sábado, 10 de abril de 2021

O escândalo da privatização da CEEE

Governo tucano do RS e de SP em sintonia total com o governo Bolsonaro e a grande mídia na questão econômica

“Na América Latina é normal:
sempre se entregam os recursos
em nome da falta de recursos”.
(Eduardo Galeano,
As veias abertas
da América Latina).

Sem o controle do nosso petróleo, dos combustíveis, do banco central, da energia elétrica...

É assim que a direita no poder – a representante mais desprezível dos endinheirados – quer o país. É claro que não conseguiria o desmonte da economia pública e da infraestrutura do país se não estivesse mancomunada com o imperialismo estrangeiro – em especial, os EUA –, totalmente interessado em um país neocolonial que não pode ter sequer o controle sobre o seu próprio mercado interno.

         A privatização da CEEE (empresa pública de energia elétrica do RS) nada tem a ver com “dívidas”. Ela tem a ver com a venda da soberania do país ao capital privado nacional e internacional. Significa que este setor terá controle exclusivo sobre os recursos estatais resultantes da exploração da energia elétrica, que como a saúde, a educação, a água, o ar, deveriam ser públicos, uma vez que são parte da natureza.

        

Roubalheira do mercado, tucanos, bolsonaristas e Rede Globo: tudo a ver!

 

         A construção de uma subestação da CEEE em um simples bairro da capital gaúcha custa cerca de 20.000.000 (vinte milhões) de reais. A empresa inteira, que fornece energia para todo o Estado, foi vendida pela bagatela de 100.000 (cem mil) reais.

         Isto não é um leilão: é uma rapinagem, tal como a que acontece nesse país há 500 anos! Nenhuma dívida – por maior que seja – justifica a venda de algo que é essencial para a infraestrutura de qualquer país. Trata-se primeiramente da gestão dela! Isso não é uma proposta recorrente da direita soft, tipo PSDB, Democratas, Novo, et caterva? Ou pra esses partidos “gestão” significa passar uma empresa lucrativa (não tem como a CEEE não ser, dado que fornece um serviço público essencial) para os amigos empresários[i]? E não se trata apenas de “beneficiar amigos”, mas de um projeto econômico e político que submete o país e destrói qualquer tipo de soberania[ii].

         A CEEE, por sua vez, foi vendida em lance “democrático” e de “livre mercado” para uma única empresa. Casualmente esta empresa é a Equatorial, que tem a Bozano Investimentos como uma das principais acionistas, empresa cuja cadeira presidencial foi ocupada por ninguém menos do que Paulo Guedes.

         Segundo The Intercept, “Paulo Guedes também está atento à área de energia, com a perspectiva de ampla privatização do setor, com a venda de ativos da Eletrobrás. O terceiro maior investimento da Bozano é na Equatorial Energia, com atuação forte na região Norte e Nordeste. No fim de julho, a empresa arrematou em leilão a compra da Companhia Energética do Piauí. Em setembro, a Equatorial pegou também 49% da Integração Transmissora de Energia, da Eletrobrás. A empresa – que tem entre seus acionistas a americana BlackRock, maior gestora de investimentos do mundo, e o Fundo Soberano de Cingapura – é uma das companhias mais bem posicionadas para aproveitar o saldão da Eletrobrás. A Equatorial tem um histórico de sucesso na recuperação de empresas de energia que vinham dando prejuízo – caso dos ativos da Eletrobrás”[iii].

         Eis tudo! Qualquer adendo sobre dívidas, problemas de “gestão” tem a ver com os próprios governos de direita e à lógica neoliberal, que fazem as empresas públicas sangrarem para depois surgir com a milagrosa “solução” de privatizá-las para resolver o problema! Basta estudar a dívida pública brasileira e se verá que a maior parte dela é dívida privada tornada pública[iv].

