Esta entrevista foi concedida em 2013 a uma jornalista de um portal da internet do litoral gaúcho por um militante dos movimentos sociais.
1 - Fidel Castro há 44 anos assumiu o poder em Cuba, em 1985, quase 25 anos após a revolução de 1959, alcançou índices surpreendentes, mesmo com o embargo americano. Em 1959 eram 2 mil universitários, em 1985, 28 mil. O país erradicou o analfabetismo, a desnutrição infantil, reformou os prédios culturais. Praticamente erradicou a prostituição, e o desemprego chegou a 3%. Números semelhantes a países de terceiro mundo. Como acha que o país conseguiu tantas realizações? (Dados retirados do livro Fidel e a Religião de 1985).
1 - Fidel Castro há 44 anos assumiu o poder em Cuba, em 1985, quase 25 anos após a revolução de 1959, alcançou índices surpreendentes, mesmo com o embargo americano. Em 1959 eram 2 mil universitários, em 1985, 28 mil. O país erradicou o analfabetismo, a desnutrição infantil, reformou os prédios culturais. Praticamente erradicou a prostituição, e o desemprego chegou a 3%. Números semelhantes a países de terceiro mundo. Como acha que o país conseguiu tantas realizações? (Dados retirados do livro Fidel e a Religião de 1985).
Tudo isso só foi possível
graças aos métodos socialistas de produção e distribuição. Quando Cuba era um
país capitalista neocolonial, além do baixo número de universidades e do alto
índice de analfabetismo, lhe era imposto o monocultivo de açúcar, ao mesmo
tempo em que lhe proibiam a construção de fábricas. Sendo assim, Cuba comprava
dos EUA não só automóveis, as máquinas, os produtos químicos, o papel, o
vestuário, mas também arroz, feijão, alho, cebola, carne e algodão. Veja o
contrassenso: um país agrícola importava cerca da metade das frutas e verduras
que consumia. Enquanto isso, a maioria das terras das centrais açucareiras eram
extensões ociosas e improdutivas. Treze engenhos norte-americanos dispunham de
mais de 47% da área açucareira total e faturavam cerca de U$180 milhões por
safra. A riqueza mineral – como o níquel, ferro, cobre, manganês, cromo,
tungstênio – fazia parte das reservas estratégicas dos EUA, sendo proibido aos
governos fantoches explorá-los sem a sua permissão. Che dizia que “o sistema
latifundiário, tanto em sua forma de exploração primitiva, quanto em sua forma
monopolista, adapta-se às condições internacionais e torna-se um aliado do
imperialismo. Esta forma de exploração pelo capital estrangeiro cria uma
economia de tipo colonialista, chamada eufemisticamente de
‘subdesenvolvimento’”. Os EUA exploravam a terra e os minerais de acordo com as
exigências do seu exército e da sua indústria. Em 1958, Cuba tinha mais
prostitutas registradas do que operários mineiros. Um milhão e meio de cubanos
estavam desempregada total ou parcialmente. Esta era a estrutura que o
capitalismo reservava para Cuba na divisão internacional do trabalho.
O triunfo da revolução
propiciou ao governo cubano a ruptura com este modelo e criou as condições para
a destruição das estruturas econômicas desta submissão. O açúcar, que antes era
o produto da humilhação e da submissão, tornou-se de início, nas mãos do
governo revolucionário, uma forma de investimento em outras áreas. Fábricas e
universidades passaram a ser construídas, por exemplo. Tudo é uma questão de
prioridade. Para o capitalismo, o que interessa é o lucro privado. É por isso
que as ditaduras capitalistas anteriores à revolução de 1959 atraíam os
investimentos privados norte-americanos através da entrega da maior parte das
suas terras produtivas e das riquezas minerais. O governo de Castro, ao
contrário, logo depois da tomada do poder apostou no investimento social: educação,
saúde, reforma agrária.
Contudo, todo o processo
revolucionário é contraditório. Estas mudanças são extremamente penosas e
difíceis. Cuba sofreu, como é sabido, com o embargo comercial imposto pelos
EUA, pela carência de mão-de-obra técnica qualificada, baixa produtividade do
trabalho e pelo isolamento internacional, uma vez que a revolução não se
expandiu para os demais países da América Latina. Em suma, todas estas mudanças
que tu citaste só foram possíveis porque a revolução de 1959 rompeu com o
capitalismo e optou pelos métodos socialistas; muito embora, é preciso dizer,
que nunca tenha existido socialismo plenamente na ilha e nem em outra
localidade do mundo, apenas passos neste sentido.
