sábado, 24 de outubro de 2020

A importância das divergências na formação de seres humanos: livre associação entre divergências políticas, crescimento pessoal, amor e incompletude

 *Por Rafaela Lima


Dentre tantas divergências dentro da esquerda pela interpretação acerca dos saberes teórico-práticos que circundam temas sociais, culturais, morais, este texto nos convida a pensar a intersecção dos saberes com as mais diferentes áreas do conhecimento humano, suas pontes e a importância das divergências. Pensar que crescimento individual/intelectual, política e vida, sim, estão juntas e não separadas, na medida em que lutamos por um lugar em que possamos nos desenvolver física, psicológica, mental, sexual, espiritual (mente), etc.; e que dentro dessa luta já podemos praticar o cuidado nas relações com x outrx, aguçar o ouvir, e tentar desenvolver relações mais saudáveis pautadas na clareza, no aprendizado coletivo e na contínua autoavaliação/autocrítica (individual-coletiva); assim, aproximando e não afastando as pessoas que tanto precisamos para dialogar, aprender, ensinar, construir. Ou seja, desconstruir e construir num mesmo processo: desconstruindo enquanto construímos e construindo enquanto desconstruímos, começando, nesse texto, pelo micro – o individual – e expandindo para as possíveis mudanças nas relações humanas (onde há, também, a reprodução da desigualdade de gênero, por exemplo, como será abordado mais à frente).

Fazendo o fluir dialético em questões para além do que geralmente chamamos, por convenção ou senso comum, de política, que se prende as mesmas formas arcaicas de pensar, de discursar, de debater, de fazer a luta. É um convite bem especial pra pensarmos o ”fazer no fazer”, não fazendo a separação comum entre crescimento individual e coletivo, mas o compreendendo dialeticamente. Levantando assim questionamentos importantes pra mudança, não se limitando apenas na esquerda, mesmo que esse seja seu foco, mas expandindo e contraindo para nossos círculos socias, de amigxs, de família, de vida.

Se trata de poder divergir e ser ouvido, de poder apresentar o contraponto sem ser rotulado dos mais “cabrunhosos” termos, insultos, até coisas mais graves como o cerceamento da liberdade de expressão, a expulsão de grupos, o fim da possibilidade de fala em público, etc. Nenhum conhecimento é menos importante que o outro, cada ser monta seu repertório – é uma ferramenta, quem lê é quem tira dali as contribuições pro próprio pensar/desenvolvimento intelectual e coletivo, tanto concordando como discordando; ambas reflexões são válidas e necessárias. A prática assombrosa que aterroriza quem ama aprender é a de ver tocarem fora contribuições válidas, que nos fazem pensar e refletir por simplesmente não enxergarem ligação direta daquele assunto com os temas fundamentais à questão do socialismo; ou por extremismo no pensamento/dicotomização: “se não está comigo é meu inimigo” – com pressuposto de que tudo que não é igual, não tem importância ou deve ser objeto de ódio; acha-se perda de tempo ou desimportante, quando na verdade esses diálogos em que se tem o contraponto, seja lá de qual ideologia for, servem para pensarmos em cima, trabalhando assim, também, na prática, o senso crítico a partir da polêmica. O conhecimento cativa a autonomia.

“Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que podemos solucioná-los”. (Isaac Asimov)

