Nesta
campanha eleitoral a elite brasileira e os seus partidos tem abusado do
discurso de que o “regime socialista” da Venezuela levou o país à crise e à
fuga de venezuelanos para o Brasil. Eles teriam razão? Os meios de comunicação
fariam uma cobertura justa? Afinal de contas, o que é a Venezuela?
Este país, que se encontra ao norte do
Brasil, possui um dos maiores reservatórios de petróleo do mundo, além de
grandes reservas de ouro, alumínio e água potável. A história política da
Venezuela é marcada pelo controle de poucas famílias sobre as melhores e
maiores terras, enquanto uma oligarquia urbana se adonou das riquezas
proporcionadas pela renda do petróleo e da exploração do ouro.
Por este motivo, até a ascensão de Hugo
Chávez ao poder, a Venezuela era conhecida como a “Arábia Saudita da América Latina”:
um paraíso de riqueza para uma pequena elite nacional e para o imperialismo. Na
Venezuela haviam 5 milhões de pessoas sem direitos civis e mais de 2 milhões de
crianças que não iam a escola. O analfabetismo era galopante e a miséria
assustadora. Não eram apenas as favelas que esmagavam os prédios e condomínios
de luxo, mas a fome, que era presente e a ameaçava diariamente milhões de
venezuelanos que quando tinham almoço, muitas vezes não tinham jantar.
A PDVSA (Petróleo de Venezuela - Sociedade
Anônima; semelhante à Petrobrás) já existia e sempre foi estatal. Ela se dedica
a exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo na
Venezuela. A diferença entre os governos anteriores a Chávez é que a renda
petroleira ficava restrita a uma elite parasitária que tinha a única finalidade
de enriquecer a si própria e as empresas estrangeiras, suas sócias maiores;
Chávez passou a investir parte desta renda na sociedade venezuelana e privou a
elite e estas empresas estrangeiras deste lucrativo rentismo parasitário.
Ficou famosa a declaração de um pobre
venezuelano, reproduzida por Eduardo Galeano, em que ele defendia o governo de
Chávez contra um novo golpe. Ele disse: “Não quero que Chávez se vá porque não
quero voltar a ser invisível”.
Em função dessa situação de miséria para o
povo e de riqueza abundante para uma minoria – comum à toda a América Latina –,
houveram momentos de rebelião popular que não lograram conquistar o poder. A
primeira se deu no chamado “caracaço”, em 1989, onde centenas de milhares de
trabalhadores foram às ruas contra a carestia de vida, mas terminaram duramente
reprimidos pelo exército, que matou mais de 1000 pessoas. Em 1992 Hugo Chávez
tenta dirigir um “golpe de Estado” contra a antiga elite, comandando cerca de 300
soldados. A tentativa fracassa. Não foi a única vez em que Chávez esteve
desconectado da mobilização direta das massas.
Formalmente eleito como presidente da
República em 1998, Chávez inicia um processo de investimentos sociais com base
na renda petroleira: coloca 2 milhões de crianças na escola, investe parte do
dinheiro em saúde e educação, cria moradias populares, realiza parte de uma
reforma agrária, distribuindo terras, e incentiva os artesãos locais. Porém,
Chávez nunca tocou na propriedade privada e no capital. Empresas nacionais e
estrangeiras não ligadas ao petróleo operam e exploram a mão de obra livremente
na Venezuela. O papel cumprido por Chávez pode ser comparado ao de Lula no
Brasil, embora de forma mais radical, pois houveram enfrentamentos diretos com
a elite nacional.
Em 2002 a elite venezuelana tenta dar um
golpe de Estado para derrubar Chávez, prendendo-o, mas este é aclamado pela
massa, que desce das favelas, toma as armas nos quartéis e o tira da cadeia.