2 - Em contrapartida, a realidade de 1985, Cuba hoje, vive
uma crise lastimável. A prostituição é uma atividade normal, não por opção, mas
pela pobreza que assola o país. Apesar da saúde, da cultura ter avanços, o povo
não parece feliz. Como um país que alcançou números tão surpreendentes em 1985
chegou a queda? (Dados retirados do livro Havana do jornalista Airton Ortiz e
de conversas com visitantes do país).
Para responder esta pergunta
é preciso definir alguns conceitos, retomando o que foi dito antes. É preciso
dizer que em Cuba – assim como na ex-União Soviética, China e Coréia do Norte
–, nunca existiu “socialismo” e, tampouco, “comunismo”. O revolucionário russo,
Leon Trotsky, chamava estes países de “Estado Operário”. Isto é, um estado
controlado pelas organizações dos operários, que promove as relações
socialistas de produção – a propriedade coletiva, o monopólio do comércio exterior,
o controle operário da produção, a economia planificada, etc. –, e que está em
transição entre o capitalismo e o socialismo. Ou estes Estados conseguiriam
expandir a revolução socialista aos outros países – principalmente aos
imperialistas –, aí sim, atingindo o socialismo, ou retrocederiam ao
capitalismo.
É preciso refletir também nas
dificuldades da ruptura de um país subdesenvolvido com a estrutura do
monocultivo agrário, razão do seu atraso. No 1º dia após o triunfo da revolução
se constatou que o desenvolvimento industrial cubano era muito pobre e lento.
Mais da metade da produção estava concentrada em Havana e as pouquíssimas
fábricas com tecnologia moderna eram telecomandadas diretamente dos EUA. Quando
o governo revolucionário iniciou o processo de nacionalização houve uma enorme
fuga de capitais e técnicos, que foi amplamente incentivada pelos EUA. Já não
era possível solicitar apoio via telefone, uma vez que os EUA boicotaram a
revolução de todas as formas possíveis, e os raros técnicos que conseguiriam
reparar os defeitos secundários tinham ido embora também. Che, como ministro da
indústria, muitas vezes reclamou da carência de peças de engrenagem para a
indústria, que somente poderiam ser fornecidas pelos países imperialistas. O
imperialismo cultivava esta política como forma de manter os países
subdesenvolvidos permanentemente dependentes dos centros imperialistas. A
tentativa dos EUA continua sendo a de sufocar a revolução por todos os meios
possíveis: econômica, política, militarmente. Os críticos de Cuba precisam
levar em consideração todos estes fatores e, sobretudo, que o país tinha, como
diz Eduardo Galeano, “as pernas cortadas” em função da dependência econômica e
que não lhe foi nada fácil andar por conta própria – como geralmente o é em
todos os processos históricos que iniciam uma nova era de desenvolvimento.
Como já foi dito, a
planificação econômica socialista mostrou novamente sua superioridade ao
mercado capitalista no que tange ao melhoramento das condições sociais da
população. Se Cuba erradicou o analfabetismo, desenvolveu a medicina,
popularizou a assistência médica e eliminou a prostituição e o desemprego foi
graças a estes métodos. Mas a planificação econômica socialista não pode fazer
milagres por si só, uma vez que Cuba, por opção da burocracia dirigente, não se
industrializou plenamente, tornando-se extremamente dependente da tecnologia
vinda da URSS. A primeira causa disto está na sua direção política. Castro
selou o destino da revolução cubana quando optou por não expandir a revolução
internacionalmente. É célebre a sua frase dita frente ao processo
revolucionário nicaragüense para acalmar as relações com o imperialismo:
“Nicarágua não será outra Cuba”. O governo cubano adotou a política stalinista de
“socialismo em um só país” na sua nova formulação de “coexistência pacífica com
o imperialismo” (cerne do que a historiografia burguesa chama de “Guerra Fria”).
Desde a década de 1960 que os EUA chantageiam a OEA para que nenhum estado
latino-americano e mundial comercializasse com Cuba. Ficou célebre o caso do
Uruguai, que deixou de comercializar com Cuba a sua carne de charque a partir
de 1965, somando-se ao bloqueio determinado pela OEA. Foi assim, sob pressão do
imperialismo ianque, que o Uruguai estupidamente perdeu o seu último mercado
para este produto. Além do charque, inúmeros outros produtos de primeira
necessidade foram impedidos de chegar à Cuba pelo bloqueio norte-americano. É
possível deduzir daí as tremendas dificuldades as quais a população cubana foi
submetida.
