente, persistentemente e sistematicamente - a erroneidade de suas táticas. Enquanto formos uma minoria, nossa tarefa é fazer a crítica com o objetivo de abrir os olhos das massas (...) A questão é que o proletariado não está suficientemente consciente e nem suficientemente organizado. Isso deveria ser admitido. A força material está nas mãos do proletariado, mas a burguesia está alerta e pronta".

Companheiros, Lenin disso isso em junho de 1917, quando os bolcheviques somavam em suas fileiras cerca de 200 mil membros [e estavam em meio a uma convulsão social com operários armados]! A esquerda hoje chama o “Fora Bolsonaro” em condições completamente opostas, ignorando todos os conselhos de Lenin. Portanto, servem, na prática, como bucha de canhão do oportunismo petista, abrindo caminho para o eleitoralismo burguês. Muito provavelmente se os companheiros estivessem em julho de 1917, mantendo sua posição do Fora este ou aquele para agitação sem condições, colocariam a Revolução Russa a perder.

Como se pode ver, o centralismo democrático não é um remédio milagroso, depende da escrupulosidade do realismo político. Se usado como um fim em si mesmo pode servir apenas para “centralizar” o oportunismo, o sectarismo ou, até mesmo, o espontaneísmo. Além disso, não basta dizer que temos que ir até a massa, até os operários, até às periferias. É necessário saber o que fazer lá. Temos que reformular todo o nosso trabalho de base. Ir para a porta de fábrica ou para as periferias gritar “Fora Bolsonaro” sem condições não é apenas equivocado, mas um desserviço pra revolução. É necessário reformular a propaganda, a agitação, a aproximação com todos esses setores. É fundamental desenvolver um método de "politizar" os problemas cotidianos da vida pessoal e individual de cada trabalhador (incluso e fundamentalmente as suas contradições sexuais e morais), além de aprender a explicar pacientemente, persistentemente e sistematicamente. Há todo um campo de desgaste ao governo Bolsonaro que precisa ser trabalhado para avançarmos em direção à revolução no Brasil. Um pequeno exemplo: devemos demonstrar que Bolsonaro nem sequer liberal é; há todo um campo que envolve a propaganda do socialismo que precisa ser resgatado e reconstruído.

A restauração do capitalismo representou uma vitória ideológica conjuntural da burguesia, o que possibilitou que os trabalhadores seguissem anestesiados contra a ideia de “socialismo”, tornando-os reféns da barbárie criada pelo capitalismo. A crise da sociedade capitalista é vista e sentida como um beco sem saída, que tende a reforçar os sentimentos niilistas no campo ideológico e pessoal. Quando eles olham para o socialismo não se sensibilizam com as agitações das organizações e partidos de esquerda, que tendem a lhes soar como utópicas ou como a possibilidade de uma repetição mecânica do que foram os regimes stalinistas. A esquerda precisa se reinventar permanentemente, saber desenvolver crítica e autocrítica pessoal e coletiva; cultivar a sinceridade e a honestidade nos debates internos; lutar contra os seus próprios dogmas e contra a tendência inata de transformar o “socialismo” numa nova forma de messianismo e de religião. 


REFERÊNCIAS:

* Balanço do X Congresso do CPERS (da Construção pela Base).

** A essência do leninismo

Nenhum comentário:

Postar um comentário