Chávez, então, ao invés de propor a criação de uma nova democracia e de novas
instituições que avancem efetivamente sobre a propriedade privada, uma vez que
já tinha sido levado de volta ao poder, conclama a massa a devolver as armas e
voltar para as suas casas. A massa segue a orientação dada por ele. Logo após
esta tentativa frustrada de golpe em abril de 2002, a elite venezuelana, livre,
leve e solta, continua dificultando a vida do governo e, em dezembro, inicia
uma operação de sabotagem na PDVSA: destrói parte do seu maquinário, queima
poços de petróleo, mina o seu transporte e comércio. Novamente a massa de
trabalhadores se levanta contra esta tentativa e a derrotam, mas o chavizmo
nada faz contra a elite venezuelana, que continua livre, leve e solta, tendo
total controle sobre o capital.
A história recente da Venezuela é marcada por
esta guerra não declarada entre a elite e o movimento chavizta, entrecortado
por inúmeras tentativas de golpes de Estado. O que nós, brasileiros, estamos
voltando a conhecer somente agora.
O assim batizado por Chávez “socialismo do
século 21” ou o seu “regime bolivariano” nada tem de socialista. Não mexeu na
propriedade privada dos meios de produção. Pretende patrocinar o
desenvolvimento social a partir do Estado capitalista, respeitando e fortalecendo
as instituições democrático-burguesas. Nesse intento, choca-se inevitavelmente
com a elite nacional e estrangeira, ávida por colocar as mãos na totalidade dos
recursos do petróleo. Por certo é mais progressivo do que todos os governos da
América Latina, inclusive os do PT, mas isso não o transforma em “socialista”
e, tampouco, em revolucionário. Todas as estruturas políticas e econômicas
centrais do regime burguês estão preservadas.
O que há na Venezuela, então, é uma disputa
entre a elite e o governo chavizta pelos despojos da exploração petroleira.
Para a elite latino-americana, obsessivamente anti-comunista, isso é
“socialismo”, mesmo que a propriedade privada dos meios de produção e o capital
sigam intactos. O sucessor de Hugo Chávez, Nicolas Maduro, segue a mesma
política do seu mestre. Porém, a crise internacional se agravou: os preços do
barril de petróleo despencaram, a elite venezuelana, a partir do seu controle
sobre o capital e os meios de comunicação, patrocina uma campanha de sabotagem
prolongada do governo, incluindo fuga de capitais, desabastecimentos de
supermercados, atentados diretos e incitação ao ódio a partir dos movimentos
sociais, tencionando ao máximo o governo e a polícia para chegar a confrontos
que resultem em mortos e feridos.
Tudo isso, evidentemente, resulta em
desemprego e na fome do povo. Porém, antes de tudo temos que perguntar: em nome
do quê trabalha a direita fascista venezuelana para retomar o poder? Quer
resolver alguma crise e a fome do povo venezuelano? É claro que não! Tal como
no Brasil, trabalha para derrubar o governo e instituir o seu próprio para
voltar a ter o controle total sobre o petróleo e abastecer as grandes empresas
imperialistas. A atual crise venezuelana é o resultado de um regime que não
quer avançar ao socialismo, mas preservar as bases do capitalismo, tentando
justificar tudo isso como "as condições históricas e nacionais".
A elite brasileira e os seus partidos gritam
contra “o autoritarismo socialista” do governo venezuelano, mas não falam nada
sobre a sabotagem consciente da direita fascista e do imperialismo, que ordenam
e patrocinam a fuga de capitais e o desabastecimento do mercado interno. Tal
como a direita brasileira, trabalham dia e noite para derrubar Maduro. Falam
dos esfomeados e dos desempregados da Venezuela para ignorar os milhares de
esfomeados e desempregados do Brasil, da Argentina e de toda a América Latina.
Denunciam os privilégios da “elite chavizta”, mas calam vergonhosamente sobre
os privilégios da elite brasileira, dos políticos, dos bancos, dos grandes
latifundiários e magnatas. Vociferam e acusam, com os olhos faiscantes, o
“socialismo venezuelano” para esconder e desviar o foco da crise do capitalismo
semi colonial e dependente de toda a América Latina.
Os trabalhadores conscientes devem ter tudo
isso em mente antes de denunciar o governo venezuelano e organizar a luta
contra ele.
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