Há muitos anos que o debate sobre “socialismo utópico X
socialismo como possibilidade real” foi superado com a contribuição dos teóricos marxistas e da
prática política de muitas revoluções pelo mundo. Porém, com a restauração
capitalista nos ex-Estados operários e a subsequente campanha mundial de
difamação do socialismo orquestrada pelo imperialismo, este debate infelizmente
retrocedeu a etapas já superadas. Colocações como a que se segue (retiradas das
redes sociais) expressam a noção de muitos trabalhadores acerca do
“socialismo”: “não encontro coesão
suficiente entre os trabalhadores para uma revolução operária, e talvez nunca
cheguemos lá. Será o homem preparado para abrir mão do poder que detém pela
eqüidade social? E falo por nós mesmos, será que estamos prontos para dispormos
de nossos meios de produção nessa sociedade de consumo. De que forma se daria a
transição de poder? É um sonho lindo, mas ainda me parece um sonho!”.
Muitos teóricos socialistas já responderam essas questões.
Vejamos o que escreveram Engels e Lenin: “Desde
o surgimento do capitalismo houve indivíduos ou seitas inteiras que imaginaram,
mais ou menos vagamente, a apropriação dos meios de produção pela sociedade.
Mas, para que isso se convertesse numa necessidade histórica, era necessário a
existência de condições materiais, determinadas condições econômicas. Não
bastava a simples vontade de abolir as classes. O socialismo científico somente
pode ser fruto do reflexo na inteligência, de um lado, dos antagonismos de
classe da sociedade – entre possuidores e despossuídos, capitalistas e
operários assalariados –, e, de outro lado, da anarquia que reina na produção”[1].
“Vê-se que, se o marxismo concluiu pela transformação da sociedade capitalista
em sociedade socialista foi inteira e exclusivamente a partir das leis
econômicas do movimento da sociedade moderna. A socialização do trabalho, que
se manifesta, sobretudo, pela extensão da grande indústria, dos cartéis e dos
trustes capitalistas, e também pelo imenso incremento do poder do capital
financeiro, eis a principal base material do inevitável advento do socialismo.
O motor intelectual e moral, o agente físico desta transformação, é o
proletariado educado pelo próprio capitalismo. A luta do proletariado contra a
burguesia, torna-se inevitavelmente uma luta política tendente à conquista do
poder político: a ditadura do proletariado”[2].
Com estas citações podemos concluir que a “transição de poder” será realizada
através da ditadura do proletariado,
termo que os intelectuais burgueses e a grande mídia querem se ver livres
desesperadamente, por isso o deturpam e o atacam afirmando estar “desatualizado”.
Muitos trabalhadores avançados reproduzem estas afirmações sem nunca ter
refletido seriamente sobre a ditadura do proletariado ou sem nunca ter estudado
profundamente a história do movimento operário. Esse processo de questionamento
dos princípios estabelecidos pela teoria marxista – feito não apenas pelas
universidades burguesas, mas, também, pela esquerda reformista – não representa
contribuição para a revolução, mas um enorme retrocesso político e teórico, que
nega a experiência histórica e faz o socialismo parecer aos olhos dos
trabalhadores como “utópico”, porque nega suas principais conclusões teóricas. Não
há problema em debater os princípios: eles não são dogmas religiosos. Mas não é
isso que faz a esquerda e os intelectuais burgueses: não conseguindo comprovar
que tais princípios “caducaram” (a não ser afirmando isso como um disco
quebrado, à lá Goebbels, sem comprovar) eles querem renegá-los em nome da
“estratégia” reformista burguesa e a vendendo como a única “estratégia possível
e realista”.
A ascensão da indústria sobre bases capitalistas converteu
a pobreza e a miséria das massas trabalhadoras em condição de vida da
sociedade. A partir desta premissa podemos concluir que: 1) o socialismo saiu
do campo da utopia quando encontrou a força social que seria capaz de fazer a
transformação social, o proletariado industrial, organizado pelo próprio
capitalismo. As condições materiais para o socialismo estão dadas: grandes
concentrações de trabalhadores em fábricas e empresas (sejam terceirizados ou
efetivos, no campo ou na cidade) que são explorados conjuntamente, gerando
riqueza social que é apropriada pela burguesia (isto é, a produção já está
socializada, mas os seus resultados, não); concentração de capital em grandes
transnacionais, que facilitam o processo de “socialização” dos grandes meios de
produção, conforme analisou Lenin em várias obras, mas, em particular, no “Imperialismo, fase superior do capitalismo”.
