segunda-feira, 28 de junho de 2021

A "queda" de Ricardo Salles e sua relação com o "fora Bolsonaro"

"Caiu" Ricardo Salles, o ministro da destruição do meio ambiente. Assume Joaquim Álvaro Pereira Leite, um ruralista histórico que atua junto ao governo Bolsonaro desde julho de 2019 como diretor do Departamento Florestal, integrando a Secretaria da [rapinagem da] Amazônia. Integrou também o Conselho da Sociedade Rural Brasileira desde 1996 e foi parte da bancada reacionária do Congresso Nacional (a que reúne os ruralistas, a evangélica e a da bala...), além de ter sido membro da direção de empresas com inúmeros interesses na floresta amazônica.
Sem estrutura de poder e governo alternativo, quem entra no lugar de Salles é outro membro do agronegócio, com os mesmos interesses que o do antecessor. Ou seja, alguém que vai continuar a destruição do meio ambiente, das terras indígenas e das comunidades quilombolas.
O mesmo problema se passa com o "fora Bolsonaro". Se cair Bolsonaro, a classe trabalhadora tem condições de colocar um poder alternativo no lugar de todo o seu governo, bem como das instituições que o sustentaram e o sustentam? Sem responder a isso o "fora Bolsonaro" continua sendo uma aventura inconsequente, pra extravasar descontentamentos, mas que mudará a situação do país tanto quanto a "caída" de Ricardo Salles.
Nada substitui o trabalho de base, a formação teórica, a agitação e a propaganda conectadas com a realidade concreta e as principais lições da teoria revolucionária (tudo o que a "esquerda" se recusa a fazer), sem falar no questionamento acerca das instituições políticas do país, que também precisam ser "colocadas pra fora" para que possamos construir outras em seu lugar. De resto, apenas transformamos o espontaneísmo em teoria e damos provas de um desespero manifesto.

Introdução ao pensamento de Frantz Fanon

Segue uma excelente explanação introdutória ao pensamento de Frantz Fanon, por Deivison Nkosi.



sexta-feira, 25 de junho de 2021

A manipulação é livre!

O Jornal Nacional de 21 de junho noticia as grosserias de Bolsonaro contra uma repórter. A reportagem afirma que ele desrespeita a liberdade de imprensa e a "democracia".

