sábado, 1 de maio de 2021

O suplício de Giordano Bruno

 

Se eu manejasse um arado, apascentasse um rebanho, cultivasse uma horta, remendasse uma veste, ninguém me daria atenção, poucos me observariam, raras pessoas me censurariam e eu poderia facilmente agradar a todos. Mas, por ser eu delineador do campo da natureza, por estar preocupado com o alimento da alma, interessado pela cultura do espírito e dedicado à atividade do intelecto, eis que os visados me ameaçam, os observados me assaltam, os atingidos me mordem, os desmascarados me devoram. E não é só um, não são poucos, são muitos, são quase todos.

Se quiserdes saber porque isso acontece, digo-vos que o motivo é que tudo me desagrada, detesto o vulgo, a multidão não me contenta. Somente uma coisa me fascina: aquela em virtude da qual me sinto livre na sujeição, contente no sofrimento, rico na indigência e vivo na morte. Aquela na qual a virtude da qual não invejo os que são servos na liberdade, sofrem no prazer, são pobres nas riquezas, e mortos em vida, porque trazem no próprio corpo os grilhões que os prendem, no espírito o inferno que os oprime, na alma o erro que os debilita, na mente o letargo que os mata. Não há, por isso, magnanimidade que os liberte, nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive
(...)
Não se deve, pois, procurar se fora do céu existe lugar, vácuo ou tempo porque o único é o lugar geral, único o espaço imenso; onde existem inumeráveis e infinitos globos, como existe este, onde nós vivemos e vegetamos. Este espaço nós o chamamos de infinito, porque não existe razão, conveniência, possibilidade, sentido ou natureza que deve limitá-lo. Nele estão contidos infinitos mundos semelhantes a este.

Sobre o infinito, o universo e os mundos
(1584). Obra escrita e publicada por Giordano Bruno durante a sua permanência na Inglaterra. Nela o pensador expõe, sob forma de diálogos, algumas de suas teses principais, opostas à ciência oficial de seu tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário