quinta-feira, 28 de maio de 2020

A ascensão mundial da China



Em memória de Chen Du-siu e Peng Suzhi

          O caminho da China rumo ao topo do mundo foi tortuoso e contraditório, mas cheio de lições importantes para o movimento socialista. Ignorar essas lições, colocando-as de lado, é um erro crasso que retira de cena o principal ator do nosso século, que tende a assumir o posto do imperialismo estadunidense. Assim, deixar estas lições históricas serem envenenadas pelo uso político reacionário que faz a burguesia ocidental e o seu exército de ideólogos, bem como pelo conto de fadas livresco por parte da esquerda, desperdiça a valiosa oportunidade de compreender não apenas o que nos aguarda no século XXI, mas também importantes contribuições que devem ser incorporadas à teoria socialista. Há ainda aquela análise intelectual, distinta das anteriores, que podemos classificar como “econômico-realista”, mas que sofre de uma excessiva simpatia para com o governo chinês[i]. Ao contrário deles, devemos primar por um exame dialético que leve em conta a contradição, sabendo ver o lado positivo em fenômenos negativos e vice-versa, indo muito além da limitada visão dicotômica entre o bem e o mal, bandidos e mocinhos, e o “eternamente correto” versus o “eternamente errado”.
        A civilização chinesa possui mais de 4 mil anos de história – enquanto que a cultura ocidental têm apenas 2 mil anos. É o país mais populoso do mundo e o terceiro em tamanho territorial. Berço do taoísmo, do confucionismo e da pólvora, teve papel determinante na evolução tecnológica, científica, econômica e filosófica da humanidade. Durante os últimos séculos foi virtualmente ignorada e rebaixada – sobretudo em razão da sua divisão interna e do seu subdesenvolvimento econômico –, mas agora a locomotiva chinesa pede passagem e, tal como um buraco negro, vai sugando todos os corpos celestes a sua volta. Nesta escalada pela hegemonia mundial, a revolução de 1949 teve papel decisivo na construção da China moderna e traz, por todos os seus passos posteriores, grandes ensinamentos de um povo que luta por sua emancipação. Fazer uma reconstrução crítica destes passos ajuda a decifrar esta esfinge oriental.

1) Breve história da China
        Quando Cristóvão Colombo zarpou em direção ao oeste com suas três caravelas pretendia atingir “as Índias” para comercializar (na época, provavelmente, consideravam China e Índia como um todo só). A sua grande fonte de argumentação para tentar convencer os obtusos conselheiros da Rainha Isabel se baseava nas descrições do andarilho Marco Polo, que esteve na China por volta de 1274. Em seu livro, Marco Polo falava de uma civilização extremamente rica, com palácios de ouro e uma corte real faustosa, ostentando mais de 12 mil barões que esbanjavam trajes luxuosos de seda. A riqueza trazida da China por Marco foi o suficiente para despertar a ganância dos europeus, que se aventuraram por séculos na famosa Rota da Seda que ligava a Europa à Ásia.
        Durante a renascença europeia, buscar e revender especiarias orientais chinesas e indianas era o principal indicador de riqueza e posição social. Da China vinham a porcelana, a seda, a pólvora, o papel, os chás e uma série de óleos de origem vegetal revendidas a preço de ouro nos mercados europeus. A bússola, importante instrumento para a navegação, também foi criação chinesa. Até o fechamento da rota terrestre para a cristandade europeia com a tomada de Constantinopla pelos muçulmanos, em 1453 – o que obrigou Colombo a buscar uma rota pelo oeste –, centenas de caravanas comerciais percorreram os cerca de 20 mil quilômetros que separam a Europa da China, correndo diversos riscos de vida ao longo do caminho.
        Temendo invasões estrangeiras – tal como a realizada pelos mongóis –, os chineses construíram a grande muralha, recebendo o seu reforço definitivo da dinastia Ming entre os anos de 1368-1644. A China é formada por dezenas de etnias, o que se refletiu na sua divisão histórica interna. Uma sucessão de dinastias dominou o território, impondo seu poder imperial sobre o restante da população numa luta ininterrupta, a qual o famoso livro de Sun-Tzu nos dá uma pequena amostra. Para ilustrar isso, o escritor Lu Sun relata que “apenas hoje me compenetro de que vivi anos no meio de um povo que há quatro milênios se devora a si próprio”[ii]. Para Hobsbawm, a China “formara uma unidade política única, embora intermitentemente perturbada, provavelmente por um período de, no mínimo, 2 mil anos. Mais objetivamente ainda, durante a maior parte desses dois milênios o império chinês, e presumivelmente a maioria de seus habitantes que tinham opinião sobre essas questões, havia considerado a China o centro e modelo da civilização mundial”[iii]. Já para o sinólogo John Fairbanks, “a precocidade da China em termos inventivos poderia, mais tarde, ser responsável pelo seu atraso. Na verdade, a superioridade alcançada pela China na era Song, seria responsável, em 1800, pelo seu retrocesso, como se todas as conquistas trouxessem em seu cerne as sementes do seu enrijecimento”[iv].
        O comércio e os mercados chineses sempre foram objeto de cobiça dos ocidentais. Durante o século XIX, o crescimento populacional e as fartas riquezas naturais do país do extremo oriente inflamaram a ganância do imperialismo europeu, que fez o possível e o impossível para transpor todas as barreiras naturais e artificiais até a dominação total. Primeiro foram os “preços baratos” das mercadorias do imperialismo inglês, como nos contam Marx e Engels no Manifesto Comunista, que serviram “de artilharia pesada para deitar por terra todas as muralhas da China”. De contrabando com as mercadorias, cruza a fronteira a guerra imperialista de dominação, que chacinou parte de sua população e dividiu o país em diversas zonas independentes e dominadas por diferentes imperialismos. Para subjugar esta nação gigante, era fundamental dividi-la para enfraquecê-la.
        A conquista da China pelo Império Britânico está repleta de crimes horrendos, como as Guerras do Ópio (ocorridas entre 1839 e 1860), que viciaram a população chinesa nesta droga através do tráfico para compensar a balança comercial desfavorável à Inglaterra. A vitória inglesa impôs uma dura penalidade à China: a entrega dos seus principais portos à ganância comercial da burguesia britânica, dentre os quais, a ilha de Hong Kong, que ficaria sob domínio inglês por 155 anos (e Macau, que ficaria sob domínio português pelo mesmo período). Segundo Voltaire Schilling, “o sucesso da Inglaterra serviu de estímulo às demais nações europeias em seu assalto às costas chinesas. Depois da 2ª e 3ª guerras do ópio, travadas em 1856 e 1858, mais onze portos foram aberto aos ocidentais. O impacto das mercadorias europeias sobre a produção artesanal chinesa foi terrível. O desemprego e a fome passaram a ser uma constante, tanto das populações urbanas quanto das rurais. Para poder pagar essas mercadorias importadas, os manchus e a aristocracia rural passaram a oprimir as massas camponesas de forma mais intensa. As regalias que os mercadores ocidentais usufruem no país são vexatórias. Desde 1861, as alfândegas chinesas são controladas por funcionários europeus e o privilégio da extraterritorialidade permite que escapem às leis chinesas. Os cônsules europeus têm poderes que extrapolam as simples funções diplomáticas, tornando-se verdadeiros senhores das regiões em que se instalam”[v].
        No início do século XX a China foi dividida entre os imperialismos europeus (francês, inglês e, posteriormente, alemão), sendo substituído gradativamente pelo imperialismo norte-americano na sua ascensão internacional entre as duas guerras mundiais, sempre secundado pela Inglaterra, que nunca abandonou suas “possessões” orientais. O imperialismo anglo-saxão foi desafiado pelo japonês, que invadiu a China em 1937, nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. Em todo este processo o povo da China foi severamente massacrado e centenas de milhares de mulheres chinesas e coreanas estupradas pelos invasores.
        Segundo Trotsky, neste período histórico a China tinha uma necessidade absoluta de sua “unidade nacional, de sua soberania econômica, quer dizer, da autonomia aduaneira ou, mais exatamente, do monopólio do comércio exterior; mas isso exige que se liberte do imperialismo mundial, para o qual a China não é apenas a mais abundante fonte de enriquecimento, mas também uma garantia de sua existência, uma válvula de segurança para as explosões que acontecem atualmente no interior do capitalismo europeu e que ocorrerão depois no interior do capitalismo norte-americano”[vi]. Quem deveria organizar esta luta de resistência ao imperialismo mundial e realizar as tarefas de unidade nacional, reforma agrária e criação de barreiras alfandegárias era a burguesia chinesa, mas foi justamente ela que virou as costas para estas tarefas fundamentais e passou a ser a porta de entrada para os imperialismos.

2) A “revolução republicana”
        É pelo menos desde as famosas revoltas dos Boxers, em 1900, que a população chinesa vinha se rebelando contra a dominação estrangeira e os seus sustentáculos internos, no caso a estrutura monárquico-imperial chinesa, com mais de 4 mil anos de história. A dinastia manchu (1644-1911) vivia um verdadeiro conflito entre o antigo e o moderno. Refletindo as mudanças internacionais e tentando evitar uma queda iminente, liberou-se a criação e a existência de organizações políticas, bem como a possibilidade de publicações de jornais. Centenas de jovens foram enviados ao exterior para estudar e conhecer a cultura estrangeira. Em 1908, a corte anunciou um programa para se transformar em uma monarquia constitucional dentro de um período de 9 anos[vii].
        Mas todas estas ações, que expressavam concessões desesperadas, não puderam evitar o desfecho inevitável. Diversos golpes internos e externos foram dados no milenar império chinês, até que em 1911 o último imperador é derrubado no que alguns historiadores chamam de “revolução republicana”. Em outubro deste ano, uma insurreição na província de Hubei anunciou a “revolução republicana” que tiraria a dinastia manchu do poder na figura de Pu Yi, o imperador de apenas 5 anos, obrigado a renunciar em fevereiro de 1912[viii]. Com a queda do império, abre-se um período de intensa divisão política, onde diversos “senhores da guerra” lutam pelo poder em várias regiões da China. Estava colocado o grande problema de desfragmentação regional que só seria solucionado em 1949 com a “revolução comunista”. Esta divisão nacional que não foi solucionada pela burguesia chinesa acabou sendo amplamente explorada pelos imperialismos, usando-a para jogar região contra região, “dividindo para reinar”.
        A presença do imperialismo europeu teve importante papel na desagregação do regime econômico e social da China, destruindo, desde meados do século XIX, a economia agrícola e arruinando o artesanato urbano e rural, formando, ao mesmo tempo, uma nova burguesia ligada às zonas portuárias e interioranas. Esta “nova” burguesia surgida no final do século XIX submergirá dos antigos estratos comerciais, rurais e burocráticos, ensaiando alguns tipos de investimentos na indústria, mas sendo enfrentada pelas forças internas (os grandes “senhores feudais” do antigo regime imperial e a “burguesia compradora”, aliada e dependente do imperialismo europeu)[ix]. Esta “nova” burguesia serviu de base para o surgimento do Kuomitang (o partido “nacionalista” chinês), fundado em 1912, cujos principais expoentes serão Sun Yat-sen, que teve papel determinante na formação do partido e na proclamação do novo regime republicano; e o famigerado Chiang Kai-shek.
        Esta “nova” burguesia e o seu Kuomitang, além de não resolverem nenhum problema fundamental da revolução burguesa – como a reforma agrária, a formação de um mercado interno e a unidade nacional –, incorporaram gradativamente os latifundiários do meio rural (que juntos detinham cerca de 50% das melhores terras do país) e foram transformando o movimento republicano em algo estéril e totalmente dependente do imperialismo. Graças ao estabelecimento de parques fabris nas zonas portuárias de Hong Kong, Cantão, Xangai, etc., vai ocorrendo o gradual surgimento de uma classe operária nos moldes ocidentais, remodelando o cenário político e econômico da China e preparando a sua entrada no movimento operário internacional.
        A explosão da 1ª Guerra Mundial e a subsequente revolução russa de 1917 tiveram impacto decisivo no futuro dos movimentos sociais da China. Inúmeros jovens ativistas se lançaram com entusiasmo no estudo da revolução russa e, liderados por Chen Du-siu (o introdutor do marxismo na China), fundaram o Partido Comunista chinês (PCC) em 1921, na cidade de Xangai.