O militante socialista, hoje, no Brasil, é, também, um professor, tendo em vista, o baixo nível de conhecimento dentro da classe proletária; ou, pelo menos, poderia ser (é uma questão de necessidade). Não sê-lo em cargo social propriamente dito, mas em relação à partilha e à troca que há ou poderia haver de conhecimentos, nas relações horizontais. Ninguém sabe tudo e em algum aspecto cada um de nós é ignorante, pois somo incompletos, imperfeitos. Ora aluno, ora professores, ora, ora (!) os dois juntos. Um desafio dentro dessas relações de ensino-aprendizagem na troca entre militantes/seres é, sem dúvida, o ego. Do que adianta buscar saber e aprendê-lo se esse conhecimento não é propagado para elevar o nível coletivo de consciência? Morre em si... De que adianta, se, o detentor desse saber se negar a construção e formação em conjunto com as pessoas que ainda não tiveram contato com esse mesmo conhecimento? Enquanto isso os “eus” entram em conflito para se desenvolverem em meio ao que Zygmunt Bauman chamou de modernidade líquida – tempos em que a relativização tomou conta, e a ausência e excesso dentro do ser e o vazio, se expressam como depressão, ansiedade, transtornos psicológicos, etc., que influenciam na autoestima, confiança dos jovens cada vez mais, nas formas de ver a vida e certamente impacta na questão política; jovens esses que poderiam se somar à mudança. Sem o conhecimento, trabalhar uma questão básica que é a consciência de classe – que também é parte do conhecimento e estritamente necessária para uma futura e possível revolução – é contribuir com a prolongação da submissão. Como? Pela omissão, em prol do conhecimento como alimento do próprio ego, e não para a luta contra a dominação existente na sociedade. A necessidade de auto afirmação aparecendo dentro das relações humanas. É sobre o nós, o eu e o outro. Entende?

Pensar o socialismo é questão também de pensar as bases que edificam nossas relações. É pensar psicologia; é cuidar da forma dentro da forma. As discordâncias e divergências nas questões teórico-práticas do socialismo são motivos de rupturas nos campos político-pessoal criando rixas pessoais a partir de traumas negativos e das experiências subjetivas das partes. E é algo que dificulta e/ou impossibilita a mudança, enrijece a estrutura já estabelecida e nos perpetua na condição de reprodutores do sistema econômico, inclusive a nível individual (mas sempre bom lembrar que pode mudar). Este “precisar vestir uma armadura” para entrar no “campo político” nos desumaniza constantemente e impede relações mais saudáveis – as quais almejamos ter no socialismo –, mas também não nos iludamos: a revolução não é nenhuma santa milagreira ou deusa e há a necessidade de desconstruir e construir ao mesmo tempo nesse processo, ainda longe de ser revolucionário, em que nos encontramos.

Wilhelm Reich (1897-1957), cientista natural, contribui:

“O problema é o tipo de esforço de organização necessário para fazer com que os membros da população trabalhadora se voltem para eles mesmos, no sentido de libertá-los dos inúmeros acontecimentos negativos, repugnantes e desastrosos no mundo da política, dos negócios desonestos, da educação neurótica, da medicina covarde; como ajudá-los a aprender a se governarem sem cair nas garras de novos ditadores, novos políticos horríveis, novos excêntricos ou ideólogos. Esses são os problemas e há muitos mais. Então o problema não é o que poderia e deveria ser feito; comparando, isto seria fácil. O verdadeiro problema é como começar a agir. (Éter, deus e diabo; capítulo: O reino do diabo; Pág. 143).

> Pela base;

Tratar das questões que envolvem desigualdade de gênero dentro das relações humanas na “esquerda” (ou dentro do próprio processo do fazer revolucionário – tal como defendeu a militante e líder revolucionária Alexandra Kollontai [1872-1952] no livro “A nova mulher e a moral sexual”, escrito durante a revolução russa) é pertinente. Ela alerta, em paráfrase, para o fato do “deixar para depois”, hábito comum até hoje dentro da “esquerda revolucionária”, que deixa questões básicas como essa de fora do processo de lutas. Não pensemos que as culturas ou os seres humanos construídas(os) ao longo de séculos, a nível coletivo, sucumbirão automaticamente após uma revolução – é um processo de desconstrução que leva tempo, e que, também, pode ser praticado no agora e tido como experimentação. Quando uma coisa “depende” d’outra, se ficarmos parados esperando se fazer sozinho, não acontece. Se negligenciamos as pequenas responsabilidades nossas com nós mesmos e com os outros, acabamos por nos perder do fazer em conjunto em sincronia com o “eu”; matamos parte muito importante do processo, de qualquer um, que é o crescimento individual.  

Evidente que a revolução é de suma importância, mas as práticas não podem se equivaler, por exemplo, à de outras religiões ocidentais, no sentido de serem envoltas em dogmas, tabus, convicções que se degeneraram e viraram fanatismo; e que mais afastam as pessoas, os jovens que querem se somar à luta pela mudança, do que aproximam (tal como a poesia na sequência traz). E que se for, pra de alguma forma, em algum outro sentido, o socialismo se equivaler a alguma religião, que seja pela perspectiva do termo “religião” (advindo de religare). Que seja para uma maior conexão com o “si”, o cuidado que de certa forma nos ajuda a cultivarmos em cada um o lado sensível, o humano em cada ser.

________

3. PROCESSO PELO QUAL ALGO OU ALGUÉM SE TORNA DIFERENTE DO QUE ERA.

2. ALTERAÇÃO, MODIFICAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO

1. DEIXA

A PORTA ABERTA 

PRA ELA ENTRAR:

MUDANÇA:

SUBSTANTIVO FEMININO

SINGULAR

DEVERIA SER VERBO

ASSIM COMO: REVOLUCIONAR

COMPREENSÃO FUNDAMENTAL PRA:

MUDANÇA

MUDANÇA NECESSÁRIA 

PRA

MUDANÇA

O MUNDO DANÇA

A QUALQUER INSTANTE

CAI A FICHA

MUDANÇA ESTÁTICA

NEM NA FOTOGRAFIA

FÍSICA

MÁQUINA FOTOGRÁFICA:

EU

TU

NÓS

AUTOCRÍTICA

PRA ELA ENTRAR

DEIXA

A PORTA ABERTA___

<...>

 

Rafaela Lima (14/09/2020)

 

No texto de Alexandra Kollontai, no quarto capítulo chamado “Irmãs” de “O amor na sociedade comunista – Carta à juventude operária”, que compõem a segunda parte do livro já citado nos parágrafos acima, ela aborda um acontecimento prático que teria se dado durante a Revolução Russa que discorre, através da narração de uma história, sobre a importância do fazer dentro do fazer ou como ela mesmo sintetiza noutro momento:

“A experiência da história nos ensina que a elaboração da ideologia se realiza durante o próprio processo de luta deste grupo contra as forças sociais adversas”. (Alexandra Kollontai)

 Não menos importante:

“A psicologia da estrutura, baseada na economia sexual, acrescenta à visão econômica da sociedade uma nova interpretação do caráter e da biologia humana. A eliminação dos capitalistas individuais e a substituição do capitalismo privado pelo capitalismo de Estado na Rússia em nada veio alterar a estrutura do caráter típico, desamparada e subserviente das massas humanas.” (Wilhelm Reich: Psicologia de massas do fascismo- Prefácio à 3.a Edição em Língua Inglesa, Corrigida e Aumentada- pág. 21).

A complexidade abordada aqui nesse texto, indo do micro ao macro pode ser pensada da seguinte maneira, simplificando:

> O individuo, por si só, reproduz internamente/psicologicamente a estrutura do sistema econômico – podemos olhar, por exemplo, pras consequências psicológicas de esse indivíduo estar presente dentro de uma sociedade/sistema econômico que tem por base a competição. A tal da competição que até dado momento nos é natural e necessária, no entanto, enquanto instrumento, coaduna com a macro estrutura enrijecida, mexendo com as neuroses dos seres humanos – questões de insegurança pelo padrão estético social e casos mais sérios.

> Dentro da relação entre amigxs/casais: mulher-mulher; homem-homem; mulher-homem; além-gênero... sobre isso, uma breve poesia feminina:

 

Romance burocratizado...

Psicologia feminina

não está ao meu lado...

a mulher é negada.

Como se sentir em meio a tudo isso?

Essas demandas, esse ritmo...

A ”maturidade” também aprisiona a mulher

Essa que quer evoluir, mas que carrega em si o histórico de submissão

Um histórico de opressão, mil anos de escravidão

Freud: O futuro de uma ilusão

Séculos e séculos pertencendo ao pai, filhos e irmão

Machismo! Machismo!

Me agride o teu não perceber ser abusivo

Ou fazer questão.

Quadrados dentro de quadrados

Alguns deles se chamam sistema econômico

Estão fixos na cabeça do humano

N’algum ponto

Na minha volta e na minha cerca

Existe uma placa...

