Alguns torcedores do São Paulo tocaram pedra e bomba no ônibus do time de futebol como forma de demonstrar seu descontentamento com o empate. Gente que certamente não teria a mesma coragem pra enfrentar, com a mesma determinação e paixão, Covas e Dória se fossem convocados.
terça-feira, 26 de janeiro de 2021
Futebol, religião e política se discute, sim!
quarta-feira, 20 de janeiro de 2021
O establishment sindical
O establishment é uma força cega que nos move sem percebermos |
Há um termo inglês comum em política,
muito utilizado pela grande imprensa e por outras áreas, que define a estrutura
hierárquica de funcionamento da nossa sociedade: o establishment. Ele designa uma estrutura social, econômica e
política que exerce forte controle sobre o conjunto da sociedade, funcionando
como base dos poderes estabelecidos. Não se restringe apenas à política e às
instituições do Estado, mas ao pensamento corrente defendido pela grande mídia
e pela “opinião pública” moldada por esta. Várias medidas políticas e sociais
tomadas pelos governos, bem como a conduta individual em sociedade, estão
moldadas tacitamente pelo establishment;
que é uma espécie de ethos: um
conjunto de costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (das
instituições, dos afazeres das pessoas comuns, etc.) e da cultura em geral
(valores, ideias, crenças), características de uma determinada coletividade,
época ou região.
Quem
molda o establishment são,
evidentemente, e em primeiro lugar, os interesses econômicos da classe
dominante. Em segundo, os séculos de tradições e hábitos não questionados, que
são utilizados direta ou indiretamente por ela. Assim, quem fica de fora deste campo
não-declarado é excluído praticamente de tudo (os chamados outsiders), chegando a ser ridicularizados ou, em casos extremos, a
sofrer repressões violentas. O establishment
pode ser comparado ao termo cunhado por Gramsci como hegemonia. Isto é, a classe dominante se sustenta não apenas na
repressão policial e estatal, mas no “consenso ideológico” criado e imposto pelas
igrejas, universidades, grande mídia (dentre outros). A isto, precisamente,
Gramsci chamou de hegemonia política.
Tal
establishment ou hegemonia existe na sociedade oficial, sobretudo naquilo que este
blog chamou de hipocrisia institucional
(ou seja, toda a hipocrisia que existe nos parlamentos burgueses, bem como no
seu poder judiciário e executivo, que escondem atrás de protocolos, de
“tradições”, de “procedimentos institucionais”, de “legislações”, discursos e
práticas vazias que servem apenas para esfriar e fazer a massa aceitar a sua
condição subalterna[i]);
mas também está presente no movimento sindical. Como sabemos, os sindicatos
atuais estão envolvidos em uma lógica institucional e por uma teia de
legislações que os subordinam totalmente à legalidade institucional burguesa
(isto é: ao Estado burguês).
Assim
sendo, criam o seu establishment
próprio que impede que ocorra uma real organização de base e que a “vida viva”
que existe nas profundezas de cada categoria possa se expressar. A culminância
desse establishment sindical se dá na
censura às minorias organizadas que atuam nestes sindicatos. Os protocolos legalistas
do movimento sindical atual asfixiam e matam a democracia real que seria o
combustível necessário para o surgimento de um sindicalismo de base e que, de
fato, fosse transformador.
A
“fé profissional” no establishment
Muitas
pessoas – inclusas centenas de organizações de “esquerda” – acreditam no establishment como uma força
independente, tal como uma espécie de fé religiosa, seja consciente ou
inconscientemente. Se subordinam a ele tal como uma fatalidade divina. Estas
pessoas não ousam confessar, nem mesmo a seus corações, as dúvidas que têm a
respeito desses assuntos. Elas valorizam esta fé implícita e disfarçam para si
mesmas a sua real descrença quando xingam os políticos e a politicagem (e mesmo
as direções sindicais pelegas), mas aceitam cordialmente as imposições que vem
através do establishment, como se uma
coisa não tivesse nada a ver com a outra. Isso se dá desta forma porque é mais
fácil “organizar” e impor subordinação à rebanhos humanos através das “forças
invisíveis” que operam na nossa sociedade, mesmo com um discurso de “esquerda”.
Thomas
Paine escreveu sobre a crença profissional que resulta em mentiras mentais, as
quais lidamos todos os dias nas pequenas e grandes coisas. Ele escreveu: “a descrença não consiste em acreditar, nem
em desacreditar; consiste em professar que se crê naquilo que não se crê. É
impossível calcular o dano moral, se é que possível chama-lo assim, que a
mentira mental tem causado na sociedade. Quando o ser humano corrompeu e
prostituiu de tal modo a castidade de sua mente, a ponto de empenhar a sua
crença profissional em coisas que não acredita, ele está preparado para cometer
qualquer outro crime”[ii].