Outro sintoma econômico da necessidade do socialismo é o choque entre as Forças
Produtivas e as relações de produção e propriedade capitalistas, que significam
um estancamento ao desenvolvimento, expresso na super produção que não encontra
escoamento (falta de mercados); enquanto a riqueza se concentra em níveis nunca
vistos, aumenta proporcionalmente a miséria e a destruição da natureza. Para
que as Forças Produtivas possam se desenvolver plenamente é necessário
estabelecer novas relações sociais de produção, isto é, relações socialistas:
acabar com a propriedade privada e intelectual, que impede a elevação cultural,
teórica e econômica de toda a população e com a divisão em classes que condena
a classe dominante ao paraíso, com todo o conforto e tecnologia à disposição, e
a classe explorada chafurdando na pré-história; e 2) o capitalismo não pode
acabar com a miséria da grande maioria da sociedade, uma vez que isso faz parte
do seu “DNA” e, por isso mesmo, leva ao descontentamento, à luta sindical, à
explosões espontâneas de indignação e revolta, à insurreições populares, à
revolução social. Ou seja, dá as condições de luta para a revolução socialista.
Em outras palavras: a luta de classes não para. A longo prazo as condições
objetivas é que dão a última palavra.
Para tudo isso é necessário a coesão dos trabalhadores.
Sem dúvida esta coesão não existe atualmente, conforme lemos na pergunta que
deu origem a este debate. A partir daí temos que colocar a questão: por que não
existe esta coesão? Olhando para o movimento sindical o que vemos é a confusão,
a dispersão, a sabotagem; em suma, o caos! Mas não podemos olhar somente para o
hoje. Embora na maior parte da história do capitalismo os trabalhadores apareçam
desunidos e desorganizados – o que é bastante comum, uma vez que o capitalismo
não poderia se desenvolver e se sustentar sem uma “paz de exploração e de cemitérios”
–, existem muitos exemplos de coesão dos trabalhadores: movimento sindical
inglês do início do século 19, Comuna de Paris, greves gerais em diversos
países na primeira metade do século 20, Revolução Russa, Chinesa, Cubana. O que
impede, então, que esta coesão exista hoje? Eis aí o nó górdio.
A maior parte das velhas vanguardas “socialistas” está
morta para o movimento revolucionário. Elas representam, no momento, o
principal entrave para o ressurgimento da luta independente dos trabalhadores
no sentido da revolução socialista. Podemos listar os principais partidos desta
“velha vanguarda”: PT, PCdoB, PCB, PSOL, PSTU, PCO (não são os únicos, mas são
os principais – o PT e o PCdoB nem deveriam constar na categoria de “esquerda
reformista”, afinal, são hoje partidos burgueses; mas, para esta análise, pesa
o fato de estarem no meio sindical). A questão fundamental do movimento
socialista sempre foi como colocar sua atividade prática imediata de acordo com
o seu objetivo final (o socialismo). A lógica reformista do “possível”,
defendida e propagada pelo petismo e pelos demais, abdica do objetivo final (o
socialismo), em troca de um imediatismo
que nos condena à perpetuação da escravidão assalariada (muitos deles fazem
isso conscientemente, porque tornaram-se gerentes desta exploração). Por toda sua
política ajudam a perpetuar a atual sociedade, condenando os trabalhadores à
desunião, à confusão, através de um sindicalismo economicista e espontaneísta,
e, por fim, ajudando a transformar o socialismo em um “sonho distante”. A
primeira condição para que o socialismo deixe de ser um “sonho” e passe para a
perspectiva do real é a construção de um verdadeiro partido revolucionário que
crie as bases para um movimento proletário independente, pois como a História
comprova, o capitalismo não cairá de maduro e nem será superado eleitoralmente
(pacificamente). Para isso, é essencial que este partido revolucionário lute
implacavelmente contra a teoria, prática e programa destes partidos de
“esquerda”. Por mais difícil e “impossível” que pareça a uma primeira vista, se
olharmos para a História e para alguns pequenos grupos e militantes
independentes, percebemos que é preciso partir daí. Rosa Luxemburgo já dizia
que “organização, conscientização e luta” são processos que andam juntos. Basta
começarmos este movimento de forma séria e honesta, sem conciliação e capitulações,
para que comecemos a tirar o socialismo do “mundo dos sonhos” e passemos a dar
passos concretos para sua efetivação. Hoje não existe nem conscientização, nem
organização e nem luta, só a via morta das eleições burguesas e o voto no
“menos pior”, por isso o socialismo nos soa como “utópico”.
Poderá haver objeções sobre a viabilidade do socialismo se
olharmos para o estado de alienação, de adaptação à zona de conforto e de baixo
nível político por parte dos trabalhadores e do povo em geral. Sem dúvida este
é um grande empecilho. Mas ele será superado à medida que um movimento proletário
independente passe a existir. Hoje, a população é refém da política
conciliadora da esquerda reformista e, a subsequente consciência
pequeno-burguesa é, até certo ponto, inevitável. Na medida em que o partido
revolucionário e o movimento independente de nossa classe crescerem, se
encontrarão os métodos adequados para uma ampla agitação que combata em larga
escala a consciência pequeno-burguesa e construa uma consciência de classe mais
atual e correspondente à nossa realidade.
