A
linguagem humana pode servir pra expressar o íntimo de um escritor através de
belas obras literárias que marcam época, mas pode também servir como defesa
para esconder certas verdades e confundir premissas de um debate. É assim que a
burguesia e os seus ideólogos têm usado a linguagem atualmente. A discussão
acerca do que é capitalismo, socialismo ou comunismo tem sido vítima de uma
gama infindável de distorções teóricas e políticas, se utilizando, para isso,
da ignorância sobre a teoria revolucionária e os fatos históricos.
Hoje em dia podemos escutar que o
“Estado investir na economia” ou “aplicar programas sociais” é sinônimo de “ser
socialista”; bem como a aberração de que o “nazi-fascismo era de esquerda”,
gerando um turbilhão de ignorância e má fé. Para muitas pessoas “comunismo” é
sinônimo do que foram os regimes stalinistas, marcados por uma brutal repressão
civil e militar; e “socialismo”, algo próximo do reformismo social-democrata
europeu (algo semelhante ao PT no Brasil). Segundo o ponto de vista marxista,
socialismo e comunismo não tem nada a ver com isso.
Comunismo e socialismo, assim como o
próprio capitalismo, são sistemas econômicos. O comunismo seria a fase superior
do socialismo, isto é, a expressão de quando o nível de desenvolvimento
econômico, político, social e psicológico criariam as condições para o
desaparecimento das classes sociais e do Estado, dando lugar a uma sociedade
autogestionária e federativa. O socialismo surgiria das contradições econômicas
e sociais geradas pelo capitalismo a partir de uma revolução proletária. Para
isso, necessitaria passar por um período denominado “ditadura do proletariado”,
que nada tem a ver com os regimes stalinistas, mas com a Comuna de Paris, de
1871. É precisamente por isso que o socialismo marxista se diferencia de todas
as outras escolas de socialismo.
Capitalismo: o egoísmo
e a propriedade privada como motores!
O capitalismo é o sistema econômico
que vivemos atualmente. Está presente no mundo todo a partir do desenvolvimento
do mercado mundial entre os séculos XV e XVIII. Apesar de ser mundial e ter
características gerais, o capitalismo possui particularidades nacionais,
sobretudo em razão do lugar que cada nação ocupa no mercado mundial: se é um
país imperialista (produtor de mercadorias de alta tecnologia e valor agregado)
ou semicolonial (produtor de matérias-primas, as chamadas commodities). O capitalismo passou por várias fases, sendo a atual
caracterizada pela constituição de países imperialistas, em que um punhado de
nações e suas megacorporações dominam ramos inteiros da produção e do mercado,
formando os cartéis e trustes de preços, liquidando definitivamente com o
“livre mercado”.
O que define o capitalismo em comparação
ao socialismo ou o comunismo? As características comuns a este sistema são:
existência de classes sociais e do Estado, seja ele de caráter
republicano ou monárquico. Mas isso não o diferencia, por exemplo, dos sistemas
econômicos anteriores, como o escravismo e o feudalismo. O que o diferencia dos
seus predecessores, então, são os seguintes elementos: dominação do capital
sobre o trabalho a partir da propriedade privada dos meios de produção e o
trabalho assalariado. As duas principais classes sociais adquirem contornos
específicos: a burguesia (dona dos meios de produção, do capital) e o
proletariado (impossibilitado de possuir meios de produção para ser obrigado a
vender sua força de trabalho em troca de um salário).
O capitalismo não possui apenas estas
duas classes, mas algumas outras classes e estratos sociais, como a
pequena-burguesia e o lumpem proletariado (os marginais da sociedade). Porém,
as duas classes sociais principais são a burguesia e o proletariado porque elas
estão envolvidas diretamente com a reprodução econômica do capital. O essencial
deste nosso debate para a diferenciação entre os sistemas econômicos é a
existência da propriedade privada dos meios de produção (fábricas, empresas,
terras, bancos, transportes, etc.). A propriedade privada é a principal
característica do capitalismo em relação ao socialismo e condição fundamental
para a reprodução do capital, o enriquecimento do burguês e a exploração da
força de trabalho do proletariado. Consequentemente, a propriedade privada gera
permanentemente a divisão da sociedade em classes e obriga o Estado a
defendê-la, sendo, portanto, parte essencial e indispensável do sistema.
O socialismo:
propriedade social dos meios de produção e poder dos trabalhadores
Tendo suas tendências principais
surgidas do seio do próprio capitalismo, o socialismo seria caracterizado por
criar um Estado proletário, com instituições novas e diferentes das burguesas,
cuja principal finalidade seria gerar riqueza social e distribuir renda entre
aqueles que trabalham. Ao contrário do que afirmam os propagandistas da
burguesia, socialismo não é um sistema que “entra na casa das pessoas, rouba
seus bens e os ‘divide com os pobres’”. Isso não geraria nenhum valor novo, mas
apenas socializaria a pobreza ou, na melhor das hipóteses, riquezas já
existentes. O socialismo tem a finalidade exclusiva de socializar os meios de
produção e o capital, que no capitalismo são propriedade privada da burguesia
(isto é, a base sagrada do seu poder; a sua “galinha dos ovos de ouro”). No
capitalismo o trabalho já está socializado, mas os seus frutos não. O
socialismo tem por meta geral, portanto, acabar com esta contradição.