O
establishment – como “força social
invisível” que impõe “consensos” –, se alimenta, sobretudo, desta crença
profissional de coisas em que não acreditamos, mas fingimos acreditar. Inúmeros
são os militantes e as organizações sindicais e de “esquerda” que tornam-se “crentes
profissionais” de ideologias, discursos, protocolos e métodos “que não
acreditam”. Se tudo isso ainda não está evidente, que se aguce mais a visão e
os ouvidos para se tentar perceber.
O
establishment sindical é uma micro
reprodução do establishment
parlamentar e político
O
que se passa nos sindicatos é uma micro reprodução do que se passa nos
parlamentos e na política burguesa que ocorre a nível nacional e mundial. Já
analisamos a hipocrisia institucional resultante da forma de funcionamento das
instituições burguesas. A corrupção que corre livre, leve e solta nestas
instituições é o reflexo inevitável dessa forma de funcionamento, onde o eleito
está completamente livre do eleitor, devendo responder à institucionalidade, e
não a quem o elegeu. O mecanismo está tão bem montado e blindado, que se torna
praticamente impossível destituí-lo. A massa em geral não percebe tais
limitações e vê problema apenas na “conduta ética” dos políticos, que “poderiam
agir do modo correto” se assim o quisessem.
É
claro que esta visão foi plantada por décadas no inconsciente coletivo do povo
pela grande mídia, mas para cada indivíduo aparece como se fossem seus próprios
pensamentos. Está aí, por exemplo, uma das grandes prisões mentais que
solidificam a estrutura social de exploração do nosso país (e de muitos outros
no mundo). Na sociedade burguesa, a política é apenas para “profissionais” e
nada, nem ninguém, pode lhes tirar o “direito” que é visto quase como um
mandato divino. O establishment
político está firmemente alicerçado na hipocrisia institucional atual
(blindado, como foi dito, por uma hipocrisia intrínseca de protocolos, hábitos,
legislações, etc.). Não ocorre à classe trabalhadora que é necessário demolir
as instituições políticas atuais e modifica-las, dando poder de fato aos de baixo.
Seria o único jeito de “controlar” quem está em cima.
O
mesmo se passa com o mundo sindical, embora tal establishment não esteja previsto em uma legislação formal, sendo
mais tácito do que explícito e oficial. Nos sindicatos ocorre um acordo
informal entre as correntes políticas e sindicais que os controlam, que excluem
correntes minoritárias e ativistas independentes que são questionadores. Para
isso, se escondem atrás da “legislação” burocrática – nesse caso, reproduzindo
tal e qual o establishment político e
parlamentar –, que degenera em uma série de censuras, controles de falas e
asfixiamento de divergências.
No
CPERS, por exemplo, que é um dos maiores sindicatos da América Latina, impera
um acordo informal, inexistente no seu estatuto, em que só tem direito a fala
de avaliação de conjuntura nas assembleias gerais as correntes sindicais que
foram eleitas ao Conselho Geral. Isto é uma invenção política para solidificar
o establishment sindical, baseado nas
mesmas forças políticas e sindicais de sempre. Cria-se um círculo vicioso, que
reforça não apenas a estrutura vertical dos sindicatos, bem como reforça
indiretamente a própria estrutura política da sociedade de classes.
Uma
boa contribuição para repensarmos esta prática advém do humanismo freiriano, que é uma necessidade para a nova prática
sindical em que devemos apostar. Tal pedagogia apregoa que precisamos aprender
a ouvir os outros para dar fim ao “fascismo sindical” – isto é, terminar com as
práticas de abafamento burocrático ou aberto de minorias que tentam
sinceramente propor e debater políticas sindicais e o fim do “grenalismo”, que
não pode gerar outro sentimento que não o ódio entre nós. As pessoas devem
estar acima do establishment; e não o
establishment acima delas. Pode
parecer uma conclusão simplória e óbvia, mas às vezes reforçar o simples e o
óbvio é mais do que necessário.
Algum
representante das correntes sindicais majoritárias pode argumentar, num último
lampejo de honestidade, que tais correntes minoritárias, geralmente de cunho
sectário, iriam criar inúmeras dificuldades com políticas megalomaníacas,
inclusive podendo levar ao fim do próprio sindicato. Tais acusações estão mais
baseadas na “facilidade” que é ignorar as divergências abafando-a com a patrola
das legislações e das “maiorias” do que em um esforço sincero e honesto de
entender e ouvir o outro. Tais grupos sectários, com suas propostas
mirabolantes, devem sempre ser chamados para a realidade. O debate deve ser
feito e não jogado para debaixo do tapete com o tacão do establishment de direção política dos sindicatos. Vejam um pequeno
exemplo: Lenin à frente do governo soviético lançou o livro “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”
(sempre muito citado pelo oportunismo brasileiro, mas pouco lido e
compreendido). O debate com estas “minorias sectárias” foi esmiuçado e trazido
à luz; e não simplesmente suprimido.
Um
sindicato não é e não pode ser propriedade privada de nenhuma corrente
majoritária (esta tem sido, infelizmente, a regra). Todo trabalhador e toda
trabalhadora (bem como seus respectivos agrupamentos) devem ser ouvidos e o
debate deve ocorrer, por mais difícil e desgastante que isso seja. Acolher
todas as demandas e bandeiras e propor o debate aberto sempre que possível e, inclusive,
colocar os proponentes de projetos mirabolantes de frente para as próprias
contradições de suas propostas é o método mais correto – isto é: dar-lhes uma parte do poder para que executem e
vejam como se saem na prática (geralmente demonstrando a inconsistência de suas
propostas). Assim se cria um caminho alternativo contra o encastelamento dos
sindicatos em si mesmos.
Os
projetos oportunistas, que comprometem os sindicatos com agendas do establishment oficial dos governos
burgueses, devem ser combatidos, sempre com argumentos, teses, discursos e,
sobretudo, com coerência; jamais com o abafamento pelo peso do aparato. Esse ethos de submissão e rebanho; isto é:
esta “força invisível” precisa ser desnudada e trazida à luz da consciência,
pois ela decide políticas, posições de “maioria” e molda práticas, submissões
não declaradas e, muitas vezes, sequer percebidas. Funciona quase como uma
“religião organizada”. Quanto mais conscientes estivermos sobre o peso morto
dos hábitos, da tradição, dos protocolos “vazios e chochos” do establishment político e sindical, que
servem unicamente para apagar o incêndio da indignação e das iniciativas
questionadoras, melhor poderemos desenvolver um sindicalismo organizado pela
base, que seja a representação mais próxima do possível dos interesses sinceros
e autênticos da classe trabalhadora (ainda que hoje, em sua maioria, estejam
submersos no inconsciente coletivo).
REFERÊNCIAS
[i]
Ver neste blog: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/10/a-hipocrisia-institucional-e-o-petismo.html
[ii] PAINE, Thomas. The age of reason In SAGAN, Carl. O mundo assombrado pelos demônios – a ciência vista como uma vela no
escuro. Companhia de Bolso, São Paulo, 2013 (página 238).
segunda-feira, 18 de janeiro de 2021
A encenação da vacina
João Dória e o governo Bolsonaro transformaram a aprovação da utilização da vacina contra o corona vírus pela Anvisa num episódio burlesco e deprimente. O tucano "independente", que tem projeto personalista, nitidamente transforma as declarações oficiais do lançamento da vacina num palanque eleitoral com vistas a 2022; enquanto o ministro da saúde bolsonarista, o "general" Pazuello, retruca afirmando se tratar de declarações "politizadas acerca de questões de saúde pública", denunciando que o governo de São Paulo omitiu inúmeras informações do apoio dado pelo seu ministério e pelo SUS à fabricação da vacina.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2021
Identitarismo sem classismo
Há uma tendência bastante preocupante no movimento dos trabalhadores — impulsionada, sobretudo, pelo partido democrata (o imperialismo soft) — de colocar questões identitárias acima das classistas, em todo e qualquer contexto, conforme atesta o lamentável episódio da "ocupação" do congresso estadunidense por trumpistas.
terça-feira, 12 de janeiro de 2021
A "esquerda" parlamentar e os conchavos para a eleição da presidência da Câmara dos Deputados
Rodrigo Maia e Baleia Rossi, sorridentes. |
*Por Professor Sílvio Alexandre
Voltando ao assunto:
segunda-feira, 11 de janeiro de 2021
Uma Disneylândia com pena de morte
sexta-feira, 8 de janeiro de 2021
Contatos imediatos de primeiro grau
Nós, seres humanos, como espécie, estamos interessados na comunicação com a inteligência extraterrestre. Não seria um bom começo ampliar a comunicação com a inteligência terrestre, com outros seres humanos de cultura e línguas diferente, com os grandes macacos, com os golfinhos, mas particularmente com estes mestres inteligentes do fundo do mar, as grandes baleias?
segunda-feira, 4 de janeiro de 2021
A ética confucionista e o espírito do novo capitalismo chinês — notas sobre a China contemporânea
sábado, 2 de janeiro de 2021
Os dilemas da assembleia constituinte no Chile
O
mundo acompanha com expectativa os desdobramentos da rebelião popular do Chile,
que culminou na vitória da proposta pela alteração da constituição no
plebiscito realizado no dia 25 de outubro de 2020. Por esta razão a esquerda olha o
resultado do plebiscito e tira suas conclusões, marcadas, como sempre, por um
ufanismo flagrante e contraditório.
Contudo, há que se ter muito cuidado!
Sobretudo com a desordem das palavras de ordem!
Não tivemos nenhuma “vitória” por
enquanto, apenas o positivo rechaço da população chilena aos anos de
neoliberalismo, que terminaram na rebelião popular de 2019. Ainda é cedo
para comemorar qualquer “vitória” porque a burguesia ainda detém todo o
processo em suas mãos. Como sempre, ela está cedendo os anéis para conservar os
dedos e, se não formos cuidadosos, podemos acompanhar a promulgação de uma
constituição ainda mais reacionária do que a existente hoje sob os aplausos e
gritos de “vitória” por parte da esquerda.
Para evitar isso, vale refletir sobre
os seguintes dilemas:
Dilema nº1
Os protestos massivos de 2019
terminaram reféns do espontaneísmo, uma vez que não forjaram uma direção
revolucionária com influência suficiente para dirigir uma revolução até o fim;
ou seja: até a destruição do Estado burguês e o lançamento dos alicerces de um
Estado de trabalhadores baseados nas assembleas
territoriales (assembleias territoriais), que, por vários motivos, não
conseguiram se alçar como organismos de duplo poder[i].
Como sempre, a esquerda levantou uma miríade de palavras de ordem confusas e
contraditórias que, no final das contas, refletia o espontaneísmo reinante no
seio do movimento de massas. Não conseguiu hierarquizar e popularizar palavras
de ordem que concretizassem um programa revolucionário. Para isso, foi decisivo
a ausência de uma direção revolucionária.
A esquerda existente no Chile – tal
como a brasileira – vive uma miséria
teórica sem precedentes. Reproduz frases prontas que estão completamente
descoladas da realidade, quando não coloca a carroça na frente dos bois, o que
não pode gerar outra coisa que não mais confusão. Muitos grupos de esquerda
compreendiam, corretamente, que a palavra de ordem de assembleia constituinte
servia como desvio das tarefas fundamentais de uma revolução socialista, muito
embora isso não tenha se refletido na sua atuação prática e a própria
burguesia, que como foi dito, nunca perdeu a direção do processo, tenha se
antecipado e, ela própria, proposto a assembleia constituinte como forma de frear
e conter o descontentamento popular.
Até mesmo o MRT (organização editora do
Esquerda Diário), que é o campeão da
palavra de ordem de assembleia constituinte para qualquer país em qualquer
conjuntura, reconhece que se trata de “uma
tentativa de desvio institucional”[ii].
Antes tarde do que nunca! Apesar disso, diferentemente do processo
revolucionário russo de 1917, quando os bolcheviques conseguiram evitar com
maestria esse “desvio institucional” e preservar a direção da revolução – dada,
é claro, uma série de características específicas daquele momento histórico –,
o mesmo não pode ser falado agora, sobre o Chile de 2020. A assembleia
constituinte chilena é uma realidade que não pode ser ignorada e evitada em
razão das profundas ilusões das massas e da própria esquerda, bem como de
características específicas da conjuntura histórica que levaram aos protestos
de 2019-2020.
Longe de cair nos delírios da LIT-PSTU,
que chama a atual proposta de assembleia constituinte no Chile de “vitória esmagadora” e de “avanço da revolução”, ao mesmo tempo em
que reconhece que “todo o Processo
Constitucional vai ser comandado pelos mesmos de sempre”[iii],
devemos nos preparar para enfrentar essa realidade, sem ufanismos e desvarios;
e sem cair no erro oposto, expresso pela Revolución
Obrera – uma organização proletária da Colômbia –, que contrapõe
esquematicamente “as ruas” com a atual “participação no processo da assembleia
constituinte”[iv], como
se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra e pudéssemos combater tais
ilusões estando fora do processo e o ignorando. Mesmo que grande parte da
população chilena não tenha votado pela assembleia constituinte, tal processo é
visto como parte das mobilizações de 2019 e é fruto de profundas ilusões e
esperanças das mesmas. Claramente não vivemos uma situação como a de 1917, onde
o boicote à assembleia constituinte era um dever revolucionário; daí advém o
profundo equívoco da Revolución Obrera.
