quinta-feira, 22 de abril de 2021

A história de amor entre o governo Leite, google, Samsung e uma “crise financeira” seletiva

Antes da pandemia, diziam aos quatro cantos os jornais e telejornais da grande mídia que vivíamos no Brasil e no RS uma “crise financeira”. Veio, então, a pandemia. Em julho de 2020, sem perder tempo, o garoto propaganda dos governos do PSDB, Luciano Huck, anunciou solenemente que ela “veio para acelerar a digitalização da educação”[i].

        Na sequência, em agosto de 2020, o responsável pelo setor de informática da SEDUC-RS afirma, em um áudio vazado, que tinha sido incumbido pelo então secretário da educação, Faisal Karam, “de preparar o aluno da escola pública estadual para a nova economia”, complementando que “o plano para trazer o aluno para esta nova economia deve ser acelerado e colocado de pé o quanto antes”[ii].

        Mas que “nova economia” é essa?

        Ora, pra quem ainda não entendeu, trata-se da economia uberizada, baseada em serviços – sobretudo virtuais, tipo Amazon, iFood, Uber, EaD –, de capital financeiro improdutivo, embora extremamente lucrativo para uma ínfima minoria.

Segundo Ladislau Dowbor, “há um endividamento generalizado dos países, dado o poder de grandes corporações — não mais General Motors, General Eletric, por exemplo — como Google, Amazon, Facebook, Microsoft e Apple. Ou seja, de um lado, sistemas que controlam a informação e o conhecimento servem de base para nossa própria comunicação. Do outro lado, como o dinheiro hoje é imaterial, também é uma unidade de informação, que navega nas ondas eletromagnéticas, gerando o High Frequency Trading em escala mundial, dando aos grandes bancos e investidores institucionais poder financeiro sobre os governos, as empresas produtivas, as finanças das famílias”[iii].

Ficamos sabendo que durante a pandemia, “casualmente”, os bilionários deste setor – dentre outros – ficaram U$ 5 trilhões mais ricos[iv]. Isso, no entanto, parece não indignar muito as pessoas e a “esquerda”, nem lhes levantar maiores dúvidas.

 

Governadores dos Estados e google: uma história de amor sem crises financeiras!

        A vice-presidente de Joe Biden, Kamala Harris – talvez a maior expoente do identitarismo burguês em voga –, tem ligação direta com as corporações big tech (google, Amazon, facebook, Microsoft, etc.)[v]. Para todos estes atores a pandemia surge como um “presente dos céus”! Com o topo do mundo dominado pelas big tech, basta realinhar as neocolônias.

        Eis que surge, então, como um “raio em céu sereno”, a plataforma google sala de aula para “salvar” a educação pública! Convênios foram fechados com esta megacorporação em 19 estados brasileiros. A seguir, governadores como Eduardo Leite e João Dória passaram a ser vendidos pela grande mídia como responsáveis gestores da crise durante a pandemia[vi] – como se fossem uma suposta alternativa a Bolsonaro –, quando, na realidade, estavam vendendo barato a educação púbica a estas corporações. É aí que entram também as “consultorias” de Luciano Huck e da Fundação Lemann, interessadíssimos em abocanhar os recursos da educação pública.        

      O referido responsável pelo setor de informática da SEDUC-RS relativiza tais falcatruas sustentando que “não há nenhum centavo de dinheiro público” para as plataformas do google[vii]. O que ele não diz é que as “novas tecnologias” – tipo google, facebook, whatsapp e outros – usam a sua “gratuidade” para acessar a intimidade dos usuários, não apenas para moldar a opinião pública, mas também para obter informações de mercado privilegiadas[viii]. Deste controle econômico e de informação via redes sociais para o controle político-pedagógico da educação pública é um passo.

        Além disso, os 50 mil chrome books fornecidos pelo governo Leite ao magistério público estadual numa parceria entre google e samsung, chegam a marca dos R$ 80 milhões[ix] – sem contar o restante que não entra na prestação de contas pública. Em São Paulo, Dória “ofereceu” R$ 2 mil para que educadores pudessem “comprar computadores novos”[x]. O governo do Estado do Espírito Santo, por sua vez, repetiu[xi] o que fez Eduardo Leite no RS, doando dinheiro público para megacorporações privadas sem nenhuma contrapartida, como a quebra de patentes das tecnologias “adquiridas”, por exemplo[xii].

        A crise financeira é, como sempre, apenas para o funcionalismo público e o setor estatal, mas nunca para o mercado e as grandes corporações. Qual será o retorno para os Estados brasileiros nisso tudo senão mais dependência financeira, tecnológica e política?

       

A justiça burguesa e o governo Leite: outra história de amor!

        Durante as greves do magistério contra o pacote de retirada de direitos e no episódio da demissão das educadoras contratadas em licença saúde, o governo Leite e sua justiça foram impiedosos[xiii]. Em uma rapidez espantosa acabaram sentenciando e condenando a nossa categoria, sem nenhuma chance de recurso: salários cortados e descontados, apesar das aulas recuperadas; demissão ilegal de educadoras contratadas em licença saúde sem readmissão.

