sábado, 24 de abril de 2021

A condenação do policial que matou George Floyd deveria intensificar a campanha pela liberdade imediata de Mumia Abu-Jamal



O trabalhador branco não pode ser livre
aonde o negro for estigmatizado
Karl Marx

 

         A recente condenação do policial branco que assassinou George Floyd, Derek Chauvin, foi comemorada por milhares de manifestantes no mundo todo. Ainda que extremamente limitada, tal condenação foi importante como um pequeníssimo primeiro passo. Trata-se de uma medida limitada porque os EUA é um país campeão de assassinato de trabalhadores negros e negras, perdendo apenas para o Brasil[1]; portanto, nada nos garante que seja um real enfrentamento ao racismo estrutural entranhado na instituição policial, sobretudo em sua relação com a classe trabalhadora mais pobre, moradora dos bairros periféricos – que ainda são, em sua maioria, negros e negras[2].

         Para aqueles que não possuem propriedade, o grande capital reserva o joelho no pescoço e a pena de morte informal que serve de recado para todos os demais miseráveis. É a ditadura sobre a pobreza, que age impiedosamente tanto nos EUA, quanto no Brasil. George Floyd foi mais uma triste estatística dos vários negros assassinados na “terra da democracia e das oportunidades”. Esta prática se estende, pelo menos, até os anos 1950-1960, quando se iniciaram as primeiras movimentações dos inspiradores dos Panteras Negras, Martin Luther King e Malcolm X.

         Por tudo isso, devemos comemorar a condenação de Derik Chauvin com muita moderação, dado que a grande mídia e a “esquerda” festiva funcionam como uma válvula de escape da revolta, fazendo a raiz do problema se perpetuar. O racismo estrutural está na instituição policial, no sistema econômico e no aparelho estatal norte-americano. Isso explica os inúmeros casos de espancamentos e assassinatos. O diferencial desta vez é que um policial foi condenado, ao contrário dos processos judiciais do passado, que sempre terminavam absolvendo-os. A atual condenação pode ser um precedente, que só vai se consolidar caso o movimento avance sem ilusões, retomando pautas que atinjam a base do sistema econômico; isto é, reacendendo pautas dos antigos Panteras Negras, indo muito além do atual black lives matter – instrumentalizado, em grande parte, pelo partido democrata.

         A questão negra nos EUA escancara a fraude da sua “democracia” – tida como a maior do mundo e chamada por alguns de “terra das oportunidades” (para homens brancos, necessitariam acrescentar). A bem dos fatos históricos, os EUA são a terra do assassinato de negros e negras pobres em escala industrial. A “esquerda” tem a obrigação de denunciar tudo isso, acabando com os mitos propagados pela grande mídia (reparem o comentário do apresentador do BBB, que afirmou em horário nobre ser os EUA o “país mais livre do mundo”) e pelo governo estadunidense. Também deve se preocupar em alertar o movimento da classe trabalhadora negra norte-americana sobre as visíveis limitações desta condenação e do frenesi da suposta “vitória” que sempre paralisa e gera novas ilusões.

 

Um trecho acima diz: "até que o sistema seja alterado, nada vai mudar;
nós apenas iremos para rua novamente cantar por um nome diferente".

A condenação de Derek Chauvin deve intensificar a campanha pela imediata libertação de Mumia Abu-Jamal!

         O momento é propício para retomarmos a campanha pela libertação do Pantera Negra Mumia Abu-Jamal, preso desde 1981 sob a falsa acusação de matar um policial branco. De nome verdadeiro Wesley Cook, Mumia se tornou jornalista na Filadélfia e ficou popular com o seu programa de rádio A voz dos sem-voz. O nome de guerra, Mumia Abu-Jamal, surgiu a partir da influência de um professor que o fez resgatar a cultura africana, em particular a história do lutador nacionalista do Quênia, de nome Mumia, que resistiu aos colonizadores britânicos[3].