Para combater as ilusões dos
trabalhadores chilenos, em primeiro lugar, devemos dialogar com o correto
sentimento que vê a assembleia constituinte como parte do processo desencadeado
em 2019, demonstrando que nada está decidido ainda – portanto, sem nenhuma “vitória”
ou “triunfo” até o momento – e, ao contrário, tudo está em jogo; além de nos
prepararmos conscientemente para todas as armadilhas que a burguesia chilena já
está preparando (incluso a utilização da assembleia constituinte como isca para
a desmobilização). A CST e o MES (ambas correntes internas do Psol) também são
reféns do mesmo ufanismo da LIT, que inevitavelmente joga areia nos olhos das
massas trabalhadoras e não é capaz de formular uma única bandeira que torne
possível “enterrar de vez os entulhos da
ditadura chilena”[v].
Nesse sentido, julgamos que o primeiro
passo é colocar em ordem as palavras de
ordem e definir até onde devemos ir para conquistarmos uma vitória real. Ou
seja: basta tirar Sebastian Piñera do poder e supostamente “enterrar” o
neoliberalismo pinochetista e da Escola de Chicago sem tocar nas instituições
políticas e no sistema jurídico do país? Isto é: basta gritar “Fora Piñera” sem
trabalhar concretamente por uma agitação e propaganda que possa preparar o
poder dos trabalhadores? Ou pior ainda: poderemos avançar vendendo como vitória
e como “avanço da revolução” a
simples execução de um plebiscito que estará “nas mãos dos mesmos de sempre”?
Dilema Nº2
O fato de não podermos ignorar a
realização da assembleia constituinte não nos deve tornar, sob hipótese alguma,
embelezadores da mesma. Tampouco devemos tolerá-la dentro dos estreitos limites
em que foi concebida: restrita às “leis internacionais” (as mesmas que endossam
todo o neoliberalismo pinochetista) e à maioria de 2/3 para poder legislar. Tal
como o bom e velho método leninista, devemos usar a atual assembleia
constituinte como uma tribuna de agitação revolucionária para insuflar as
mobilizações de rua e ampliar todas as denúncias contra o capitalismo, o
patriarcado e o conjunto da velha sociedade que busca se manter a qualquer
custo.
Um dos principais erros a serem
evitados é manter o debate da assembleia constituinte restrito a pautas
básicas, como o direito à educação, saúde e aposentadoria pública; bem como à
discussão sobre o caráter das “câmaras de representantes”, uni ou bicameral.
Isso seria um economicismo em nível superior. A questão central para a
participação na assembleia constituinte é tentar transformar as reivindicações
mínimas dos protestos de rua em revolução socialista!
Tarefa extremamente difícil, sabemos, mas
não impossível, desde que tenhamos clareza sobre a caracterização da assembleia
constituinte e das tarefas a serem propostas numa estreita relação com a
mobilização popular concreta. Portanto, a questão central é fazer com que o
processo que levou à assembleia constituinte não morra e, principalmente, que
não caia na versão tradicional de constituintes burguesas, descoladas da
realidade popular. Há que se resgatar os melhores exemplos de pressão popular
da revolução francesa de 1789 e, se esforçando por recriar as mobilizações de
rua de 2019, tentar instalar – guardadas as proporções – o que Trotski propôs
para a realidade espanhola de 1936-1939: uma corte constituinte revolucionária[vi].
Nesse sentido, devemos tentar traduzir essa palavra de ordem
para o Chile de 2019-2020 procurando ligá-la estreitamente às assembleias territoriais e às demandas
dos protestos de rua, para elevá-las e ir além. Afinal de contas, foram estes
protestos organizados pelas assembleias
territoriais que arrancaram a assembleia constituinte. É quase consenso
entre a “esquerda” que a proposta de assembleia constituinte será usada
desesperadamente pela burguesia chilena para não mudar nada, desviar e
enfraquecer a luta. A questão agora, porém, é como tentar evitar isso.
Assembleia territorial chilena em sessão |
Dilema Nº3
O Esquerda
Diário (MRT) informa que “nas grandes
massas primam muitas ilusões nesse processo. Muitos acreditam que será escrito
por independentes, porque há enorme descrédito dos partidos. Mas o mais
provável é que as eleições estejam dominadas pelos velhos partidos e que
buscarão tentar cooptar ‘independentes’ para integrá-los ao caminho da
auto-reforma”[vii].