Engraçado.
Bolsonaro é o resultado do golpe de 2016, que teve como pivô chave a Rede Globo. Não é de hoje que o "presidente" age desta maneira. Esse cinismo do jornalismo burguês em geral, e da Globo em particular, é assustador. Os seus prejuízos ideológicos no imaginário do povo são incalculáveis. O papel da Rede Globo é a de feitora moderna: a escravidão da classe trabalhadora e do país depende desses tipos de construções de "informação", que não tem compromisso com nada, a não ser com a manutenção do seu status quo.
A Rede Globo é tão responsável à agressão da repórter quanto Bolsonaro. Assim como entende por "democracia" essa lambança que ajuda a fazer no país sempre que seus interesses econômicos são prejudicados.
Na mesma edição do jornal nos é "informado" que as acusações contra Lula na operação Zelotes foram arquivadas por "falta de provas". O jornalismo militante da Rede Globo não deu trégua até assegurar que Lula não pudesse concorrer. Agora que é necessário preparar a "transição democrática", começa a falar mansinho novamente (o que reforça a tese central do texto lançado em maio por este blog, "Bolsonaro X Lula"). Não há nenhuma sombra de "autocrítica" desta emissora que, ao invés de "fábrica de sonhos", é uma fábrica de "golpes de Estado" e de manipulação desavergonhada (com certa conivência do próprio povo... porque vamos e venhamos: já dá pra perceber a podridão se a gente se esforçar um pouquinho!).
***
É assustador que a Rede Globo, o seu jornalismo militante e grande parte da classe média "esqueçam" seus crimes políticos tão levianamente.
Caiu definitivamente a máscara do golpe orquestrado pela Lava-Jato e por Sérgio Moro. O STF — com um atraso bastante conveniente — reconheceu a manipulação dos processos contra Lula. Não era uma grande dificuldade percebê-la, uma vez que alguns setores sociais denunciaram o esquema no momento em que ocorriam; ao contrário de amplos setores do PT — como o próprio Fernando Haddad, que covardemente afirmou confiar na Lava-Jato em pleno JN durante a campanha eleitoral de 2018; além da maioria do PSOL e do PSTU, que também foram vanguarda na defesa desta operação farsante.
Os slogans infames de "acabar com a corrupção" e de "mudança" eram visivelmente cínicos, mas os setores da classe média — que se julgam eticamente perfeitos e sem máculas — se negaram a ver e hoje, com raríssimas exceções, se negam a reconhecer a manipulação.
A Rede Globo e o JN, que noticiam hoje o veredicto do STF como se não tivessem nada a ver com esta farsa e com a manipulação descarada da opinião pública brasileira sobre a "imparcialidade" de Moro nos julgamentos contra Lula, contam com a anuência do povo, que quer seguir assistindo a tudo isso como se fosse a novela das oito e procurando alguém para "culpar".
O mais revoltante, triste e abjeto — ao mesmo tempo! — é como amplos setores da classe média fingem que está "tudo bem", que não tem nada a ver com esta farsa política de proporções internacionais. De nada adianta cair a máscara se estas pessoas viram a cara pra não ver — tudo para continuar fingindo que são eticamente perfeitas e corretas, quando na realidade seu interior está cheio de cobiça e de outras tantas imundícies.
O que não deveria nos assustar — embora nos assuste — é que a Rede Globo e o JN sabem que podem sustentar qualquer barbaridade que quiserem, já que a classe média e amplos setores populares sofrem de "cegueira voluntária" e não olharão o que está por trás da máscara caída.
De tanto ódio que sentiam da figura de Lula, agora tem que engolir que o juiz que o julgou foi totalmente parcial. Como não possuem ética alguma a despeito dos seus discursos de ocasião, apenas virarão a página e tocarão suas vidas ainda se julgando superiores e os campeões da justiça e da moralidade.
Os séculos de iniquidade da história brasileira e latino-americana vivem exatamente neste tipo de conduta!
***
Aflige um pouco — embora também não devesse nos afligir — como desmascarar esta classe média e a Rede Globo para os poucos setores que ainda possuem algum tipo de honestidade. Que tipo de agitação e propaganda, de discurso, de contatos, de narrativas são necessários?
Aí devemos lembrar que a "esquerda" (sobretudo nos sindicatos que dirige) também age da mesma forma que a classe média: não conhece autocrítica alguma, pensa que está "lutando" contra algo de forma correta e se julga eticamente perfeita!
Porém, há que se lembrar que a luta sindical e social que dirigem contra o bolsonarismo é uma farsa e que, infelizmente, ela se recusa a ver e a reconhecer as limitações, os erros, os autoritarismos, os egocentrismos dos seus "mitos" e os ódios mal resolvidos dentro de si mesma que, diga-se de passagem, são bem evidentes...

terça-feira, 22 de junho de 2021

Atenção Porto Alegre: o monopólio das empresas de ônibus quer mais um aumento!

🛑🚎🚌💸📢🗣️
Conseguindo ser ainda pior do que o esperado, em Porto Alegre o COMTU aprovou o aumento da passagem de ônibus no seu valor total sugerido: de 14,3%. O que significaria um aumento da passagem de 4,55 para o valor de 5,20 (muito acima da inflação!). Falta, agora, apenas a decisão da prefeitura para que o aumento aconteça.
O prefeito, Sebastião Melo (MDB e comparsas), disse que não assinará esse aumento.
📍 NO ENTANTO, em contra partida, quando apresenta como "solução" a ideia de que para não aumentar a passagem seria necessária a retirada dos cobradores dos ônibus, causando demissões em massa e prejudicando outras famílias. Chantageia, também, com privatização da Carris e a retirada de direitos, com o corte das isenções. Como se isso fosse uma solução para o problema. Tensionando e forçando a barra para que privatizem a Carris, que transporta em dias úteis mais de 230 mil pessoas e é a empresa mais antiga do país em transporte coletivo. 🤔⁉️❌🔥
⚠️ A Carris NÃO dá prejuízo! A Carris dá lucro!!! ⚠️
🚨 Além disso, a prefeitura tensiona retirar d@s professores de escola pública o direito ao meio passe. Direito esse que deveria ir além d@s professores, para @s funcionári@s de escola!💥
Mais uma vez colocam a classe trabalhadora entre a guilhotina e a espada para pagarmos a crise dos ricos!⚔️😳🗡️
🧐 (Lembrando que o salário da população ainda não foi atualizado e que o auxílio emergencial foi reduzido).
Todas essas medidas para manter os lucros das empresas que exploram o transporte público.💱❌💰
✳️ Outras medidas deveriam ser feitas se o pensamento fosse para a melhoria do transporte público da capital, como a ampliação dos transportes alternativos, (como os metrôs e trens por ex.) Mas o interesse central gira sempre em torno de manter o monopólio das empresas privadas do transporte "público" e o seu lucro para poucos. Enquanto isso, a população sofre com os aumentos ininterruptos.
É necessário, ainda, denunciar duas coisas:
👁️‍🗨️ O monopólio da notícia, que além de fazer com que informações como esta, que tem impacto direto sobre as nossas vidas e das famílias de POA, não sejam amplamente divulgadas por todos meios de comunicação, IMPÕE a ideia de que as privatizações resolvem e de que os custos devem ser passados aos usuários, como se não houvessem diversas isenções empresariais e privilégios de bancos e empresas para serem mexidos!
⁉️ E onde está quem deveria chamar mobilização? Onde estão os sindicatos e os partidos que dizem representar a classe trabalhadora e a própria classe trabalhadora? 🎯
Porto Alegre, 16 de junho de 2021.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Disfarçando os prejuízos das privatizações

