segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

A ética confucionista e o espírito do novo capitalismo chinês — notas sobre a China contemporânea



第一 Muitos pensadores demonstraram a relação fundamental que existiu entre a reforma protestante desencadeada por Lutero/Calvino e o espírito do capitalismo europeu. O mais célebre, talvez, tenha sido Max Weber. Romper a redoma de ferro imposta pela igreja católica foi essencial para o posterior desenvolvimento da burguesia e do capitalismo comercial. Sem esta alteração na estrutura do cristianismo seria quase impossível a ascensão meteórica do capitalismo ocidental, que inclusive resultou na dominação sobre o oriente. Alguns intelectuais ocidentais ironizam: "Confúcio nunca leu Adam Smith"; e "Max Weber", podemos acrescentar.


第二 Confúcio desprezava os mercadores e todos aqueles que eram devotados à "caça ao lucro". Dentro da sua lógica, não faz sentido as preocupações modernas como o frenesi do comércio mundial, o crescimento econômico, o "progresso" e as "classes inferiores" serem incorporadas no governo ou terem algum reconhecimento social. Para Confúcio, apenas os intelectuais e os camponeses eram considerados "produtivos". Ainda que o confucionismo antigo defenda uma espécie de "meritocracia", ela nada tinha a ver com a desenvolvida pelo capitalismo inglês, mas apenas para melhor servir o imperador na burocracia estatal. Sua rígida visão social ordenava obediência ao governo monárquico, que detém um suposto "mandato dos céus", submissão aos pais, diligência e aperfeiçoamento do trabalho, além do respeito à ordem social. Segundo ele, a harmonia social deriva da obediência à autoridade — tanto na família quanto no Estado. Esta é uma das razões que explica porque a China, mesmo sendo o berço de muitas das principais invenções humanas, não chegou ao capitalismo já durante o século 11 (ou seja, pelo menos 4 séculos antes da burguesia europeia).


第三 Toda a mitologia chinesa é derivada de líderes políticos pragmáticos que teriam recebido o "mandato dos céus". Esta é a essência da cultura monárquica chinesa que, como podemos intuir, se estende até hoje e, de certa forma, sobrevive no inconsciente coletivo da milenar nação. O mítico imperador amarelo, Huang Ti, já no século 26 a.C. cunhava moedas de bronze, inventava barcos, criava bichos-da-seda, incentivava a medicina, dividia a administração do seu reino em províncias. No final do século 2 a.C., o aclamado "grande unificador", Qin Shihuang, conseguiu finalmente soldar a ferro e fogo os reinados e ducados separados em um só império, enterrando vivo quem se colocasse contra.


卧室 Apesar de existir o "mandato dos céus", há também a compreensão de que "o desejo do povo é o desejo dos céus". Enquanto o reino está em paz e é próspero, o imperador tem o direito de reter o mandato sem maiores questionamentos (isso explica, em parte, o despotismo asiático e a passividade da classe trabalhadora frente ao PC Chinês e aos demais governos autoritários do continente). Se o imperador não honra seus compromissos e não consegue evitar uma crise, o povo tem o direito de se insurgir. Toda esta "sociologia" deriva do confucionismo, que é a doutrina moral e ética de quase toda a cultura asiática.


第五 O PCC, sob a batuta de Mao Tsé-tung, tentou erradicar o confucionismo da China, afirmando se tratar de uma ideologia reacionária. Trabalhou duramente para isso e o episódio da "Revolução Cultural" demonstra no que resultou parte dos seus esforços; seguindo, é verdade, o método bizarro do stalinismo (que é primo-irmão do despotismo asiático). O resultado não poderia ser muito diferente do que ocorreu. Os sucessores de Mao, com Deng Xiaoping à frente, reestabeleceram sutilmente determinadas compreensões confucionistas, agora já transformadas por uma espécie de "reforma protestante". Segue tudo igual: obediência, ode ao trabalho, diligência, hierarquias; com o acréscimo do "enriquecei-vos" como sinal de graça, presente no protestantismo europeu e no ideário de Bukhárin (abençoado por Stalin durante certo tempo, diga-se de passagem).


第六 A China moderna encontrou na estrutura de poder criada pelo stalinismo e expressa pelo PCC o mesmo poder dos imperadores antigos, que garantiu a sua esperada estabilidade política e econômica, calcada numa prosperidade meteórica e explosiva. De um país dividido, humilhado e saqueado pelo imperialismo ocidental, além de algemado economicamente pelas compreensões confucionistas, passou para a 1ª potência do mundo no século 21. Ironicamente não foram os consultores de Wall Street ou de Cambridge que impulsionaram a "reforma protestante" no confucionismo, mas os "comunistas", que através das suas "modernizações econômicas", obrigaram Confúcio a ler Adam Smith e atualizá-lo em, no mínimo, 4 séculos.
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Na China o governo exige das multinacionais que lá "investem" subsídios para institutos de pesquisa (na maioria dos casos 50% ou até mesmo 70% da produção). Os chineses dispõem-se a conceder direitos comerciais apenas a joint ventures. A Microsoft só ganhou um "ok" legal para operar na China depois de concordar em desenvolver uma versão oficial em mandarim e em estabelecer as bases da própria indústria chinesa de software. AT&T e Alcatel estabeleceram laboratórios, enviaram pesquisadores para estudar no Ocidente e empregaram milhares de engenheiros chineses em suas linhas de desenvolvimento de produtos.
No Brasil pedem aos oligopólios que "embelezem" as ruas e praças com um paisagismo que enche os olhos da classe média, mas que lucra milhões em isenções fiscais e, como um parasita, não deixa nada para o país: apenas mais terra arrasada!
Um país de pé, olho no olho; outro de joelhos, dizendo que "não há saída" fora dessa chantagem. Certamente o mercado interno chinês tem muito mais estofo do que o mercado brasileiro (ou latino americano) para impor algo ao capital internacional. Mas, de qualquer forma, uma população de 210 milhões de pessoas é maior do que países e regiões inteiras da Europa e de outros continentes, com riquezas naturais exclusivas. Se tal mercado não se valorizar, quem o fará?
Não será, certamente, a "elite do atraso", que através do seu "empreendedorismo" e do seu "liberalismo", fará isso. Pelo contrário: entregar tudo de mão beijada é a única "liberdade" que conhecem...

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