Dada as frágeis estruturas sociais e
as inevitáveis cicatrizes que serão resultado de profundas convulsões sociais
nesta transição, um Estado ainda se faz necessário, pois a burguesia não será
suprimida da noite para o dia. Ao contrário, todas as experiências históricas
demonstram claramente que ela oferece a mais dura resistência, sabotando, mentindo,
subornando e desencadeando guerras para manter os seus privilégios. Porém, este
“Estado” deve ser transitório, almejar a formação de uma organização social
superior, que prescinda deste tipo de controle e o torne obsoleto e inútil.
Segundo os fundadores do marxismo,
os primeiros anos após a revolução inevitavelmente serão marcados por guerras
civis, o que obriga os trabalhadores conscientes a recorrer à chamada “ditadura
do proletariado”. Todas as classes lançaram mão de uma ditadura nos anos posteriores
às suas revoluções, em razão das contradições sociais que os antigos regimes
carregavam. Foi assim, em especial, com a burguesia, que lançou mão da ditadura
do terror jacobino durante a Revolução Francesa, ou de Oliver Cromwell na
Inglaterra durante a Revolução Gloriosa. Segundo Marx, “a classe operária deve
ganhar no campo de batalha o direito à sua emancipação”. Sendo assim, entre a
sociedade capitalista e a comunista, media o período de transformação
revolucionária da primeira na segunda. A este período corresponde também um
período político de transição, cujo proletariado não pode abrir mão de um
Estado que nas suas primeiras décadas (talvez séculos) não pode ser outro que
não o da ditadura revolucionária do
proletariado, entendida sempre como a Comuna de Paris e nunca como o
stalinismo.
Se compreendemos que a sociedade é
dividida em classes sociais e que, portanto, ela é marcada pela luta de
classes, então, forçosamente, teremos que reconhecer que esta luta entre as
classes conduz, necessariamente, à ditadura do proletariado. Esta mesma
ditadura não pode ser mais do que um período de transição até a abolição de
todas as classes sociais (incluso o próprio proletariado) e o fim de todo e
qualquer tipo de Estado. A existência de um Estado proletário na sociedade
socialista teria a finalidade de garantir a resistência contra as investidas da
contra-revolução burguesa e trabalharia para elevar o nível material, cultural
e psicológico dos trabalhadores. Introduziria o mercado socialista
regulamentado e a economia planificada. O nivelamento material das classes
sociais prepararia as bases para a abolição do Estado e o apogeu de uma
sociedade sem classes.
Comunismo: a fase
superior do socialismo, o fim do Estado e das classes sociais
Em uma fase superior da sociedade socialista,
quando houver desaparecido a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão
do trabalho e, com ela, os antagonismos entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual; quando o trabalho tiver se tornado não só o meio de vida, mas
também a primeira necessidade da existência; quando, com o desenvolvimento dos
indivíduos, em todos os sentidos, as forças produtivas forem crescendo, e todas
as fontes da riqueza pública jorrarem abundantemente, só então, o estreito horizonte
do direito burguês será completamente ultrapassado e a sociedade poderá
inscrever na sua bandeira: “de cada um
conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades”.
O comunismo caracteriza-se por
atingir um nível extremamente avançado das forças produtivas e da distribuição
de riqueza social. O trabalho passa de um instrumento da exploração, opressão e
embrutecimento, para um meio de realização pessoal. O Estado e os seus governos
despóticos são substituídos pela livre associação federativa entre os
indivíduos. O comunismo enquanto sistema econômico e social se caracteriza,
portanto, pela inexistência de Estado e de classes sociais. Isso não significa
que não haverá contradições sociais e políticas, mas elas serão de outra ordem,
muito diferente da disputa pela sobrevivência mais bárbara e imediata. Nesta
perspectiva teórica, fica bastante claro que nunca existiu comunismo.
Indivíduos, partidos, organizações e mesmo governos o reivindicarem, não o
torna uma realidade. Ao contrário, na maior parte das vezes trata-se de uma
forma de enganação. São os mais ferrenhos defensores do capitalismo ou de uma
sociedade de classes.
O fim comunista é comum tanto aos
anarquistas, quanto aos socialistas (inclusive os de vertente marxista). A
perspectiva marxista, contudo, contrariando o que sustentam os anarquistas, afirma
que o comunismo – isto é, a extinção do Estado e das classes sociais – não pode
surgir da noite para o dia. Contraditoriamente, se faz necessário um longo
período de transição e preparação, que consiga vencer a contra-revolução e
nivele pelo alto as graves diferenciações sociais de classe. Aos anarquistas,
bastaria uma revolução vitoriosa para que o comunismo seja implantado no dia
seguinte. A experiência histórica demonstra que as classes dominantes não
abandonam a cena histórica sem oferecer uma resistência desesperada, nem o
nível material e intelectual dos trabalhadores permite uma supressão
instantânea. O desaparecimento do Estado e das classes sociais só pode ser
fruto de uma longa e dolorosa evolução, que desemboque semi-espontaneamente no
fim do Estado.