A privatização de toda a infraestrutura energética do país pelo bolsonarismo e os tucanos está a serviço da tentativa de conter a tendência à queda da taxa de lucros do grande capital (sobretudo do internacional). O Estado deve ser o pressuposto do lucro privado, passando custos de produção para o país (nesse caso, para o povo). Trata-se de uma manobra (já desmascarada no texto sobre a privatização da CEEE): o setor público e o povo pobre continuarão a ser os fiadores do capital privado numa transferência homérica de dinheiro que faria corar de vergonha as metrópoles europeias do século XVII.

Pra justificar o aumento absurdo da conta de luz no resto do país, entra em cena a grande mídia, que dá um destaque acentuado às secas nos rios, sem falar de todas as consequências da exploração predatória do agronegócio, inclusive dos recursos hídricos (desviados arbitrariamente, tal como o desmatamento absurdo da Amazônia)...
Esses canalhas escondem os problemas reais da economia e da exploração desavergonhada e descontrolada dos recursos naturais. Tudo em nome dos seus amos endinheirados...



Passando o bastão

Muito curioso o fato de Bolsonaro dizer repetidas vezes que "quem não está satisfeito com ele que vote no Lula em 2022".
O campeão do AI-5, da tortura, da ditadura militar escancarada, do fechamento do STF e do Congresso Nacional, agora preocupado com uma suposta "transição democrática".
Tudo isso seria, por acaso, para que o seu possível sucessor siga o trabalho que ele começou, agora "democraticamente"?

Estas falas coadunam bastante com o texto que foi postado neste blog em 7 de maio.

sábado, 19 de junho de 2021

O bolsonarismo refletido em nosso espelho profundo


Tentamos nos livrar deste ser abjeto e de sua corja militar e empresarial simplesmente gritando “Fora Bolsonaro”.

Mas isso não é tão simples quanto parece.

O bolsonarismo está entranhado nas profundezas do inconsciente coletivo da nação.

Se desfazer dele não é tarefa simples e exige um olhar doloroso em nosso espelho profundo, para refletirmos sobre o que foi feito e o que deixamos de cumprir.

 

Não basta mostrar a água benta do #ForaBolsonaro

Nem dizer: “eu avisei”, “ele não é meu presidente” ou “devolvam nossa bandeira”.

Se no desespero do imediatismo bárbaro, cultivado como um jasmim pela estrutura oficial, por trabalhos de base sindicais e sociais mal feitos, sem ética e sem preocupação formativa, esperamos e pregamos a volta de um novo messias salvador da pátria – muitas vezes com tanto ódio quanto o ser abjeto que supostamente combatemos e queremos tirar do poder –, o que estamos alimentando?

Se gritamos “devolvam nossa bandeira” – e queremos estendê-la nas manifestações de rua pelo “Fora Bolsonaro” –, mas “nossos filhos” fogem da luta cotidiana, que não tem e não pode ter, por sua natureza difícil, resultados instantâneos e mágicos, o que estamos esperando?