A partir da década de 1990,
sobretudo após a restauração do capitalismo na ex-URSS, o governo cubano
iniciou a sua restauração capitalista que levou a adoção das seguintes medidas:
dolarização da economia, incentivo ao capital externo e legalização da propriedade
privada. Muito antes do governo de Raul Castro, em meados de 1992, que o
governo castrista legalizou a propriedade privada e destruiu, definitivamente o
monopólio do comércio exterior – um dos pilares de um Estado Operário –,
permitindo às empresas estatais e particulares o comércio direto com o
estrangeiro, que não tardou a entrar na ilha para explorar a agricultura e o
turismo. Estas medidas destruíram a possibilidade de planificação econômica
socialista – outro princípio deste sistema –, já abaladas, por sua vez, por
outras medidas de descentralização econômica. Foi instituída também, a partir
deste momento, uma medida típica do capitalismo neoliberal: a autonomização do
Banco Central. Em 1994, como reflexo da lenta reabertura capitalista, cerca de
80% da produção da tradicional indústria da cana-de-açúcar volta a ser privada.
O mercado privado difunde-se novamente por toda a economia. Mas ainda havia uma
contradição a ser superada pelo imperialismo: o governo revolucionário, que
derrubou a ditadura capitalista de Batista em 1959 e desafiou os EUA, continua
à testa do Estado. Este governo, sob hipótese alguma, pode ser aceito pelo
imperialismo norte-americano. Por isso, a sua campanha política internacional –
feita insistentemente por todos os meios de comunicação tradicionais – centra
sua artilharia na reabertura democrático-burguesa, demonstrando as mazelas
sociais e a violação dos direitos humanos em Cuba, mas omitindo que estas
mesmas violações ocorrem a nível mundial e de forma sistemática nos países que os
EUA apóiam e sustentam, como no Egito, Líbia, Iraque, Afeganistão, Arábia
Saudita, Israel, Palestina, Colômbia, etc.
Uma economia “socialista” não
pode permanecer isolada, sob pena de degenerar e de voltar ao capitalismo, uma
vez que o socialismo somente pode se realizar em âmbito internacional. Enquanto
isso não acontecer, algum nível de intercâmbio com os países capitalistas se
torna inevitável. Principalmente nos países atrasados, a socialização da
economia deve ser feita de forma gradativa, de acordo com o grau de
desenvolvimento das forças produtivas (mão de obra, matéria-prima e
tecnologia). O comércio com os países capitalistas do entorno de Cuba era
inevitável, mas há uma profunda diferença entre o comércio sob direção de um
governo que mantém os pilares de um Estado Operário, controlando os capitais
que entram e saem do país; e de um governo que começa a destruir estes pilares
em nome da busca por este comércio, facilitando e incentivando a entrada do
capital privado e imperialista (no caso, do imperialismo europeu).
Acho a questão levantada
sobre a “felicidade dos cubanos” um tanto vaga. Acredito que isso se refira a
falta de democracia de base e a consequente burocratização do Partido Comunista
Cubano e do Estado. Frente a isso, é preciso dizer que a questão da ausência de
democracia operária e dos conselhos operários são reflexos da adoção da
política stalinista e do isolamento econômico e político internacional; ou
seja, da ausência do triunfo de outros processos revolucionários pelo mundo, mas
em especial na América Latina.
Então podemos resumir os
fatores que contribuíram para o retrocesso da revolução cubana da seguinte
forma: o governo Castro não avançou, desde 1959, no sentido da democracia
operária. Este fator, conjuntamente com o embargo econômico ianque e o
isolamento internacional, foi um grande entrave que criou as condições para a
burocratização do Estado Operário cubano. A falta de quadros técnicos capazes,
a incompetência da administração em muitos ramos da produção, o embargo
econômico, a adoção da política de “socialismo em um só país” e a temerosa
resistência à imaginação criadora e à liberdade de decisão dos trabalhadores de
base continuaram interpondo obstáculos ao desenvolvimento do socialismo. Todos
estes elementos criaram as condições para o início da restauração do
capitalismo. Hoje podemos afirmar que o capitalismo está restaurado em Cuba,
apesar da burocracia castrista continuar a frente do Estado. Esta é a raiz do
retrocesso que vem ocorrendo nas conquistas sociais da ilha desde fins do
século passado.