3) As revoluções chinesas (de 1925 até 1934)
        A diferenciação feita pelo historiador Voltaire Schilling, de que a revolução chinesa não foi o produto de uma abrupta e incontida insurreição de massas como ocorreu em julho de 1789 na França ou em fevereiro e outubro de 1917 na Rússia, mas sim o resultado final da mais longa guerra civil do século XX, parece ser apropriada e correta [x]. Contudo, isso não quer dizer que não tenha havido dolorosas e difíceis insurreições populares ao longo deste conturbado período.
        A questão asiática demandava uma solução, uma vez que é o local onde se concentra a maior parcela humana do planeta; e a China foi o seu principal caldeirão. Os movimentos sociais chineses, embalados pela vitória da revolução russa e impulsionados pelas contradições desencadeadas pela 1ª Guerra Mundial, transformaram-se em rebeliões estudantis e operárias que serviram de ensaio para colocar em cena o principal ator da revolução chinesa: o campesinato. Na década de 1920, a efervescência cultural e política das cidades prenunciou que os antigos valores entravam definitivamente em declínio.
        O PCC, de setor absolutamente marginal nestes movimentos sociais, terminou por tornar-se a principal força política do país. Seguindo um caminho tortuoso, passou por inúmeras contradições e conflitos. Começou a ganhar expressão política e força ao mesmo tempo em que se iniciava a degeneração do aparato soviético e da Internacional Comunista (IC). Esta contradição, que culminou em erros grosseiros e traições políticas, custou a vida de centenas de milhares de militantes comunistas chineses. A formação e a consolidação do PCC se deram a partir do permanente envio de emissários soviéticos sob as estritas ordens do governo russo, já dominado pelo stalinismo, para estreitar as relações com os comunistas chineses, dentre os quais, se encontravam Chen Du-siu e Mao Tsé-tung.
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        Ao longo de 1925 despontam grandes lutas operárias nas cidades chinesas, com greves em Xangai nas fábricas de capital japonês, como necessidade de solucionar os problemas da revolução democrático-burguesa não realizada – sobretudo pelo Kuomitang, que apesar de estar no poder, não avançava para a solução de nenhum deles. À repressão que se segue aos grevistas por parte da polícia estadunidense e inglesa, é deflagrada uma greve geral em junho de 1925. Inicialmente restrita à região de Xangai, acaba se espalhando pelo território litorâneo da China, atingindo Hong Kong, e com um boicote de massas às mercadorias Inglesas em Cantão[xi]. Na contramão deste processo, desde 1923 o PCC foi obrigado à se subordinar ao Kuomitang pela burocracia soviética, sob duras críticas do trotskismo, levando a quase dissolução do “comunismo” chinês no movimento nacionalista burguês.
        Para justificar tal atrocidade, os documentos oficiais da IC afirmavam que “a burguesia liberal na China jogou um papel objetivamente revolucionário por um período de vários anos e não meses”[xii], concluindo que “Chiang Kai-shek lutou contra o imperialismo”[xiii]. Ao que, Trotsky respondeu: “A atitude do Kuomitang em relação ao imperialismo foi desde o primeiro momento não-revolucionária, mas sim inteiramente oportunista. Ele tentava esmagar e isolar os agentes de certas potências imperialistas para fazer um acordo com as mesmas ou com outras potências imperialistas em termos mais favoráveis para a burguesia (...) Não devemos medir a atitude de qualquer burguesia nacional em relação ao imperialismo ‘em geral’, mas sua atitude em relação às tarefas históricas revolucionárias imediatas de seu próprio país”[xiv]. Tais palavras proféticas se confirmaram plenamente ao longo de todo o transcurso da guerra civil chinesa, ao ponto de submergirem claramente dado o pouco empenho de Chiang Kai-Shek e do Kuomitang na luta contra o imperialismo japonês na década de 1930, de quem, provavelmente, esperavam se tornar sócios menores.
        O ascenso revolucionário de 1925-1927 encontrou o PCC totalmente subordinado ao Kuomitang, de mãos e pés atados. As greves operárias e as sublevações espontâneas no campo não encontraram direção com uma política de independência de classe. Pressentindo o perigo e tentando conter o aumento da pressão popular, Chiang Kai-shek transforma o segundo Congresso do Kuomitang, ocorrido em 1926, num golpe de estado dentro do partido e do governo, sobretudo voltando-se contra os comunistas. Passa a exigir, então, que o PCC forneça a lista dos seus membros sob o pretexto de preparar a invasão do norte do país contra alguns “senhores da guerra” que ainda resistiam, reclamando plenos poderes. Stalin faz com que o PCC aceite estas condições[xv].
        A burocracia de Moscou ainda exige que o movimento camponês que começava a se sublevar no campo fosse freado pelos dirigentes comunistas para não assustar os generais nacionalistas do Kuomitang. A oposição de esquerda liderada por Trotsky propõe a criação de sovietes no campo e exige a ruptura do PCC com o Kuomitang para poder formular uma política que se orientasse à tomada do poder. Na contramão disso, a burocracia stalinista admite o Kuomitang na IC como “partido simpatizante” e ordenando ao PCC “manter-se a qualquer preço” neste partido[xvi].
        Nos mesmos dias que Moscou rende homenagens ao Kuomitang, Chiang Kai-shek desfere seu primeiro golpe anticomunista: em março de 1926, prende os quadros comunistas da Escola Militar de Whampoa, impõe aos conselheiros soviéticos a residência vigiada, prende numerosos comunistas e sindicalistas de Cantão, desarma os piquetes da greve Kwantung-Hong Kong e isola as sedes dos sindicatos. O resultado de todo o processo é que as orientações do PCC e da IC têm, obrigatoriamente, que ser submetidas à aprovação do Kuomitang.
        Neste momento já se desenhava no horizonte a política de preservar a estabilidade diplomática e política da URSS em detrimento de qualquer triunfo revolucionário – política que só vai intensificando o oportunismo e as derrotas do movimento operário internacional. Para a burocracia stalinista, a construção socialista na China só seria possível “sob condição de que seja diretamente sustentada por países sob a ditadura do proletariado”[xvii] – isto é, sob a batuta e o controle da URSS já stalinizada.
        Fernando Claudin chama a atenção para o fato de que “os eventos chineses coincidem com a fase culminante do duelo entre Stalin e a oposição trotskista-zinovievista. Dias antes da traição de Chiang Kai-shek, a oposição faz uma crítica radical da política que se está aplicando na China, observando que ela conduzirá à derrota proletária. E, no período que se segue ao golpe de Chiang, Trotsky aprofunda essa crítica, prognosticando que o Kuomitang de 'esquerda' passará para o campo da contrarrevolução. No debate teórico-político, a situação de Stalin se torna progressivamente mais difícil: os acontecimentos dão razão à oposição no que tange à China com demasiada evidência, ao mesmo tempo em que, no plano russo, as coisas vão em sentido idêntico. Então, Stalin passa da discussão à repressão: os oposicionistas são impedidos de defender as suas opiniões (sobretudo a propósito da revolução chinesa) na imprensa a nas organizações soviéticas; pouco depois, são excluídos do partido e, em janeiro de 1928, são deportados para a Sibéria”[xviii].
        O respeitado fundador do PCC, que futuramente será expulso como bode expiatório e aderirá por um tempo às posições de Trotsky, Chen Du-siu, denunciou que a IC dava instruções aos comunistas chineses no sentido de confiscar as propriedades dos latifundiários e camponeses ricos, mas sem tocar nas terras dos oficiais do exército do Kuomitang. Entretanto, nas províncias de Hunan e Ubei – nesse período, os centros da revolução agrária – “não havia um só proprietário que não fosse parente ou amigo de oficiais; todos os proprietários estavam protegidos, direta ou indiretamente, pelos chefes militares”[xix].
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        Cabe destacar aqui que os ideólogos da direita, como a escritora chinesa Jung Chang e os de “esquerda”, como Hobsbawm, bem como historiadores “econômico-realistas”, do tipo de Paulo Vizentini e Voltaire Schilling, não destacam essa escandalosa atuação da IC ao longo dos processos revolucionários chineses. Quase todos, consciente ou inconscientemente, procuram relevar a política aplicada na China pela IC sob mando de Stalin. Hobsbawm, por exemplo, tenta justificar a política oficial da IC da seguinte forma: “Na verdade, os comunistas se tornaram uma força poderosa em grande parte graças a essa ligação soviética, que lhe permitiu integrar-se no movimento nacional oficial”; e mais além: “Os objetivos a curto prazo dos dois partidos não pareciam incompatíveis” [xx].
        Já a mercenária a serviço do imperialismo anglo-saxão, Jung Chang (uma espécie de Yoni Sanchez chinesa[xxi]), afirma que os nacionalistas (no caso, o Kuomitang) estariam a serviço dos russos; e que, por isso mesmo, estavam destinados a “provocar uma revolução de estilo soviético”[xxii]. Vimos que foi exatamente o oposto. Stalin e a burocracia soviética lutaram com todas as suas forças para submeter o PCC ao Kuomitang e impedir qualquer tipo de expropriação de latifúndio. Nas suas 700 páginas de preconceitos de classe contra Mao Tsé-tung, ela capciosamente afirma que “em nenhum momento [entre 1925 e 1927] Mao tratou da questão que mais preocupava os camponeses: a redistribuição da terra. Existia de fato uma necessidade urgente de liderança, pois algumas associações camponesas já haviam começado a fazer suas próprias redistribuições, mudando marcos de limites e queimando documentos de arrendamento de terras”[xxiii].
        Durante estes anos, Mao era um quadro político subordinado dentro do PCC. E, como vimos, o próprio PCC estava forçado a se submeter ao Kuomitang, que tinha como foco a defesa da propriedade da terra. Ignorando as armadilhas feitas pela burocracia da IC, estas falsificações visam apenas nos lançar num mar de confusões para defender a política do imperialismo ocidental de se reapossar novamente da China com um discurso “democrático”.
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        As justificativas dadas pela IC para “explicar” a derrota sangrenta dos comunistas chineses foi devidamente respondida pelo trotskismo. As causas são bastante claras. Porém, como é a prática do stalinismo, ele procurou livrar sua cara dos erros e traições e inventou um bode-expiatório na pessoa de Chen Du-siu.
        Passado os primeiros impactos desta derrota frustrante, a burocracia soviética preparou o golpe final para manter sua linha política; só que desta vez, baseando-se num ultra esquerdismo flagrante. Tentando responder a afiada crítica trotskista de que o PCC não apoiou, nem impulsionou ou ajudou a consolidar o surgimento mais ou menos espontâneo dos sovietes camponeses, a direção da IC faz um giro de 180º e passa a professar revoluções e a criação artificial de sovietes sem a menor correlação de forças. O resultado não poderia ser outro (foi a mesma linha política da IC que impulsionou a catastrófica Intentona Comunista no Brasil, em 1935, liderada por Luís Carlos Prestes).
        Sobre isso, Trotsky alertou que “quando a data da insurreição é marcada, não há soviete. Criar um soviete eleito não é fácil. É necessário que as massas saibam, pela experiência, o que é um soviete, que elas entendam sua forma, que elas tenham aprendido alguma coisa no passado para acostumarem-se com uma organização soviética eleita. Não havia nenhum sinal disso na China, pois a palavra de ordem de sovietes foi declarada como sendo uma palavra de ordem ‘trotskista’ justamente no momento em que deveria ter se tornado o eixo central de todo o movimento”[xxiv].
        Quando Chiang Kai-shek inicia a “campanha do Norte”, investindo tropas contra os “senhores da guerra” daquela região, as lideranças comunistas, seguindo a linha equivocada de Moscou, lançam-se em rebelião nas cidades de Xangai e Cantão, proclamando artificialmente a criação de sovietes. Chiang Kai-shek interpreta tal ação como uma ruptura e dá a única resposta possível que os latifundiários esperariam: seus exércitos ocupam Xangai, Cantão e Wuhan e dão início a um massacre sem precedentes de operários e comunistas, com mais de 50 mil pessoas executadas. Assim termina a experiência aliancista com o “herói” Chiang Kai-shek. Em 1927, Chen Du-siu é afastado definitivamente do cargo de secretário-geral, culminando assim na stalinização total do PCC.
        “Stalin critica os comunistas chineses – escreve Fernando Claudín – porque não estimulam, com decisão suficiente, a revolução agrária e o movimento operário”. Isto é, o massacre dos comunistas em Xangai, Cantão e Wuhan seria o resultado inevitável da sua incapacidade “para aplicar a linha e se preparar para evitar a traição”. Como “merecido castigo, a IC destituiu Chen Du-siu da secretaria-geral (...) Desde então, todos os erros do PCC, da sua fundação até 1927, passaram a ser explicados por essa chave mágica: Chen Du-siu”[xxv].
        Ele assim se justifica em uma carta aos militantes do Partido: “Desde que contribuí com meus camaradas, para fundar, em 1920, o PCC, sempre apliquei fielmente a política oportunista dos dirigentes da IC – Stalin, Zinoviev, Bukharin e outros –, que conduziu a revolução chinesa a um vergonhoso e triste fracasso. Embora tenha trabalhado sem descanso, meus equívocos são maiores que meus méritos. Naturalmente, não quero imitar a confissão hipócrita de alguns antigos imperadores chineses – ‘sou o único responsável pelos pecados dos povos’ –, assumindo sozinho os erros que causaram o fracasso; mas me envergonharia se adotasse a atitude de camaradas responsáveis durante esse período que agora se limitam a criticar os passados erros oportunistas excluindo-se eles mesmo de sua prática”[xxvi].
        Entre estes camaradas citados, estava Mao Tsé-tung, que se refere assim a todo este processo: “A derrota ocorreu porque a camarilha reacionária do Kuomitang, então nosso aliado, traiu em 1927 a revolução; porque as forças unidas dos imperialistas e da camarilha reacionária do Kuomitang ainda eram muito poderosas; e, sobretudo, porque no último período (que durou aproximadamente 6 meses) dessa revolução, as ideias desviacionistas de direita, cujo porta-voz era Chen Du-siu, introduziu uma linha política capitulacionista”[xxvii]. Foi assim que Mao Tsé-tung ajudou a preservar a IC e a burocracia soviética da responsabilidade pelos seus crimes e traições. Durante toda sua vida Mao não faria nenhuma crítica aberta a Stálin e seria um fiel depositário de muitos de seus preceitos políticos. Mesmo no auge do pragmatismo político – tipicamente chinês – que o levou a romper com a linha oficial de Moscou para poder proclamar a República Popular da China em 1949, ele jamais fez nenhuma crítica séria ao stalinismo.
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        Após a derrota de 1927, Mao Tsé-tung se desloca para o campo com os restos de suas tropas e se estabelece nas montanhas, de onde passa a dar uma atenção especial ao movimento camponês. Fundando uma guerra de guerrilhas a partir do interior – de onde ressurgirá o Exército Vermelho totalmente subordinado ao seu comando –, Mao ocupa uma parte da província de Kiangtsi.
        É durante esta nova fase da luta que vão se gestando os novos quadros políticos ligados a Mao, com destaque para Chou En-Lai e Lin Piao; além do aperfeiçoamento de suas táticas militares de guerrilha que foram decisivas para expulsar os inimigos imperialistas e vencer o Kuomitang. Também se forma ao longo deste período a lenta ruptura pragmática com a linha oficial do stalinismo para a China. Com uma parte do território chinês controlado pela guerrilha maoísta, diversos modelos de administração social foram sendo testados, embora sem sovietes independentes que se autogerissem. Em 1931, se funda a República Soviética em Kuichi. O nome sugere mais o formalismo russo do que uma prática real. Apesar disso, ela exercia um poder real sobre 1/6 do território chinês, que teve sob as suas ordens um exército de 145 mil homens. A sua política em relação à terra foi diretamente revolucionária, confiscando as propriedades dos latifundiários e parte da dos camponeses ricos, preservando uma parte para que estes pudessem alimentar sua própria família[xxviii].
        Esta linha política rompia abertamente com as orientações oficiais de Moscou, abrindo o caminho para a independência prática que Mao irá adotar ao longo do processo revolucionário que culminará em 1949. O aparato soviético tenta retomar o controle do PCC a partir das cidades dominadas pelo Kuomitang, seguindo os dogmas da burocracia soviética e ignorando a marcha real dos acontecimentos. Assim, eles terminam por se isolar e se autodestruir, transformando a fração liderada por Mao no verdadeiro e único PCC, que possuía uma influência real sobre metade da população da China.

4) A longa marcha, a ocupação imperialista japonesa e a nova guerra civil (de 1934 até 1949)
        A república “soviética” de Mao aproveitou-se da divisão territorial entre os “senhores da guerra” e a burguesia republicana do Kuomitang, mas não tardou para que Chiang Kai-shek desencadeasse uma ofensiva militar para destruir as forças comunistas. Entre 1930 e 1934, as suas tropas tinham sido derrotadas uma a uma pelas forças de Mao. Em um verdadeiro prodígio militar, cerca de 15 mil soldados das tropas do Kuomitang foram capturados em 2 meses. Apenas com o apoio decisivo da Alemanha, Grã-Bretanha e EUA, que repassaram o melhor armamento bélico, contando com 200 aviões e 150 pilotos norte-americanos e canadenses, que a quinta expedição de Chiang Kai-shek conseguiu vencer a resistência do exército maoísta, obrigando-o a dar início ao que ficaria conhecida como “a longa marcha”. Cerca de 200 mil pessoas deixaram as bases da república “soviética” no sul, sendo perseguidas pelas tropas do Kuomitang, deslocando-se por aproximadamente 13 mil km, atingindo o norte da China, quase na fronteira com a Mongólia, onde Mao pôde se reestabelecer[xxix]. Simultaneamente, se tratou da duríssima formação psicológica e moral do povo chinês na luta pela sua independência política, feita à ferro e fogo; o que se reproduziria ao longo de todo o século XX.
        Contudo, a ocupação militar da Manchúria (a região industrializada e mais próspera da China) pelo Japão, em 1937, vem prenunciar a 2ª Guerra Mundial e a consequente mudança da tática política e militar de Mao, que, da guerra de guerrilhas contra Chiang Kai-shek, passa a buscar a constituição de uma Frente Única com o Kuomitang contra os japoneses. Tal mudança, apesar de coincidir com as propostas políticas da IC para a Europa, surgiu do próprio PCC e de sua percepção da necessidade de mudar a tática em nome da sobrevivência.
        Esta “grande aliança” serviu para fortalecer a influência de Mao sobre as áreas dominadas pelo Kuomitang, uma vez que nestas zonas “os camponeses se mostravam arredios em colaborar, pois seu pior inimigo era o exército nacionalista que cometia saques, confiscos e constrições forçadas”[xxx] (isto é, fazia o oposto do PCC – uma espécie de privatização de recursos e de terras dos camponeses pobres). No final da guerra contra o Japão os efetivos maoístas atingiram cerca de 4 milhões de camponeses. Com o desenrolar da guerra de resistência, as regiões controladas por Mao transformaram-se em ponto de uma infindável romaria de camponeses, intelectuais e estudantes, bem como de soldados e oficiais nacionalistas do Kuomitang desiludidos com o pouco empenho de Chiang Kai-shek na guerra contra os japoneses. O “ex-herói” de Moscou, esperando o apoio dos Aliados ou talvez uma possível vitória dos japoneses para selar uma aliança com eles, e, mais do que isso, temendo o crescimento das forças comunistas, de fato se empenhou pouco na guerra, ficando entre a cruz e a espada. Este foi um dos méritos da tática de Mao – repetida por Tito na Iugoslávia[xxxi] –, que em nada se assemelhava às vergonhosas frentes populares da Europa.
        Hobsbawm afirma que “a resistência à conquista japonesa da China foi o que transformou os comunistas chineses de uma derrotada força de agitadores sociais, o que eram em meados da década de 1930, nos líderes e representantes de todo o povo chinês”[xxxii]. Pressentindo este aumento de poder, os vencedores da 2ª Guerra Mundial, liderados pelos EUA, tentaram aplicar na China a perigosa política de “pacificação” pós-guerra, visando solapar a autoridade conquistada pelos Partidos Comunistas na luta de resistência, tendo nessa perspectiva a total cumplicidade de Stalin. Em todos os países do mundo o imperialismo estadunidense obteve êxito, com exceção de Iugoslávia e China – não casualmente, os dois países que tiveram a ousadia de romper com a linha oficial de Moscou. Tentando seduzir o PCC, os EUA enviaram duas missões diplomáticas pra promover a conciliação entre o Kuomitang e os comunistas.
        Percebendo a disposição do PCC em seguir com a reforma agrária, a despeito de um momento de vacilação inicial, Chiang Kai-shek desencadeia uma ofensiva militar em julho de 1946. Com apenas 1/3 das forças do Kuomitang, mas com uma moral elevadíssima, o PCC ordena uma contra-ofensiva geral baseada no documento que ficou conhecido como “Estratégia da Terceira Guerra Civil”. Ao longo de 1948 uma série de operações de guerrilha conjugadas culmina em vitória em diversas províncias controladas pelo Kuomitang. A essa altura a correlação de forças tornou-se tão favorável ao PCC que nenhuma força organizada poderia se opor aos exércitos de Mao, que penetraram vitoriosamente em Pequim, proclamando a República Popular da China em 1º de outubro de 1949.
        Paulo Vizentini escreve que “os problemas enfrentados, além do desgaste de quase um século de guerras intermitentes, configuravam-se, principalmente, na fuga de capitais para Taiwan e Hong Kong”[xxxiii]. Não foi casual que Chiang Kai-shek tenha se deslocado exatamente para Taiwan, onde recebeu todo o suporte político e econômico dos EUA, que imediatamente reconheceram a ilha como a representação oficial da China, inclusive lhe garantindo um assento permanente na ONU em detrimento de Pequim. A partir daí, a fuga de capitais passa a ser um problema econômico central ao longo de todo o próximo período histórico.
        Em contrapartida, Mao afirma, em 1958, que “o imperialismo norte-americano invadiu o território chinês de Taiwan e continua a ocupá-lo, já lá vão nove anos”[xxxiv]. Até hoje Taiwan, tal como Hong Kong, reivindica-se independente da China, acusando-a de autoritarismo – o que, é claro, não passa de uma grande farsa, uma vez que Chiag Kai-shek governou a ilha pessoalmente em uma brutal ditadura militar até a sua morte em 1975, quando foi substituído pelo filho.
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        A partir daí, inicia-se o cerco militar à China por parte do imperialismo estadunidense, que, uma vez perdendo o aliado preferencial interno – o Kuomitang –, apelou para isolamento econômico, político e diplomático. No ano seguinte, 1950, com o pretexto de deter o avanço dos comunistas da Coreia do Norte, os EUA ocupam o sul da península e desencadeiam uma terrível guerra que duraria cerca de 3 anos, na qual China e URSS tomam o partido do norte; e os EUA e o Japão, o do sul. Dada a correlação de forças, a guerra foi suspensa sem ter um fim oficial (até hoje!), firmando como área limítrofe o paralelo 38, que divide a península ao meio. Os EUA não usaram a bomba atômica neste conflito, apesar do general McArthur ter solicitado permissão ao presidente Truman para usá-la contra a China. Com o término da Guerra da Coréia, a China utilizou-se de toda a tecnologia e conhecimento disponibilizado pela URSS para desenvolver a sua bomba atômica e, desta forma, poder engrossar a voz contra ameaças externas, sobretudo a do imperialismo ianque.
        Mas não foi apenas pela península coreana que a China foi cercada. Quase ao mesmo tempo que Mao vencia o Kuomitang, se desenvolvia a guerrilha no Vietnã, que levou ao poder o PCV. Em 1964 se inicia a guerra do Vietnã, em que os vietcongues realizam a façanha de derrotar militarmente os EUA. Mas o grande objetivo do imperialismo estadunidense era, sobretudo, manter e aprofundar o isolamento da China, contendo a expansão revolucionária. Esse objetivo foi atingido parcialmente, não sem grandes baixas e a conivência mais ou menos velada da URSS.