 

O bolsonarismo vive no lado sombrio da natureza humana, encravado em séculos de escravidão, servilismo, idolatria e espírito de rebanho, presente até mesmo naqueles que fingem ser os campeões da democracia e da igualdade, mas que sorriem docilmente para a hipocrisia do cotidiano e não reparam no seu próprio ódio mal resolvido.

O bolsonarismo se nutre dos seus apoiadores diretos, mas também dos seus “inimigos”, que lhe alimentam de forma indireta.

Toda a atual política nacional – seja do governo, seja da grande mídia – é construída em cima de gatilhos emocionais mal resolvidos, mas muito bem manipulados.

 

O ativismo da esquerda reformista não quer se ver no espelho bolsonarista, pois julga-se superior. Sua semelhança está, sobretudo, nesta recusa.

Na sua renúncia em mudar a orientação do trabalho de base de um sindicalismo burocrático e, ao mesmo tempo, autoritário, que segrega o que pensa diferente e dissemina ódio à sua maneira. Bajula os seus próprios “mitos” e infla os egos para melhor controlá-los.

A recusa deste ativismo da esquerda também está na conciliação de classe que defende as instituições do regime da classe dominante mais do que é capaz até mesmo a própria classe dominante.

Na frente ampla que, de tão ampla, teve Bolsonaro, Temer, a bancada evangélica e ruralista como base de “sustentação” por mais de 10 anos.

Na recusa em ver armadilhas e perigos na proposta de “nova” frente ampla.

Na recusa em tirar lições profundas do golpe de 2016 e na insistência em juntar-se aos golpistas denunciados tão raivosamente antes, mas tidos como aliados estáveis hoje.

No discurso de “é o único caminho”; de “votar no PT para se evitar a volta da direita”, enquanto se concilia no cotidiano com essa mesma direita e as suas instituições; e vendendo estes crimes conciliadores como a única política viável.

Assim, a mediocridade do “possível” transforma-se em objetivo eterno e imutável.

Quando um sindicato dirigido pelos supostos “anti-bolsonaristas” abafam divergências honestas e usam o peso do aparato para patrolar minorias, muitas vezes se utilizando do mesmo ódio desprezível e distorcendo argumentos escandalosamente, isso nos diferencia ou nos iguala ao bolsonarismo?

 

Gritar hoje “Fora Bolsonaro” é fácil e aparentemente mágico – uma verdadeira catarse controlada pelo próprio sistema!

O difícil é tirar o bolsonarismo de dentro de nós (e do poder): o ódio, a dicotomização, o pensamento imediatista e bárbaro; a procura do mal sempre fora de nós e nunca convivendo conosco, no nosso dia-a-dia, nas nossas crenças, no nosso silenciamento de opositores, no nosso medo em enfrentar a hipocrisia do cotidiano – que está em nós e nas pessoas próximas de nós.

 

Quem pensa que está livre desta chaga, que faça um exame crítico de consciência e foque melhor os olhinhos no seu espelho interior.

Que tenha a ousadia de rever valores há muito tempo não revistos!

Quando estamos frente a uma verdade inapelável que foi exposta pela realidade, mas mesmo assim continuamos preferindo mentir para nós mesmos, procurando a resultante, o caminho mais fácil, a acomodação de alguns poucos e de nós mesmos, o bolsonarismo sorri e ganha força.

 

Não adianta quebrar o espelho, indignado! Nem dizer que isso é diletância poética!

Os cacos do espelho se multiplicam, refletindo e ampliando a imagem daquilo que queremos esconder.

Demonstram que combater o bolsonarismo repetindo os seus métodos só pode transformá-lo em uma Hidra ainda mais poderosa. Que a raça humana tema o seu lado sombrio: neste momento ele tem o poder nas suas mãos e pode usá-lo como desejar!

Quando nos esforçarmos por entender nossas sombras e combatermos o bolsonarismo com essa compreensão, então será o início do fim de qualquer aventura neofascista e do sistema que lhe deu origem e sustentação.

Sem auto análise e poesia também não há prática revolucionária!

É esta sinceridade autêntica que pode criar a forma correta de atacar a peste neofascista! Em caso contrário, a gente “tira ele” agora, mas tudo isso será apenas um intervalo para um reacúmulo de forças, voltando mais tarde tão mais nefasto e ameaçador, quanto sutil.