         Não douremos a pílula: trata-se de pura transferência de recursos públicos – “mal gerido” propositalmente e, geralmente, a mando das regras draconianas da cúpula do mercado – para o setor privado. Assim, o “mercado” aparentemente funciona e o público, não. Esse é o engodo: na superfície aparece os problemas da “dívida do setor público”, mas a luta real se trava pelos recursos públicos e estatais que garantem o funcionamento do mercado. Todas as “reformas” em curso no país nos últimos 40 anos são de transferência de recursos públicos e estatais para o mercado, visando subsidiar a produção e o lucro do setor privado – sobretudo do agronegócio (embora não seja o único).

 

A ideologia do “mercado-santo” versus “Estado/público-demônio”

 

         Muitos teóricos nacionais e internacionais já descreveram que atualmente para o capital se manter, dado a sua tendência para a queda da taxa de lucro, necessita de garantias e do patrocínio do erário público. Dito em outras palavras: o tesouro público (isto é, os recursos financeiros e naturais do Estado) deve funcionar como uma espécie de fiador do capital financeiro geral; como o pressuposto do lucro privado[v].

         Esconder esse saque do público em nome do privado necessita, como tudo, de uma ideologia social. Ela encontra guarida centralmente na ideologia neoliberal, professada 24h por dia na grande imprensa “livre”. Os governos Eduardo Leite (PSDB e cia.) e a grande mídia sabem bem que a cegueira proveniente de uma ideologia é a maior força de um Estado, porque se trata do próprio núcleo central da política, da economia e da cultura. Eles não poderiam avançar contra direitos básicos, serviços públicos e empresas públicas sem uma forte ideologia que justificasse e legitimasse tais saques.

O golpe ideológico é simples, embora eficiente: isola o Estado do mercado, como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra, omitindo que o principal problema financeiro e de supostas "dívidas" é justamente a drenagem de recursos do Estado para o mercado (sobretudo o mercado financeiro). Simultaneamente reforça a tese de que o problema é o próprio Estado (o público) e a solução o mercado e as privatizações[vi].

         O discurso da crise financeira e da “dívida” do setor público é uma construção política e ideológica de inúmeros governos a serviço do capital internacional (sobretudo norte-americano) e nacional, bem como da grande mídia. É ele que sustenta a rapina dos recursos públicos. É evidente que tal discurso não seria tão eficiente se não houvesse pontuais elementos expressos na realidade e a total inoperância da “esquerda” e do movimento sindical.

         É, sobretudo, por esta inoperância política que o discurso neoliberal se sustenta e se prolifera. Eduardo Leite, por exemplo, vende através da sua porta-voz oficial, a grande mídia, que “é com a parceria com o setor privado, através de privatizações, concessões, que conseguimos alavancar investimentos”[vii], e nada é contestado, senão que ganha a apatia ou até mesmo certo apoio popular.

 

Capital privado e capital público, um peso e duas medidas!

 

         Como sabemos, a Bozano – controlada por Paulo Guedes – investe em empresas como a Equatorial, Energiza e Companhia de Transmissão de Energia Paulista (CTEP).

Reparem como funcionam as negociatas do mercado e do setor privado com os políticos burgueses: “A Equatorial levou a Companhia de Energia do Piauí (Cepisa), distribuidora da Eletrobrás privatizada pelo governo Temer em julho. Avaliada em R$ 490 milhões, a venda da estatal vai render só R$ 95 milhões aos cofres públicos. Relatório da própria Bozano aos seus acionistas informa que estatal foi adquirida com preço muito abaixo do valor de mercado, ampliando a possibilidade de lucros”[viii].

A roubalheira e a fraude iam ser escancaradas demais para esconder a transferência maciça de recursos públicos para o capital privado, então, criou-se a “ideologia justificadora” das “dívidas” dessas empresas.