5) A revolução permanente na China
        Ainda fazendo um balanço da dura derrota chinesa em uma polêmica com o stalinismo na IC, Trotsky escreveu, profeticamente, que: “a insurreição de Cantão demonstrou que no momento decisivo o proletariado não pôde encontrar, nem sequer na capital pequeno-burguesa [do Kuomitang], um só aliado político (....). Isso significa que o trabalho vital, que consiste em efetuar a aliança entre operários e camponeses pobres, cabe exclusiva e diretamente, na China, ao PC. Sua realização é uma das condições para o triunfo da terceira revolução chinesa, cuja vitória dará o poder à vanguarda do proletariado, sustentada pela união dos operários e camponeses pobres”[xxxv].
        Como vimos, assim se deu efetivamente. E esse trecho foi escrito em 1929: 20 anos antes! A história da revolução chinesa – de 1925 até a tomada do poder em 1949 – é, tal como a russa, a confirmação da teoria da revolução permanente, caluniada e combatida com a condenação à morte pelo stalinismo. O centro do embate se deu entre as duas linhas políticas expressas na cúpula da IC e do Partido Comunista soviético. Qual seja: Stalin e os seus seguidores afirmavam que a burguesia e a pequena burguesia deveriam ser apoiadas pelo PCC – o que se traduziu na catastrófica experiência de submissão ao Kuomitang. Como se viu, nenhuma tarefa da revolução democrático-burguesa retardatária foi resolvida. Ao contrário: se intensificaram!
        Trotsky e os seus seguidores, por sua vez, sustentavam que apenas o PCC, liderando os camponeses pobres e governando a partir dos métodos da ditadura do proletariado, poderia cumprir tais tarefas, ao mesmo tempo em que já iria inevitavelmente desenvolvendo as tarefas socialistas. Uma vez que a burguesia chinesa virou as costas definitivamente às suas tarefas históricas, não seria possível esperar que ela desenvolvesse economicamente um país agrário, com inúmeras tradições econômicas e morais do despotismo oriental, fragmentado, sem barreiras alfandegárias, desindustrializado e, ainda por cima, dominado e explorado por 3 imperialismos distintos que lhes seduziam com propostas de “sociedade de ações”. Se escondendo atrás de falsas polêmicas, o stalinismo queria, na verdade, conservar a estabilidade interna da URSS e a correlação de forças internacional onde ela se equilibrava, sacrificando o proletariado mundial e a luta pelo socialismo – a obra de Fernando Claudín (A crise do movimento comunista) é um monumento teórico que explica e denuncia isso claramente.
        Do ponto de vista do idealismo, muitos companheiros pensam que bastaria declarar medidas socialistas, desenvolver planos quinquenais e entregar o poder aos trabalhadores e camponeses – que mantinham um nível cultural baixíssimo e, além do mais, eram extremamente conservadores – para que o socialismo surgisse tal como um passe de mágicas. A realidade, porém, é muito mais complexa do que isso e não se resolve com esquemas e receitas. Mudar uma realidade social e econômica é um processo doloroso e contraditório. Não poderia ser diferente em uma civilização milenar!
        Na referida polêmica com a IC, Trotsky respondeu ao argumento stalinista de que a China não estaria pronta para a construção do socialismo, afirmando que “por si só a tese da imaturidade econômica e cultural da China, assim como a da Rússia, é inquestionável. Mas daí não se pode deduzir que o proletariado tem de renunciar à conquista do poder, quando esta conquista é ditada por todo o contexto histórico e pela situação revolucionária no país. A questão concreta, histórica, política e atual não pode ser reduzida a se a China tem maturidade econômica para ‘seu próprio’ socialismo, mas se a China está madura para a ditadura do proletariado. Estas duas questões não são idênticas”[xxxvi].
        Condenar a tomada do poder e a ditadura do proletariado significava renunciar a elas – esta foi, como vimos, a linha política do stalinismo desde sempre, até ter de aceitar, a contra gosto, a entrada triunfal dos comunistas em Pequim, em 1949. Somente com a tomada do poder pelo PCC foi possível unificar a China, criar um mercado interno com tarifas alfandegárias próprias (ou seja, acabar com a farra do imperialismo mundial), realizar a reforma agrária, industrializar o país, eletrificá-lo e criar as condições para o desenvolvimento do socialismo – em outras palavras: foi apenas esta política que possibilitou criar as condições para transformar a China numa potência econômica, fazendo valer o peso dos seus recursos naturais e humanos. Se o caminho para o socialismo não foi atingido, ou se o PCC se “perdeu no caminho”, isso se deve a vários fatores, dentre os quais podemos destacar: 1) as dificuldades inerentes a um processo histórico completamente novo em um país extremamente atrasado e dependente; e 2) a concepção stalinista de organização política e social, que foi amplamente aplicada em todo o processo revolucionário, desde a tomada do poder, até os dias atuais.
        No primeiro caso, vale ressaltar o que disse a grande estudiosa da economia chinesa, Pao-Yu Ching, ao citar as célebres palavras de Lenin: “não afirmamos que Marx ou os marxistas conhecem o caminho para o socialismo completamente. Isso não faz sentido. Sabemos a direção desse caminho, sabemos quais forças de classes dirigem ao longo do caminho, mas de maneira concreta e prática, isso será aprendido com as experiências das milhões de pessoas que assumirem essa tarefa”[xxxvii].
        O segundo caso – a concepção stalinista de organização política e social –, expressa uma opção consciente por seguir um caminho equivocado, já criticado duramente não apenas por uma tendência política – o trotskismo –, mas pela própria experiência histórica chinesa. O “stalinismo com características chinesas” foi aplicado durante a execução dos planos quinquenais, a revolução cultural e, sobretudo, na ausência de organismos de poder das massas do tipo exercido pelos sovietes nos primeiros anos da revolução russa ou pela Comuna de Paris.
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        Alguns ativistas que acompanham a China pensam que o que se passou lá foi apenas uma “revolução democrático-popular”, que nada tem a ver com socialismo. De fato, o socialismo não chegou a ser aplicado plenamente na China (nem na Rússia, em Cuba ou no leste europeu), mas apenas algumas medidas foram tentadas nesse sentido (medidas que, diga-se de passagem, temos que fazer uma análise detalhada para tirar todas as lições possíveis). Porém, o que foi argumentado mais acima é que, dentro da perspectiva da revolução permanente, os passos – ainda que contraditórios e problemáticos – estavam sendo dados. Como aplicar o socialismo em um país atrasado, desindustrializado, camponês, semianalfabeto, etc., em uma tacada só? Sem falar no seu isolamento internacional, o que retoma a velha teoria stalinista completamente equivocada de “socialismo em um só país”. O que a China fez foi tentar preparar as bases para o desenvolvimento socialista futuro – e muito destas bases foram feitas, dentro de todo o contexto, apenas como podiam ser feitas (e, lamentavelmente, ao custo de inúmeras vidas humanas – não por um maquiavelismo comunista, como querem dar a entender os ideólogos reacionários do ocidente, salivando por colocar as mãos no mercado chinês novamente; mas pelas contradições da própria realidade e, em grande parte, pela sabotagem dos países imperialistas).
        Esses ativistas ainda argumentam que a revolução foi feita por camponeses, e que estes jamais podem ser a base do socialismo. Renunciar a uma “revolução camponesa” na China no início do século XX é o mesmo que renunciar a própria revolução, pois como proceder de forma diferente em um país de 90% de camponeses? Para estes ativistas, o que foi aplicado não foi um método proletário, já que os operários eram quase inexistentes no processo revolucionário, mas condizentes com camponeses. Isso não é verdade por vários fatores: primeiro, porque quem dirigiu todo o processo foi o PCC – ainda que stalinizado, ele trazia toda a experiência proletária de diversos outros países (sem falar nas perspectivas de seu programa político e econômico; e na própria incapacidade do campesinato de dirigir uma revolução, já que é incapaz de ter um programa independente da burguesia ou do proletariado); segundo, porque “o golpe de estado efetuado contra o Kuomitang desembocou automaticamente na ditadura do proletariado; desde seus primeiros passos, devido a situação de conjunto, teve que aplicar medidas mais radicais do que as que foram adotadas no início da revolução russa (...). A propriedade agrária – grande e média –, tal como existe na China, se mescla muito intimamente com o capitalismo das cidades e inclusive com o capitalismo estrangeiro. Na China não existem os latifundiários que se oponham à burguesia. O explorador mais comum e o mais odiado no campo é o kulak [camponês rico] usurário, agente do capitalismo financeiro das cidades. Assim, pois, a revolução agrária possui um caráter antifeudal e antiburguês”[xxxviii]. Além disso, “a expropriação direta das empresas capitalistas, e em primeiro lugar das estrangeiras, [foi] imposta pelo curso da luta imediatamente depois da insurreição vitoriosa”[xxxix].
       
6) Mao e o stalinismo: a ausência de organismos de poder das massas e a revolução cultural