A verdade só liberta e é revolucionária quando temos coragem de nos olhar de frente no mesmo espelho que o nosso inimigo se nega a olhar. 

Fora a hipocrisia do cotidiano! Fora a falta de coerência entre o discurso e a prática! Fora os embusteiros que querem nos fazer crer em resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual! Fora os bajuladores e demagogos que mimam o povo ao invés de fazê-lo ter coragem de se olhar no seu próprio espelho profundo!


quarta-feira, 16 de junho de 2021

A impostura do padre youtuber

No início do mês de junho ocorreu um debate interessante nas redes sociais acerca do vídeo do padre youtuber, Paulo Ricardo, em que ele supostamente "destrói argumentos de professores que pregam contra a Santa Igreja Católica". O debate se deu entre o militante católico Alfredo Romualdo, que enviou o referido vídeo por whatsapp ao militante socialista Eduardo Cambará.

Tanto o vídeo do padre Paulo Ricardo, quanto a resposta de Eduardo seguem reproduzidos abaixo para que os leitores do blog possam conhecer a polêmica de ambos os lados e tirar suas próprias conclusões.


Alfredo, te mando, conforme tu pediste, um retorno acerca do vídeo do padre youtuber, Paulo Ricardo, em que ele, supostamente, "destrói argumentos de professores que pregam contra a Santa Igreja Católica".

Já acompanhei alguns outros vídeos dele e percebi que seguidamente o padre atribui aos outros os erros que ele mesmo comete. Por exemplo: chama de "sofista" quem critica a Inquisição, mas toda a defesa dela está pautada por sofismas. Acredito que a fé cega na Igreja Católica — que "deve estar" sempre correta, já que é infalível — te impeça de perceber. Inclusive me parece que nem ele, nem tu, estão interessados no debate de ideias e na busca da verdade dos fatos, mas na reafirmação dos preceitos tradicionais da Igreja, visivelmente em crise.

Apesar disso, vou responder mesmo assim, já que tu pediste um "retorno". A defesa que ele faz da Inquisição é deplorável. Uma vergonha e um insulto para a inteligência humana. Qual é o seu sofisma nesse caso? Dizer que a Igreja "só julgava os católicos e não quem estava fora da Igreja". Ora, desde o final do Império Romano, por volta de 200 ou 300 d.C., que a Igreja confunde a sua estrutura com o aparato de Estado. Dá pra se dizer que, até certo ponto, o Estado moderno é um pouco tributário da estrutura estatal de governo estabelecido pela própria Igreja Católica.

Então dizer que "só se julgava católicos" é uma piada mórbida, porque todos eram obrigados a ser católicos, de forma quase compulsória. Sobretudo durante o período medieval (de 476 d.C. até 1453 d.C.; mas podemos ir além: esta estrutura semi-governamental da Igreja Católica se estende, seguramente, até o século XX). No Brasil, pra se ter uma ideia, a separação formal entre Estado e Igreja só se deu em 1889, sendo que ela seguiu informalmente até hoje, já que a nossa Constituição de 1988 foi promulgada "sob as bênçãos de deus".

No princípio da cristandade os fiéis faziam ofertas voluntárias para o tesouro comum. Logo que a religião cristã se tornou uma religião de Estado, o clero exigia que as ofertas fossem trazidas tanto pelos pobres como pelos ricos. Desde o século VI o clero impôs uma taxa especial, o dízimo (a décima parte das colheitas), que tinha de ser paga à Igreja. Esta taxa esmagava o povo como um pesado fardo; durante a Idade Média, tornou-se um verdadeiro flagelo para os camponeses oprimidos pela servidão. O dízimo era imposto sobre qualquer porção de terra, sobre qualquer propriedade. Mas foi sempre o servo camponês quem pagou com o seu trabalho. Assim, os pobres não só perderam a ajuda e o apoio da Igreja, mas viram ela se aliar aos príncipes, nobres e agiotas.