        No caso do retorno às aulas presenciais, mesmo que em alguns estados já tenha ocorrido, não vemos a mesma gana, nem as mesmas manobras da justiça e do governo. Leite, apesar de recorrer na justiça contra a decisão[xiv], parece não ter a mesma pressa e nem as mesmas articulações político-judiciais que marcaram a sua cruzada contra o direito de greve e as demissões das trabalhadoras precarizadas. Tal "benevolência súbita" também se reflete no não desconto dos salários e sequer em ameaças nesse sentido para o retorno presencial.

        Este impasse denota que a atitude do governo Leite desta vez é marcada pelo conflito de projetos, já que, pelo menos, as duas posições lhe são favoráveis em parte, assim como lhe prejudicam em parte. Por exemplo: o governo quer o retorno presencial porque isso dialoga com setores empresariais locais e com famílias que não tem com quem deixar os filhos durante o expediente. Por outro lado, na medida em que as aulas presenciais não voltam, o governo vai aplicando seu projeto de ensino à distância, implantando mecanismos de controle através das plataformas google sala de aula, Educar-RS, etc.; e criando as condições para a “nova economia”. Basta dizer que por anos a SEDUC tentou impor as chamadas online, sem muito sucesso, apesar do assédio moral sobre algumas escolas. Agora a chamada online e toda a estrutura do ensino remoto é uma realidade em todas as escolas!

        O governo tira partido deste “conflito” de projetos, enquanto que a “esquerda” e o movimento sindical não querem perceber o que está em jogo. Neste contexto complexo, devemos desconfiar, inclusive, das decisões judiciais supostamente “contrárias” ao governo Leite. A justiça, os governos tucanos e o mercado se entendem tacitamente: basta um olhar!

        O fundamental nesta conjuntura, portanto, é desmascarar a utilização política da pandemia para acelerar a aplicação dos projetos da “nova economia”. A “esquerda” e o movimento sindical só gritam por “vacina já”, ecoando os governos estaduais e a mídia burguesa. Por mais importante que isso seja, se não sublinharmos e colocarmos corajosamente em primeiro plano a utilização política da pandemia, terminamos por liquidar a independência de classe, nos tornando a retaguarda de um dos blocos burgueses em luta.

 

A crise política e a inoperância do CPERS

        Frente a esta realidade cruel, o CPERS está paralisado e semi-morto. Os áudios do Conselho Geral demonstram a crise na qual está enredado. Toda a preocupação da direção central concentra-se em estancar a sangria política do seu racha – a chapa “Muda CPERS”, que pretende concorrer para a direção central; enquanto que a outra oposição – “Novo Rumo” – não levanta nenhuma das questões abordadas anteriormente sobre os problemas do ensino híbrido e da utilização da pandemia contra a classe trabalhadora.

        Apesar do Sineta de fevereiro de 2021 denunciar corretamente que o “ensino híbrido acirra desigualdades e prepara terreno para demissões e privatizações”, reforçando que “o governo se vale da situação emergencial para implantar um projeto político-pedagógico gestado por fundações empresariais interessadas no orçamento público”; e que o “setor pedagógico da SEDUC não está a serviço dos interesses da comunidade escolar; [mas] atua por procuração de agentes privados”[xv], isso não se traduz na política concreta da direção central e de nenhuma das correntes majoritárias do CPERS.

        Toda a justeza desse artigo do Sineta se esvai com as decisões tomadas no Conselho Geral de 5 de março de 2021. O seu primeiro ponto de encaminhamento diz: “Manter o trabalho/ensino remoto como solução de compromisso para enfrentar o quadro pandêmico e pedagógico”. Assim, uma análise que poderia servir para a construção de uma política correta, morre no nascedouro porque é vítima de uma contradição flagrante. Ao que tudo indica, houve unanimidade entre todas as forças do CPERS nessa proposta que praticamente rasga o que foi escrito no Sineta e reforça, quer se queira ou não, a política das big tech.

        Não basta dizer que se é contra o “projeto político gestado por fundações empresariais”. Isso precisa transparecer nas declarações escritas, mas, sobretudo, na prática sindical de enfrentamento a este projeto. Nenhum setor do CPERS parece querer perceber tais contradições, que certamente teriam implicações sobre a política levantada até aqui quase que unanimemente. Além disso, todas as suas propostas de mobilização versam sobre “luta virtual” ou carreatas.

Presente maior para as big tech e a Fundação Lemann não poderia haver. Quando sairmos da pandemia, provavelmente estaremos numa nova “normalidade” marcada por um regime de trabalho mais precarizado, com toda a boiada “já passada para o outro lado”. Para este novo cenário, infelizmente a “esquerda” e o movimento sindical terão sido peça chave.




Referências

[xii] Ver como funciona na economia chinesa a relação entre megacorporações e o Estado no último tópico do texto que segue: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/01/a-etica-confucionista-e-o-espirito-do.html

[xv] Sineta – jornal oficial do CPERS (gestão 2017-2021), fevereiro de 2021 – página 7. 

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