Encontro de Mao e Stalin na primeira vez em que o líder chinês deixou a China

        Apesar das semelhanças e da admiração de Mao Tsé-tung por Stalin, existem grandes diferenças entre eles que merecem ser pontuadas. Obviamente, a grande mídia burguesa ocidental deita e rola nestas semelhanças! Transforma tudo numa coisa só, apaga a complexidade de todos os processos revolucionários, as críticas trotskistas, as visões marxistas sobre o tema, a experiência iugoslava e, por fim, afirma: isto tudo é “comunismo”! Precisam se manter pelo medo e pela ignorância, por isso lutam contra o esclarecimento.
        A primeira grande diferença entre Mao e Stalin é que o líder chinês não era um burocrata de bastidores que nunca colocou a mão num trabalho prático direto – sobretudo militar. Mao participou ativamente de todas as fases da revolução chinesa, em estreita colaboração com os camponeses. Partiu dele muitas iniciativas fundamentais que erigiram exércitos populares e novas formas de administração política – sobretudo na época das repúblicas “soviéticas”. Grande parte destas iniciativas entrou em conflito direto com a linha imposta por Moscou, embora Mao tenha mantido um pragmático silêncio chinês. Ao mesmo tempo que executava uma linha oposta – geralmente de cunho revolucionário –, ovacionava Stalin, que impunha uma política catastroficamente reacionária.
        Em 1938, Mao escreveu: “se os comunistas, que são parte do grande povo chinês, carne da sua carne, aplicam o marxismo sem levar em conta as particularidades da China, daí resultará um marxismo abstrato, esvaziado de qualquer conteúdo. A tarefa que o partido deve compreender e resolver urgentemente é aplicar o marxismo às condições concretas da China. Há que acabar com as fórmulas feitas no estrangeiro (...). Há que superar o dogmatismo e adquirir a maneira e o estilo chineses (...). Separar o conteúdo internacional da forma nacional é o traço característico daqueles que nada compreendem do internacionalismo”[xl]. No entanto, Mao escreve tudo isso sem endereçar uma única crítica a Stalin, o responsável direto por inúmeras catástrofes políticas que acometeram o PCC. Ao contrário disso, afirmou que “sob o ponto de vista das ‘leis objetivas’, a atuação de Stalin foi positiva para o socialismo”[xli]. Aqui neste trecho, apesar do espanto inicial ao lê-lo, percebemos que dentro da relativização do “ponto de vista das leis objetivas” cabe um universo de críticas jamais feitas.
        Diferente de Mao, ao longo da revolução russa Stalin não cumpriu nenhum papel relevante – a não ser o de posterior “coveiro da revolução”. Exerceu papéis secundários, inexpressivos ou abertamente reacionários, tanto no transcurso do ano de 1917, quanto no transcuro imediatamente posterior. Agiu como o pior tipo de burocrata de bastidores, trabalhando para juntar os fios do poder – no geral, sem nenhum risco de vida. A vasta obra de Trotsky – sobretudo a sua biografia intitulada “Stalin” – traz inúmeras provas e fatos sobre isso.
        A despeito destas grandes diferenças, para Mao, Stalin era o herdeiro legítimo do pensamento de Marx, Engels e Lenin; algo muito longe da realidade, pois ele foi o seu mais nefasto deturpador que enlameou o nome do socialismo mundo afora. Segundo Mao, “a teoria de Marx, Engels, Lenin e Stalin é uma teoria de valor universal”[xlii]. Citações como essa abundam no seu Livro Vermelho, onde ele ainda declara que Kruschev (o sucessor de Stalin que “denunciou” seus crimes) era “um servidor dos interesses de um punhado de membros da camada privilegiada burguesa do seu próprio país e dos interesses do imperialismo e da reação no plano internacional”; além de “ser despótico, violar o centralismo democrático do Partido, fazer ataques de surpresa contra os camaradas ou atuar de maneira arbitrária e ditatorial”[xliii]. Mao enxerga tudo isso em Kruschev, mas não em Stalin, quando na verdade o está descrevendo perfeitamente! Para poder exaltá-lo, teve que “ignorar” forçosamente toda a orientação política dada por Stalin à atuação do PCC na China. Como isso pode ser desconsiderado sem graves consequências?
        Mas, então, qual seria a diferença de Mao em relação a tudo isso? Além da atuação prática – que é um gigantesco diferenciador –, o maoísmo mistura elementos revolucionários com ilusões reformistas. Foi revolucionário na sua atuação entre os camponeses e a reforma agrária; reacionário em sua aproximação com o stalinismo. Podemos considerá-lo provinciano em muitos aspectos, baseado num pragmatismo e empirismos perigosos, mesclando elementos do jacobinismo rebelde a um bárbaro culto à personalidade. Dentro desta descrição é possível perceber os elementos diferentes e, ao mesmo tempo, semelhantes ao stalinismo tradicional. Ambos, porém, não tinha apreço pelos organismos populares das massas, levando muitas vezes, a práticas e discursos paternalistas. Apesar das semelhanças, nada apaga que Mao colocou a mão na massa e foi promotor de uma revolução, enquanto que Stalin foi sua negação – e ao exaltá-lo, Mao nega em parte sua própria revolução!
        A burocracia soviética já dominada por Kruschev tentou desmerecer Mao o chamando de “pseudo-marxista”, bem como faz hoje muitos “trotskistas”. Respondendo a essas acusações, Francisco Martins Rodrigues afirma que “só quem não dá nada pela revolução pode acreditar que o PCC teria sido conduzido da derrota e do impasse de 1927 até à conquista do poder, ao movimento das comunas, à crítica do revisionismo e aos combates da revolução cultural por um ‘pseudo-marxista’. Esse prodigioso salto de um quarto da humanidade, das trevas do feudalismo até ao espraiar impetuoso das manifestações e dazibaos reclamando uma sociedade igualitária, seria inconcebível sem a ação de dirigentes de estatura excepcional, produto, eles próprios, da grande maré revolucionária que convulsionou a China durante decênios”[xliv].
        Ainda sim, Mao seguiu o stalinismo por questões nitidamente pragmáticas: manter a coesão autoritária do PCC e o seu controle da massa como rebanho – eis o seu calcanhar de Aquiles que vai lhe cobrar um preço enorme após a tomada do poder. Na célebre polêmica do trotskista chinês Peng Suzhi com ativistas do SWP norte-americano sobre a natureza do PCC e o seu regime político, ele afirma que “quando Stalin ainda era vivo, o PCC ordenou seus membros, os quadros de cada organização, professores e estudantes na escola, etc., a estudar a ideologia stalinista (...). Após a morte de Stalin, no discurso de seu funeral, Mao disse: ‘todos os escritos de Stalin são impecáveis registros do marxismo-leninismo (....) [e uma] síntese do movimento comunista dos últimos 100 anos’ (os escritos mencionados por Mao incorporam a essência do stalinismo e a ‘cristalização’ de sua traição ao marxismo e ao leninismo, e sua falsificação da história do partido bolchevique). O comitê central do PCC, seguindo a linha desse discurso, imediatamente mobilizou numa vasta escala o ‘estudo do movimento da ideologia stalinista’, forçando todos os membros do partido e das organizações de juventude, professores nas escolas, os quadros das organização em todos os níveis e funcionários de todos os órgãos de massa a participar”[xlv].
        Assim, apesar das grandes diferenças, stalinismo e maoísmo se equivalem no essencial.
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        O maior exemplo das similaridades entre o stalinismo e o maoísmo se deu na “revolução cultural”, que foi um processo desencadeado por Mao para tentar superar a estagnação e os problemas resultantes da política do “grande salto adiante”, entre os anos de 1965 e 1969. Empobrecido nos seus recursos teóricos e ideológicos em razão da submissão ao stalinismo, restou repetir seus métodos.
        Durante um período Mao se afastou do governo alegando querer se dedicar à formação de novos quadros e uma “maior aproximação com a massa”. Neste ínterim, subiu ao poder o grupo de Liu Shao-chi e Deng Xiaoping, que manifestaram já de início tendências pró-burguesas e se tornaram alvo de duras críticas de Mao e da ala “ultra esquerdista”, como se fossem a expressão política dos resquícios da cultura antiga. No entanto, estas diferenças “não eram tão transparentes se levarmos em conta que as duas elites conviviam lado a lado, tinham relação de amizade e o mesmo e irrestrito respeito por Mao Tsé-tung. O líder, por sua vez, navegava com uma e outra tripulação, pois sabia que não podia dispensar o ardor dos ativistas nem a contida eficiência da nova burocracia. Isto explica a razão de não haver um discurso anti-maoísta, mas sim maneiras diferenciadas de demonstrar sua fidelidade e de interpretar ‘corretamente’ seu pensamento”[xlvi]. Foi assim que a fração de Deng Xiaoping iria proceder ao longo de todo período da “reabertura” ao ocidente na década de 1970 em diante, mesmo sendo destituído de seus cargos e condenado ao final da revolução cultural.
        O discurso oficial para desencadeá-la foi o seguinte: “o nosso trabalho é regido por milhares de regras que podem resumir-se, em última análise, numa frase: transformar a alma do homem e varrer as influências ideológicas das classes exploradoras existentes no espírito do homem”[xlvii]; “a grande revolução cultural em curso é uma grande revolução que atinge o homem naquilo que ele tem de mais profundo. Representa uma nova etapa, marcada por uma maior profundidade e uma maior amplitude do desenvolvimento da revolução socialista. Se bem que derrubada, a burguesia tenta corromper as massas e conquistar o seu coração por meio do pensamento, da cultura, dos costumes e dos hábitos antigos das classes exploradoras com vista à sua restauração. O proletariado deve fazer o contrário: opor uma resposta frontal a cada desafio lançado pela burguesia, no domínio ideológico e transformar a fisionomia moral de toda a sociedade com o pensamento, a cultura, os costumes e os hábitos novos que são próprios do proletariado”[xlviii]. A grande síntese ideológica da revolução cultural foi feita por Lin Piao e publicada no famoso Livro Vermelho, de onde despontam, como já foi alertado, inúmeras alusões positivas a Stalin.
        Apesar de terem premissas importantes e muito bem fundamentadas, a resposta é mecanicista, bem aos moldes do stalinismo. Assim, o desfecho não poderia ser outro que não o aumento da paranoia, a repressão e a morte de centenas de pessoas, condenadas como “burguesas” ou “feudais”. O método adequado de abordar tais premissas seria formular um enfrentamento baseado numa visão dialética, tal como Lenin expressava em relação ao surgimento de uma “nova cultura proletária”. Para ele, o primeiro passo seria integrar o proletariado na cultura existente para, posteriormente, esperar suas manifestações qualitativas, sobretudo depois de um longo florescimento econômico, social e político, aí sim, dando origem a uma “nova cultura proletária e socialista”.
        Poderia uma cultura proletária surgir “do nada” ou ela deveria ser o resultado do conflito dialético com a cultura antiga? Essa pergunta deve ser respondida em benefício da segunda opção, já que constatamos que a revolução cultural abandonou um dos princípios essenciais do marxismo, que é acompanhar toda a evolução científica e cultural da humanidade, que inevitavelmente surgirá da classe burguesa. Um exemplo disso é a proibição do estudo e da prática da psicanálise na China por parte do maoísmo[xlix], que a considerava uma “ciência burguesa”. Junto com ela, todas as outras escolas psicanalíticas – a de Jung, Lacan e Reich – foram banidas e, portanto, ignoradas. Como realizar, então, uma “revolução cultural” na mente humana ignorando os princípios da psicanálise; como entender uma família conservadora camponesa sem o arsenal analítico de Freud e Reich? No que tal tipo de “revolução cultural” poderia resultar?
        Somente naquilo que Francisco Martins Rodrigues classifica como uma “pretensa luta entre a linha proletária e a linha burguesa”, que na verdade disfarçara-se de uma “tenebrosa disputa pelo poder entre facções rivais da burocracia e das chefias militares”. Tal disputa levou os famosos guardas vermelhos – um bando anárquico de estudantes – a se fanatizar[l]. Ainda segundo Rodrigues, “desde que a China enveredara pela via da Nova Democracia [maoísta], não existiam, nem sequer em esboço, sovietes operários”. Como proceder uma “revolução cultural” sem investir em organismos de administração e democracia de massas?
        E Rodrigues ainda aponta que “apresentada inicialmente como uma campanha educativa para o aperfeiçoamento do socialismo, a revolução cultural foi na realidade a fase superior de uma luta política surda que desde a libertação vinha dividindo o partido chinês em duas alas. E se Mao desencadeou as hostilidades através de uma polémica literária não foi por amor aos floreios, mas porque a sua posição no comitê central chegara a um ponto crítico. A verdade é que, embora acima de qualquer contestação pública devido ao seu papel histórico e ao imenso prestígio de que desfrutava junto do povo, Mao perdia terreno como dirigente do partido e do Estado. As suas concepções de aprofundamento ininterrupto da revolução apareciam a um setor crescente dos quadros comunistas como uma fantasia teórica, inaplicável à construção do socialismo e carregada de perigos. Havia uma luta entre duas linhas, que se centrava na questão: seguir ou não o modelo soviético?”[li]. Porém, o setor que defendia não seguir o modelo soviético impôs a única alternativa de abrir a economia chinesa ao imperialismo ocidental.
        A “cobertura jornalística” e as diversas obras literárias produzidas pela mercenária mídia burguesa ocidental apenas condena a revolução cultural e sequer procura entendê-la. Da complexa realidade chinesa, os jornalistas, economistas e ideólogos burgueses reduzem toda a revolução cultural ao simples “autoritarismo comunista”. Como todo fenômeno humano, a revolução cultural possui inúmeras contradições, de onde despontam elementos positivos e negativos. Apesar da direção política ter sido catastrófica, baseada em concepções stalinistas, a revolução cultural incentivou algumas práticas de massas importantes como mobilizar as camadas inferiores do partido e da administração que não estavam “contaminadas” pelos privilégios do poder, para que se lançassem contra seus quadros superiores, a aproximação do intelectual com o trabalho manual (ainda que feita de forma autoritária e limitada, sem contrapartida) e a revisão permanente de todos os valores sociais e morais; mas também incentivou ações absurdas e inaceitáveis, que foram o resultado da referida compreensão mecânica sobre a cultura, em que os estudantes fanatizados invadiam casas e destruíam tudo aquilo que lhes invocasse o “passado feudal” ou a ingerência colonial, como discos, livros, objetos de arte, fotos, etc., além de golpearem e até executarem anciãos ou intelectuais.