         A história de vida e a militância de Mumia Abu-Jamal demonstram com provas insofismáveis o caráter racista do sistema prisional estadunidense, bem como de sua suposta “democracia”. Grande parte do inquérito contra ele se deve a sua atividade militante, de emancipação do povo negro e da classe trabalhadora no geral. Os Panteras Negras, como se sabe, organizaram diversas manifestações públicas – inclusive contra o embargo econômico à Cuba promovido pelos EUA. A atuação de Mumia Abu-Jamal e dos Panteras Negras está embasada naquela afirmação de Malcolm X de que “não há capitalismo sem racismo”.

         Levando tudo isso em consideração é fácil entender por que na visão do FBI e da polícia os Panteras Negras eram um grupo radical e extremista que deveria ser combatido. Para o chefe do FBI, J. Edgar Hoover, eles seriam “a maior ameaça à segurança interna do país”[4]. Além disso, os Panteras Negras ainda enfrentavam a violência policial de armas nas mãos, o que aumentava o temor da elite estadunidense e a necessidade de criminalizá-los a qualquer custo. Foi só assim que conseguiram frear a brutal repressão sanguinária de negros e negras nos bairros periféricos. Daí as diversas provas forjadas de relação com o tráfico de drogas, de “ameaça à segurança interna” – dado o seu internacionalismo proletário –, bem como a perseguição ininterrupta e a prisão forjada de diversos de seus membros.

         Mumia foi preso em dezembro de 1981 sob a acusação de ter assassinado o oficial de polícia branco, Daniel Faulkner, na Filadélfia, e condenado à morte em 1982. Ao longo de 20 anos de uma incessante batalha judicial, repleta de apelos por um julgamento justo por parte de personalidades e milhares de manifestantes, e apesar da constatação de inúmeras irregularidades em seu processo, a data de sua execução foi várias vezes remarcada e, por fim, suspensa em 2008, sendo substituída arbitrariamente por uma condenação à prisão perpétua. Esta alteração já é um reconhecimento não declarado da injustiça da condenação.

         Ainda que as autoridades tentem tratá-lo como um criminoso comum, Mumia Abu-Jamal é, na realidade, um prisioneiro político dos Estados Unidos, embora não tenha sido o primeiro. Segundo o relato de várias testemunhas, tudo começou quando Jamal interveio para socorrer seu irmão mais novo, que estava sendo brutalmente espancado pelo referido oficial de polícia. Houve muita confusão, gritos e disparos. No momento em que os outros policiais chegaram ao local, Mumia Abu-Jamal estava ferido e Faulkner morto[5].

         A atual condenação de Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd é o reconhecimento tácito das agressões policiais contra os bairros negros, bem como, indiretamente da inocência de Mumia Abu-Jamal. A sua prisão passa a ser exclusivamente política, de cunho abertamente racista, dado que ele foi um ativista socialista que se levantou organizada e conscientemente contra o racismo estrutural e o próprio sistema, sabendo encontrar aliados e combater os inimigos corretos. Por isso não foi perdoado e condenado à morte. A promotoria não apresentou nenhuma prova material de suas acusações e, ao longo do seu julgamento, foi comprovada a prática de intimidação de testemunhas[6].

         Toda a história posterior dos EUA, com seus inúmeros casos de espancamentos e assassinatos de negros e negras nas periferias das grandes cidades, coaduna com a tese da inocência de Mumia Abu-Jamal. Como a “esquerda” não sabe fazer unificação de pautas e junção de movimentos de caráter classista, se satisfazendo com qualquer “vitória” midiática, deixa o grande ativista dos Panteras Negras – um dos militantes mais conscientes e ativos dos EUA – largado à própria sorte.

         Que esta pequena contribuição sirva para conscientizar as organizações de “esquerda” honestas, os sindicatos e os movimentos sociais da importância conjuntural e histórica da retomada imediata da campanha pela libertação de Mumia Abu-Jamal. Este sim seria um duro golpe no racismo estrutural entranhado nas instituições “democráticas” estadunidenses, possibilitando que Mumia Abu-Jamal retome imediatamente suas atividades políticas, tão necessárias em períodos de identitarismos instrumentalizados e vazios como o que estamos vivendo.

- Pela imediata libertação de Mumia Abu-Jamal, preso político dos EUA!

- Pela condenação de todos os policiais, empresas e seguranças envolvidos em espancamentos e assassinatos de negros e negras nos EUA e no Brasil!

- Não há capitalismo sem racismo!

 


Referências




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