quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Afinal, o que é a Venezuela?


Nesta campanha eleitoral a elite brasileira e os seus partidos tem abusado do discurso de que o “regime socialista” da Venezuela levou o país à crise e à fuga de venezuelanos para o Brasil. Eles teriam razão? Os meios de comunicação fariam uma cobertura justa? Afinal de contas, o que é a Venezuela?


Este país, que se encontra ao norte do Brasil, possui um dos maiores reservatórios de petróleo do mundo, além de grandes reservas de ouro, alumínio e água potável. A história política da Venezuela é marcada pelo controle de poucas famílias sobre as melhores e maiores terras, enquanto uma oligarquia urbana se adonou das riquezas proporcionadas pela renda do petróleo e da exploração do ouro.
Por este motivo, até a ascensão de Hugo Chávez ao poder, a Venezuela era conhecida como a “Arábia Saudita da América Latina”: um paraíso de riqueza para uma pequena elite nacional e para o imperialismo. Na Venezuela haviam 5 milhões de pessoas sem direitos civis e mais de 2 milhões de crianças que não iam a escola. O analfabetismo era galopante e a miséria assustadora. Não eram apenas as favelas que esmagavam os prédios e condomínios de luxo, mas a fome, que era presente e a ameaçava diariamente milhões de venezuelanos que quando tinham almoço, muitas vezes não tinham jantar.
A PDVSA (Petróleo de Venezuela - Sociedade Anônima; semelhante à Petrobrás) já existia e sempre foi estatal. Ela se dedica a exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo na Venezuela. A diferença entre os governos anteriores a Chávez é que a renda petroleira ficava restrita a uma elite parasitária que tinha a única finalidade de enriquecer a si própria e as empresas estrangeiras, suas sócias maiores; Chávez passou a investir parte desta renda na sociedade venezuelana e privou a elite e estas empresas estrangeiras deste lucrativo rentismo parasitário.
Ficou famosa a declaração de um pobre venezuelano, reproduzida por Eduardo Galeano, em que ele defendia o governo de Chávez contra um novo golpe. Ele disse: “Não quero que Chávez se vá porque não quero voltar a ser invisível”.
Em função dessa situação de miséria para o povo e de riqueza abundante para uma minoria – comum à toda a América Latina –, houveram momentos de rebelião popular que não lograram conquistar o poder. A primeira se deu no chamado “caracaço”, em 1989, onde centenas de milhares de trabalhadores foram às ruas contra a carestia de vida, mas terminaram duramente reprimidos pelo exército, que matou mais de 1000 pessoas. Em 1992 Hugo Chávez tenta dirigir um “golpe de Estado” contra a antiga elite, comandando cerca de 300 soldados. A tentativa fracassa. Não foi a única vez em que Chávez esteve desconectado da mobilização direta das massas.
Formalmente eleito como presidente da República em 1998, Chávez inicia um processo de investimentos sociais com base na renda petroleira: coloca 2 milhões de crianças na escola, investe parte do dinheiro em saúde e educação, cria moradias populares, realiza parte de uma reforma agrária, distribuindo terras, e incentiva os artesãos locais. Porém, Chávez nunca tocou na propriedade privada e no capital. Empresas nacionais e estrangeiras não ligadas ao petróleo operam e exploram a mão de obra livremente na Venezuela. O papel cumprido por Chávez pode ser comparado ao de Lula no Brasil, embora de forma mais radical, pois houveram enfrentamentos diretos com a elite nacional.
Em 2002 a elite venezuelana tenta dar um golpe de Estado para derrubar Chávez, prendendo-o, mas este é aclamado pela massa, que desce das favelas, toma as armas nos quartéis e o tira da cadeia. Chávez, então, ao invés de propor a criação de uma nova democracia e de novas instituições que avancem efetivamente sobre a propriedade privada, uma vez que já tinha sido levado de volta ao poder, conclama a massa a devolver as armas e voltar para as suas casas. A massa segue a orientação dada por ele. Logo após esta tentativa frustrada de golpe em abril de 2002, a elite venezuelana, livre, leve e solta, continua dificultando a vida do governo e, em dezembro, inicia uma operação de sabotagem na PDVSA: destrói parte do seu maquinário, queima poços de petróleo, mina o seu transporte e comércio. Novamente a massa de trabalhadores se levanta contra esta tentativa e a derrotam, mas o chavizmo nada faz contra a elite venezuelana, que continua livre, leve e solta, tendo total controle sobre o capital.
