domingo, 30 de maio de 2021

O bolsonarismo e as instituições da democracia burguesa

Um breve balanço dos atos do dia 29 de maio pelo “Fora Bolsonaro”


1.

         A essência da engenharia política desenvolvida pelo neofascismo consiste em vender seus candidatos como “antissistema”. Foi assim com Trump nos EUA; foi assim com Bolsonaro no Brasil. Suas retóricas frequentemente se voltam contra a estrutura oficial das instituições da democracia burguesa, como o STF, o Congresso Nacional e a grande mídia burguesa. Isso lhes confere um ar de que “falam o que pensam”, enquanto que os demais políticos calam e escondem suas intenções.

         Vale lembrar que nos últimos 5 anos quem mobilizou massas e atacou conscientemente com algum impacto as instituições da democracia burguesa não foi a “esquerda”, mas a extrema direita. Evidentemente que os seus objetivos são opostos aos da “esquerda”, pois visam a ditadura militar ou, então, a sutil reafirmação destas instituições e do próprio sistema. Contudo, este cenário não gerou nenhuma reflexão por parte do ativismo de “esquerda”. Ao contrário. Seguem fazendo as mesmas coisas de sempre, esperando resultados diferentes.

 

2.

         Ao contrário da “agitação” bolsonarista, o “Fora Bolsonaro” não questiona o visível desgaste das instituições da democracia burguesa, procurando apontar para uma perspectiva revolucionária e socialista. Além de levar água ao moinho do vice-presidente ou, no melhor dos casos, das oposições burguesas bem comportadas (como João Dória ou Lula), canalizam toda a luta para a reafirmação e legitimação das caducas e corrompidas instituições da democracia dos ricos – pois é delas unicamente que esperam que se tire Bolsonaro do poder.

         Desde 2019, mas, sobretudo, nos atos de rua do dia 29 de maio, não se viu o discurso pelo “Fora Bolsonaro” avançar para o questionamento das instituições. Antes de tudo a “esquerda” reforça e legitima as instituições da democracia burguesa quando resume tudo à “saída” da figura de Bolsonaro, cultuando como sempre, o movimento espontâneo. Nem sequer se preocupa com um poder alternativo – e, portanto, com instituições alternativas – porque esta é a última de suas preocupações, pautadas pelo desespero imediatista.

 

3.

         Que a esquerda reformista aja dessa forma é bastante compreensível, uma vez que PT, PCdoB e Psol trabalham para trocar o governo e manter a estrutura social (e eleitoral), que é sua razão de ser. O que causa uma profunda curiosidade é a mesma atuação por parte da esquerda “revolucionária”, que grita “Fora Bolsonaro”, mas não aponte e sequer se preocupa com um poder alternativo[1], formado por um governo da classe trabalhadora e suas instituições correspondentes. Como ele não existe, a construção deste poder deveria ser a sua tarefa principal nesta conjuntura: isto é, buscar a melhor forma de criticar as atuais instituições e demonstrar a imperiosa necessidade de substituí-las pelas instituições de um governo da classe trabalhadora. Toda a sua política cotidiana deveria levar a isso, mas não tem sido nem de longe o caso.

         Ao fazer coro com a esquerda reformista e com uma larga parcela da grande mídia, entram como a cauda do cometa de um dos campos burgueses em luta e facilitam o caminho do bolsonarismo, que posa de “antirregime” e “antissistema”, só que pela direita... e não é combatido, nem desmascarado.

 

4.

         Mordendo as iscas do neofascismo e agindo dentro de um jogo cujas regras só são respeitadas pela esquerda reformista (e a sua “sócia menor” no campo “revolucionário”), este culto a um espontaneísmo bárbaro só ajuda a dicotomizar a realidade e a reforçar as esperanças nas instituições da burguesia – sem demonstrar sua relação direta com a crise que vivemos (fato explorado somente pelo bolsonarismo) – e no próprio sistema. Os estragos ideológicos são tão grandes que um impeachment em que entre o vice ou uma “alternativa” burguesa são vistos como “saídas” que, na verdade, apenas se complementam na forma de salvar o sistema a longo prazo[2] – preparando novas armadilhas logo adiante.

         Seus principais alicerces e os reais atores que comandam a exploração dos 99% não são questionados, mas escondidos. Hoje as megacorporações – uma espécie de “Estado amplo” – controlam a economia mundial e nacional, hegemonizando o comércio internacional; e estão acima dos poderes nacionais, incluso as instituições, as legislações e as próprias eleições. Por mais que precisemos tirar Bolsonaro do poder, a briga pelo “Fora este ou aquele” sem construir um poder revolucionário alternativo é uma autoenganação ou um engodo consciente – isto é, uma nova forma de cultuar o espontâneo. É por isso que, por mais importantes que sejam, os atos de 29M se resumem a uma “multidão nas ruas” que “dançam marchinhas de carnaval, levantam cartazes e gritam ‘Fora Bolsonaro’”, demonstrando um descontentamento confuso e incoerente, mas não questionam a estrutura social e as instituições burguesas que sustentam todo o jogo (uma espécie de triste repetição de 2013[3]).

         Tudo isso está dentro do cálculo do sistema, suas instituições e grande mídia; mas, de fato, está definitivamente fora da compreensão da esquerda “revolucionária”.

 

5.

Tudo isso também está dentro das expectativas da esquerda reformista, como o PT, PCdoB e Psol – que esperam canalizar o desgaste político e eleitoral –, mas não pode estar dentro de uma perspectiva revolucionária. Acrescentar ao “Fora Bolsonaro” um “Fora Mourão e os militares” não resolve absolutamente nada; apenas dá um ar mais fantasioso, dado que nada de concreto foi feito para que isso acontecesse, como trabalhar numa agitação e propaganda cotidiana e de massas contra as instituições dos ricos e criar, a longo prazo, um governo alternativo da classe trabalhadora (que hoje, repetimos, não existe). 

A esquerda “revolucionária” continua lembrando Lenin como um “deus revolucionário”, mas esquece totalmente a sua crítica voraz à ausência de um realismo revolucionário[4]. A conclusão é bastante singela: a esquerda reformista e a “revolucionária” ajudam a grande burguesia nacional e internacional na reciclagem do sistema, sem lhe ameaçar ou sequer questionar nada do que é realmente essencial (vide a triste “transição” ocorrida nos EUA entre Trump e Biden).

 

6.

De nada adianta gritar contra o oportunismo petista e, ao mesmo tempo, lhe ser o abre-alas nos movimentos sociais, lhe embelezando revolucionariamente a sua principal palavra de ordem do momento. Por isso este blog insiste em perguntar: qual é a alternativa real de poder ao “Fora Bolsonaro”? Que tarefas revolucionárias precisam ser concretizadas antes para se colocar “Bolsonaro para fora”? O presente “Fora Bolsonaro” serve para atacar as raízes e os fundamentos do poder burguês ou simplesmente reforça as ilusões eleitorais, as instituições da democracia burguesa, o imediatismo e o espontaneísmo mais bárbaros, que servirão, por sua vez, para reforçar e reciclar o sistema e trazer, amanhã ou depois, “novos e piores bolsonaros”?

         Ainda estamos no aguardo da resposta da esquerda “revolucionária”, que parece ter uma “ingenuidade” e uma excitação inesgotável nessa palavra de ordem que não possui, neste momento, a menor correlação de forças favorável num sentido revolucionário.

 

 

Referências

[4] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/08/a-essencia-do-leninismo.html 

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