sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Socialismo: um sonho ou uma necessidade histórica?

Há muitos anos que o debate sobre “socialismo utópico X socialismo como possibilidade real” foi superado com a contribuição dos teóricos marxistas e da prática política de muitas revoluções pelo mundo. Porém, com a restauração capitalista nos ex-Estados operários e a subsequente campanha mundial de difamação do socialismo orquestrada pelo imperialismo, este debate infelizmente retrocedeu a etapas já superadas. Colocações como a que se segue (retiradas das redes sociais) expressam a noção de muitos trabalhadores acerca do “socialismo”: “não encontro coesão suficiente entre os trabalhadores para uma revolução operária, e talvez nunca cheguemos lá. Será o homem preparado para abrir mão do poder que detém pela eqüidade social? E falo por nós mesmos, será que estamos prontos para dispormos de nossos meios de produção nessa sociedade de consumo. De que forma se daria a transição de poder? É um sonho lindo, mas ainda me parece um sonho!”.

Muitos teóricos socialistas já responderam essas questões. Vejamos o que escreveram Engels e Lenin: “Desde o surgimento do capitalismo houve indivíduos ou seitas inteiras que imaginaram, mais ou menos vagamente, a apropriação dos meios de produção pela sociedade. Mas, para que isso se convertesse numa necessidade histórica, era necessário a existência de condições materiais, determinadas condições econômicas. Não bastava a simples vontade de abolir as classes. O socialismo científico somente pode ser fruto do reflexo na inteligência, de um lado, dos antagonismos de classe da sociedade – entre possuidores e despossuídos, capitalistas e operários assalariados –, e, de outro lado, da anarquia que reina na produção”[1]. “Vê-se que, se o marxismo concluiu pela transformação da sociedade capitalista em sociedade socialista foi inteira e exclusivamente a partir das leis econômicas do movimento da sociedade moderna. A socialização do trabalho, que se manifesta, sobretudo, pela extensão da grande indústria, dos cartéis e dos trustes capitalistas, e também pelo imenso incremento do poder do capital financeiro, eis a principal base material do inevitável advento do socialismo. O motor intelectual e moral, o agente físico desta transformação, é o proletariado educado pelo próprio capitalismo. A luta do proletariado contra a burguesia, torna-se inevitavelmente uma luta política tendente à conquista do poder político: a ditadura do proletariado”[2]. Com estas citações podemos concluir que a “transição de poder” será realizada através da ditadura do proletariado, termo que os intelectuais burgueses e a grande mídia querem se ver livres desesperadamente, por isso o deturpam e o atacam afirmando estar “desatualizado”. Muitos trabalhadores avançados reproduzem estas afirmações sem nunca ter refletido seriamente sobre a ditadura do proletariado ou sem nunca ter estudado profundamente a história do movimento operário. Esse processo de questionamento dos princípios estabelecidos pela teoria marxista – feito não apenas pelas universidades burguesas, mas, também, pela esquerda reformista – não representa contribuição para a revolução, mas um enorme retrocesso político e teórico, que nega a experiência histórica e faz o socialismo parecer aos olhos dos trabalhadores como “utópico”, porque nega suas principais conclusões teóricas. Não há problema em debater os princípios: eles não são dogmas religiosos. Mas não é isso que faz a esquerda e os intelectuais burgueses: não conseguindo comprovar que tais princípios “caducaram” (a não ser afirmando isso como um disco quebrado, à lá Goebbels, sem comprovar) eles querem renegá-los em nome da “estratégia” reformista burguesa e a vendendo como a única “estratégia possível e realista”.

A ascensão da indústria sobre bases capitalistas converteu a pobreza e a miséria das massas trabalhadoras em condição de vida da sociedade. A partir desta premissa podemos concluir que: 1) o socialismo saiu do campo da utopia quando encontrou a força social que seria capaz de fazer a transformação social, o proletariado industrial, organizado pelo próprio capitalismo. As condições materiais para o socialismo estão dadas: grandes concentrações de trabalhadores em fábricas e empresas (sejam terceirizados ou efetivos, no campo ou na cidade) que são explorados conjuntamente, gerando riqueza social que é apropriada pela burguesia (isto é, a produção já está socializada, mas os seus resultados, não); concentração de capital em grandes transnacionais, que facilitam o processo de “socialização” dos grandes meios de produção, conforme analisou Lenin em várias obras, mas, em particular, no “Imperialismo, fase superior do capitalismo”. Outro sintoma econômico da necessidade do socialismo é o choque entre as Forças Produtivas e as relações de produção e propriedade capitalistas, que significam um estancamento ao desenvolvimento, expresso na super produção que não encontra escoamento (falta de mercados); enquanto a riqueza se concentra em níveis nunca vistos, aumenta proporcionalmente a miséria e a destruição da natureza. Para que as Forças Produtivas possam se desenvolver plenamente é necessário estabelecer novas relações sociais de produção, isto é, relações socialistas: acabar com a propriedade privada e intelectual, que impede a elevação cultural, teórica e econômica de toda a população e com a divisão em classes que condena a classe dominante ao paraíso, com todo o conforto e tecnologia à disposição, e a classe explorada chafurdando na pré-história; e 2) o capitalismo não pode acabar com a miséria da grande maioria da sociedade, uma vez que isso faz parte do seu “DNA” e, por isso mesmo, leva ao descontentamento, à luta sindical, à explosões espontâneas de indignação e revolta, à insurreições populares, à revolução social. Ou seja, dá as condições de luta para a revolução socialista. Em outras palavras: a luta de classes não para. A longo prazo as condições objetivas é que dão a última palavra.