3 - A queda da URSS em 1989 colaborou com a crise cubana?
Sim, e da forma mais decisiva
possível. Em um país que foi isolado pelo inimigo, o intercâmbio com a URSS foi
fundamental. O combustível que não era refinado pelas empresas norte-americanas
em função do embargo, por exemplo, era feito pelas refinarias soviéticas.
Produtos e bens industrializados eram comercializados com Cuba em troca de
açúcar. Os artigos de primeira necessidade também eram fornecidos pela URSS.
Porém, em função desta troca comercial, a burocracia stalinista da URSS incentivou
o estancamento da industrialização cubana, fornecendo-lhes todos os seus
produtos à preços baixos. De certa forma impediu a superação total da estrutura
agrária.
Sobre isso cabe uma reflexão
particular: o mais correto seria chamar o fim da URSS de “restauração do
capitalismo”, e não “queda”, uma vez que este processo foi incentivado
conscientemente pelo imperialismo através dos seus agentes no seio da
burocracia stalinista do PCUS. Esta política ficou conhecida como
“Perestroika”, que destruiu com um discurso “socialista”, todos os pilares do
Estado Operário soviético. Com o fim da URSS, Cuba aprofundou o seu isolamento internacional.
Seguindo os passos da restauração russa, Castro não abandonou o discurso
“socialista”. Esse jogo duplo confundiu os trabalhadores e foi utilizado pela
mídia burguesa como demonstração de que o regime de Cuba é “comunista”, pois
quem ainda continua no poder é o velho Fidel. O que, conforme discutimos, não é
verdade.
4 - Historicamente, você acredita que Cuba possa voltar a
viver o apogeu, como isso seria possível?
Com o atual governo cubano e a
restauração do capitalismo é praticamente impossível. Somente um novo ascenso
dos operários e camponeses cubanos poderia reviver aquele apogeu histórico.
Para isso era preciso uma nova direção política para o proletariado cubano,
isto é, um novo e autêntico partido revolucionário, que revertesse os processos
da restauração capitalista e concretizasse uma medida política que não foi
feita pela burocracia castrista: a criação de conselhos operários, isto é, a
instauração da democracia operária. A partir daí seria necessário restabelecer
o monopólio do comércio exterior e a planificação econômica, retomando os
métodos socialistas de produção, visando a expansão da revolução aos demais
países do mundo e, em especial, à América Latina. Porém, a burocracia castrista
é um impeditivo para isto. Para se concretizar todo este programa infelizmente
é preciso lutar contra ela também, que está fazendo o oposto disso tudo.
Eu acredito que somente
munidos de um programa revolucionário como este, adaptando-o à realidade
concreta que vive a ilha, os trabalhadores cubanos poderiam retomar o seu velho
apogeu!
5 - Você acredita que uma revolução semelhante a de Cuba
poderia ser implantada no Brasil?
Acredito! Não só acredito
como acho que seria a única saída para um país marcado pelo neocolonialismo,
pelo analfabetismo, pela corrupção, por profundas e vergonhosas desigualdades
sociais. Enquanto existir capitalismo no Brasil esta será sempre a sua
realidade. É preciso construir uma saída revolucionária e socialista, caso
contrário, só veremos aquelas mazelas aumentarem incessantemente. Mas para que
essa revolução seja possível é preciso avaliar as condições específicas da
realidade brasileira, que são bem distintas da realidade cubana, tanto no tempo
quanto no espaço, e levantar um programa revolucionário em nosso país visando
organizar o proletariado brasileiro, que hoje está profundamente desorganizado.
A primeira tarefa nesse sentido seria a edificação de um partido revolucionário
que conscientizasse e organizasse o povo – partido este que hoje não existe; ou
seja, um partido que cumpriria o mesmo papel que cumpriu a guerrilha de Fidel e
Che de 1956 até 1959. Este partido deveria também acertar contas com o
oportunismo político que reina nos sindicatos e nas fileiras do movimento operário,
dirigido pela atual “esquerda”: PT, PCdoB, PCB, PSOL, PSTU, PCO, etc. Estes
partidos abandonaram definitivamente a estratégia revolucionária, apesar de
falarem em “revolução” nos dias de festas, como em congressos e nos primeiros
de maio. É preciso dizer que estes partidos de “esquerda” estão profundamente
adaptados e integrados à democracia burguesa brasileira, por isso falo da
necessidade premente de superá-los.
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