7) Do “grande salto adiante” às “reformas” de abertura
        A construção do socialismo é um processo complexo, cheio de contradições, avanços e retrocessos, que refletem, dentre outros fatores, a violência da luta de classes. Um dos grandes obstáculos para essa construção é a disparidade de desenvolvimento econômico. A China era “semi-feudal”, agrária, analfabeta, repleta de tradições milenares do despotismo oriental, refém do misticismo e do animismo, desconhecendo quase por completo as principais técnicas da indústria e da produção moderna. Acrescente-se a isso a mentalidade conservadora de milhares de famílias camponesas e, então, teremos uma breve compreensão do drama histórico.
        Quem por ventura pensa que se pode mudar algo tão complexo como esta realidade a partir de receitas de bolos, pregando a “paz”, a “democracia”,  a “doçura elegante” de um discurso parlamentar ou a pureza de preceitos políticos, jamais poderá entender ou contribuir com essa mudança. É um doloroso jogo de forças e de equilíbrios que exige um trabalho penoso, ininterrupto e consciente – um verdadeiro trabalho de Hércules e Sísifo amalgamados! Segundo Pao-Yu Ching, “A transição socialista não é de modo algum tranquila: ela é marcada por muitas reviravoltas e viradas. Recuos e obstáculos acontecem. No entanto, a direção geral é sempre clara. Por conta de certas circunstâncias, recuos às vezes são necessários antes de avanços. Nesses casos, as razões por trás dos recuos devem ser claramente explicadas. Quando um país de Terceiro Mundo tenta desenvolver sua economia de maneira independente e o capital privado doméstico é muito fraco, a propriedade estatal é normalmente a única maneira de limitar o capital estrangeiro”[lii]. 
        O período da reconstrução econômica chinesa, empreendida entre os anos de 1949 e 1952, ficou marcado por uma aliança política entre as “quatro classes revolucionárias” (operária, camponesa, pequena burguesia e os “capitalistas nacionais” – as famosas estrelas amarelas que despontam na atual bandeira chinesa). A partir dessa aliança foi elaborado um difícil e contraditório programa comum, chamado de “a nova democracia” – uma adaptação da política imposta por Stalin aos Partidos Comunistas da Europa, também chamado de “democracias populares”. Como a China nunca havia passada por um período de desenvolvimento econômico com uma burguesia autóctone e independente, essa contradição precisou ser resolvida pela ditadura do proletariado liderada pelo PCC.
        Mao Tsé-tung se refere a esta questão da seguinte maneira: “A contradição entre a burguesia nacional e a classe operária é uma contradição entre explorador e explorado, por certo, originariamente antagônica. Todavia, nas contradições concretas da China, essa contradição antagônica entre as duas classes, sendo corretamente tratada, pode transformar-se numa contradição não antagônica, e ser resolvidas por métodos pacíficos. Essa contradição transformar-se-á numa contradição entre nós e o inimigo se não a tratarmos corretamente e se não seguirmos, com relação à burguesia nacional, a política de nos unirmos à ela, de a criticarmos e educarmos, ou se ela rejeitar essa nossa política”[liii].
        Aí está a plena adaptação da política de “nova democracia” à China. Neste confuso trecho, cheio de armadilhas, podemos ver não apenas os problemas pelos quais a China passou desde o início da revolução de 1949, como deixou em aberto os futuros precedentes que serão explorados por Deng Xiaoping na sua política das “quatro modernizações” de abertura ao imperialismo ocidental. Segundo Paulo Vizentini, “apesar de configurar-se como um governo de coalizão (denominado ‘Nova Democracia’), o poder efetivo concentrava-se nas mãos do PCC”; o que parece ser o caso ainda hoje. E conclui afirmando que “a estabilização dos preços e da moeda foi o saldo positivo desse processo. Nessa etapa, coexistiam no país empreendimentos de capital privado e público, havendo uma clara tendência de eliminação progressiva do primeiro. A recuperação de certa capacidade industrial, o desenvolvimento dos transportes e as boas colheitas configuram também um quadro favorável (...). No que tange às relações internacionais chinesas de forma específica, é importante destacar o seu caráter eminentemente defensivo, que perpassava seus dois eixos principais: a defesa da integridade territorial e a segurança contra investidas externas”[liv].
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        Com a inevitável estagnação econômica, fruto de uma realidade complexa, os empecilhos internos e o isolamento internacional imposto pelo imperialismo, o PCC avança para um projeto mais ambicioso, copiando os planos quinquenais soviéticos. “As relações entre a jovem revolução chinesa e o poderoso estado soviético – escreve Voltaire Schilling – se estreitaram com a assinatura de um Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua, firmado em Moscou em 1950, quando Mao realizou sua primeira viagem ao exterior (...). Naturalmente que este auxílio era bem menor do que aquele proporcionado pelos norte-americanos a seus aliados, que chegou a atingir 18 bilhões de dólares. Mas para a China este apoio financeiro se revelou importante por duas razões: a primeira é que a ajuda soviética se centrou nos setores modernos da economia, tais como a siderurgia, produtos de petróleo, indústrias elétricas e mecânicas, motores e eletrônicos, a maioria dos quais não existia antes de 1949, bem como contou com o apoio de mais de 10 mil técnicos dos mais variados ramos de atividade; a segunda, porque este auxílio permitiu dar os primeiros passos rumo à industrialização sem passar pelos tormentos da ‘acumulação socialista primitiva’, como ocorreu nos anos 20 e 30 na URSS. Sem esquecermos que, em termos logísticos, ela oferecia um poderoso escudo protetor contra as possíveis agressões norte-americanas baseadas na ilha de Taiwan, na Coréia do Sul e no Japão”[lv]. Além disso, Moscou devolveu as antigas concessões de Port Arthur e Dairen aos chineses. Houve, também, uma tentativa de aproximação da China com os países latino-americanos, árabes e afro-asiáticos recém-emancipados.
        Apesar do apoio soviético, o governo chinês divergiu profundamente do discurso político de Kruschev de desestalinização. Isso não impediu o PCC de propor a chamada “campanha das 100 flores” (1956-1957) que liberalizava a crítica interna, levando a um questionamento do poder exercido pelo partido e gerando uma onda de ressentimentos que teve como resposta uma repressão seletiva, demonstrando que não houve nenhum abandono real dos métodos stalinistas, seja na URSS, seja na China. Mao Tsé-tung recebeu com maus olhos a proposta de Kruschev de uma política de coexistência pacífica com o imperialismo, o que desencadeou uma série de rusgas entre a China e a URSS, expressas em artigos e críticas até conflitos diplomáticos internacionais, como as disputas territoriais na Ásia em que a burocracia soviética quase sempre se colocou no campo contrário ao da China. Os ataques foram aumentando o tom até culminarem na ruptura entre ambos os países, em 1960, e a posterior ordem de Kruschev para que “todos os técnicos soviéticos suspendessem suas atividades na China e retornassem ao país. Centenas de projetos de cooperação foram totalmente abandonados e todo o setor industrializado avançado do país foi afetado. Fábricas ficaram paradas e muitas obras interrompidas no meio do caminho”[lvi]. Esta é a maneira da burocracia stalinista de “construir o socialismo”.
        Mesmo com os ataques mútuos entre China e URSS de que cada qual tinha “se desviado” do verdadeiro caminho do socialismo, o fato concreto é que a política exercida pela burocracia soviética representava um entrave e um freio ao desenvolvimento da China, que começa neste momento a expressar certas tendências de se transformar na locomotiva com pretensões mundiais que conhecemos hoje, lhe destinando um papel secundário.
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        A partir desta ruptura no bloco soviético, que será amplamente explorada pelos EUA, o governo chinês propõe o chamado “grande salto adiante” (1958-1965): uma espécie de plano quinquenal sem o auxílio soviético, mas mantendo todas as suas nomenclaturas e ideias chaves. No discurso oficial, procurava ser um “caminho mais curto para o desenvolvimento a partir do reforço do setor agrícola (ampliação das coletivizações sob gestão camponesa) e da manutenção do ritmo de desenvolvimento industrial”[lvii]. Dada a incapacidade tecnológica e cultural, somado à falta de investimentos, o PCC sugeria que a mobilização e o “voluntarismo” das massas populares realizariam as grandes tarefas propostas pelo plano econômico. “Os absurdos mortais do ‘grande salto adiante’ – escreveu Hobsbawm – se deveram basicamente à convicção, que o regime chinês partilhava com o soviético, de que a agricultura devia ao mesmo tempo alimentar a industrialização e manter-se sem o desvio de recursos de investimento industrial para ela. Em essência, isso queria dizer substituir os incentivos ‘materiais’ por ‘morais’, o que significava, na prática, pôr o volume quase ilimitado de braços humanos disponíveis na China no lugar da tecnologia que não havia”[lviii].
        Já para Francisco Martins Rodrigues, que faz um balanço duríssimo desta experiência, mesmo “aclamado pelo comitê central como uma ‘maré irresistível do movimento de massas à escala nacional’ e consagrado na imprensa oficial como uma inovação de alcance histórico, o grande salto em frente estava, porém, condenado ao fracasso. Para os direitistas não era difícil demonstrar a incongruência de se pretender levar os camponeses a passar ao comunismo quando a economia não estava preparada para tal. A supressão dos estímulos materiais e a distribuição de alimentos segundo as necessidades e não de acordo com o trabalho prestado iriam provocar uma baixa na produção. A criação de indústrias artesanais improvisadas nas comunas não tinha qualquer valor econômico. Tudo não passava de uma espécie de ‘comunismo primitivo’”[lix].
        Apesar de uma melhora razoável nas colheitas de 1964 e um nível satisfatório da produção industrial – com a explosão-teste da primeira bomba atômica chinesa –, o “grande salto adiante” não teria como alçar voo, levando apenas ao acirramento das divergências dentro do PCC e ao desencadeamento de uma crise política que culminaria na proposta de “revolução cultural”, cujo objetivo era cobrar aqueles que “não entenderam a proposta socialista” para que “mudassem de postura”. Foi explorando o esgotamento desse modelo de desenvolvimento que a fração de Deng Xiaoping, mesmo condenada num primeiro momento pelos tribunais da revolução cultural, irá basear a sua estratégia política e econômica de subida ao poder. Em outras palavras, a revolução cultural consumirá o resto de energia presente nesta estratégia inspirada no desenvolvimento russo e na suposta resolução dos problemas econômicos a partir da “mobilização das massas”, substituindo-a por uma de pragmatismo-econômico, bem aos moldes do tecnicismo burguês.
        Soma-se a isso a pressão exercida pelo Plano Carter, onde a estratégia do imperialismo ianque precisou ser modificada em função da sua taxativa derrota no Vietnã. Este plano ficou conhecido como a “contra-revolução democrática” que, de certa forma, é aplicado até hoje. Ele dá preponderância às questões econômicas e diplomáticas, sobretudo de resposta à supostas crises econômicas, procurando desenvolver acordos que visem planos de austeridade e a estabilização da luta de classes. Este é o sinal que vai ser compreendido pela fração de Deng, não sem o consentimento de Mao Tsé-tung.
        No final da revolução cultural, quando a China fica totalmente arruinada e paralisada econômica e politicamente, Mao, que num primeiro momento incitou a fração “ultraesquerdista” da qual faziam parte sua esposa, Chiang Jing, e Lin Piao, passa a apoiar a ascensão ao poder de Chou En-lai e Deng Xiaoping, que é reabilitado perante os olhos de todo o partido. É o próprio Mao que recebe de braços abertos Richard Nixon para selar a reabertura das negociações diplomáticas entre EUA e China durante o auge da guerra do Vietnã. Logo após a morte de Mao Tsé-tung, em setembro de 1976 – que servia como uma espécie de árbitro respeitado entre as frações em disputa –, Deng Xiaoping, no melhor estilo dos processos stalinistas de liquidação de opositores, com o discurso de “será eles ou nós”, prende e elimina a fração “ultra esquerdista”, ficando com o caminho livre para o poder.
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        Deixemos falar agora a grande economista Pao-Yu Ching, que faz uma síntese desta evolução econômica e social com o olhar dos próprios chineses que possuem consciência de classe: “Depois que o Partido Comunista derrotou os Nacionalistas e estabeleceu o governo popular em 1949, o novo governo confiscou todo o capital burocrático e o capital estrangeiro. Ele nacionalizou todos os principais recursos de transporte, comunicação e manufatura. A China chamou (e ainda chama) o período entre 1952 e 1956 de transição ao socialismo e o período depois de 1956 de socialismo. De acordo com nossa análise, durante o período de 1949-1978, o Estado instituiu política que indicavam claramente que a direção da transição era para o comunismo e, portanto, a transição era socialista. Por outro lado, as políticas das reformas de Deng desde 1979 indicam claramente que a direção foi invertida no sentido do capitalismo, e que a transição desde 1979 é capitalista”[lx].
        O grande erro da brilhante análise de Pao-Yu Ching sobre o avanço da restauração do capitalismo na China é crer que havia uma linha divisória clara entre Mao e Deng, sendo o primeiro o representante consciente do socialismo; e o segundo, do capitalismo. Esta divisão esquemática precisa ser revista através do aprofundamento de uma análise dialética. Para Francisco Rodrigues, ao contrário, “a direita, pela sua parte, resistia entrincheirada também em posições conciliatórias de Mao”[lxi].
        Ignorando este problema, vejamos como Pao-Yu, se baseando em Marx, expôs a questão da transição socialista: “Marx de fato dizia que haveria uma fase inicial e uma fase superior na transição do capitalismo ao comunismo. Cada fase tem certas características. No entanto, não pensamos que ele quis dizer que deveria haver uma divisão entre as fases como se elas fossem coisas diferentes. Por isso, existem tanto elementos capitalistas quanto elementos comunistas durante a transição socialista. Mao acreditava que tanto projetos capitalistas quanto projetos socialistas tinham características duplas. Por outro lado, Liu e Deng diziam que qualquer elemento comunista durante a fase inicial seria prematuro. Hoje se torna mais claro que o que Deng e seus apoiadores fizeram foi usar a ‘fase inicial do socialismo’ e a ênfase que colocavam nos incentivos materiais como desculpas para expandir a produção de mercadorias e para instituir seus projetos capitalistas de modo a inverter a direção da transição”[lxii]. A concepção geral está correta, muito embora Marx e Engels provavelmente não pensassem numa transição de algumas décadas baseadas em planos quinquenais fechados em um só país e independentes do mercado mundial.
        Examinemos agora o que ela diz sobre a reforma agrária: “A reforma agrária na China não foi simplesmente uma política econômica de distribuição da terra, tomando os títulos de propriedade dos latifundiários e os distribuindo entre os camponeses. Pelo contrário, ela foi um movimento de massas por mudanças econômicas e ideológicas impulsionado pelo Partido Comunista da China. O PCC mobilizou os camponeses pobres e médio-baixos e os organizou para tomar a terra dos latifundiários e expor seus crimes”. Porém, “logo depois da reforma agrária, alguns camponeses começaram a vender suas terras por problemas pessoais e/ou desastres naturais. Em muitos países de terceiro mundo, a situação foi semelhante: depois da reforma agrária, os camponeses não conseguem se sustentar e eventualmente tiveram que vender suas terras para proprietários de grandes fazendas comerciais. Nesses casos, a reforma agrária apenas transferiu a terra da velha classe de proprietários de terras para a nova classe de capitalistas e assim ajudou o desenvolvimento capitalista”[lxiii].
        Mesmo com todo o processo revolucionário, a mentalidade e as relações sociais não mudam automaticamente, como sustenta o marxismo mecânico e messiânico. Esta é a prova empírica, o que aumenta o papel do elemento consciente e psicológico nesta transição. A base material também é insuficiente e talvez intensifique algumas necessidades materiais básicas em determinados momentos.
        A grande justificativa dada por Pao-Yu para diferenciar o período de Mao do de Deng é o surgimento e a expansão das comunas: “o sistema de comunas, um projeto socialista, beneficiou a maioria dos camponeses. Pela primeira vez em milhares de anos, a maior parte dos camponeses chineses tinha vidas seguras. Da cota de grãos garantida, eles tinham o suficiente para comer. Do dinheiro que ganhavam com os pontos de trabalho, compraram roupas, sapatos, toalhas, sabão, garrafas de água e outras necessidades da vida. Os seus filhos iam para a escola e tinham educação. Médicos rurais cuidavam das pequenas necessidades médicas, e havia os hospitais da comuna ou regionais para as doenças mais sérias. Ainda que eles tivessem que pagar por alguns dos custos médicos das doenças mais sérias, esses custos eram baixos. Durante a semeadura da primavera, não tinham que se preocupar em comprar sementes e fertilizantes. O fundo de acumulação se responsabilizava pela substituição das ferramentas antigas por novas. No período da colheita, eles não tinham que se preocupar com a venda de suas plantações ou com preços de mercado flutuantes. As famílias que não tinham trabalho produtivo recebiam as cinco garantias mínimas, que eram comida, habitação, saúde, cuidados com os idosos e custos de funeral para os mortos. Durante os meses de inverno, quanto o trabalho de cultivo era pouco, as comunas organizavam seus membros para construir infraestrutura, como sistemas de irrigação e drenagem, estradas e estações de eletricidade. Eles também investiam o trabalho pesado na terra fazendo terraços, aterrando riachos, juntando pequenos lotes de terra para prepará-los para as máquinas agrícolas. Durante os anos 1970, as comunas respondiam ao chamado ‘aprender com o modelo de Dazhai’, e 80 milhões de camponeses participaram na construção de capital agrícola todo ano, acumulando um total de 8 bilhões de dias de trabalho na terra. Estimava-se que durante o início e o meado da década de 1970, 30% da força de trabalho rural total se dedicava ao investimento da terra e à construção de infraestrutura”[lxiv].
        Sem dúvida as comunas eram projetos fundamentais para o desenvolvimento do socialismo, como Pao-Yu atesta; e que Deng Xiaoping e sua burocracia “modernizante” cometeram um crime ao destruí-las. Porém, uma nova economia socialista não pode se basear apenas em comunas mais ou menos isoladas, mas estabelecer uma forma de troca entre si – e, sobretudo, com o mercado mundial. Comparemos a análise que faz Pao-Yu com o que dizia Deng Xiaoping quando este subiu ao poder no final da década de 1970.
       
8) Da reabertura das “quatro modernizações” à ascensão mundial: que preço foi pago?
        Sempre tendo em mente os métodos stalinistas utilizados por Deng para assumir o poder no PCC, examinemos o seu discurso: “A chave para atingir a modernização é o desenvolvimento de ciência e tecnologia (...). Conversa mole não vai levar nosso programa de modernização a parte alguma; precisamos ter conhecimento e pessoal treinado (...). Agora parece que a China está uns bons vinte anos atrás dos países desenvolvidos em ciência, tecnologia e educação (...). Já na Restauração Meiji, os japoneses começaram a fazer um grande esforço em ciência, tecnologia e educação. A Restauração Meiji foi uma espécie de campanha de modernização empreendida pela emergente burguesia japonesa. Como proletários devemos, e podemos, fazer mais”[lxv].
        Em outro texto ele faz as seguintes observações: “Nós não devemos negar o princípio de uma retribuição de acordo com a contribuição fornecida, não devemos ignorar a necessária existência de disparidades. Não somente o igualitarismo é impossível hoje, mas será igualmente impossível no porvir (...). Um sistema de trabalho que não leva em conta as diferenças de intensidade de trabalho, a competência e a qualidade do trabalho fornecido não é propícia a mobilização das massas para a construção do socialismo (...). Mas certos camaradas nossos tratam ainda de fazer metafísica entre as relações da política com a economia, entre revolução e produção (...). Eles não falam a não ser em política, eles não dizem nada de economia: eles falam apenas em revolução e não em produção”[lxvi].
        É com esta dicotomização de conceitos caros aos revolucionários, misturando terminologias socialistas com um discurso técnico-desenvolvimentista burguês, que Deng cria as condições políticas para a implementação do seu projeto que ficou conhecido como “as quatro grandes modernizações”, que consistem no seguinte: “modernização industrial: adquirir tecnologia para reorganizar a produção, centralizando-a, bem como centralizando as regras relativas ao trabalho para obter uma maior produtividade. Para aumentar o nível da produtividade e, consequentemente, dos rendimentos, os prêmios em dinheiro e as recompensas materiais foram restabelecidos; modernização agrícola: descoletivização gradual e incentivo à mecanização e ao desenvolvimento tecnológico; modernização da defesa: calcada no reordenamento das forças armadas; modernização cultural: os princípios da eficácia e da produtividade devem reger os parâmetros utilizados nos exames, privilegiando aqueles ‘mais aptos intelectualmente’”[lxvii].
        As modernizações industrial e agrícola pressupunham um maior intercâmbio com o mercado mundial visando obter tecnologia avançada. Outro ponto fundamental deste programa, em total sintonia com os demais, previa a abertura externa seletiva do país, criando zonas francas (chamadas eufemisticamente de “zonas econômicas especiais”) para a captação de investimentos externos e, sobretudo, tecnologia estrangeira. Desta forma, várias empresas transnacionais estadunidenses e europeias se estabeleceram na China atraídas por estas vantagens e pelos custos da mão-de-obra. “Inicialmente – escreve Paulo Vizentini – os termos de troca eram desfavoráveis à China (fornecedora de matérias-primas industriais e de produtos alimentícios e importadora de maquinaria, equipamentos e tecnologia). Entretanto, a partir de 1978, tais acordos passaram a visar investimentos no país, oriundos de empresas e Estados capitalistas, associados ao Estado chinês, tendo maior privilégio os projetos industriais cuja produção visasse a exportação”[lxviii]. Com esta política, a China foi recebendo parte do “segredo tecnológico” dessas empresas transnacionais e, também, mudando a antiga postura de não se endividar com países estrangeiros. A implantação de um grande número de joint ventures, envolvendo as mais curiosas parcerias (por exemplo, sino-sul-coreanas), transformou estruturalmente a geografia econômica da região siberiana, e consequentemente, a geopolítica da Ásia[lxix].
        “Assim – escreve Enio Bucchioni e Elisabeth Marie –, a grande luta interna do PCC e a forma de se efetivar as Quatro Modernizações têm um endereço certo: a busca de capital e tecnologia no ocidente imperialista. O primeiro sintoma grave dessa intenção se fez sentir no final de 1978, com a chamada ‘grande virada’ da China para o ocidente: a decisão de abandonar o princípio de não contrair débito com o imperialismo. A partir de então, seus dirigentes não só aceitaram os créditos oferecidos pelo ocidente, como também passaram a solicitá-los ativamente. Aceitaram até mesmo a formação de ‘joint-ventures’ com corporações imperialistas. De acordo com o ‘International Herald Tribune’, de 12 dezembro de 1978, o objetivo do governo chinês é a obtenção de US$ 100 bilhões em investimentos até 1985”[lxx]. Podemos afirmar que com essa “grande virada ao ocidente”, a China ajudou o capitalismo internacional a sair da profunda crise que passava na década de 1970, oferecendo um gigantesco mercado ao imperialismo ocidental, antes inacessível.
        A abertura da sua economia ao ocidente não ocorreu sem um preço caríssimo a ser pago pela reaproximação diplomática com os EUA. O lema do imperialismo anglo-saxão é “não existe almoço grátis”, por isso a China precisou demonstrar sua “boa vontade” aos investidores estrangeiros. Primeiro foi a denúncia da URSS como “social imperialismo”. Depois, teve que demonstrar sua constância ao invadir o Vietnã para evitar que este derrubasse o governo do Camboja – aliado local dos EUA – e desencadear uma verdadeira campanha contra o governo vietnamita, que tinha se tornado o aliado preferencial da URSS. Segundo Enio Bucchioni e Elizabeth Marie, “a questão relevante permanece na esfera política: é a relação existente entre o Plano Carter e as Quatro Modernizações da China (...). Com os planos de modernização tomando conta de sua mente, inclusive a modernização do exército, a burocracia chinesa não deve estar interessada em colaborar no aparecimento de qualquer área de ‘instabilidade’ na região e ser obrigada a desviar parte de seus recursos para a sustentação de uma guerra. Pelo menos por enquanto”[lxxi].
        Além deste crime, a China cometeu outros ainda mais macabros: “durante a afirmação da nova política nos anos 70, e, em menor medida, nos 80, a política externa chinesa aplicou um anti-sovietismo militante, que a levou a apoiar regimes e movimentos políticos de direita, simplesmente por oposição à URSS. Esse foi, por exemplo, o caso do golpe militar no Chile, em que Pequim reconheceu imediatamente o governo do general Pinochet e, com ele, manteve excelentes relações”[lxxii]. A China inverteu completamente sua diplomacia internacional, começando com a ruptura no bloco soviético para vender-se como digna de confiança aos investidores estrangeiros, tal como eles se apresentavam naquele momento.
        Por fim, Paulo Vizentini orgulhosamente nos diz que as “reformas” de abertura, que, até 1984, se restringiam ao campo, foram estendidas por Deng e o PCC às cidades, “liberalizando o controle sobre os preços e dando poder aos diretores de empresas para contraírem empréstimos e demitirem pessoal, acabando com a garantia de pleno emprego. Os resultados das reformas logo se fizeram sentir: o país passou a exportar alimentos e conheceu um notável crescimento econômico, que atingiu mais de 10% ao ano (...). O impacto da inserção mundial da China foi imenso, não apenas pela elevadíssima taxa de crescimento, mas pelo peso econômico e populacional do país (mais de um quinto da humanidade), além de sua dimensão continental”. Depois desta grande apologia acrítica às reformas de Deng, Paulo Vizentini conclui afirmando que o “inegável aumento do nível de vida e da renda per capita era acompanhando pelo aumento das desigualdades sociais, da corrupção e da criminalidade”[lxxiii]. Além disso, cabe destacar o alto custo ambiental desse crescimento chinês, que transformou o país no principal emissor de dióxido de carbono, superando os EUA[lxxiv]. Foi feito uma “revolução cultural” às avessas, em que se glorificava o enriquecimento individual, ao mesmo tempo em que se lançava uma suposta campanha contra a “poluição espiritual” dos valores ocidentais e capitalistas. No melhor estilo de Benjamin Franklin, se exaltava o trabalho produtivo e, simultaneamente, a intocada e inquestionável estrutura stalinista do PCC. Apesar disso, segundo Paulo Vizentini, “educação, saúde, habitação, alimentação e transporte público têm um custo baixo na China, permitindo-lhe uma elevada competitividade (assim, o baixo salário nominal não reflete a situação real dos trabalhadores chineses)”[lxxv].
        Entre as décadas de 1990 e 2000, o curso iniciado com as “reformas” de Deng Xiaoping se intensifica, levando a novas tratativas para o ingresso da China na Organização Mundial do Comércio (OMC). A partir daí uma nova era de enfrentamento se inicia, só que desta vez no campo econômico. Grande parte da produção chinesa é subsidiada pelo Estado, o que gera “denúncias” por parte dos concorrentes imperialistas, que fazem o mesmo, embora neguem, alegando “concorrência desleal”. Com seu imenso mercado interno – o maior do mundo –, a China transformou-se num verdadeiro buraco negro que ameaça tragar todos os corpos celestes a sua volta. Entre o final da década de 2000 e 2010 vimos o acirramento dos métodos de guerra híbrida do imperialismo estadunidense para sabotar a ascensão da China – inclusive desenvolvendo e se utilizando de métodos neofascistas.

