sábado, 5 de dezembro de 2020

Por que parece que David Coimbra faz um jornalismo imparcial, mas na realidade não faz?

Passadas as eleições que levaram Sebastião Melo (MDB) à prefeitura de Porto Alegre, logo vemos uma série de balanços que "explicam" os motivos de tal resultado; sem falar nos xingamentos "contra o povo", que já se tornaram praxe por parte de muitos militantes e correntes de "esquerda". Uma das mais perigosas foi, sem dúvida, a do colunista da ZH/RBS, David Coimbra, que procura explicar o "fenômeno Melo" na sua coluna de 30 de novembro (página 51), com destaque de capa.

O nosso colunista "explica" por que Manuela "parecia que ia ganhar, mas perdeu", atribuindo a vitória de Melo a uma "maioria silenciosa", em contraposição às diversas pessoas que "portavam bandeiras, cartazes e adesivos" da candidata do PCdoB, sem falar na última pesquisa Ibope que dava 51% para Manuela, contra 49% para Melo. Ele vende que estava "preocupado em entender o que aconteceu" e não passar panos quentes para explicação de uma "vitória" não apenas estranha, mas que ignora o volumoso número de votos nulos, brancos e abstenções.

Justiça seja feita, David Coimbra e a ZH/RBS são especialistas em "maiorias silenciosas"; e mais especificamente: como transformar posições reacionárias das minorias dominantes economicamente em "maiorias silenciosas". A "preocupação" de David Coimbra "em entender o que aconteceu", na realidade, é uma forma de solidificar posições, preservar o sistema e o desgaste de suas instituições. Dentro dessa lógica, ele não se esforça absolutamente nada em entender as reais causas da derrota de Manuela e do PCdoB/PT, mas aprofunda a confusão intencional.

A sua coluna não fala, por exemplo, como Manuela entra no jogo burguês institucional-eleitoral, que sempre beneficia os candidatos da "direita", bem como o próprio jogo do sistema. Reproduzindo ecos da "esquerda", sobretudo nas redes sociais, David escreve que "todas as pessoas com quem falei disseram que Melo foi triturado no debate de sexta-feira. Foi essa avaliação das pessoas [isto é, da 'minoria barulhenta']: de que foi um massacre". O que fez Manuela nesse debate? Nada mais, nada menos do que deixar transparecer sua superioridade intelectual sobre a de Melo, visando dividendos eleitorais. Em momentos decisivos do enfrentamento com a ideologia de direita, Manuela não apenas não a combateu, como entrou na sua lógica.

Quando Melo levantou pela milionésima vez o engodo do "financiamento do metrô de Caracas pelos governos do PT", Manuela não respondeu com um debate classista ou minimamente "comunista", pautado no internacionalismo proletário. Ela poderia ter respondido de diversas formas, dentre elas: "Melo quer uma América Latina segregada e dividida numa disputa fratricida entre países  este é o espírito dos governos burgueses; os investimentos feitos pelo governo federal retornam de outras formas; na Europa há integração entre todos os países em um mercado comum (fato que ocorre também na Ásia através do ASEAN), por que não fazer o mesmo na América Latina?", ou ainda: "Melo desvia o foco para o financiamento do metrô de Caracas porque durante seu governo na prefeitura de Porto Alegre vergonhosamente não investiu nenhum centavo no metrô na nossa cidade, tudo em nome dos donos das empresas privadas de ônibus, pra quem governou sempre aumentando a tarifa".

Mas não! Manuela disse que, na verdade, quem tinha investido no metrô de Caracas foi o governo FHC/PSDB. Não apenas seguiu a lógica segregacionista e nacionalista da direita, como a reforçou. O que vale uma "vitória" em um debate eleitoral com esse discurso ou mesmo uma participação eleitoral que fortaleça as pautas e mentalidade de direita? É assim que vamos derrotá-la? Para além disso, Manuela deveria denunciar o problema central do investimento do metrô de Caracas que se deu com investimento "público" via Odebrecht, o que não dá nenhum retorno de pagamento ao governo federal, mas apenas beneficia o lucro privado dos aliados do antigo governo federal. Manuela não pode criticar tal conduta porque isso seria o mesmo que criticar os governos do PT, algo que ela não faria. Portanto, fez um debate e uma participação eleitoral "pela metade", para dizer o mínimo.

David Coimbra e ZH/RBS, ao contrário de Manuela, não brincam em serviço, nem titubeiam contra seus inimigos de classe. Nos massacram 365 dias e não apenas numa suposta "vitória" (de Pirro) em um debate insosso. Eles sabem tirar partido de tudo. Inclusive vendendo um jornalismo de "qualidade superior" da RBS — isto é, tal como um peixeiro que tem o monopólio da pesca em uma praia afirmar que seus peixes são os melhores de toda a região! Não apenas uma auto propaganda das mais perniciosas (que nada tem a ver com "liberdade de imprensa", mas com "liberdade de auto propaganda enganosa"), mas observações banais, perigosas e absolutamente afirmativas ao status quo. Jornalismo exaltado por Coimbra e, diga-se de passagem, pela própria Manuela.

Por fim, David Coimbra afirma que "a esquerda e a direita perderam nessas eleições", lançando uma aposta: "o vencedor não será  um populista como Bolsonaro ou Lula. O vencedor será uma pessoa normal". Isto é, para Coimbra e a ZH/RBS: "os eleitores passaram a rejeitar os extremos da política". Além de uma melosa (e nada imparcial) apologia a Melo, Coimbra tenta taxar Lula/PT e Manuela/PCdoB como "radicais" (e de contrabando, coloca Boulos nesse time também), em contraposição a Bolsonaro. David Coimbra, esperto como é e sempre sintonizado aos interesses do grande capital, já entendeu que a burguesia nacional e internacional está descartando (conjunturalmente) o bolsonarismo porque o seu projeto inicial já foi concretizado. Qual seja? Desmoralizar e demonizar a "esquerda" eleitoral, tipo PT/PCdoB, para torná-la inviável e inaceitável (já que vencer o lulismo eleitoralmente pelos modos "democráticos" seria muito difícil) e quebrar o gelo inicial da aplicação das "reformas" que introduzirão a "uberização" na economia. Tais objetivos já foram atingidos, por isso o trumpismo e o bolsonarismo (ou seja, o neofascismo) podem ser momentaneamente deixados de lado (para serem invocados mais à frente).

A burguesia nacional resolveu apostar novamente no "centrão", isto é, na direita tradicional, fisiologista até a medula, que sempre dominou a vida política nacional. Colocaram um rótulo de "novidade" e de "pessoa normal" na testa de Melo, Covas e Paes. Este é o papel do jornalismo de "qualidade superior" de Coimbra e da ZH/RBS: mistificar, naturalizar e abrandar para que o regime econômico e social das "minorias silenciosas" dominantes economicamente triunfem com um ar de que está tudo certo, tudo normal e tudo como não poderia deixar de ser.

Não, Coimbra! Nesse embate além do Melo venceu todos aqueles que se beneficiam da institucionalidade burguesa: o MDB, o PSDB, a ZH/RBS, o PCdoB/PT, o jornalismo vendilhão dos interesses do povo e a "maioria silenciosa"; perdeu, como sempre, a classe trabalhadora brasileira...
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PS 1: "Se há um idiota no poder, é porque os que o elegeram estão bem representados", disse o Barão de Itararé; podemos acrescentar na sua frase: "e funciona bem o sistema eleitoral viciado ou fraudado". São importantes algumas perguntas que o jornalismo de "qualidade superior" jamais poderia levantar:  quem, de fato, acompanha a contagem dos votos e o funcionamento das estranhas urnas eletrônicas? Por que não realizar o "big brother" da contagem dos votos, abrindo as portas dos TREs a toda a população que desejar e transmitir imagens do seu interior mais íntimo? Pode ser que, de fato, a maioria tenha votado no Melo, mas dá pra descartar irregularidades ou mesmo fraude escondida atrás das "maiorias silenciosas"? Alguém aí coloca a mão no fogo pelas eleições e pelas instituições políticas do país que, sabemos, não superou totalmente a República Velha (1889-1930)?

PS 2: precisaríamos de uma esquerda revolucionária que trabalhasse dedicadamente a desmascarar, pelo menos, as principais notícias veiculadas pela imprensa burguesa todos os dias e conseguir trazer a tona toda a sua manipulação descarada e perigosa. O texto acima foi uma pequena tentativa de exemplo nesse sentido. Uma redação composta de centenas de militantes revolucionários preocupados em demonstrar tais contradições cumpriria, sem dúvida, um papel fundamental na reorganização revolucionária dos trabalhadores.

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