A militância
de esquerda comete dois erros centrais na atual conjuntura: ou pensa que a
eleição do milionário democrata, Joe Biden, representou uma vitória sobre o
projeto neofascista; ou pensa que
vivemos num regime democrático-burguês comum, menosprezando a ascensão da
direita neofascista.
Já analisamos nesse blog o fenômeno
internacional do neofascismo,
afirmando se tratar de “um movimento
criado pelo imperialismo decadente, os EUA e seus satélites, para a manutenção
do seu domínio mundial e dos seus mercados, ameaçados por China e Rússia.
Assume variadas formas de acordo com os seus interesses geopolíticos.
Assemelha-se ao fascismo clássico pelo terrorismo de Estado ou pelo terrorismo
mercenário [seletivo], pela xenofobia, racismo e um conservadorismo radical.
Como todo fascismo, é um movimento antiproletário e anticomunista. O
neofascismo é o abre-alas da burguesia imperialista, usado quando necessário
para concretizar suas políticas econômicas. Apesar de disseminar ódio,
preconceito, fake news, dando justificativas para guerras, assassinatos e
ditaduras militares, pode conviver com instituições democrático-burguesas”[i].
Como já foi dito, o neofascismo também se aproveita de todas as falhas, da impunidade e
do jogo de hipocrisia das instituições e da legislação da democracia burguesa.
Sabe fazer isso muito bem, vendendo tais práticas como “anti-sistema” e
discursando contra o “politicamente correto”. Muitos trabalhadores julgam que
exatamente por isso Trump e Bolsonaro “falam a verdade”, enquanto os demais
políticos “não falam o que realmente pensam”[ii].
Parte da esquerda não reconhece nenhuma
diferença essencial entre a direita tradicional (o “centrão”) e o movimento
dirigido por Trump, Steve Bannon e Bolsonaro. Querem um regime militar típico,
com o fechamento das instituições democrático-burguesas, tipo o nazi-fascismo
europeu ou as ditaduras latino-americanas inauguradas a partir de 1964. Os
fenômenos históricos não se repetem e há que se analisar as minúcias da nossa
conjuntura muito cuidadosamente. Até porque, sem reconhecer a existência do neofascismo e a sutileza dos seus
métodos, será impossível combatê-lo com sucesso[iii].
A esquerda reformista, por sua vez, vende
a ilusão de que é possível derrotar a direita neofascista pela via eleitoral.
Não apenas não vê nenhum problema nisso, como passa a apoiar acriticamente
qualquer candidatura, tal como a do imperialista Joe Biden nos EUA. Com isso,
não está derrotando o neofascismo, mas ajudando a consolidar o ciclo de ilusões
das eleições burguesas, enquanto o neofascismo vai se regenerando do desgaste
como “oposição”, voltando, momentaneamente, “para o armário” – isto é, para as
profundezas do inconsciente coletivo, de onde voltará mais forte e mais
disfarçado assim que a classe dominante lhe chamar quando estiver novamente em
apuros.
Sobre a “derrota” de Trump nas eleições – o que, obviamente, tem algumas consequências sobre o governo Bolsonaro –, cabem as notas reflexivas abaixo:
1. Trump é o representante maioral do neofascismo (conjuntamente com o seu principal ideólogo, Steve Bannon). A essência dos seus métodos manipulatórios consistem em misturar elementos da democracia burguesa com afirmações e ações autoritárias, reacionárias e, até mesmo, fascistas no sentido clássico.
2.
O presidente estadunidense derrotado nas eleições de novembro fez campanha
contra a “fraude” do sistema eleitoral ianque – que é bastante bagunçado e
arcaico. Pretende, com essas denúncias, se demonstrar como “antissistema” e
“antipolítica oficial” – isto é, como “aquele que fala a verdade” enquanto os
outros políticos calam.
Contudo, é preciso dizer que Trump foi eleito pelo mesmo sistema problemático e “fraudado” que ele critica agora. Tal sistema eleitoral “funciona” assim a séculos, mas Trump lembrou da “fraude” casualmente nas eleições que perdeu. Sobre isso a esquerda reformista não falou absolutamente nada.
3.
A grande mídia burguesa estadunidense fez campanha aberta contra Trump,
inclusive cortando os áudios de seus discursos pós-derrota, afirmando se tratar
de “mentiras descaradas”. Hipocritamente, a mídia burguesa também só lembrou
que ele mente descaradamente agora que não precisa mais dele. Grande parte da
esquerda festiva ficou muito feliz com tal ação “sensata” da mídia burguesa,
dizendo que a brasileira deveria repetir o mesmo com Bolsonaro.