9) Perestroika soviética versus “perestroika chinesa”
        A legalização do capital e da propriedade privada não levou à mudança na estrutura das instituições políticas de poder no país. Deng Xiaoping e o PCC, escondendo-se atrás do pragmatismo chinês, trocaram uma diplomacia de um Estado operário degenerado, porém com certas tendências socialistas e terceiro-mundistas, por uma abertamente de direita. No entanto, mantiveram internamente o “caráter inegociável” de suas instituições político-sociais, inclusive do poder exclusivo do PCC; além da manutenção de sua moeda, o yuan, em um relativo equilíbrio com o dólar. Paulo Vizentini, como representante da tendência “econômico-realista” que é acriticamente entusiasta da ascensão mundial chinesa, afirma, ecoando Deng Xiaoping, que “ao lado do aprofundamento das reformas, foi reafirmado o papel leninista do PCC como o guia e detentor do monopólio político”[lxxvi]. Na verdade, esta concepção é totalmente alheia ao leninismo, sendo a perfeita encarnação da teoria stalinista de partido, a qual Vizentini confunde em diversas passagens do seu livro (“erro” cometido pela maioria dos autores ocidentais).
        Já na URSS, a perestroika levou à restauração do capitalismo, a destruição das instituições soviéticas e ao esfacelamento do seu Partido Comunista, substituído por uma miríade de partidos burgueses que se assenhoraram do poder e nunca mais deixaram espaço para os comunistas. A economia foi inundada de fora para dentro, sendo despedaçada pela ganância dos investidores estrangeiros e a clara conivência da burocracia soviética, que, com sua tendência mafiosa, se aliou inescrupulosamente a estes setores externos. O mesmo não aconteceu na China, onde a burocracia do PCC não perdeu o controle do processo em nenhum momento – aliás, esse tem sido o principal foco dos ataques do imperialismo ocidental, que quer derrubar o PCC para poder instituir a democracia burguesa e, assim, chegar ao poder político também. Se a China ainda luta pela hegemonia mundial foi, justamente, porque não perdeu o controle político, pagando todos os preços descritos até aqui. Segundo Hobsbawm “o colapso do comunismo após 1989 se limitou à URSS e aos Estados em sua órbita. Os três regimes comunistas asiáticos (China, Coréia do Norte e Vietnã) assim como a distante e isolada Cuba, não foram imediatamente afetados”[lxxvii]. Excetuando Cuba, parece que Hobsbawm tem razão, apesar do seu termo preferido ser “colapso” ao invés de “restauração”; e utilizar a caracterização de “regime comunista”, bem ao gosto da grande mídia ocidental.
        A tentativa do imperialismo de se utilizar da manifestação dos estudantes chineses na famosa “revolta” da Praça Tiananmen (Praça da Paz Celestial), ocorrida em abril de 1989, não obteve êxito, pois o PCC, já liderado por Deng, conseguiu reverter a situação em seu favor. Portanto, esta “revolta” não conseguiu cumprir o mesmo papel que as manifestações pró-democracia (burguesa) organizadas pelo sindicato solidariedade na Polônia e apoiadas vergonhosamente por uma série de organizações “trotskistas”. Por trás delas estavam os agentes “democráticos” do imperialismo ocidental, salivando para tomar o controle político da China, tal como fizeram na ex-URSS e no leste europeu. Esperando que o processo chinês repetisse a sequência da queda do muro de Berlim e da perestroika da URSS, muitos ideólogos da burguesia sustentaram que o desenvolvimento do capitalismo como resultado inevitável das reformas de Deng Xiaoping conduziria, necessariamente, à adoção de regimes políticos ocidentais baseados na democracia burguesa. Tais ideólogos mostraram-se muito otimistas e confiantes das manifestações da Praça Tiananmen, que não tinham raízes tão profundas quanto desejavam – a despeito de toda a ininterrupta e gigantesca campanha midiática internacional. A burocracia chinesa sustentou que as instituições internas são inegociáveis e assim tem se mantido desde então.
        Somente quando o capitalismo foi plenamente restaurado na URSS, por volta de 1991, que a Rússia e a China retomaram as relações diplomáticas rompidas em 1960. Cabe destacar que a perestroika foi uma política consciente de restauração do capitalismo e não de “colapso”, como dá a entender a historiografia oficial – inclusive a do nosso “marxista” Hobsbawm. Foi apenas na década de 2000 que a máfia de Vladmir Putin juntou força política suficiente para conseguir se aproximar da China, costurando um acordo com a burocracia de Pequim no sentido da conformação do bloco de poder que divide o mundo atualmente. A Rússia constituía o elo terrestre que serviria de base para a constituição de um grande espaço eurasiano. A diplomacia chinesa passou a construir uma nova aliança entre os mercados emergentes dos países asiáticos, conformando diversas parcerias estratégicas. “Alguns autores – como o próprio Paulo Vizentini – falam da emergência da Eurásia como uma nova região geopolítica e econômica”[lxxviii]. Percebendo esta ameaça, os EUA tentaram, sem sucesso, desde o início do século XXI, não apenas ter acesso direto aos recursos econômicos da Ásia Central, mas evitar que a região torne-se uma espécie de zona de contato entre a Ásia e a Europa.
        A reabertura da rota da seda é um projeto muito maior do que empreendimentos ligados apenas ao turismo e à saúde, mas já está em curso uma série de parcerias econômicas com a Europa. Segundo diversos analistas, a crise sanitária do coronavírus foi uma tentativa de quebrar pelo meio este projeto. Para o imperialismo estadunidense, uma Ásia maior, comportando mais países que agem com uma economia voltada para o próprio continente, representa a perda gradativa do controle geopolítico sobre a região. E a China, dado o seu peso político, econômico e social, acaba sendo a impulsionadora deste projeto, tal como o já referido grande buraco negro que vai atraindo os corpos celestes a sua volta.

10) O que é o “socialismo com características chinesas”?
        Em um estudo para o governo dos EUA, Andrew Szamosszegi e Cole Kyle trouxeram as seguintes informações acerca da situação atual da China: “O fato de o setor estatal continuar sendo uma força na China não deve ser uma surpresa. Nem Deng Xiaoping nem a liderança atual procuraram eliminar o setor estatal. Como Deng observou em 1984, num discurso citado anteriormente, ‘o setor socialista é a base da nossa economia’. Embora existam conflitos entre aqueles que prefeririam reformas mais rápidas e aqueles que procuram retrocedê-las, o objetivo atual da política é ‘socialismo com características chinesas’. Do ponto de vista econômico, socialismo com características chinesas significa ‘um sistema econômico de mercado, orientado por uma variedade de formas de propriedade, com o domínio da propriedade estatal’”[lxxix].
        Obviamente, o discurso de Deng é falacioso porque tenta resumir “socialismo” à “controle de setores da economia pelo Estado”. Isso é parte importante do socialismo, mas está muito longe do seu real objetivo e significado. O que significa o discurso de “socialismo com características chinesas”, defendido tão enfaticamente por Deng Xiaoping e, sobretudo, por Xi Jinping nos dias de hoje?
        Em seu recente livro intitulado “A governança da China”, Xi Jinping afirma que atualmente “aderir e desenvolver o socialismo com características chinesas significa defender o socialismo no seu sentido verdadeiro. O caminho do socialismo chinês é a única maneira de alcançar a modernização socialista da China e criar uma vida melhor. Este caminho nos leva ao desenvolvimento econômico como tarefa central e acarretam formas econômicas, políticas, culturais, sociais, ecológicas, dentre outras, de progresso. Isso adere aos quatro princípios cardeais e à política de reforma e abertura. A teoria do socialismo com características chinesas é a mais recente conquista da adaptação do marxismo às condições da China”[lxxx]. O que se vê neste trecho é uma grande tergiversação a respeito do “socialismo com características chinesas”, no mais das vezes, sustentado por um discurso oficial e tentando disfarçar-se com uma justificativa marxista. A começar pela flagrante mentira em relação ao “desenvolvimento ecológico”, já que a China ultrapassou os EUA na degradação ambiental. Ora, afirmar que este “socialismo” é a adaptação do marxismo às condições da China é tentar utilizar-se da sua autoridade moral para fazer justificar uma prática empírica e pragmática, disfarçando seu estreito espírito stalinista de “socialismo num só país”. Se quisessem ser honesto, Xi e o PCC deveriam reconhecer que, por questões impostas pela realidade, foram obrigados a violar muito dos seus princípios básicos. Mas Xi Jinping faz exatamente o oposto e afirma que foi enfatizado no 18º Congresso do PCC que a China estaria no estágio inicial do socialismo[lxxxi].
        Paulo Vizentini, reproduzindo Deng Xiaoping, sustenta que na China existe “socialismo de mercado” e Elias Jabbour, no mesmo sentido, afirma que se trata “um novo modo de produção na China”[lxxxii]. Seriam possíveis tais tipos de formações econômicas? Não teria algo de estranho nisso tudo? Existe uma grande mistificação da China justamente por aqueles que se deslumbram com o desenvolvimento econômico chinês e procuram dessa forma lhe atribuir determinadas qualidades. O que há na China, afinal de contas?
        A economia chinesa hoje é uma espécie de capitalismo de Estado. Obviamente que possui determinadas peculiaridades que a diferem do capitalismo de Estado dos EUA da época do New Deal ou do Brasil de Getúlio Vargas, justamente porque a estrutura política do Estado e do governo está embasada num resquício de stalinismo (chamado capciosamente pelos ideólogos do imperialismo ocidental de “leninismo”), o que impede que a burguesia nacional e internacional consiga se apoderar totalmente do poder político. É justamente por isso que para Deng e os seus sucessores no PCC as instituições políticas da China são inegociáveis. Paulo Vizentini afirma que as reformas promovidas por Deng “combinavam o planejamento socialista com o mercado de uma forma original: o planejamento era descentralizado, enquanto os mercados eram centralizados”[lxxxiii]. Só o pensamento esquemático pode resumir socialismo à estatização e planejamento. O New Deal de Roosevelt planejou obras públicas, mas isso não o transformou em “socialista”; assim como qualquer outro país do mundo que intervir na economia.
        Segundo Pao-Yo Ching, “em outros países capitalistas avançados, a participação do Estado no planejamento é ainda maior. No Japão, por exemplo, o Estado tem tanto planos de curto prazo quanto planos de longo prazo para a economia que dão indicações das taxas de crescimento alto, do uso de energia, da necessidade de força de trabalho, etc. Nos países em desenvolvimento, o planejamento estatal também tem um papel importante. Em Taiwan, por exemplo, o Estado ativamente promoveu uma economia movida a exportações. Ele projeta a necessidade de infraestruturas públicas para facilitar o transporte de bens de exportação. O Estado também esteve diretamente envolvido no planejamento do uso de energia, na produção de matéria-prima para exportação industrial (aço, plástico, etc.). Assim é um mito que nos países capitalistas há um ‘livre sistema empresarial’ que conta apenas com os mecanismos de mercado para funcionar. O planejamento não é o oposto do mercado, os dois se complementam no sistema capitalista”[lxxxiv].
        Assim, estes teóricos, a grande mídia e o imperialismo ocidental usam apenas o critério político para definir a China como “socialista” ou “comunista”; os primeiros porque, como já foi dito, são entusiastas do suposto “socialismo chinês”; os segundos, porque querem derrubar as instituições “inegociáveis” do PCC para instaurar a democracia burguesa que pretende recolonizar e dividir a China novamente. A intervenção do Estado na economia é muito importante para controlar o caos do mercado e desmente totalmente as falácias dos canalhas neoliberais, mas está muito longe de ser “socialismo”.
        Começamos a falar em socialismo quando houver controle operário da produção e atuação consciente dos trabalhadores por local de trabalho, estudo e moradia. Nada disso acontece na China, que tem o controle exercido de forma autoritária – ainda que “eficiente” – e horizontal. Tampouco caminha no sentido do socialismo, o que poderia ser um alento, mas infelizmente não é o caso. Na China operam a propriedade privada, a acumulação de capital, uma das maiores desigualdades sociais do mundo e a exploração inescrupulosa da força de trabalho, sem que o proletariado tenha direito sequer de opinar sobre os rumos do seu próprio trabalho, da economia e da política – tal como acontece com os trabalhadores ocidentais. O mesmo discurso falacioso é aplicado no caso de Hong Kong: “um país, dois sistemas”. Na verdade, o que existe lá é um país e um sistema[lxxxv]!