Nela está escrito em letras maiúsculas:

PROPRIEDADE PRIVADA

A base da palhaçada está em nós

A crueldade do algoz, está em mim.

Rafaela Lima (08/2020)

 

> Dentro de um grupo, um micro sistema, em que os membros reproduzem as instituições que estruturam o macro. Instituições, partidos políticos, empresas, escolas, barzinho da esquina, etc.

“Depois que as necessidades biológicas originais do homem foram transformadas pelas circunstâncias e pelas modificações sociais, e passaram a fazer parte da estrutura do caráter humano, esta última reproduz a estrutura social da sociedade, sob a forma de ideologias.” (Wilhelm Reich: Psicologia de massas do fascismo- Prefácio à 3.a Edição em Língua Inglesa, Corrigida e Aumentada- pág. 10).

***

A ARTE é tão importante em conjunto à política, ela que pode resgatar-nos quando os pingos de humanidade se forem, evaporados, concentrar e fazer chover novamente, mais pingos pra aliviar a alienação emocional presente na sociedade, que afeta os gêneros, e que coaduna com o machismo, com o patriarcado, com o estereótipo comportamental de homem, mulher. Com a opressão, em suma. Tendo em vista sua importância e inclusive que a arte também é reprodutora ideológica, por que a esquerda (partidos, grupos, organizações, indivíduos, etc.) quando se trata de experienciar, sentir ou debate-la, unir-se à, a deixa pra depois?! Salvo raras exceções.

Em termos musicais o Rap, gênero musical, abraçou a luta com críticas ao sistema econômico, embora não o faça propondo, por vezes, uma revolução propriamente dita, a formação e a informação que esse estilo leva às massas – o público que atingem é de muitíssima importância e as contradições entre imagem e letra – quanto mais gritantes, melhor para fazer os jovens pensarem nas contradições entre teoria e prática. Desenvolverem o senso crítico. Mas e por que a esquerda não abraça esse público também? Por que esperam que os jovens das mais diferentes idades já entrem no caminho da militância sendo militantes profissionais ou rebanho? Não compreendem o desenvolvimento, será? Não querem esse amadurecimento? Questões de amargura pessoais entram aí?

Enquanto uns querem rebanhos, inflar o ego, outros indivíduos querem mudança da forma de atuação, para seguir, seja lá qual possível forma de se fazer uma revolução, o que cada um achar/sentir. Infinitas possibilidades. São muitas divergências, mas no meio disso tudo o cuidado com as pessoas importa, em conjunto às convergências e o trabalho de base que estão diretamente conectados.

                E se não tiver um fim, uma verdade absoluta? E se for apenas um círculo em que damos várias voltas cada vez conhecendo e olhando outros pontos de vista, e interagindo em cada rodada com as pessoas, só o que nos sobraria seria o olhar com mais carinho e cuidado paras pessoas que estão ao nosso lado. Cada uma apreende de maneira diferente – muito acontece de se ser extremo num primeiro contato com o outro, que pensa diferente, seja por ignorância ou por vontade, dentro da esquerda e fora dela – mas pode ser que seja um caso de ignorância e só falte o conhecimento pra pessoa mudar, que essa tenha escolhido aprender, se interesse pelo assunto, e esse método arcaico de divergir afaste e destrua a curiosidade epistemológica1 que precisamos nutrir se quisermos pessoas mais conscientes nas futuras gerações. A revolução está longe, e pra aproximá-la, aproximar as pessoas é muito importante. Não se aproxima desistindo do outro, não compreendendo a mudança ou compreendendo como estática (não compreendendo, portanto). Existem formas diferentes e subjetivas de aprendizagem.

A política é vida, é arte, é psicologia, é biologia, é relações humanas, é mudança... são tantas coisas; a política é mais um caminho/universo e nos limitamos a falar apenas sobre as mesmas coisas – não que não sejam importantes, são, no entanto, sigo a atentar pra forma dentro da forma, pra que o socialismo não se afaste mais ainda da humanização e agrave a alienação emocional que corrobora para problemas sociais como o do machismo por exemplo, e suas consequências práticas tanto em mulheres como em homens também.