No entanto, é importante frisar que tal
ação é seletiva e pontual e certamente será utilizada politicamente pelo neofascismo. Muitas e muitas vezes Trump
mentiu descaradamente e a mídia burguesa não apenas não fez nada, como
amplificou tais mentiras, o deixando mentir livremente e sendo conivente com
uma série de barbaridades.
Tal conduta midiática é conjuntural e tem
a ver com a reconstrução do regime, amplamente desgastado pelas ações e pelos
discursos do governo Trump. No momento em que o imperialismo ianque precisar
novamente das ações mais enfáticas e decididas do neofascismo, certamente fará
ouvidos moucos e deixará os “mentirosos patológicos” voltarem a mentir imbuídos
de poderes estatais.
Da mesma forma, o neofascismo tirará sua casquinha de tal condução midiática conjuntural para reforçar uma imagem de um “candidato antissistema” perseguido pela mídia oficial, tendo “suas verdades” caladas por ela. Ou seja, continuará denunciando a mídia burguesa enquanto que a esquerda reformista cala e concilia com ela.
4.
O neofascismo não foi derrotado, nem
poderia ser via eleições burguesas. Joe Biden vai reconstituir parte da noção
liberal tradicional, se contrapondo a Trump, mas conservando o essencial da
política econômica e do sistema. O mesmo aconteceu no Brasil após as eleições
municipais, com o “centrão” (a direita tradicional) entrando em cena para se
vender como alternativa aos radicalismos (de “esquerda” e da direita bolsonarista).
Neste ínterim, longe do desgaste que o poder ocasiona e surfando numa “oposição” de ocasião, Trump, Bannon e toda a corja neofascista trabalharão, às vezes silenciosamente, às vezes abertamente, para retornar ao poder. O capitalismo atual necessita dos ciclos “eleitorais” que alternam métodos liberais “institucionais” – baseados na democracia burguesa – e neofascistas. Esta alternância ajuda a aplicar e consolidar seus projetos – sobretudo aqueles que apontam para a uberização da economia.
5.
A derrota eleitoral de Trump certamente enfraquecerá o projeto neofascista de Bolsonaro, mas não o
derrotará a longo prazo, quando poderá ser acionado novamente ao sabor das
conjunturas. Uma vez que uma parte da esquerda revolucionária menospreza ou
ignora tais métodos de manipulação da psicologia de massas, afirmando ser um
governo “quase normal” da democracia burguesa, o neofascismo não pode ser desmascarado, nem derrotado. A
esquerda eleitoral, por sua vez, agita que as eleições de 2022 podem derrotá-lo
no Brasil com a eleição de um projeto de “esquerda” (tipo PT, PCdoB e Psol) ou
mesmo com um governo “liberal”, do tipo dos partidos do “centrão”.
O projeto inicial do neofascismo já foi concretizado. Qual
seja? Desmoralizar e demonizar a "esquerda" eleitoral, tipo
Democratas nos EUA e PT/PCdoB no Brasil, para torná-la inviável e inaceitável
(já que vencer o lulismo eleitoralmente pelos modos “democráticos” seria muito
difícil) e quebrar o gelo inicial da aplicação das “reformas” que introduzirão
a uberização na economia. Tais
objetivos já foram atingidos parcialmente, por isso o trumpismo e o bolsonarismo
(ou seja, o neofascismo) podem ser momentaneamente
deixados de lado para serem invocados mais à frente. Além disso, um dos
principais motivos que levou ao surgimento do neofascismo foi a necessidade de novos métodos de sabotagem e
dominação internacional para fazer frente aos mercados ameaçados por China e
Rússia. Tais ameaças não foram derrotadas – aliás, nem chegaram perto de sê-lo
–, por isso o neofascismo seguirá
latente até as próximas necessidades da burguesia imperialista estadunidense,
passada esta ressaca histórica inicial.
Quem afirma que o neofascismo foi derrotado ou que ele pode ser derrotado via eleições em 2022 apenas está ajudando a reforçar as ilusões no sistema. Como foi falado, o capitalismo precisa desta alternância aparente de poder para concretizar seus ajustes visando uma nova forma de acumulação privada e de “autorracionalização”[iv].
REFERÊNCIAS
[ii] Idem.
[iii] Idem.
[iv] Ver: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2020/03/coronavirus-crise-capitalista-e-o.html (capítulo V).
Dá lhe Lucas! Companheiro pegador!
ResponderExcluirFora o Newfacismo!