Em uma noito muita escura, no breu das árvores da Redenção
próximo à pracinha da José Bonifácio, vi um vulto em convulsão. Me
aproximei e vi um homem lutando, dando chutes e pontapés no ar, contra alguma
coisa que não era visível para mim. Por alguns segundos parava, como um mestre
samurai, e logo em seguida despontava um novo chute com grande destreza. Em
muitos outros passeios pela Redenção durante a semana, quando o parque está
vazio, voltei a encontrá-lo e percebi que a sua luta é diária. Outras vezes o
vi meditando, se alongando pendurado em uma árvore e outras revirando lixo.
O lutador da Redenção é um homem negro, de estatura
mediana e porte atlético, tem o cabelo curto tipo rastafári e uma espessa barba
crespa de onde desponta alguns fios brancos. Junto de si carrega um saco de lixo
preto com os seus “pertences” (sabe-se lá que tipo de pertences). Quando está
lutando ignora completamente o mundo a sua volta (seria uma maneira de devolver
ao mundo o que recebe?) e luta com dedicação, com paixão, com concentração.
Em uma manhã fria de inverno porto alegrense, onde o sol
brilhava mas não esquentava, eu e o meu cachorrinho sentamos em um banco
próximo dele. Naquele dia ele não lutava. Estava sentado, perplexo, olhando
para o chão, com o seu saco preto ao lado. Parecia estar cansado e vestia um
roupão esfarrapado. Muitas pessoas passavam por ele, “sem percebê-lo”. Quem se
importa com ele e com a sua luta? Ninguém quer saber o que ele está sentindo.
Ninguém quer o seu voto. Que “mais mudanças e mais futuro” Dilma lhe assegurou
e pode lhe assegurar? A única coisa que a “eficiência empresarial” defendida
pela candidatura de Aécio Neves lhe garantirá são muitos novos adversários para
lutar. “Não vamos desistir do Brasil”, entoa o coro de Marina Silva. Mas o
Brasil aristocrático, que vive nestas e noutras candidaturas, já desistiu do
lutador da Redenção há séculos. Já as candidaturas da “esquerda socialista” não
rompem o cerco das maiores, senão que entram na sua ciranda, deixando o lutador
da Redenção lutando sozinho.
A hipocrisia eleitoral – a atual adversária do lutador da
Redenção – já venceu dez rounds nesta
luta e mesmo assim ele segue lá, incansável, dando seus chutes e pontapés, faça
chuva ou faça sol, dia ou noite, mas apenas nos dias úteis, pois durante os
finais de semana o seu ringue é evacuado para os turistas. Mas afinal, contra o
que luta o lutador da Redenção? A sua luta é pela vida, pela sobrevivência, contra
o descaso, o abandono, a hipocrisia, a barbárie, a invisibilidade social.
Quando acabará a sua luta? Quando acabarmos com essa sociedade. “Isso é impossível!” – berram com os
olhos faiscando os representantes formais e informais da burguesia. “Não temos escolha! Faremos ser possível”
– dizemos nós. A luta do lutador da Redenção é a mesma de centenas de milhares
de outros “lutadores” pelo Brasil e pelo mundo afora, que por viverem tapados
pela cortina de invisibilidade social, já não possuem mais forças para lutar como
o lutador da Redenção. E se ao invés de lutarem separados contra inimigos
invisíveis, lutassem juntos contra o inimigo real e comum, o capitalismo?
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