quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O lutador da Redenção

Em uma noito muita escura, no breu das árvores da Redenção próximo à pracinha da José Bonifácio, vi um vulto em convulsão. Me aproximei e vi um homem lutando, dando chutes e pontapés no ar, contra alguma coisa que não era visível para mim. Por alguns segundos parava, como um mestre samurai, e logo em seguida despontava um novo chute com grande destreza. Em muitos outros passeios pela Redenção durante a semana, quando o parque está vazio, voltei a encontrá-lo e percebi que a sua luta é diária. Outras vezes o vi meditando, se alongando pendurado em uma árvore e outras revirando lixo.

O lutador da Redenção é um homem negro, de estatura mediana e porte atlético, tem o cabelo curto tipo rastafári e uma espessa barba crespa de onde desponta alguns fios brancos. Junto de si carrega um saco de lixo preto com os seus “pertences” (sabe-se lá que tipo de pertences). Quando está lutando ignora completamente o mundo a sua volta (seria uma maneira de devolver ao mundo o que recebe?) e luta com dedicação, com paixão, com concentração.

Em uma manhã fria de inverno porto alegrense, onde o sol brilhava mas não esquentava, eu e o meu cachorrinho sentamos em um banco próximo dele. Naquele dia ele não lutava. Estava sentado, perplexo, olhando para o chão, com o seu saco preto ao lado. Parecia estar cansado e vestia um roupão esfarrapado. Muitas pessoas passavam por ele, “sem percebê-lo”. Quem se importa com ele e com a sua luta? Ninguém quer saber o que ele está sentindo. Ninguém quer o seu voto. Que “mais mudanças e mais futuro” Dilma lhe assegurou e pode lhe assegurar? A única coisa que a “eficiência empresarial” defendida pela candidatura de Aécio Neves lhe garantirá são muitos novos adversários para lutar. “Não vamos desistir do Brasil”, entoa o coro de Marina Silva. Mas o Brasil aristocrático, que vive nestas e noutras candidaturas, já desistiu do lutador da Redenção há séculos. Já as candidaturas da “esquerda socialista” não rompem o cerco das maiores, senão que entram na sua ciranda, deixando o lutador da Redenção lutando sozinho.

A hipocrisia eleitoral – a atual adversária do lutador da Redenção – já venceu dez rounds nesta luta e mesmo assim ele segue lá, incansável, dando seus chutes e pontapés, faça chuva ou faça sol, dia ou noite, mas apenas nos dias úteis, pois durante os finais de semana o seu ringue é evacuado para os turistas. Mas afinal, contra o que luta o lutador da Redenção? A sua luta é pela vida, pela sobrevivência, contra o descaso, o abandono, a hipocrisia, a barbárie, a invisibilidade social. Quando acabará a sua luta? Quando acabarmos com essa sociedade. “Isso é impossível!” – berram com os olhos faiscando os representantes formais e informais da burguesia. “Não temos escolha! Faremos ser possível” – dizemos nós. A luta do lutador da Redenção é a mesma de centenas de milhares de outros “lutadores” pelo Brasil e pelo mundo afora, que por viverem tapados pela cortina de invisibilidade social, já não possuem mais forças para lutar como o lutador da Redenção. E se ao invés de lutarem separados contra inimigos invisíveis, lutassem juntos contra o inimigo real e comum, o capitalismo?

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