Uma das questões centrais de qualquer
agitação e propaganda revolucionária para o Chile hoje diz respeito à eleição
dos deputados constituintes, que estão sendo claramente restritas ou ameaçadas
em prol da hegemonia dos velhos aparatos partidários, sejam de direita, sejam
da “esquerda” reformista. A rebelião popular chilena demonstrou que está farta
deste tipo de “representatividade” e cabe à esquerda revolucionária tentar
traduzir em palavras de ordem esse sentimento tão evidente. Em primeiro lugar,
deve-se tentar reativar as assembleias
territoriais e vinculá-las abertamente ao processo da constituinte. Foram
estas assembleias que estiveram a
frente de grande parte da mobilização de 2019 e são elas que devem estar à
frente da assembleia constituinte, uma vez que esta última só existe por causa
da mobilização oriunda das primeiras.
Segundo entrevista do professor
chileno, Jorge Magasich, ao canal Fronteira
Vermelha[viii],
estão surgindo centenas de milhares de “candidatos” populares à assembleia
constituinte, o que deve necessariamente fragmentar as listas de independentes
e enfraquecê-las, fortalecendo os partidos tradicionais (sobretudo os de
direita). Ele sugeriu, então, a tentativa de construção de uma lista independente única que unifique os
ativistas do movimento popular. Aqui existe a preciosa oportunidade de propor a
sua organização via assembleias territoriais (se elas não
tiverem ativas é outra excelente oportunidade para tentar reativá-las, visto
que as eleições para a constituinte se darão em abril de 2021 e, apesar de
tudo, há tempo), obrigando os partidos de “esquerda”, “operários” e que se
dizem “socialistas”, a submeter sua institucionalidade às assembleias territoriais. Elas foram um produto e um motor das
mobilizações de 2019; são elas que devem controlar a eleição dos constituintes
realmente independentes e legislar por um novo Chile. Devemos relembrar a velha
proposta da Comuna de Paris de mandatos revogáveis a qualquer momento; tanto
para os representantes das assembleias
territoriais, quanto para os da direita. Eleito que defender algo diferente
do que deseja seus eleitores, deve ter o mandato imediatamente revogado – e
assim deve ser legislado também para qualquer cargo representativo no futuro.
Assim dialogaremos com o sentimento de rechaço aos partidos e ao parlamento
burguês.
Isto é: deve-se contrapor para a
população trabalhadora a assembleia constituinte burguesa, dominada pelos
partidos tradicionais, conservadores, de direita, pinochetistas não declarados,
da “esquerda” conciliadora e refém da hipócrita institucionalidade burguesa; e
a assembleia constituinte proletária, das assembleias
territoriais, das verdadeiras demandas populares surgidas no calor das
mobilizações de rua. Se não há consciência e espaço político para isso hoje,
deve ser desencadeado um grande movimento de agitação e propaganda por todos os
ativistas independentes, organizações de esquerda e socialistas para instigar o
debate e a reflexão a nível nacional e internacional.
Eis que os partidos da institucionalidade
brasileira saúdam e propagam a necessidade de uma “institucionalidade”
(burguesa, não declarada) para a assembleia constituinte chilena. O PCdoB, por
exemplo, que expressa posição muito semelhante a do PT, escondendo-se atrás da
declaração conjunta dos partidos da “esquerda” institucional chilena, afirma
que “a institucionalidade deve
implementar com urgência uma agenda que combata os abusos e as desigualdades
para aliviar a situação que milhares de famílias estão vivendo”[ix].
Ou seja, sendo acrítica quanto aos perigos da declaração dos partidos chilenos,
passa a disseminar as mesmas ilusões. Atribuir “à institucionalidade” o dever
de fazer as transformações sociais no Chile é o mesmo que matar a constituinte
antes dela nascer.
O problema da institucionalidade
burguesa não se resolve conferindo 50% de vagas para as mulheres e Mapuches no
abstrato, mas garantir que essa representatividade tenha consciência de classe e um programa
socialista que vá claramente além
dos limites da institucionalidade burguesa. Importante ressaltar que trabalhar
a consciência de classe é de grande necessidade não apenas dentro dessa
representatividade, mas de forma ampla, sendo realizada diretamente e através dos
movimentos, nas massas – tendo em vista que é uma ausência teórico-prática
generalizada dentro da esquerda e que o trabalho de base é de suma importância
nesse processo.
Dilema Nº4
A maioria esmagadora da “esquerda”
chilena e mundial está satisfeita com uma constituição que garanta educação,
saúde e previdência pública e sirva para tirar Piñera do poder,
independentemente do que venha depois. Isso tudo é importante, mas sem mexer na
estrutura institucional burguesa tudo isso não passará de “letra morta” – e
nesse ponto certamente a Revolución
Obrera e muitas outras organizações tem razão. A tudo isso chamamos de
economicismo em um nível superior.
