sábado, 19 de junho de 2021

O bolsonarismo refletido em nosso espelho profundo


Tentamos nos livrar deste ser abjeto e de sua corja militar e empresarial simplesmente gritando “Fora Bolsonaro”.

Mas isso não é tão simples quanto parece.

O bolsonarismo está entranhado nas profundezas do inconsciente coletivo da nação.

Se desfazer dele não é tarefa simples e exige um olhar doloroso em nosso espelho profundo, para refletirmos sobre o que foi feito e o que deixamos de cumprir.

 

Não basta mostrar a água benta do #ForaBolsonaro

Nem dizer: “eu avisei”, “ele não é meu presidente” ou “devolvam nossa bandeira”.

Se no desespero do imediatismo bárbaro, cultivado como um jasmim pela estrutura oficial, por trabalhos de base sindicais e sociais mal feitos, sem ética e sem preocupação formativa, esperamos e pregamos a volta de um novo messias salvador da pátria – muitas vezes com tanto ódio quanto o ser abjeto que supostamente combatemos e queremos tirar do poder –, o que estamos alimentando?

Se gritamos “devolvam nossa bandeira” – e queremos estendê-la nas manifestações de rua pelo “Fora Bolsonaro” –, mas “nossos filhos” fogem da luta cotidiana, que não tem e não pode ter, por sua natureza difícil, resultados instantâneos e mágicos, o que estamos esperando?

 

O bolsonarismo vive no lado sombrio da natureza humana, encravado em séculos de escravidão, servilismo, idolatria e espírito de rebanho, presente até mesmo naqueles que fingem ser os campeões da democracia e da igualdade, mas que sorriem docilmente para a hipocrisia do cotidiano e não reparam no seu próprio ódio mal resolvido.

O bolsonarismo se nutre dos seus apoiadores diretos, mas também dos seus “inimigos”, que lhe alimentam de forma indireta.

Toda a atual política nacional – seja do governo, seja da grande mídia – é construída em cima de gatilhos emocionais mal resolvidos, mas muito bem manipulados.

 

O ativismo da esquerda reformista não quer se ver no espelho bolsonarista, pois julga-se superior. Sua semelhança está, sobretudo, nesta recusa.

Na sua renúncia em mudar a orientação do trabalho de base de um sindicalismo burocrático e, ao mesmo tempo, autoritário, que segrega o que pensa diferente e dissemina ódio à sua maneira. Bajula os seus próprios “mitos” e infla os egos para melhor controlá-los.

A recusa deste ativismo da esquerda também está na conciliação de classe que defende as instituições do regime da classe dominante mais do que é capaz até mesmo a própria classe dominante.

Na frente ampla que, de tão ampla, teve Bolsonaro, Temer, a bancada evangélica e ruralista como base de “sustentação” por mais de 10 anos.

Na recusa em ver armadilhas e perigos na proposta de “nova” frente ampla.

Na recusa em tirar lições profundas do golpe de 2016 e na insistência em juntar-se aos golpistas denunciados tão raivosamente antes, mas tidos como aliados estáveis hoje.

No discurso de “é o único caminho”; de “votar no PT para se evitar a volta da direita”, enquanto se concilia no cotidiano com essa mesma direita e as suas instituições; e vendendo estes crimes conciliadores como a única política viável.

Assim, a mediocridade do “possível” transforma-se em objetivo eterno e imutável.

Quando um sindicato dirigido pelos supostos “anti-bolsonaristas” abafam divergências honestas e usam o peso do aparato para patrolar minorias, muitas vezes se utilizando do mesmo ódio desprezível e distorcendo argumentos escandalosamente, isso nos diferencia ou nos iguala ao bolsonarismo?

 

Gritar hoje “Fora Bolsonaro” é fácil e aparentemente mágico – uma verdadeira catarse controlada pelo próprio sistema!

O difícil é tirar o bolsonarismo de dentro de nós (e do poder): o ódio, a dicotomização, o pensamento imediatista e bárbaro; a procura do mal sempre fora de nós e nunca convivendo conosco, no nosso dia-a-dia, nas nossas crenças, no nosso silenciamento de opositores, no nosso medo em enfrentar a hipocrisia do cotidiano – que está em nós e nas pessoas próximas de nós.

 

Quem pensa que está livre desta chaga, que faça um exame crítico de consciência e foque melhor os olhinhos no seu espelho interior.

Que tenha a ousadia de rever valores há muito tempo não revistos!

Quando estamos frente a uma verdade inapelável que foi exposta pela realidade, mas mesmo assim continuamos preferindo mentir para nós mesmos, procurando a resultante, o caminho mais fácil, a acomodação de alguns poucos e de nós mesmos, o bolsonarismo sorri e ganha força.

 

Não adianta quebrar o espelho, indignado! Nem dizer que isso é diletância poética!

Os cacos do espelho se multiplicam, refletindo e ampliando a imagem daquilo que queremos esconder.

Demonstram que combater o bolsonarismo repetindo os seus métodos só pode transformá-lo em uma Hidra ainda mais poderosa. Que a raça humana tema o seu lado sombrio: neste momento ele tem o poder nas suas mãos e pode usá-lo como desejar!

Quando nos esforçarmos por entender nossas sombras e combatermos o bolsonarismo com essa compreensão, então será o início do fim de qualquer aventura neofascista e do sistema que lhe deu origem e sustentação.

Sem auto análise e poesia também não há prática revolucionária!

É esta sinceridade autêntica que pode criar a forma correta de atacar a peste neofascista! Em caso contrário, a gente “tira ele” agora, mas tudo isso será apenas um intervalo para um reacúmulo de forças, voltando mais tarde tão mais nefasto e ameaçador, quanto sutil.

A verdade só liberta e é revolucionária quando temos coragem de nos olhar de frente no mesmo espelho que o nosso inimigo se nega a olhar. 

Fora a hipocrisia do cotidiano! Fora a falta de coerência entre o discurso e a prática! Fora os embusteiros que querem nos fazer crer em resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual! Fora os bajuladores e demagogos que mimam o povo ao invés de fazê-lo ter coragem de se olhar no seu próprio espelho profundo!


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