Alexandra Kollontai em sua obra desenvolve o que chamou de “amor-camaradagem”, que seria a relação cujas bases não seriam na ideia de parceirx como propriedade privada (lógica instaurada na sociedade pela moral burguesa, o sentimento de posse). O amor-camaradagem, uma relação em que os “relacionandos” não se fecham em si, mas que estejam em sintonia com o coletivo, visando o crescimento em conjunto.

“Se conseguirmos que, das relações de amor, desapareça o cego, o exigente e absorvente sentimento passional; se desaparece também, o sentimento de propriedade, tanto quanto o sentimento egoísta de unir-se para sempre ao ser amado; se conseguirmos que desapareça a vaidade do homem, e que a mulher não renuncie criminosamente ao seu eu, não há duvidas de que, com o desaparecimento de todos esses sentimentos, desenvolvam-se outros elementos preciosos para o amor. Assim, por exemplo, aumentará o respeito para com a personalidade do outro e também se aperfeiçoará a arte de levar em conta os direitos dos demais; educar-se-á a sensibilidade recíproca e se desenvolverá enormemente a tendência a manifestar o amor não somente com beijos e a braços, mas também com uma unidade de ação e de vontade na criação comum”. (Kollontai: A nova mulher e a moral sexual, pág. 113).

Além da análise minuciosa da moral sexual, faz construções embasadas historicamente, inclusive, análises da psicologia das personagens femininas de obras famosas como “O diabo” e “Felicidade conjugal” de Lev Tolstói e de autores como Grete Meisel-Hess em “A crise sexual”. Rebusca as mudanças psicológicas que vão surgindo ao longo dos últimos 50 anos antes da escrita de seu livro a partir da inserção das mulheres no trabalho, na produção de capital e nomeia as novas mulheres que foram surgindo como sendo “celibatárias”, tipo psicológico para a autora. Usaremos o amor? Já está sendo usado.

Sobre a moral sexual Wilhelm Reich (1897-1957) traz contribuições:

“Os ‘maus’ instintos ficam sob a guarda dos ‘bons’ costumes. Mais uma vez isto é perfeitamente lógico e correto no interior de uma certa estrutura de pensamento. As pessoas que só amaldiçoam a estrutura moralista de nossa sociedade, sem ver e compreender sua lógica interna, fracassariam miseravelmente se tivessem de assumir o governo da sociedade e das massas humanas”. (Wilhelm Reich: Éter, deus e diabo, cap. V, pag. 138)

Outro ponto importante a se pensar em relação às estratégias de atuação e que, é atingida a partir de Wilhelm Reich em um de seus livros: “Psicologia de massas do fascismo”, tem a ver com a manipulação das emoções, fundamentalmente das mal resolvidas da massa, que circundam as questões da sexualidade humana. A manipulação de emoções reprimidas que se manifestam de diversas formas, como por exemplo, o sadismo, masoquismo, etc. se dá e é reproduzida ideologicamente através dos meios de comunicação também. Somos bombardeados por essas ”influenciações”, às vezes mais sutis e outras mais escancaradas, que moldam o comportamento das massas e beneficiam o capitalismo. Usam de forças destrutivas.

“A revolta fascista tem sempre origem na transformação de uma emoção revolucionária em ilusão, pelo medo da verdade.” (Reich- Psicologia de massas do fascismo- Prefácio à 3.a Edição em Língua Inglesa, Corrigida e Aumentada – pág.12)

E em 1921, Kollontai afirma em “O amor na sociedade comunista – Carta à juventude socialista”:

“O amor camaradagem é o ideal necessário ao proletário nos períodos difíceis de grandes responsabilidades, quando luta para o estabelecimento de sua ditadura ou para fortalecer sua continuidade. Entretanto, quando o proletariado triunfar totalmente e for de fato uma sociedade constituída, o amor apresentar-se-á de forma completamente distinta, adquirirá um aspecto completamente desconhecido até agora pelos homens.”