Ao longo da Idade Média, enquanto a população trabalhadora se afundava em pobreza através da servidão, a Igreja tornava-se cada vez mais rica. Além dos dízimos e de outras taxas, a Igreja se beneficiava, neste período, de grandes doações feitas por ricos e libertinos de ambos os sexos, que desejavam compensar, no último momento, a sua vida de pecado. Deram à Igreja dinheiro, casas, aldeias inteiras com os seus servos e algumas vezes rendas de terra ou direitos consuetudinários. Deste modo a Igreja passou a ser a "administradora" de toda esta riqueza. Foi abertamente declarado, no século XII, ao formular-se uma lei que se diz vir da Sagrada Escritura, que a riqueza da Igreja não pertence aos fiéis, mas é propriedade individual do clero e do seu chefe, o Papa. Assim, o clero de todos os países cristãos tornou-se o mais importante proprietário de terras (sobretudo na Europa). Possuía algumas vezes um terço ou mais de todas as terras do país!

A Inquisição perseguiu e matou centenas de pessoas por se insubordinarem a este poder ou simplesmente por questioná-lo, usando como desculpa deus e Cristo. A heresia — que o padre Paulo Ricardo parece querer ressuscitar lá da Idade Média — é o mote pra tentar justificar o injustificável. Ela redundava, geralmente, na pior punição de todas: ser queimado na fogueira ou ser excomungado (isto é: expulso do feudo, da sociedade, tendo que ir habitar as florestas, etc., ou seja: o mesmo que a morte e o oposto dos ensinamentos de Cristo, que sempre foi por agregar e pelo perdão, apesar das diferenças).

Quando Lutero se levantou contra a Igreja foi contra a corrupção escancarada, resultado de toda essa riqueza acumulada. Penso que o espírito cristão primitivo estava com ele e não com a Igreja Católica. Mas ainda assim, vou partir do pressuposto de que a argumentação do padre esteja "correta" e que a excomunhão de Lutero seja certa porque ele ocupava um alto cargo dentro da estrutura da Igreja. Mas o que, então, justificaria a prisão, a tortura e o assassinato de centenas de milhares de pessoas "comuns", camponeses, mulheres, jovens, filósofos e pensadores que não ocupavam nenhum posto dentro da hirarquia da Igreja Católica?

O que justifica o esmirilhamento dos ossos e dos órgãos do simples vendedor de tecidos Jean Calas na praça principal de Toulouse em 1792 descrito por Voltaire no seu livro Tratado sobre a tolerância? Ele professou a fé protestante, diria o padre Paulo Ricardo. Mas prendê-lo e condená-lo à morte em um suplício público não é uma interferência aberta à liberdade de consciência? Que cargo eclesiástico Jean Calas ocupava dentro da Igreja? Não seria um recado para toda a comunidade de Toulouse em 1792? O que essa postura tem a ver com a essência da mensagem de Cristo?

E o que falar sobre Giordano Bruno, cientista e filósofo, queimado vivo na fogueira por dizer que o universo era infinito e que a Terra não era o centro do universo, como professava até então a Igreja Católica? E Galileu Galilei, que foi obrigado a voltar atrás de suas descobertas sobre as luas de Júpiter para não ter o mesmo destino que Bruno?

O padre Paulo Ricardo dirá que Giordano Bruno era um teólogo de formação e que, portanto, estava dentro da estrutura interna da Igreja. De fato, ele foi teólogo até o momento em que a sua consciência exigiu que transgredisse os limites impostos pela Igreja, já que na sua época qualquer órgão educacional e "científico" só era permitido dentro desses limites, bem como a condescendência do Estado, que era ligada e, de certa forma, controlado pela Igreja. Condená-lo à fogueira foi um crime cuja finalidade era desestimular qualquer pensamento diferente. E para Igreja, qualquer pensamento diferente é heresia! Querem rebanho, consensos impostos, não construídos. Quando perdem influência intimidam e gritam, como o tom do padre Paulo Ricardo que aumenta em determinados trechos do seu sermão no vídeo para lembrar os ouvintes que ele detém o poder — concedido pela Santa Madre Igreja Católica — de decidir quem queima e quem não queima no fogo do inferno.