         A grande mídia não perdeu tempo e já saiu justificando que a CEEE tinha uma dívida enorme de bilhões de reais. A porta-voz oficial do governo Leite e do neoliberalismo no RS, a RBS-GZH, afirmou que “a dívida total da CEEE-D é projetada em cerca de R$ 7 bilhões. O maior peso vem dos atrasos de ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços]. Os débitos relacionados ao imposto devem chegar a R$ 4,4 bilhões em abril”[ix].

         Dizer que uma empresa pública como a CEEE deve ICMS é uma fraude. O seu não-pagamento de ICMS não significa, no geral, sonegação fiscal, tal como no setor privado (incluindo a própria RBS), mas que ela está isentando o consumidor final de um imposto para garantir que o fornecimento da energia elétrica mantenha-se em preços relativamente baixos. Cobrá-lo apenas encareceria o serviço, já que os custos seriam repassados para o consumidor. Vários países do mundo subsidiam o valor da energia elétrica. Aqui não era diferente até o capital privado e o mercado se lançarem com sanha sobre tais subsídios[x].

         Temos, então, um peso e duas medidas: o governo Leite e a RBS-GZH não veem nenhum problema nos sonegadores de impostos do setor privado – como a GM e a própria RBS – que deve bilhões aos cofres públicos[xi]. Se fossem honestos, deveriam defender a estatização dessas empresas como forma de saldar suas dívidas. Mas não! Aqui importa apenas justificar a roubalheira de recursos públicos feita pelo mercado e o setor privado, amparado e abençoado pelos governos atuais, pela grande mídia e pelo discurso ideológico de “mercado-eficiente-bom X Estado-ineficiente-ruim”. Da mesma forma, uma outra parte desta “dívida” da CEEE vem da “manipulação interna dos medidores” de residências e empresas[xii], da isenção de pagamento por parte de escolas públicas e outros estabelecimentos públicos, além de beneficiários de baixa renda (tudo isso pode ser revisto após a privatização).

         O golpe de mestre foi aplicado! Uma vez que a CEEE for privatizada, basta a Equatorial aumentar os custos das tarifas de energia elétrica para o povo com a desculpa de que tem que pagar ICMS e “outros encargos”! Muito provavelmente manterá “planos empresariais” bem mais em conta do que uma família da classe trabalhadora pagará proporcionalmente.

         Assim, o setor público e o povo pobre continuarão a ser os fiadores do capital privado numa transferência homérica de dinheiro que faria corar de vergonha as metrópoles europeias do século XVII. É a pandemia sendo utilizada para “passar a boiada”.

 

Governo Leite e a grande mídia sabem da apatia da população e da inoperância do movimento sindical atual (em especial, do CPERS)

        

         A negociata fraudulenta da privatização da CEEE não seria possível sem a conciliação aberta ou disfarçada do movimento sindical, que além de não combater o discurso neoliberal, como vimos, paralisa as suas bases de “representados”. O discurso não apenas é dúbio, mas de mera pressão parlamentar sobre os mesmos deputados e instituições que aprovam as privatizações fraudulentas e as patrocinam. Este é o triste fim da CUT e do PT[xiii], mas não somente dessas duas ferramentas. A maioria esmagadora da “esquerda” oficial sofre dos mesmos problemas, sobretudo da capitulação ao discurso neoliberal ou à institucionalidade.

         O povo, tal como diz Noam Chomsky, nem sabe que não sabe o que se passa. Grande parte, é verdade, compreende que a roubalheira ocorre à luz do dia e “legalmente”, mas prefere buscar caminhos mais fáceis e anestésicos cotidianos. A “esquerda” e o movimento sindical não enfrentam tal tipo de apatia e, muitas vezes, o reforçam com discursos paternalistas, oportunistas e/ou doutrinário.

         Resultado: saque das nossas riquezas naturais pelo setor privado que, de um dos países mais ricos do mundo, nos faz um dos mais pobres e, talvez, um dos mais tolos...

         A privatização da CEEE é mais uma triste confirmação desta regra.

        

Referências


[ix] Idem.

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