quarta-feira, 28 de outubro de 2020

O conservadorismo das massas

O imobilismo, o absorver forças e esperanças, o conhecimento silencioso de sua própria profundidade, absolutamente não são artifícios. Isso é estrutural. Isso é automático. Isso é consequência de uma natureza animal e, ao mesmo tempo, imobilizada pela couraça. O povo age, o povo não filosofa sobre como age. Faz um mínimo necessário a sua sobrevivência. O povo é, por toda parte e sempre, a origem de todo o conservantismo. O líder conservador pode confiar em seus homens mais do que o líder que visa edificar um futuro melhor. O czar, o imperador, estão mais perto dos verdadeiros pensamentos do povo do que o profeta; mais perto do seu imobilismo. Os profetas só refletem os sonhos e esperanças silenciosos do povo. Está claro por que é o profeta e não o imperador que é morto.

Trecho do livro "O assassinato de Cristo", de Willhelm Reich


Comentários:

É fundamental a esquerda conhecer a obra de Reich porque ela acaba com o romantismo relacionado à massa humana, que é tratada de forma sagrada e incriticável (nos casos mais graves); ou como uma criança mimada que não pode ser contrariada (em casos menos grave, mas não menos problemáticos — tudo isso, obviamente, por medo de perder influência eleitoral e política). Se por um lado é certo que a direita, as elites e mesmo as burocracias sindicais e políticas tentam culpar a massa humana pela sua passividade, jogando toda a culpa dos problemas do país e do mundo sobre ela (basta lembrar o samba do Leandro Sapucahy: "eles colocam a culpa de tudo na população"); por outro, temos que reconhecer que há sim problemas na sua conduta prática, facilitando, por exemplo, a atuação dos ditadores, dos opressores e dos exploradores em geral.

Como foi dito antes, não se trata, então, de jogar toda a culpa, mas saber reconhecer os limites onde há problemas na sua atuação cotidiana, e onde a opressão vinda de cima não lhes deixou alternativa. A realidade, sabemos, não é tão esquemática assim. Na prática, as "culpas" se misturam e não é possível reconhecer claramente tais limites. Mas a questão central da crítica reichiana reproduz em grande parte a visão cristã-platônica, de reconhecer todo o bem de um lado e todo o mal noutro. Ou seja, quer se ver livre de responsabilidades sociais. O principal ponto que devemos nos atentar e nos especializar é em reconhecer o problema tal como ele é, inclusive quando ele provém da própria classe trabalhadora no sentido de se auto sabotar (sabemos que o ser humano é contraditório e que, muitas vezes, vê prazer na dor e vice-versa, tal como já nos demonstrou a dialética hegeliana e a psicanálise freudiana).

Em todos os casos, merece uma crítica relativista a afirmação enfática de Reich no trecho acima. Qual seja: a de que "o povo é, por toda parte e sempre, a origem de todo o conservantismo", justamente porque tal afirmação atenta contra o próprio método do Reich. Sabemos que uma parte do ser individual, que constitui a totalidade do povo, aceita e deseja a dominação do ditador, do rei, do fuhrer ou do opressor, mas isso não pode nos fazer esquecer de toda a "escola de dominação" de que dispõe a classe dominante, criando mil formas e tentáculos para tornar o povo dócil, conservador e a aceitar sua própria condição.

A realidade deve estar num justo equilíbrio entre a afirmação de Reich e a ponderação feita na frase anterior.

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