Com todos esses argumentos duros não quero dar a entender que tudo o que a Igreja fez ou faz, bem como todas as pessoas que se dizem católicas praticantes, sejam ruins e execráveis. Existem muitas coisas boas e positivas na Igreja, mesmo ao longo da história, como a pacificação das guerras bárbaras bem no início da Idade Média, além da humanização de muitos rituais religiosos que realizavam sacrifícios humanos e animais, exigindo sangue. Mas isso não lhes dá um salvo conduto eterno e nem pra mim está isenta de falibilidade ou mesmo de crimes premeditados. O Papa citado pelo padre no vídeo, Joseph Ratzinger, o Bento XVI, fez parte da juventude hitlerista. A Igreja convive muito bem não só com isso, mas também com o apoio que dado a inúmeros regimes fascistas, desde a Alemanha, a Itália, a Espanha, bem como a inúmeros horrores na América, desde a colonização portuguesa e espanhola (senão que em alguns casos a Igreja foi a própria promotora desses regimes).

Estou bem na condição de "herege" que o padre tenta qualificar quem não se submete aos ditames "vindos de cima"; ao contrário dele, que tenta fingir que ficaria bem se os católicos fossem "apenas meia dúzia". O monte de justificativas injustificáveis sobre a Inquisição e as imposturas da Igreja servem exatamente para fazer com que ela não perca mais fiéis e nem aprofunde sua crise. Penso que chegou o momento da humanidade andar por conta própria, com coragem própria, com capacidade de discernir o que é certo ou errado sem medo da "ameaça celestial" de arder no fogo do inferno (ou conhecer esse "fogo do inferno" aqui mesmo na Terra por obra da própria Igreja).

Em dezembro de 2020, o blog que acompanho escreveu este trecho de algum valor para o nosso debate: "Temores, igrejas novas ou antigas, rituais opressivos e de submissão, somados a preconceitos e à repressão moral/sexual, são barreiras para a 'iluminação', para o real entendimento do processo do eterno, do numinoso e do cósmico. O entendimento da vida real, da dialética do finito e do infinito, não se dará por uma 'revelação' de uma igreja institucionalizada, mas precisamente pelo esforço pertinaz e incansável de cada 'ego daqui', na busca por se lapidar, libertar e 'se curar' das próprias sombras, deixando um 'mundo dos eus' melhor aos egos que virão para que sejam mais 'iluminados', esclarecidos e, por isso mesmo, livres... ou o mais próximo possível disso. Nenhum messias, líder religioso ou guru espiritual pode fazer isso por nós. Quando são sinceros, no máximo podem nos orientar, tal como supostamente fez Buda: 'os rituais não tem eficácia, as preces são vã repetições de fórmulas. Confiai em vós e não em apoios exteriores'. Ao contrário disso, as religiões patriarcais institucionalizadas afirmam que necessitamos de sacerdotes e gurus para nos consolar e nos 'livrar do pecado'. Nesse caso, tais crentes querem ter o 'direito de pecar' e, ao mesmo tempo, a segurança fácil de um sacerdote e de uma instituição religiosa que os perdoe e absolva sempre que for conveniente, lhes conservando o 'direito' de manter as suas 'imundícies interiores'. Os que têm preguiça e medo de pensar por si mesmos aceitam todas as invenções dos interessados, que são os gurus de tais igrejas. O que os crentes procuram, na verdade, é apenas segurança; e, assim, pelas religiões oficiais obtém a maior das pseudo-seguranças: a imortalidade do seu ego e, portanto, do seu egoísmo. As religiões oferecem ao povo autoridade em lugar de verdade, elas dão-lhe muletas em lugar de tornar suas pernas mais fortes, elas dão-lhe ópio em lugar de impeli-lo a caminhar em suas pernas na busca da verdade. Não há religião onde há crença".

É assim que percebo o discurso do padre: uma tentativa de colocar medo e de tentar evitar uma crise inevitável de uma instituição religiosa da Idade Média, que esconde diversos crimes atrás de uma santidade muito questionável. Espero que entendas e leve a crítica para o lado positivo.

Um abraço!

quinta-feira, 10 de junho de 2021

O fardo de minhas lutas


O fardo de minhas lutas
pesam na ladeira da montanha de Sísifo
É desesperador perceber o perigo evidente logo ali na esquina,
pregar no deserto para quem faz ouvidos moucos
e não quer fazer um trabalho de longo prazo,
mas busca a "certeza" de um caminho-mercadoria,
com satisfação imediata e garantida
Vendida, em sua maioria,
pelos embusteiros egocêntricos
de uma loja de esquerda qualquer.