A LIT analisa, corretamente, que “todo o esforço que fizemos, marchas
pacíficas, plebiscitos, elaboração de uma lei com demonstração técnica de sua
viabilidade, etc., tudo isso foi jogado no lixo pelo governo e o Parlamento.
Óbvio! O governo e a maioria dos parlamentares são financiados pelos donos das
AFPs [os empresários da previdência privada]! Dessa forma, não conseguimos nenhuma mudança. A única conclusão que
milhões de trabalhadores tiraram, é que tudo o que fizemos não nos serviu para
nada e que os representantes de NO + AFP se venderam”[x].
A obviedade de tais conclusões, no
entanto, não se reflete na política da LIT para a assembleia constituinte atual
no sentido de questionar e varrer as instituições democrático-burguesas que
realizam este tipo de atrocidade.
Para concretizar qualquer medida que
atenda aos interesses dos trabalhadores deve ser garantido o poder real (ou,
pelo menos, deve-se apostar nisso). Isto é, não podemos nos limitar aos marcos
aceitáveis para a burguesia, pois esta não seria uma atuação revolucionária no
processo da assembleia constituinte – ao contrário, seria agir exatamente como
age a esquerda reformista e como a burguesia espera. Por isso, uma das
propostas fundamentais é a modificação estrutural das instituições de
representantes; ou seja, propor o fim do parlamentarismo burguês e a transformação
das assembleias territoriales nas
instituições de governo para o Chile, conferindo-lhe poderes legislativos,
executivos e judiciários.
Da mesma forma, será necessário
assegurar a eleição dos magistrados para os cargos de justiça, de administração
e de legislação (extirpando as castas), sendo que seus mandatos devem ser revogáveis
a qualquer momento; além de defender a obrigatoriedade de eleição para todo
cargo estatal, seja de bancos públicos ou de administração dos recursos
naturais, como o cobre, por eleitores formados pela classe trabalhadora que
está na base de tais empresas – acabando, assim, com as indicações de cúpula,
seja do presidente, seja dos seus ministros. Para isso, deve-se tentar
despertar o interesse do povo pela administração da sociedade e da economia
através das assembleias territoriais,
e não meramente incentivá-lo a “eleger representantes”. Ir, ao longo do
processo, trabalhando, se possível, para garantir a exclusiva
representatividade dos partidos e organizações ligadas aos protestos de rua
nessas assembleias territoriais, como
poder real e alternativo ao parlamento burguês.
Não menos importante, é destituir as
forças armadas pinochetistas e criar milícias populares e de trabalhadores sob
controle das assembleias territoriais,
que já exerciam papel de controle da circulação de pessoas nos bairros ao longo
dos protestos de 2019. Retomar e aprofundar esse processo é fundamental,
contrapondo-o ao atual exército pinochetista, apontando que, em tempos de paz,
a alta oficialidade também deve ser eleita pelas assembleias territoriais.
Outra assembleia territorial chilena em sessão |
Dilema Nº5
Nas suas declarações, a LIT faz a
seguinte análise: “Da UDI à Frente
Ampla/PC, todos já estão dizendo que querem defender a propriedade privada na
Nova Constituição, fazendo mudanças cosméticas que não permitirão uma
verdadeira independência e soberania de nosso país. Nós dizemos com clareza:
devemos tocar os interesses das grandes famílias e das empresas transnacionais,
nacionalizar o cobre e os recursos naturais, colocar a riqueza do país sob o
controle da classe trabalhadora e do povo. Queremos acabar com a propriedade
privada, porque se o trabalho de produção é socializado e realizado por toda a
classe trabalhadora, por que a apropriação da riqueza dessa mesma produção é
privada para um punhado de ricos? Recuperar tudo o que nos foi roubado,
expropriar o seu patrimônio, é o caminho de recuperar a nossa soberania”[xi].
A despeito da contradição de propor o
“controle da riqueza do país sob controle da classe trabalhadora e do povo” sem
indicar quais serão as formas de poder operário correspondentes, a transição
econômica e o fim da propriedade privada é um processo mais lento e mais
profundo[xii],
que depende das formas políticas que o possível poder dos trabalhadores a
partir das assembleias territoriais conseguir
adotar – sobretudo se a esquerda tiver a firme preocupação de despertar as
trabalhadoras e os trabalhadores para assumirem seu protagonismo consciente e
ativo nelas (ou seja, desenvolver uma nova
psicologia de massas que crie independência intelectual comprometida com a
coletividade). Pelas experiências do século 20 e, em particular, pela situação
atual do Chile e da América Latina, podemos constatar que ainda falta
consciência de classe, organização e condições
materiais para abolirmos totalmente a propriedade privada.