A grande mídia e os
intelectuais burgueses trabalham para confundir tudo!
Os meios de comunicação e os
ideólogos burgueses trabalham incansavelmente para associar “comunismo” ao que
foram os regimes stalinistas (ex-URSS, leste europeu, China, etc.). Se é certo
que a Revolução Russa degenerou dando origem a um regime repressor, sem
precedentes na história, tal como foi o stalinismo, isso não é responsabilidade
da teoria (como querem sustentar intelectuais vendidos até os últimos fios de
cabelo). É mais o reflexo do atraso cultural e econômico dos países onde
ocorreram, dos problemas não resolvidos e não debatidos (como a questão moral e
sexual); mas, sobretudo, da pressão da contra-revolução interna e
internacional, da sabotagem e do embargo inaceitáveis. Existem inúmeras obras
teóricas e históricas que atestam com inúmeros exemplos concretos o grau de
degeneração e traição aos princípios teóricos e políticos que fundaram as revoluções
socialistas.
A demonstração da má fé destes
setores se dá nos debates que faz sobre “socialismo” e “comunismo”. Seguindo
apenas os dogmas econômicos da escola de Chicago, os intelectuais e jornalistas
burgueses afirmam ou dão a entender que países como Cuba, China, Coréia do
Norte ou Venezuela são “socialistas” ou “comunistas”. Em nenhum desses países o
Estado ou as classes sociais deixaram de existir; sequer a propriedade privada
dos meios de produção foi abolida. Chegam ao cúmulo do absurdo ao sustentar que
os governos petistas foram “socialistas” e o próprio PT é “comunista”. Ora, os
governos petistas jamais questionaram a propriedade privada. Ao contrário,
chegaram a defendê-la abertamente. Para os intelectuais burgueses,
completamente degenerados e maliciosos, o PT é “comunista” porque defende
programas sociais, como o Bolsa Família ou o ProUni. Nenhum desses programas
assistencialistas questiona a propriedade privada e chegam, até mesmo, a serem
orientados e defendidos por órgãos como o FMI e o Banco Mundial. A
intelectualidade burguesa e a grande mídia sabem perfeitamente disso, o que não
os impede de continuar propagando tamanhos disparates.
Isto se dá dessa forma porque eles
sabem que serão repetidos por um exército de delinquentes raivosos na internet,
nas redes sociais e nas conversas de botequim. Trabalharão para se auto
escravizar e manter a escravidão assalariada do proletariado. O Estado
“investir” na sociedade não faz um governo ser socialista ou comunista, como a
intelectualidade doentia da classe média brasileira afirma. Este irracionalismo
ignora toda e qualquer premissa teórica do debate econômico mais básico e
elementar.
Para quê servem os conceitos? Para
estabelecer a ligação da teoria com a prática, uma vez que se fosse possível
conhecer a verdade e a essência das coisas de um modo direto e imediato, não
haveria necessidade das ciências. Os conceitos nos aproximam de uma gama
infinita de experiências humanas condensadas ao longo dos séculos,
transformadas em teoria, testadas, debatidas, abandonadas. A teoria, como parte
da ciência, por sua vez, é mais um modo de pensar do que um conjunto de fatos
brutos. A complexidade da realidade exige certos pré-requisitos conceituais de
interpretação, uma vez que para isso o senso comum não é apenas inútil, mas um
estorvo.
Trotski, na sua obra “A Revolução Traída”, de 1937, desenvolve um conceito fundamental para compreendermos se um país ou um governo é capitalista ou socialista, que permanece bastante atual (o que exclui o debate de um governo atual ser um “regime comunista”, uma vez que isso exige uma etapa impensável para o momento, como o fim das classes sociais e do Estado). Para ele, um governo pode ser definido como capitalista ou socialista a partir da propriedade que defende e patrocina. Os governos atuais, sem exceção, defendem e patrocinam a propriedade privada. Isso basta para fazer cair por terra todos os mitos dos macarthistas[i] do passado e do presente.
NOTA
[i] Joseph
Raymond McCarthy foi um político norte-americano, membro inicialmente do
Partido Democrata, e, mais tarde, do Partido republicano. Também foi senador do
Estado de Wisconsin entre 1947 e 1957. Passou a ser conhecido por suas
declarações de que havia um grande número de comunistas, espiões soviéticos e
simpatizantes dentro do governo federal norte-americano. Estas declarações
tornaram-se obsessões paranoicas, disparadas conscientemente contra qualquer
adversário político do capitalismo norte-americano (mesmo que elas sabidamente
não fossem comunistas). No Brasil o macarthismo fez escola com intelectuais
como Olavo de Carvalho, militantes do MBL e Jair Bolsonaro.
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