O fardo de minhas lutas
se depara com professores autoritários e ignorantes,
que vomitam tradições em causa própria
e não querem ensinar e se preocupar com educação pública
E, também, com muitos alunos que não querem aprender, acomodados,
já corrompidos em tenra idade
Indo como mariposas em direção à luz elétrica
da propaganda sem integridade e ética
de uma indústria cultural feita sob medida para corromper
Enquanto uma mídia venal de massas
sem escrúpulos algum,
aproveita-se do impasse para vomitar privatizações
e se apoderar dos poucos recursos da educação pública

O fardo das minhas lutas
está presente também nas alianças em que só eu usei
mesmo defendendo o fim da hipocrisia matrimonial
e da moral católica
Enquanto muito "feminismo" foi pregado da boca para fora
tal como um padre em sermão
mas que, no frigir dos ovos,
transformou o adultério, mesmo com aliança no dedo,
numa justificativa e numa salvação

O fardo de minhas lutas
está nas chapas sem votos
mas cheias de "admiração"
das vozes que falam: 
excelente campanha!
boas ideias!
boa sorte!
mas que deixam na mão
Lutando sozinha contra tudo de podre
que existe na teoria e na prática
Ao mesmo tempo em que
vomitam moral e o "caminho correto", basista, de "unidade"

Ninguém destes sente o peso do fardo de minhas lutas
nenhum deles se preocupa com ética
com coerência
com o trabalho enlouquecedor de formiguinha
que deveria ser cotidiano
mas é sempre relegado com desculpas esfarrapadas
que falam em éticas abstratas
cagadas nos discursos oficiais
sem jamais ser encontrada nas ações oficiais
sobretudo depois que passam as eleições

O fardo das minhas lutas
percebe nitidamente o discurso cada vez mais distanciado da prática
Que recebe sempre um inesgotável voto em branco
ininterrupto e assustador
enquanto desdenham do fardo das minhas lutas

O fardo das minhas lutas
fala o óbvio, de diferentes formas e sentidos,
mas não é compreendido.
Quanto mais a hipocrisia da realidade deforma,
pelo egoísmo e pela rotina,
mais apoio fácil é angariado por aqueles que reclamam
como "método" de luta cotidiano
e querem ser tratados como filhos mimados e acolhidos
Mal sabem eles que é tudo um simples reforço da hipocrisia
que redobra o peso
do fardo de minhas lutas

O fardo de minhas lutas
também me faz chorar e reclamar
só que em forma de poesia
O que me resta por agora
é enrolar o papel como um pergaminho
colocá-lo numa garrafa vazia
e lançá-lo ao mar do futuro
na esperança de que outros indivíduos
também cansados do fardo de suas lutas
o encontrem e, assim como eu,
tentem praticá-las
Para que não sejam mais lamentos
e sim um programa de ação cotidiano.

quarta-feira, 2 de junho de 2021

A noite das tormentas — os pedaços de um naufrágio no mar do inconsciente

homem a bordo de sua própria solidão, do artista Susano Correia


Minha frágil embarcação egóica
adentra a zona das tormentas noturnas
deste imenso mar do inconsciente

Muitas vezes consegue navegar sereno,
apesar de tudo
Outras tantas vezes
navega num nevoeiro no qual
não se lembra de nada na manhã seguinte

Porém, às vezes se depara com trovões e raios
que fazem a pobre embarcação tremer!
Mesmo acometida por ondas gigantes, 
de sentimentos e emoções pseudobemresolvidas
— e muitas reconhecidamente mal resolvidas —,
que atacam a embarcação de todos os lados,
navega corajosamente

Na noite passada o mar do inconsciente
com seus assustadores tsunamis
virou a frágil embarcação egóica
Destroçou o barquinho e espalhou
pedaços e pertences preciosos por todos os lados

Como um desesperado
lutei para não afundar
Me agarrei nos destroços dos sentimentos e emoções pseudobemresolvidos
puxando de um lado, remando de outro,
mas a avassaladora força das ondas
destroçou até mesmo os destroços
e me despedaçou junto com eles

Quando atingi a margem da consciência
na manhã seguinte
Pude recolher o que restou da minha pequena embarcação
e perceber o tamanho do prejuízo (ou do lucro?)

As tormentas deste mar são impiedosas, certeiras
e sempre nos pegam desprevenidos
Elas podem tardar, mas nunca falham...