Uma tentativa de solucionar tal
contradição é tolerar uma economia mista (propriedade coletiva e privada) até
onde for inevitável, mas tendo a propriedade coletiva como eixo através das assembleias territoriais, isto é, do
Estado. Propor o poder popular via assembleias
territoriais significa, precisamente, trabalhar conscientemente pelo
controle operário e popular da produção, mas reconhecendo que, atualmente,
faltam consciência e organização suficientes para extirpação tão profunda. Este
cuidado é importantíssimo para evitar uma reprodução do stalinismo e dos seus
planos quinquenais. Os primeiros passos de um possível futuro governo das assembleias territoriais seriam
regulamentar a economia privada e o mercado. O fim da propriedade privada deve
ser proposto na exata medida do crescimento consciente e organizado do controle
operário e popular da produção e da economia em geral.
Aos que hesitam!
Algumas pessoas reféns do imediatismo e
da “mediocridade do possível” podem perguntar: poderemos realizar tudo o que
foi proposto até aqui? A resposta decisiva para essa importante pergunta é:
tudo depende de como a esquerda irá intervir neste processo, com qual programa,
palavras de ordem e disposição de
espírito. O conjunto destas propostas – se bem organizadas, agitadas e
propagandeadas – pode ser a chave para uma possível mudança na correlação de
forças e, principalmente, para ir além da institucionalidade burguesa da
assembleia constituinte, preparando o empoderamento da classe trabalhadora. Desde
2019 que “as nossas palavras de ordem
estão em desordem”, como dizia Bertold Brecht[xiii].
É preciso hierarquizá-las e colocá-las numa perspectiva classista, evitando
todo o tipo de ufanismos; além de aprendermos a ouvir e a sentir o povo, para
construir este caminho levando suas experiências, anseios e preocupações
progressivas em consideração.
A vanguarda revolucionária deverá desempenhar
um papel hercúleo de agitação e propaganda das ideias que foram expostas até
aqui para tentar concretizá-las – além de procurar criticar, dialogar e
sintetizar outras que sejam honestas e venham no mesmo sentido. Explicar
paciente e o mais amplamente possível tais ideias para que entre no imaginário
popular e no inconsciente coletivo. Se não for possível executá-las
imediatamente, as deixamos plantadas para o futuro, tanto no Chile como para
toda a América Latina. A condição para isso é tirá-las do papel e levá-las ao
seio do movimento de massas.
Nesta construção coletiva e social dois
elementos são fundamentais: tais propostas só podem ter um desfecho positivo
para a classe trabalhadora se a mobilização de 2019 continuar e se ampliar
dentro desta perspectiva, abrindo espaço para a construção de uma organização
revolucionária capaz de inspirar e orientar todo o processo político, alertando
e lutando contra todas as armadilhas que já existem e as que surgirão. É
imprescindível a criação de uma ou várias organizações revolucionárias que confluam
nesses objetivos centrais. Se conseguirem desenvolver corretamente as
perspectivas apresentadas de ir além da institucionalidade burguesa, podem e
devem se tornar a direção revolucionária que tanta falta fez em 2019 e continua
fazendo até hoje – e, sem o quê, qualquer constituição não passará de um pedaço
de papel repleto de letras mortas.
Referências
[i]
Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/12/o-espontaneismo-na-luta-de-classes-da.html
[iii]
Ver: https://www.pstu.org.br/chile-vitoria-esmagadora-do-aprovo-nossa-revolucao-esta-avancando/
[iv]
Ver: https://www.revolucionobrera.com/internacional/chile-la-nueva-constitucion-sera-letra-muerta-el-pueblo-seguira-en-pie-de-lucha/
[v]
Ver: https://psol50.org.br/uma-vitoria-popular-uma-nova-etapa-se-abre-no-chile/
e http://cstpsol.com/home/index.php/2020/10/29/plebiscito-no-chile-um-triunfo-que-deve-ser-garantido-nas-ruas/
[vi]
Ver: https://feminismoerevolucao.wordpress.com/2017/06/01/estudo-sobre-assembleia-constituinte-em-trotsky-parte-1-espanha/
[x]
Ver: https://litci.org/pt/chile-assembleia-constituinte-solucao-ou-armadilha/?fbclid=IwAR0S0JG8HZpUm1j-cwdkfzbpJkHVw5PnQNW-e7R4vCDJGcyrS-fmn1xBGR4
[xi]
Ver: https://www.pstu.org.br/chile-vitoria-esmagadora-do-aprovo-nossa-revolucao-esta-avancando/
[xii]
Ver e refletir sobre as conclusões do seguinte texto: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/09/socialismo-com-caracteristicas-chinesas.html
(ver especialmente os capítulos 4 e 5).