A história recente da Venezuela é marcada por esta guerra não declarada entre a elite e o movimento chavizta, entrecortado por inúmeras tentativas de golpes de Estado. O que nós, brasileiros, estamos voltando a conhecer somente agora.
O assim batizado por Chávez “socialismo do século 21” ou o seu “regime bolivariano” nada tem de socialista. Não mexeu na propriedade privada dos meios de produção. Pretende patrocinar o desenvolvimento social a partir do Estado capitalista, respeitando e fortalecendo as instituições democrático-burguesas. Nesse intento, choca-se inevitavelmente com a elite nacional e estrangeira, ávida por colocar as mãos na totalidade dos recursos do petróleo. Por certo é mais progressivo do que todos os governos da América Latina, inclusive os do PT, mas isso não o transforma em “socialista” e, tampouco, em revolucionário. Todas as estruturas políticas e econômicas centrais do regime burguês estão preservadas.
O que há na Venezuela, então, é uma disputa entre a elite e o governo chavizta pelos despojos da exploração petroleira. Para a elite latino-americana, obsessivamente anti-comunista, isso é “socialismo”, mesmo que a propriedade privada dos meios de produção e o capital sigam intactos. O sucessor de Hugo Chávez, Nicolas Maduro, segue a mesma política do seu mestre. Porém, a crise internacional se agravou: os preços do barril de petróleo despencaram, a elite venezuelana, a partir do seu controle sobre o capital e os meios de comunicação, patrocina uma campanha de sabotagem prolongada do governo, incluindo fuga de capitais, desabastecimentos de supermercados, atentados diretos e incitação ao ódio a partir dos movimentos sociais, tencionando ao máximo o governo e a polícia para chegar a confrontos que resultem em mortos e feridos.
Tudo isso, evidentemente, resulta em desemprego e na fome do povo. Porém, antes de tudo temos que perguntar: em nome do quê trabalha a direita fascista venezuelana para retomar o poder? Quer resolver alguma crise e a fome do povo venezuelano? É claro que não! Tal como no Brasil, trabalha para derrubar o governo e instituir o seu próprio para voltar a ter o controle total sobre o petróleo e abastecer as grandes empresas imperialistas. A atual crise venezuelana é o resultado de um regime que não quer avançar ao socialismo, mas preservar as bases do capitalismo, tentando justificar tudo isso como "as condições históricas e nacionais".
A elite brasileira e os seus partidos gritam contra “o autoritarismo socialista” do governo venezuelano, mas não falam nada sobre a sabotagem consciente da direita fascista e do imperialismo, que ordenam e patrocinam a fuga de capitais e o desabastecimento do mercado interno. Tal como a direita brasileira, trabalham dia e noite para derrubar Maduro. Falam dos esfomeados e dos desempregados da Venezuela para ignorar os milhares de esfomeados e desempregados do Brasil, da Argentina e de toda a América Latina. Denunciam os privilégios da “elite chavizta”, mas calam vergonhosamente sobre os privilégios da elite brasileira, dos políticos, dos bancos, dos grandes latifundiários e magnatas. Vociferam e acusam, com os olhos faiscantes, o “socialismo venezuelano” para esconder e desviar o foco da crise do capitalismo semi colonial e dependente de toda a América Latina.
Os trabalhadores conscientes devem ter tudo isso em mente antes de denunciar o governo venezuelano e organizar a luta contra ele.

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