Para tudo isso é necessário a coesão dos trabalhadores. Sem dúvida esta coesão não existe atualmente, conforme lemos na pergunta que deu origem a este debate. A partir daí temos que colocar a questão: por que não existe esta coesão? Olhando para o movimento sindical o que vemos é a confusão, a dispersão, a sabotagem; em suma, o caos! Mas não podemos olhar somente para o hoje. Embora na maior parte da história do capitalismo os trabalhadores apareçam desunidos e desorganizados – o que é bastante comum, uma vez que o capitalismo não poderia se desenvolver e se sustentar sem uma “paz de exploração e de cemitérios” –, existem muitos exemplos de coesão dos trabalhadores: movimento sindical inglês do início do século 19, Comuna de Paris, greves gerais em diversos países na primeira metade do século 20, Revolução Russa, Chinesa, Cubana. O que impede, então, que esta coesão exista hoje? Eis aí o nó górdio.

A maior parte das velhas vanguardas “socialistas” está morta para o movimento revolucionário. Elas representam, no momento, o principal entrave para o ressurgimento da luta independente dos trabalhadores no sentido da revolução socialista. Podemos listar os principais partidos desta “velha vanguarda”: PT, PCdoB, PCB, PSOL, PSTU, PCO (não são os únicos, mas são os principais – o PT e o PCdoB nem deveriam constar na categoria de “esquerda reformista”, afinal, são hoje partidos burgueses; mas, para esta análise, pesa o fato de estarem no meio sindical). A questão fundamental do movimento socialista sempre foi como colocar sua atividade prática imediata de acordo com o seu objetivo final (o socialismo). A lógica reformista do “possível”, defendida e propagada pelo petismo e pelos demais, abdica do objetivo final (o socialismo), em troca de um imediatismo que nos condena à perpetuação da escravidão assalariada (muitos deles fazem isso conscientemente, porque tornaram-se gerentes desta exploração). Por toda sua política ajudam a perpetuar a atual sociedade, condenando os trabalhadores à desunião, à confusão, através de um sindicalismo economicista e espontaneísta, e, por fim, ajudando a transformar o socialismo em um “sonho distante”. A primeira condição para que o socialismo deixe de ser um “sonho” e passe para a perspectiva do real é a construção de um verdadeiro partido revolucionário que crie as bases para um movimento proletário independente, pois como a História comprova, o capitalismo não cairá de maduro e nem será superado eleitoralmente (pacificamente). Para isso, é essencial que este partido revolucionário lute implacavelmente contra a teoria, prática e programa destes partidos de “esquerda”. Por mais difícil e “impossível” que pareça a uma primeira vista, se olharmos para a História e para alguns pequenos grupos e militantes independentes, percebemos que é preciso partir daí. Rosa Luxemburgo já dizia que “organização, conscientização e luta” são processos que andam juntos. Basta começarmos este movimento de forma séria e honesta, sem conciliação e capitulações, para que comecemos a tirar o socialismo do “mundo dos sonhos” e passemos a dar passos concretos para sua efetivação. Hoje não existe nem conscientização, nem organização e nem luta, só a via morta das eleições burguesas e o voto no “menos pior”, por isso o socialismo nos soa como “utópico”.

Poderá haver objeções sobre a viabilidade do socialismo se olharmos para o estado de alienação, de adaptação à zona de conforto e de baixo nível político por parte dos trabalhadores e do povo em geral. Sem dúvida este é um grande empecilho. Mas ele será superado à medida que um movimento proletário independente passe a existir. Hoje, a população é refém da política conciliadora da esquerda reformista e, a subsequente consciência pequeno-burguesa é, até certo ponto, inevitável. Na medida em que o partido revolucionário e o movimento independente de nossa classe crescerem, se encontrarão os métodos adequados para uma ampla agitação que combata em larga escala a consciência pequeno-burguesa e construa uma consciência de classe mais atual e correspondente à nossa realidade.