11) Capitalismo de Estado, socialismo e comunismo
        Um observador atento poderia perguntar se o 18º Congresso do PCC não estaria tentando dizer que a atual economia chinesa, na verdade, seria apenas o primeiro estágio do socialismo. Foi Hu Yaobang – um dos sucessores de Deng Xiaoping – que promoveu a tese do “primeiro estágio do socialismo”, sustentando nela que como “a China ainda estava em um estágio inicial do socialismo, poderiam ser usados métodos capitalistas para desenvolver sua economia”[lxxxvi]. Isso seria verdade? Se sim, até que ponto?
        Pao-Yu, citando Marx, nos disse que haveria uma fase inicial e uma fase superior na transição do capitalismo ao comunismo, cada qual com suas características próprias. Não há uma receita de bolo para esta transição, apenas indicações teóricas que precisam ser cuidadosamente estudadas e comparadas com a realidade, que é sempre muito mais rica e complexa. A fase inferior do comunismo – sistema que nunca existiu sobre a face da Terra – é o socialismo, que surge a partir das contradições econômicas e sociais geradas pelo capitalismo e que levaria a uma revolução proletária. O comunismo seria a fase superior do socialismo, isto é, a expressão de quando o nível de desenvolvimento econômico, político, social e psicológico criariam as condições para o desaparecimento das classes sociais e do Estado, dando lugar a uma sociedade autogestionária e federativa[lxxxvii]. Esta é a teoria!
        Para chegar ao socialismo necessitaríamos passar por um período denominado “ditadura do proletariado”, que prepararia as bases para arrancar, pouco a pouco, todo o capital da burguesia e reinvesti-lo em meios de produção estatal visando criar riqueza social. Para compreendermos o tamanho do problema, basta citar que todas as principais polêmicas acerca da natureza do Estado na China ou na URSS, por exemplo, se deve somente a este singelo e incipiente estágio inicial de ditadura do proletariado. O 18º Congresso do PCC, por sua vez, nos diz, solenemente, que estamos nos “estágios iniciais do socialismo”. Muito bem! Nesse caso cabe perguntar se teríamos superado a fase inicial da ditadura do proletariado – que geralmente vive em condições difíceis, uma vez que luta contra os restos da burguesia? O PCC ainda reconheceria a etapa da ditadura do proletariado?
        Grande parte da esquerda entende que a China já é capitalista novamente, a despeito de ter o PCC em seu governo; outra parcela nada desprezível é ufanista do “socialismo chinês”. Ainda que os primeiros tenham razão, há que se fazer algumas ponderações importantes. O que há na China, como se falou, é uma espécie de capitalismo de Estado controlado por um partido comunista baseado num “stalinismo com características chinesas”. A experiência histórica da URSS e da China nos demonstra que este tipo de capitalismo pode ser parte da transição inicial para o socialismo – como parte da ditadura do proletariado – desde que determinadas políticas fossem adotadas conscientemente pelo PCC, o que não é o caso.
        Seria errado um governo operário se utilizar do mercado para o seu desenvolvimento econômico com vistas ao socialismo (ainda mais, quando sabemos que o seu mercado é o maior do mundo)? Não! Seria, ao contrário, um dever! Porém, seria importante traçar alguns critérios bem claros para explicar tudo aos trabalhadores – tal como Lenin e Trotsky fizeram com a Nova Política Econômica (NEP) em 1921, ao contrário do PCC de Deng, que vendeu a alma ao imperialismo ocidental para poder utilizá-lo. É por isso que os ideólogos da burguesia ocidental não cansam de exaltá-lo, afirmando que ele gloriosamente pôs “a economia acima da ideologia” – sem, no entanto, acrescentar que se trata da economia capitalista – e que pragmaticamente “trocou ideólogos por tecnocratas”[lxxxviii].
        Vale perguntar agora quais foram os erros e os acertos desta “reabertura” do PCC (e, consequentemente, da utilização do mercado para o desenvolvimento do socialismo)? Deng apercebeu-se, corretamente, que o discurso da revolução cultural era uma “conversa mole”. Não há como revolucionar uma cultura e desenvolver economicamente um país sem buscar a tecnologia mais avançada desenvolvida pela humanidade até aquele momento. Querer fazer uma revolução cultural com base em “uma confiança arreigada nas potencialidades do exército popular como ‘escola do povo’”[lxxxix], tal como queria Mao, é o mesmo que tentar se salvar da areia movediça se puxando sozinho pelos cabelos. Isso não significa desmerecer os valores “morais” – que são fundamentais –, tal como faz a burguesia e seus mercenários, bem como o próprio Deng, mas saber que eles sozinhos não podem resolver a contradição material. Foi mais ou menos nesse sentido que Deng estava correto ao sustentar que “é preciso aprender a gerenciar a economia com meios econômicos. Se nós mesmos não conhecemos a metodologia avançada desse gerenciamento, devemos aprendê-la com quem conhece, em nosso país ou no exterior. Esses métodos devem ser aplicados não apenas em operações empresariais com tecnologias e materiais recentemente importados, mas também na técnica das empresas existentes. Até podermos começar em campos limitados a introdução de um programa nacional unificado de gerenciamento moderno; digamos, uma região em particular ou um determinado comércio e, a partir daí, levar a aplicação do processo a outras áreas”[xc].
        Tal como vimos antes, Lenin via o surgimento de uma “nova cultura proletária” como o resultado da integração do proletariado na cultura existente, para, dialeticamente, colher suas manifestações qualitativas futuras; tudo sempre acompanhado atentamente pela vanguarda consciente dos trabalhadores. O mesmo vale para a tecnologia voltada à produção, que é parte indissociável da cultura. Foi com este intuito que ele estudou a implementação do taylorismo-fordismo na URSS. Nesse sentido, Deng Xiaoping tinha razão sobre os seus oponentes da revolução cultural. Ele dizia que naquele estágio da evolução chinesa o socialismo deveria ser proclamado como uma meta para “daqui a cem anos”[xci], já que a China estava absurdamente atrasada. Uma visão esquemática, certamente, porque coloca os trabalhadores apenas como bucha de canhão, encarregados de puxar o trem da história e condenados a não ter nenhuma aspiração de poder. No entanto, se tratava de uma visão correta quanto ao nível das forças produtivas da China, que era um país agrário e pouco industrializado, completamente isolado do mundo e que procurava erroneamente um desenvolvimento autóctone – algo totalmente avesso à noção marxista de socialismo.
        Ou seja, o socialismo deve surgir de uma superação do capitalismo em todos os seus pontos positivos – esta sempre foi a perspectiva colocada por Marx e Engels. Não é possível desenvolver econômica e tecnologicamente um país socialista sem levar em consideração a cultura humana em geral desenvolvida até então: esta é, precisamente, a principal lição da luta do povo chinês pelo socialismo ao longo do século XX! A grande questão aqui é como o PCC fez isso, com qual política, método e finalidade? A começar pelo seu culto ao stalinismo, vendido como “marxismo”, e ao tecnicismo burguês, que destrói o meio ambiente – uma herança da técnica capitalista que certamente o socialismo precisa superar. À busca de Deng pelo alto nível tecnológico e cultural do imperialismo ocidental não foi acompanhada por uma clara explicação política que trabalhasse pela criação correspondente de organismos de poder dos trabalhadores, que preparassem – mesmo que fosse dali a cem anos – o controle operário da produção e a possibilidade de que os trabalhadores exercessem efetivamente o poder. Ou seja, a abertura econômica não atendeu aos interesses históricos dos trabalhadores pelo socialismo, mas aos interesses da burguesia chinesa que se infiltrou e vive no PCC, utilizando-se de toda a sua estrutura política e social.
       
12) O que é a China e o que quer a burguesia imperialista ocidental com a sua luta por “democracia”?
        Não há consenso sobre a natureza da economia e do Estado na China, nem nos meios acadêmicos e nem na imprensa burguesa – seja por motivos honestos ou interesseiros. Por isso, a mídia burguesa serve-se desta confusão como material de propaganda ideológica, usando o espantalho do “comunismo” para assustar a classe média preconceituosa e ignorante, que leva mais ou menos de roldão o povo sem condições de alcançar o debate. O que querem concluir, portanto, é que apenas a democracia burguesa e a economia de mercado são “saídas boas” para a China. Com isso, pretendem dar suporte ideológico às investidas do imperialismo ocidental contra a estrutura política interna da China, visando impor a democracia burguesa e o caos dos partidos burgueses tradicionais, que vão dividir o país e o bolo apenas entre si e às custas do povo chinês – tal como o imperialismo fez por séculos! É exatamente aí que reside o perigo.
        O PCC é bem consciente deste perigo, mas está engessado dentro da própria estrutura que criou e não pode ir além sem mexer nos privilégios que ajudou a cristalizar desde a “reabertura” de Deng Xiaoping. A desigualdade social é gigantesca e assustadora – pode ser a ponta de lança inicial para conflitos internos que terminem resolvendo definitivamente a contradição em prol do imperialismo ocidental. Os privilégios dos dirigentes partidários, burocratas estatais e magnatas das empresas públicas se contrastam com os trabalhadores das empresas privadas, que frequentemente se rebelam por causa dos horários muito longos, ritmos de trabalho infernais, desrespeito dos tempos e dias de repouso, vigilância intensa (controle do uso dos sanitários), salários muito baixos, enquadramento repressivo, inexistência de normas de segurança, acidentes frequentes, e falta de proteção individual. A única organização sindical oficial da China é a Federação de Sindicatos de Toda a China (ACFTU), controlada pelo PCC. Embora a organização de greves e manifestações operárias seja considerada legal, o seu reconhecimento está condicionado à declaração pela ACFTU ou suas seções locais[xcii]. Os trabalhadores em protesto geralmente buscam apoio dos sindicatos, que são controlados pelo PCC e por toda esta estrutura.
        Ainda que “em 1987, a Lei Orgânica dos Comitês Locais oficializou o que já estava ocorrendo: o direito dos moradores de escolher seus dirigentes e designar seus comitês em eleições com diversos candidatos”, eles deveriam “ser aprovados por funcionários do Ministério da Casa Civil (...)”, e “ainda não havia espaço para uma organização política sem autorização do PCC (...). Outro fato que diminuiu o poder central foi o surgimento de uma sociedade civil na República Popular da China”, que levou à criação de “milhares de organizações não-governamentais (ONGs)”. Na verdade, todas essas reformas políticas introduzidas por Deng e seus sucessores não tinham por objetivo desenvolver futuramente o socialismo, criar um poder operário e o seu controle sobre a produção econômica e o governo, mas “evitar a ocorrência de outra revolução cultural”[xciii] e, é claro, manter o monopólio do poder político ao mesmo tempo em que se apoderavam da técnica capitalista ocidental.
        O PCC possui hoje, inclusive, alguns filiados bilionários, que encontram na atual estrutura social chinesa a fonte de sua riqueza; e outros tantos empresários e burocratas corrompidos que nem sequer sabem o que significa “comunismo”, mas ajudam a manter toda a pirâmide hierárquica. Sem tal estrutura, provavelmente a burguesia chinesa fosse uma reles sócia menor dependente do imperialismo, tal como foi outrora a burguesia ligada ao Kuomitang. A burguesia que se esconde sob a asa do PCC está se postulando à dominadora do mercado mundial atualmente. Segundo Merle Goldman, num momento de honestidade ímpar, a disseminação da corrupção acompanha a economia de mercado, já que facilita muitas de suas atividades[xciv]. Não haveria possibilidade de a China ascender ao posto de potência mundial se não tivesse se unificado, centralizado o poder político, criado barreiras e tarifas alfandegárias e expulsado o imperialismo, que é o principal explorador e sabotador das autonomias políticas governamentais dos países neocoloniais. E esta ascensão só foi possível, como previu Trotsky, porque o PCC tomou o poder a partir de uma revolução e foi capaz de cumprir todas estas tarefas históricas componentes do programa de uma revolução burguesa.
        Porém, com a abertura econômica de Deng Xiaoping e suas posteriores “reformas”, “o partido concedeu atenção especial para cooptar essas forças econômicas emergentes – os empregados autônomos, coletivos, os homens de negócios de pequeno ou grande porte e os clãs reagrupados – em instituições nas quais o partido exercia o papel dominante (...). Em 2001, Jiang Zemin cunhou o conceito de ‘três representantes’, que foi definido pelo PCC como representativo da cultura mais avançada, dos elementos mais progressistas e da grande massa. Essa ideia foi utilizada para justificar a incorporação de novos empresários ricos no PCC. Tendo em vista que esses empresários originavam-se da oficialidade ou dependiam dos funcionários para aumentar sua fortuna, eles, em geral, apoiavam o status quo político”[xcv].
        Até o presente momento, o imperialismo não logrou êxito na derrubada do PCC e nas suas tentativas desesperadas de retomar o pleno poder político para introduzir a democracia burguesa com seus respectivos partidos (na verdade, máfias burguesas), a despeito de todos os esforços da esquerda “trotskista” – como PSOL, PSTU, dentre outros – que apoiam qualquer proposta “revolucionária” para derrubar o governo chinês sem nenhuma alternativa real de poder dos trabalhadores. As recentes manifestações por “democracia” e “direitos humanos” em Hong Kong são a demonstração cabal deste desespero imperialista e da conivência vergonhosa da “esquerda trotskista”[xcvi]. Até quando o PCC irá resistir? Esta é uma questão em aberto que demonstra sua grande capacidade de resistência, mas que, como sabemos, não é eterna, podendo sucumbir frente ao crescimento das desigualdades sociais internas e reabrindo o caminho ao imperialismo. O PCC já não é mais um partido proletário, a despeito de todo o discurso e simbologia, pois, como vimos, dele fazem parte grandes capitalistas nacionais. Eles defenderão o poder do PCC enquanto a estrutura lhes beneficiar e a estreiteza das “liberdades políticas” lhes ameaçar com o cassetete policial. Por certo, como pragmáticos chineses que são, percebem que tem muito a perder se a atual fonte do seu poder econômico – a estrutura social liderada pelo PCC – ruir e entrar novos governos pró-imperialistas, que não podem lhe assegurar tal “capitalismo com características chinesas”.
        A mídia chinesa, por sua vez, em quase nada se difere do jornalismo comercial do imperialismo ocidental. Basta acompanhar a Agência de Notícias Xinhua ou a CGTN (China Global Television Network – braço midiático do PCC) para perceber que, ao contrário do marketing oficial da emissora (see the diference), não existe diferença séria entre elas. Ao invés de um desmascaramento da mídia corporativa e do seu mainstream sustentado pelo imperialismo anglo-saxão, propondo um debate socialista, vemos apenas uma ótica voltada ao global business, incluindo acordos com as emissoras tradicionais[xcvii].
        O discurso da grande mídia ocidental, por sua vez, esconde um veneno hipócrita: a sua preocupação não é com “direitos humanos, liberdade de imprensa ou de expressão” do povo chinês. O que querem, na verdade, é abrir o caminho para que o imperialismo ocidental coloque suas garras novamente sobre o governo e volte a controlar o maior mercado interno do mundo, destruindo suas pretensões de hegemonia mundial. Ela denuncia a falta de “liberdades democráticas” e a “perseguição” a opositores na China, mas omite a espionagem do imperialismo ocidental nas redes sociais – que não perde nada para 1984, de George Orwell –, a manipulação da opinião pública via métodos da Cambridge Analytica e a perseguição implacável à opositores como Julian Assange e Edward Snowden. Os trabalhadores com consciência de classe devem debater, formular e lutar por uma política de independência de classe para os trabalhadores chineses, que hoje estão largados a própria sorte, explorados, reféns de explosões espontâneas de indignação e sem perspectivas – e, sobretudo, tirar todas as lições possíveis das revoluções chinesas.

