Tentamos
nos livrar deste ser abjeto e de sua corja militar e empresarial simplesmente gritando
“Fora Bolsonaro”.
Mas
isso não é tão simples quanto parece.
O
bolsonarismo está entranhado nas profundezas do inconsciente coletivo da nação.
Se
desfazer dele não é tarefa simples e exige um olhar doloroso em nosso espelho
profundo, para refletirmos sobre o que foi feito e o que deixamos de cumprir.
Não
basta mostrar a água benta do #ForaBolsonaro
Nem
dizer: “eu avisei”, “ele não é meu presidente” ou “devolvam nossa bandeira”.
Se
no desespero do imediatismo bárbaro,
cultivado como um jasmim pela estrutura oficial, por trabalhos de base
sindicais e sociais mal feitos, sem ética e sem preocupação formativa, esperamos
e pregamos a volta de um novo messias salvador da pátria – muitas vezes com
tanto ódio quanto o ser abjeto que supostamente combatemos e queremos tirar do
poder –, o que estamos alimentando?
Se
gritamos “devolvam nossa bandeira” – e queremos estendê-la nas manifestações de
rua pelo “Fora Bolsonaro” –, mas “nossos filhos” fogem da luta cotidiana, que
não tem e não pode ter, por sua natureza difícil, resultados instantâneos e
mágicos, o que estamos esperando?
O
bolsonarismo vive no lado sombrio da natureza humana, encravado em séculos de
escravidão, servilismo, idolatria e espírito de rebanho, presente até mesmo
naqueles que fingem ser os campeões da democracia e da igualdade, mas que
sorriem docilmente para a hipocrisia do
cotidiano e não reparam no seu
próprio ódio mal resolvido.
O
bolsonarismo se nutre dos seus apoiadores diretos, mas também dos seus
“inimigos”, que lhe alimentam de forma indireta.
Toda
a atual política nacional – seja do governo, seja da grande mídia – é
construída em cima de gatilhos emocionais mal resolvidos, mas muito bem
manipulados.
O
ativismo da esquerda reformista não quer se ver no espelho bolsonarista, pois
julga-se superior. Sua semelhança está, sobretudo, nesta recusa.
Na
sua renúncia em mudar a orientação do trabalho de base de um sindicalismo
burocrático e, ao mesmo tempo, autoritário, que segrega o que pensa diferente e
dissemina ódio à sua maneira. Bajula os seus próprios “mitos” e infla os egos
para melhor controlá-los.
A
recusa deste ativismo da esquerda também está na conciliação de classe que
defende as instituições do regime da classe dominante mais do que é capaz até
mesmo a própria classe dominante.
Na
frente ampla que, de tão ampla, teve Bolsonaro, Temer, a bancada evangélica e
ruralista como base de “sustentação” por mais de 10 anos.
Na
recusa em ver armadilhas e perigos na proposta de “nova” frente ampla.
Na
recusa em tirar lições profundas do golpe de 2016 e na insistência em juntar-se
aos golpistas denunciados tão raivosamente antes, mas tidos como aliados
estáveis hoje.
No
discurso de “é o único caminho”; de “votar no PT para se evitar a volta da
direita”, enquanto se concilia no cotidiano com essa mesma direita e as suas
instituições; e vendendo estes crimes conciliadores como a única política
viável.
Assim,
a mediocridade do “possível” transforma-se em objetivo eterno e imutável.
Quando
um sindicato dirigido pelos supostos “anti-bolsonaristas” abafam divergências
honestas e usam o peso do aparato para patrolar minorias, muitas vezes se
utilizando do mesmo ódio desprezível e distorcendo argumentos escandalosamente,
isso nos diferencia ou nos iguala ao bolsonarismo?
Gritar
hoje “Fora Bolsonaro” é fácil e aparentemente mágico – uma verdadeira catarse
controlada pelo próprio sistema!
O
difícil é tirar o bolsonarismo de dentro de nós (e do poder): o ódio, a
dicotomização, o pensamento imediatista e bárbaro; a procura do mal sempre fora
de nós e nunca convivendo conosco, no nosso dia-a-dia, nas nossas crenças, no
nosso silenciamento de opositores, no nosso medo em enfrentar a hipocrisia do
cotidiano – que está em nós e nas pessoas próximas de nós.
Quem
pensa que está livre desta chaga, que faça um exame crítico de consciência e
foque melhor os olhinhos no seu espelho interior.
Que
tenha a ousadia de rever valores há muito tempo não revistos!
Quando
estamos frente a uma verdade inapelável que foi exposta pela realidade, mas
mesmo assim continuamos preferindo mentir para nós mesmos, procurando a
resultante, o caminho mais fácil, a acomodação de alguns poucos e de nós mesmos,
o bolsonarismo sorri e ganha força.
Não
adianta quebrar o espelho, indignado! Nem dizer que isso é diletância poética!
Os
cacos do espelho se multiplicam, refletindo e ampliando a imagem daquilo que
queremos esconder.
Demonstram
que combater o bolsonarismo repetindo os seus métodos só pode transformá-lo em
uma Hidra ainda mais poderosa. Que a raça humana tema o seu lado sombrio: neste
momento ele tem o poder nas suas mãos e pode usá-lo como desejar!
Quando
nos esforçarmos por entender nossas sombras e combatermos o bolsonarismo com
essa compreensão, então será o início do fim de qualquer aventura neofascista e do sistema que lhe deu
origem e sustentação.
Sem
auto análise e poesia também não há prática
revolucionária!
É
esta sinceridade autêntica que pode criar a forma correta de atacar a peste neofascista! Em caso contrário, a gente
“tira ele” agora, mas tudo isso será apenas um intervalo para um reacúmulo de
forças, voltando mais tarde tão mais nefasto e ameaçador, quanto sutil.
A verdade só liberta e é revolucionária quando temos coragem de nos olhar de frente no mesmo espelho que o nosso inimigo se nega a olhar.
Fora a hipocrisia do cotidiano! Fora a falta de coerência entre o discurso e a prática! Fora os embusteiros que querem nos fazer crer em resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual! Fora os bajuladores e demagogos que mimam o povo ao invés de fazê-lo ter coragem de se olhar no seu próprio espelho profundo!
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