Em épocas eleitorais como estamos vivendo, a máquina propagandística dos partidos, da mídia e do Estado burguês entram em cena e arrasam qualquer resquício de consciência de classe. A ideologia mais saliente deste momento histórico é sobre a “mudança através do voto”, mas sem nunca questionar as bases do sistema econômico que vivemos. Os partidos da esquerda reformista não são conciliadores apenas porque canalizam as lutas para o processo eleitoral burguês, mas porque afirmam aos trabalhadores que qualquer outro tipo de saída é utópica, irreal, “um sonho”.

Enquanto o capitalismo subsistir, o “homem” (sempre tomando muito cuidado com estas abstrações) não estará disposto a “abrir mão do poder que detém” em nome da equidade social. A lógica geral do sistema é uma disputa selvagem pela sobrevivência, que se reflete na consciência em ideologias burguesas (racistas, segregacionistas, etc.). Mudemos esta base econômica e uma nova relação entre os homens se desencadeará. A frase de Hobbes “o homem é o lobo do homem” é incorreta porque fala de um homem abstrato, isolado do processo histórico, sem levar em consideração o todo. O homem foi o lobo do homem durante grande parte da História porque os modos de produção dividiam a sociedade em classes e condenavam-no a luta mais atroz pela sobrevivência. O correto, portanto, deveria ser: “o capitalismo é o lobo do homem” (mais especificamente do “homem-trabalhador”); assim como o escravismo e o feudalismo também o foram.

Resumindo, temos dois caminhos: um nos leva à perpetuar a sociedade atual, com um discurso pseudo-progressivo do "possível" (e com isso serve como a quinta coluna da dominação da burguesia) – este é o da esquerda reformista atual; e um segundo, que trabalha no sentido da revolução socialista, abrindo caminho entre a consciência atrasada dos trabalhadores, lutando contra o oportunismo e a "política do possível", mesmo que as condições atuais sejam completamente adversas, mesmo que nada esteja 100% assegurado no futuro (tudo depende da nossa organização, conscientização e luta) – esta é a opção dos verdadeiros marxistas-trotskistas, que entendem a necessidade da construção de um partido revolucionário e de um movimento proletário independente; e o mais importante: caminham nesse sentido. Ou vamos trabalhar para concretizar o "sonho" ou trabalharemos para lançá-lo para um futuro cada vez mais distante e irrealizável, nos queixando das mazelas do capitalismo, da “irrealidade” do socialismo, enquanto vamos vendo a barbárie social se instaurando, dia a dia, com um discurso que a exalta como natural e, até mesmo, benéfica.

Utopia é querer humanizar o capitalismo (seria algo como querer um “nazismo-pacifista” – ou seja, uma “utopia reacionária”). É vender aos trabalhadores a ilusão de que podemos regular os mercados para evitar a especulação financeira (especulação esta que foi desmascarada parcialmente no filme “o Lobo de Wall Street”) e que podemos ir conquistando melhorias graduais para a classe trabalhadora através de “programas sociais” (Bolsa Família, PRONATEC, ProUni, etc.) sem mexer na propriedade privada dos meios de produção e deixando reinar a luta de todos contra todos pela sobrevivência imediata, as guerras imperialistas de rapina, a mentira institucionalizada por parte da grande mídia, a miséria crescente. A sociedade capitalista encerra inúmeras contradições insolucionáveis. Foi esta constatação que levou Trotsky a escrever que “todas as revoluções são impossíveis, até que se tornam inevitáveis”. Indo no mesmo sentido, Marx, além de afirmar que são os homens que fazem a história, jogando para longe, de uma vez por todas, a passividade que apenas assiste os acontecimentos históricos sem se organizar para intervir neles como se fossem “eventos divinos”, sustentou que “a teoria também se converte em força material quando se apossa das massas”. Todo este processo está condicionado a que esta massa esteja organizada em partido revolucionário e em um movimento proletário completamente independente da burguesia, pois se estiverem organizados para propagar a teoria e a prática reformista (tal como faz a atual “esquerda”) só poderão propagar a confusão, a desorganização, o caos e, por fim, a conciliação de classes. A História dispõe do tempo necessário. A Humanidade nunca se propõe a uma tarefa que não possa realizar. A nova vanguarda proletária deverá andar neste sentido, combatendo o oportunismo e, principalmente, não tendo medo de ser minoria, ou não merecerá ser chamada assim.



[1] ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. Editora Sundermann, São Paulo, 2004.
[2] LENIN, Vladmir I. As 3 fontes e as 3 partes constitutivas do marxismo. Editora Global, São Paulo, 1980.

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