Ou seja, acredita que o amor é um fator social. Analisa os diferentes amores nas diferentes épocas históricas e como a moral burguesa moldou os costumes e nossa noção de amar, a percepção do amor. E agora, usaremos o amor na luta? Já estamos usando... (?)

“Agora, ouço-o argumentar, meu jovem camarada: ‘Concordo quando você afirma que as relações de amor, baseadas no espírito de fraternidade, se convertem no ideal da classe operária. Porém, não pesará demasiado esta medida moral sobre os sentimentos amorosos? Este ideal não poderia destroçar e mutilar o amor. Libertamos o amor da moral burguesa, mas será que não lhe criaremos outras?’”

Tem razão, meu jovem camarada. A ideologia proletária, ao não aceitar a moral burguesa no domínio das relações matrimoniais, cria, inevitavelmente, sua própria moral de classe, as formas regulamentadoras das relações entre os sexos que melhor correspondam às tarefas da classe operária, que sirvam para educar os sentimentos de seus membros e que, portanto, constituem até certo ponto correntes que aprisionam o sentimento do amor.” (Kollontai- O amor na sociedade comunista - Carta à juventude socialista: amor-camaradagem)

E agora, usaremos o amor na luta? Até que ponto?

Sobre o que se discorreu até aqui, é mais uma forma, assim pode ser interpretada, mais uma simples discordância, mas que ainda sim pode-se e deve-se levar em consideração. Nem que seja simplesmente para refutar. As cartas estão dadas. Desiludido ninguém é, ainda mais sabendo da nossa capacidade idealizadora, e, por parte, da necessidade dela também – bem como a convicção. Ilusões dentro de ilusões, qual o seu direcionamento? Quais as suas?

Talvez completude em obra, seja nesse caso, concluir o texto com trechos do livro de Clarice Lispector, já que as estruturas de escrita são limitadas, e com nós o texto pode até ter um fim, mas e a reflexão segue viva, e até que ponto sai do começo?:

“Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver. Mas como me reviver? Se não tenho uma palavra natural a dizer. Terei que fazer a palavra como se fosse criar o que me aconteceu? Vou criar o que me aconteceu. Só porque viver não é relatável. Viver não é vivível. Terei que criar sobre a vida. E sem mentir. Criar sim, mentir não. Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade. Entender é uma criação, meu único modo. Precisarei com esforço traduzir sinais de telégrafo - traduzir o desconhecido para uma língua que desconheço, e sem sequer entender para que valem os sinais. Falarei nessa linguagem sonâmbula que se eu estivesse acordada não seria linguagem. Até criar a verdade do que me aconteceu. Ah, será mais um grafismo que uma escrita, pois tento mais uma reprodução do que uma expressão. Cada vez preciso menos me exprimir. Também isto perdi? Não, mesmo quando eu fazia esculturas eu já tentava apenas reproduzir, e apenas com as mãos. Ficarei perdida entre a mudez dos sinais? Ficarei, pois sei como sou: nunca soube ver sem logo precisar mais do que ver. Sei que me horrorizarei como uma pessoa que fosse cega e enfim abrisse os olhos e enxergasse - mas enxergasse o quê? um triângulo mudo e incompreensível. Poderia essa pessoa não se considerar mais cega só por estar vendo um triângulo incompreensível? Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão? a lente não devassa a escuridão, apenas a revela ainda mais. E se eu olhar a claridade com uma lente, com um choque verei apenas a claridade maior. Enxerguei, mas estou tão cega quanto antes porque enxerguei um triângulo incompreensível. A menos que eu também me transforme no triângulo que reconhecerá no incompreensível triângulo a minha própria fonte e repetição. Estou adiando. Sei que tudo o que estou falando é só para adiar - adiar o momento em que terei que começar a dizer, sabendo que nada mais me resta a dizer. Estou adiando o meu silêncio. A vida toda adiei o silêncio? mas agora, por desprezo pela palavra, talvez enfim eu possa começar a falar.”

(Retirado de A paixão segundo G.H - de Clarice Lispector).

                                                                              ...

Citação:

1 Paulo Freire: Pedagogia da autonomia

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