Em épocas eleitorais como estamos vivendo, a máquina
propagandística dos partidos, da mídia e do Estado burguês entram em cena e
arrasam qualquer resquício de consciência de classe. A ideologia mais saliente
deste momento histórico é sobre a “mudança através do voto”, mas sem nunca
questionar as bases do sistema econômico que vivemos. Os partidos da esquerda
reformista não são conciliadores apenas porque canalizam as lutas para o
processo eleitoral burguês, mas porque afirmam aos trabalhadores que qualquer
outro tipo de saída é utópica, irreal, “um sonho”.
Enquanto o capitalismo subsistir, o “homem” (sempre
tomando muito cuidado com estas abstrações) não estará disposto a “abrir mão do
poder que detém” em nome da equidade social. A lógica geral do sistema é uma
disputa selvagem pela sobrevivência, que se reflete na consciência em
ideologias burguesas (racistas, segregacionistas, etc.). Mudemos esta base
econômica e uma nova relação entre os homens se desencadeará. A frase de Hobbes
“o homem é o lobo do homem” é incorreta porque fala de um homem abstrato,
isolado do processo histórico, sem levar em consideração o todo. O homem foi o
lobo do homem durante grande parte da História porque os modos de produção
dividiam a sociedade em classes e condenavam-no a luta mais atroz pela
sobrevivência. O correto, portanto, deveria ser: “o capitalismo é o lobo do homem”
(mais especificamente do “homem-trabalhador”); assim como o escravismo e o
feudalismo também o foram.
Resumindo, temos dois caminhos: um nos leva à perpetuar a
sociedade atual, com um discurso pseudo-progressivo do "possível" (e
com isso serve como a quinta coluna da dominação da burguesia) – este é o da
esquerda reformista atual; e um segundo, que trabalha no sentido da revolução
socialista, abrindo caminho entre a consciência atrasada dos trabalhadores,
lutando contra o oportunismo e a "política do possível", mesmo que as
condições atuais sejam completamente adversas, mesmo que nada esteja 100%
assegurado no futuro (tudo depende da nossa organização, conscientização e
luta) – esta é a opção dos verdadeiros marxistas-trotskistas, que entendem a
necessidade da construção de um partido revolucionário e de um movimento
proletário independente; e o mais importante: caminham nesse sentido. Ou vamos
trabalhar para concretizar o "sonho" ou trabalharemos para lançá-lo
para um futuro cada vez mais distante e irrealizável, nos queixando das mazelas
do capitalismo, da “irrealidade” do socialismo, enquanto vamos vendo a barbárie
social se instaurando, dia a dia, com um discurso que a exalta como natural e,
até mesmo, benéfica.
Utopia é querer humanizar o capitalismo (seria algo como
querer um “nazismo-pacifista” – ou seja, uma “utopia reacionária”). É vender
aos trabalhadores a ilusão de que podemos regular os mercados para evitar a
especulação financeira (especulação esta que foi desmascarada parcialmente no
filme “o Lobo de Wall Street”) e que podemos ir conquistando melhorias graduais
para a classe trabalhadora através de “programas sociais” (Bolsa Família,
PRONATEC, ProUni, etc.) sem mexer na propriedade privada dos meios de produção
e deixando reinar a luta de todos contra todos pela sobrevivência imediata, as
guerras imperialistas de rapina, a mentira institucionalizada por parte da
grande mídia, a miséria crescente. A sociedade capitalista encerra inúmeras
contradições insolucionáveis. Foi esta constatação que levou Trotsky a escrever
que “todas as revoluções são impossíveis,
até que se tornam inevitáveis”. Indo no mesmo sentido, Marx, além de
afirmar que são os homens que fazem a história, jogando para longe, de uma vez
por todas, a passividade que apenas assiste os acontecimentos históricos sem se
organizar para intervir neles como se fossem “eventos divinos”, sustentou que “a teoria também se converte em força
material quando se apossa das massas”. Todo este processo está condicionado
a que esta massa esteja organizada em partido revolucionário e em um movimento
proletário completamente independente da burguesia, pois se estiverem
organizados para propagar a teoria e a prática reformista (tal como faz a atual
“esquerda”) só poderão propagar a confusão, a desorganização, o caos e, por
fim, a conciliação de classes. A História dispõe do tempo necessário. A
Humanidade nunca se propõe a uma tarefa que não possa realizar. A nova vanguarda proletária deverá andar
neste sentido, combatendo o oportunismo e, principalmente, não tendo medo de
ser minoria, ou não merecerá ser chamada assim.
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