13) Ideias para uma política de independência de classe para a China hoje
        As preocupações de Deng Xiaoping em “desenvolver a produção e a tecnologia” seriam justas se viessem acompanhadas de uma política e um programa de empoderamento dos trabalhadores, mesmo que a longo prazo. A fase de transição do capitalismo de Estado ao socialismo deve assegurar órgãos de poder coletivo, que possibilitem não apenas o controle operário da produção, mas, sobretudo, de decisão política real. Nesse sentido, precisam trabalhar pela superação da psicologia de subordinação e dependência tipicamente chineses, que reproduzem em maior ou menor grau os milênios de despotismo asiático. A política de Deng Xiaoping e dos seus sucessores no PCC, ao contrário, não apenas não garantiram nada disso, como trabalharam para aprofundar o controle e a domesticação do povo chinês e do seu terrível espírito de rebanho.
        Para isso, velhos signos e símbolos ideológicos foram cuidadosamente trabalhados durante o período de abertura ao imperialismo ocidental. Ao longo da inevitável crise moral da década de 1990, desenvolveram-se duas tendências intelectuais: “o retorno à tradição e o resgate da figura de Mao como socialista e patriota. Tais tendências, formalmente opostas, fundiam-se numa original lógica nacionalista, que buscava contrabalançar o ocidentalismo individualista e liberal que penetrava na sociedade chinesa através das reformas de mercado. No tocante à primeira, tratava-se de resgatar as artes chinesas (como a Ópera de Pequim) e os esportes tradicionais, mas, principalmente, o confucionismo, que era enfocado como valorização da moral, ética, família, disciplina do trabalho, estabilidade e harmonia social. Quanto à segunda, enaltecia-se a figura de Mao Tsé-tung, um anticonfuciano radical”[xcviii].
        Esta salada de frutas ideológica tinha o objetivo de reforçar a aceitação das novas regras de exploração que resultaram da abertura ao mercado internacional. A filosofia milenar chinesa do confucionismo caiu como uma luva nesta domesticação psicológica de massas. Ainda que existam aspectos progressivos e interessantes no confucionismo, ele reforça a submissão e a obediência – não casualmente Mao Tsé-tung precisou se opor a ele para ter alguma chance de realizar uma revolução na China. Segundo John Fairbank, trata-se da filosofia de um sistema conservador que mais sucesso alcançou no mundo.
        Como pontos positivos do confucionismo podemos destacar a busca pelo “ideal de um mundo grande de igualdade e harmonia”[xcix], além da crença na necessidade e possibilidade do ser humano se aperfeiçoar e “ser levado ao bom caminho pela educação e pelo esforço de autocultivação”[c]. Tais concepções se aproximam do ideal do comunismo, mas toda esta parte é eclipsada e excluída pelo lado reacionário do confucionismo, que tem silenciosa preponderância na doutrina oficial do PCC. Segundo este lado retrógrado – que possui parentesco com as filosofias religiosas ocidentais, como o catolicismo, por exemplo – “os pais eram superiores aos filhos, os homens às mulheres, os reis aos súditos. Portanto, cada pessoa tinha um papel a cumprir, ‘um conjunto de expectativas sociais convencionalmente fixo, o qual o comportamento individual deveria imitar’ (...) Disse Confúcio: ‘deixe o governante governar como deve e o ministro ministrar como deve. Deixe o pai agir como um pai e o filho agir como um filho’. Se todos cumprissem seu papel, a ordem social se conservaria (...) O código confuciano também enfatizava a ideia de ‘comportamento adequado ao status’”.
        Esta visão de mundo, que tende a transformar a massa humana em “filhos” do “pai-governo”, é amplamente explorada na Coréia do Norte, por exemplo, para se ter uma ideia dos seus desdobramentos práticos. Foi por isso que em 2005 “Hu Jintao lançou uma campanha nacional para promover uma ‘sociedade harmoniosa’, enfatizando os valores tradicionais confucianos de moderação, benevolência e equilíbrio, em um esforço aparente para conter as agudas tensões sociais causadas pelas reformas econômicas”[ci].
        O espírito deste código de conduta social está em frontal contradição com o comunismo, que se propõe a acabar com toda a autoridade, o Estado, as classes e o status social. A principal vitória do socialismo – para além da industrialização, da eliminação do analfabetismo, do desenvolvimento de condições materiais básicas para o proletariado – estará na sua capacidade de formar adultos socialmente auto-suficientes do ponto de vista intelectual e emocional (mas sempre ligados entre si pelos interesses gerais da sociedade), para que estes possam educar as crianças no mesmo sentido[cii]. Neste esforço, a compreensão sobre o papel do trabalho e da sua necessidade social é fundamental, bem como da luta contra o irracionalismo das massas e o seu espírito de rebanho. O PCC e a sua “nova” doutrina confucionista não apenas não lutam contra isso, como reforçam este docilidade diante da autoridade. Em síntese: a exaltação de Mao e do confucionismo pretendem subordinar trabalhadores e não emancipá-los para o “grande ideal de igualdade e harmonia”.
        O PCC poderia justificar o “passo atrás” com a reabertura de Deng ao mercado internacional demonstrando uma política de independência de classe para os organismos dos trabalhadores, mesmo que fosse a longo prazo. Mas, ao contrário disso, usa os mesmos mecanismos de dominação da psicologia de massas dos trabalhadores empregados no ocidente, apenas adaptando-os à cultura oriental, e vende para a opinião pública mundial como sendo o “primeiro estágio” do “socialismo com características chinesas”.
        Para que possamos falar em “primeiro estágio do socialismo”, o alto nível atingido pelas forças produtivas da economia chinesa precisariam passar gradativamente para a mão dos trabalhadores organizados, visando iniciar um processo de controle operário da produção e de emancipação política. Sabemos que o PCC não trabalha nesse sentido, mas trilha o caminho oposto (vale perguntar: até quando?). Uma política de independência de classe dentro de todo o contexto chinês descrito até aqui, seria retomar algumas bandeiras importantes já levantadas pelos trabalhadores chineses (ainda que de forma confusa e muitas vezes desfigurada), para que a técnica desenvolvida a ferro e fogo pela abertura de Deng seja verdadeiramente assimilada e dominada por eles. Por exemplo: construir organismos populares de decisão política (tipo conselhos populares como existiram na Comuna de Paris e nos primeiros anos da URSS, mas que nunca existiram na China); entregar a gestão das empresas aos órgãos eleitos em assembleias de trabalhadores (iniciando com as empresas estatais e na medida do crescimento da consciência de classe, das empresas privadas e dos oligopólios imperialistas que lá operam); voltar à retribuição dos funcionários e quadros segundo o salário médio dos operários; eleição para todos os cargos públicos, sujeita a destituição em qualquer momento por simples votação dos eleitores; legalização de sindicatos e organizações operárias independentes do PCC.
        Cabe ressaltar a legalização apenas de organizações operárias e, sob nenhuma forma, tolerar o ressurgimento dos partidos burgueses, que não podem ter outro interesse que não recolonizar a China e destruir a sua (relativa) independência política. Certamente a burguesia tentará infiltrar-se e utilizar-se das organizações operárias – tal como faz com os partidos reformistas ocidentais – para derrubar o governo do PCC, mas este mal deverá ser combatido por organizações políticas independentes, sobretudo as de orientação trotskista, que sempre foram autoritariamente proibidas na China.
        A ideologia oficial do PCC, seja na época de Mao, seja na época da abertura de Deng, aprofundou estragos na psicologia das massas, aprofundando a submissão e a dependência, reforçando o espírito de rebanho milenar do despotismo asiático. Para atingir o fim de emancipação dos trabalhadores chineses é necessário um longo trabalho político de base que desenvolva responsabilidade social e consciência de classe – isto é, uma nova psicologia de massas para que eles possam assumir seus postos nos organismos coletivos, como sovietes, comunas, cooperativas, associações, órgãos de governo, etc. De nada adianta apresentar um programa mirabolante para a China sem que os seus trabalhadores tenham as mínimas condições psicológicas de executá-lo. Deverá ser uma luta casada com a política por um programa revolucionário, sendo um a condição para o cumprimento do outro.

14) A ascensão mundial da China: ela é imperialista?


        A política de abertura de Deng Xiaoping potencializou a capacidade de expansão econômica da China. O seu mercado interno tornou-se uma força centrípeta que, inicialmente salvando o capitalismo internacional de crises e apuros, passou a sugá-lo, criando as condições para remodelá-lo. Vimos que, para isso, foi fundamental a revolução “comunista” de 1949, ainda que ela tenha se estagnado na etapa do capitalismo de Estado do “desenvolvimento socialista” – com grandes probabilidades de se perder e retroceder em definitivo. A revolução liderada pelo PCC centralizou o poder e criou um mercado interno (o maior do mundo), com suas tarifas e barreiras alfandegárias próprias – fato indispensável para fazer valer o peso numérico da população chinesa e do seu mercado, sem o quê, jamais poderia se alçar à potência mundial.
        A burocracia chinesa que lidera o PCC, secundada pelos seus bilionários “comunistas”, selou as alianças econômicas na Ásia, transformando-a num bloco relativamente autônomo aos EUA e preparando-se para ligar-se à Europa e à África. Segundo Merle Goldman, “a ascensão da China, somada à contínua produção de bens tecnológicos avançados por parte da Índia e do Japão, pode significar uma mudança gradual do poder mundial no século XXI do ocidente para a Ásia”[ciii].
        Transformando-se na indústria do mundo e na campeã de degradação ambiental, a China garantiu as maiores taxas internacionais de crescimento econômico. Tornou-se o maior mercado de smartphones, de internet, de laptops, eletro eletrônicos diversos, de carros, etc. Em toda a metrópole mundial existe uma China Town reunindo uma grande comunidade comercial e econômica chinesa. Merle Goldman chama atenção para o fato de que: “a China procurou ter acesso a fontes de energia na África, na América Latina, na Ásia Central e no Oriente Médio. Com esses esforços ela competiu não só com os EUA e o Japão, com o qual travou uma disputa no mar Meridional em torno de um grupo de ilhas que supostamente continham gás natural, mas também com a Índia, outro grande país em desenvolvimento, causando um aumento pronunciado no preço mundial de energia”[civ].
        É por todos estes motivos que os EUA iniciaram o movimento neofascista internacional, liderado por Donald Trump, para tentar frear a monstruosa ascensão chinesa. Os métodos convencionais já não são suficientes para deter o gigante asiático: é preciso fake news, guerra comercial repleta de tarifas alfandegárias artificiais, sabotagens internas e externas, que vão desde o financiamento de protestos por “democracia” e “direitos humanos”, até possíveis guerras biológicas. Trump e os imperialistas americanos buscam com a guerra comercial contra a China mais do que simplesmente recuperar a balança comercial americana; querem forçar a China a uma negociação na qual realize compras intermediadas pelos EUA e facilite a operação das empresas americanas em seu território, sem exigências de compartilhamento de tecnologia – ou seja, pretendem retroceder para antes de 1949. Uma das defesas da China, além de sobretaxar os produtos americanos, foi forçar a desvalorização da sua moeda, diminuindo o preço expresso das suas mercadorias em dólar. Obviamente, disputas comerciais são um dos caminhos que levam a conflitos armados[cv]. É por isso que nos próximos anos tendemos a ver – para além da “guerra do coronavírus” – uma guerra de fato e o aumento da ofensiva do bloco de China e Rússia contra a dolarcracia. Foi dada a largada para a conquista da hegemonia mundial por parte da China, o que significa sobrepujar os EUA, cujo império parece ter entrado em declínio. Xi Jinping já afirmou que “chegou o momento da China liderar o mundo”[cvi], ressaltando “o progresso constante na criação de um novo padrão de desenvolvimento, onde os mercados interno e externo podem impulsionar um ao outro, com o mercado interno como pilar”[cvii].
        Alguns setores da esquerda se negam a reconhecer que a China é um país imperialista justamente porque ela passou por diversos processos revolucionários e é considerada um “estado operário degenerado”. Outros camaradas afirmam que a China não preenche os requisitos apontados por Lenin no seu estudo sobre o imperialismo, por isso não deve ser considerado um país imperialista. Realmente a China não preenche todos os requisitos. Apesar disso, cumpre um papel imperialista de forma sutil e silenciosa, uma vez que o imperialismo não é caracterizado apenas por intervenções militares, mas, em última análise, pelo direcionamento econômico, concentração e exportação de capitais, investimentos e exploração de colônias ou áreas de influência que privilegiam a infra estrutura de transportes, energia, commodities e comunicação, afim de garantir o escoamento das mercadorias e facilitar a dominação. A visão duvidosa sobre o “imperialismo chinês” talvez esteja baseada no fato de que os líderes do PCC realizaram um esforço para tranquilizar o mundo de que a China se converterá em uma potência mundial sem causar distúrbio na comunidade internacional[cviii], como se no capitalismo isso fosse, em geral, possível.
        O que fará a China com essa liderança sobre o mercado mundial? Pelo que vimos, não irá apontar para uma direção socialista. Reforçará os princípios do Ideário de Bandung de coexistência pacífica[cix] ou agirá como Deng Xiaoping contra o Vietnã e apoiando a subida de ditadores reacionários como Pinochet ao poder? O futuro é incerto e só a luta de classes pode decidir. Frente à ascensão mundial da China, cabe aos trabalhadores conscientes estarem em guarda e renovarem seus métodos de luta, interpretação e organização. Nesse sentido, a longa história da China em sua luta pela emancipação nacional e pelo socialismo tem muito a nos ensinar.


REFERÊNCIAS


[i] Nesse campo podemos incluir os intelectuais Pepe Escobar (TV 247) e os historiadores Paulo Fagundes Vizentini, Elias Jabbour, Voltaire Shilling  e Eric Hobsbawm; dentre outros.
[ii] SUN, Lu. Obras escolhidas. Pequim, Langues Etrangeres, 1981. (Extraído do texto, “O diário de um louco”, de 1918).
[iii] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006.
[iv] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (página 21).
[v] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 18)
[vi] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 230).
[vii] CHANG, Jung. Mao: a história desconhecida. Companhia das letras, São Paulo, 2012 (página 21).
[viii] Idem (página 24).
[ix] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (páginas 19 e 20).
[x] Idem (página 9)
[xi] BUCHIONI, Enio & MARIE, Elisabet. Editora Versus: China X Vietnã. Editora Versus, São Paulo, 1979.
[xii] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 220).
[xiii] Idem (página 222).
[xiv] Idem.
[xv] BUCHIONI, Enio & MARIE, Elisabet. Editora Versus: China X Vietnã. Editora Versus, São Paulo, 1979 (página 27).
[xvi] CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 321).
[xvii] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 251).
[xviii] CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 322).
[xix] Idem (página 321 – nota).
[xx] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006 (página 450).
[xxi] Jung Chang é a escritora de “Cisnes Selvagens” e de “Mao: a história desconhecida”. Para saber sobre Yoni Sanchez, ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2017/02/o-utilitarismo-dos-direitos-humanos.html
[xxii] CHANG, Jung. Mao: a história desconhecida. Companhia das letras, São Paulo, 2012 (página 52).
[xxiii] Idem (página 54).
[xxiv] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 244).
[xxv] CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (páginas 321 e 323).
[xxvi] Idem (página 323 – nota).
[xxvii] Idem (página 313 – nota).
[xxviii] BUCHIONI, Enio & MARIE, Elisabet. In MORENO, Nahuel. Editora Versus: China X Vietnã. Editora Versus, São Paulo, 1979 (página 35).
[xxix] SHUYUN, Sun. A longa marcha – a história do mito fundador da China comunista. Arquipélago editorial, Porto Alegre, 2007.
[xxx] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 45 – nota).
[xxxii] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006 (página 449).
[xxxiii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 14).
[xxxiv] TSÉ-TUNG, Mao. O livro vermelho – citações do comandante Mao Tsé-Tung. Martin Claret, São Paulo, 2002.
[xxxv] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 281).
[xxxvi] Idem (página 249).
[xxxviii] TROTSKY, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas – a III Internacional depois de Lenin. Editora José Luís e Rosa Sundermann, São Paulo, 2010 (página 229).
[xxxix] Idem (página 230).
[xl] Extraído de CLAUDÍN, Fernando. A crise do movimento comunista. Editora Expressão Popular, São Paulo, 2013 (página 631).
[xli] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 68).
[xlii] TSÉ-TUNG, Mao. O livro vermelho – citações do comandante Mao Tsé-Tung. Martin Claret, São Paulo, 2002 (página 214)
[xliii] Idem (página 195).
[xlvi] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 81).
[xlvii] Editorial do Diário do Povo de 26 de setembro de 1966.
[xlviii] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 90)
[li] Idem.
[liii] TSÉ-TUNG, Mao. O livro vermelho – citações do comandante Mao Tsé-Tung. Martin Claret, São Paulo, 2002 (página 214)
[liii] Idem (páginas 51 e 52 – grifos meus).
[liv] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 14 e 15).
[lv] SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (páginas 61 e 62 – grifos nossos).
[lvi] Idem (página 74).
[lvii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 17).
[lviii] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006 (página 455).
[lxiii] Idem.
[lxiv] Idem.
[lxv] Deng Xiaoping, “Respeitem o conhecimento, respeitem o pessoal treinado”, 1977.
[lxvi] Extraído de SCHILLING, Voltaire. A revolução na China, colonialismo-maoísmo-revisionismo. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1984 (página 110).
[lxvii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 62).
[lxviii] Idem.
[lxix] Idem (página 100).
[lxx] BUCHIONI, Enio & MARIE, Elisabet. Editora Versus: China X Vietnã. Editora Versus, São Paulo, 1979 (página 98).
[lxxi] Idem (página 104).
[lxxii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 66).
[lxxiii] Idem (página 70).
[lxxv] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 63).
[lxxvi] Idem (páginas 69 e 70).
[lxxvii] HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos – o breve século XX, 1914 - 1991. Companhia das Letras, São Paulo, 2006 (página 471). Hobsbawm adora a palavra “colapso”, que ele repete centenas de vezes ao longo do livro, sem falar uma só vez em restauração consciente e planejada. Além disso, Cuba foi afetada diretamente pela restauração do capitalismo na URSS. Para uma análise mais detalhada desse “equívoco”, ver o texto: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2018/06/como-nao-mudar-o-mundo.html
[lxxviii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 108).
[lxxix] Andrew Szamosszegi e Cole Kyle para Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, 26 de outubro de 2011. https://www.uscc.gov/sites/default/files/Research/10_26_11_CapitalTradeSOEStudy.pdf
[lxxx] JINPING, Xi. The governance of China. Foreign Languages Press, Beijing, 2014 (página 34).
[lxxxi] Idem (página 35).
[lxxxiii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 63).
[lxxxvi] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (página 390).
[lxxxviii] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (página IX).
[xc] MARTI, Michael E. A China de Deng Xiaoping – o homem que pôs a China na cena do século XXI. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2007 (páginas 2 e 3).
[xci] Idem.
[xciii] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (páginas 384, 387 e 389).
[xciv] Idem (página 390).
[xcv] Idem (página 396).
[xcviii] VIZENTINI, Paulo Fagundes & RODRIGUES, Gabriela. O dragão chinês e os tigres asiáticos. Editora Novo Século, Porto Alegre, 2000 (página 110).
[xcix] CHANG, Jung. Mao: a história desconhecida. Companhia das letras, São Paulo, 2012 (página 28).
[c] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (página 65).
[ci] Idem (página 426).
[ciii] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (página 421).
[civ] Idem (página 422).
[cviii] FAIRBANK, John King & GOLDMAN, Merle. China – uma nova história. L&PM, Porto Alegre, 2008 (página 420).

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