sábado, 24 de abril de 2021

A condenação do policial que matou George Floyd deveria intensificar a campanha pela liberdade imediata de Mumia Abu-Jamal



O trabalhador branco não pode ser livre
aonde o negro for estigmatizado
Karl Marx

 

         A recente condenação do policial branco que assassinou George Floyd, Derek Chauvin, foi comemorada por milhares de manifestantes no mundo todo. Ainda que extremamente limitada, tal condenação foi importante como um pequeníssimo primeiro passo. Trata-se de uma medida limitada porque os EUA é um país campeão de assassinato de trabalhadores negros e negras, perdendo apenas para o Brasil[1]; portanto, nada nos garante que seja um real enfrentamento ao racismo estrutural entranhado na instituição policial, sobretudo em sua relação com a classe trabalhadora mais pobre, moradora dos bairros periféricos – que ainda são, em sua maioria, negros e negras[2].

         Para aqueles que não possuem propriedade, o grande capital reserva o joelho no pescoço e a pena de morte informal que serve de recado para todos os demais miseráveis. É a ditadura sobre a pobreza, que age impiedosamente tanto nos EUA, quanto no Brasil. George Floyd foi mais uma triste estatística dos vários negros assassinados na “terra da democracia e das oportunidades”. Esta prática se estende, pelo menos, até os anos 1950-1960, quando se iniciaram as primeiras movimentações dos inspiradores dos Panteras Negras, Martin Luther King e Malcolm X.

         Por tudo isso, devemos comemorar a condenação de Derik Chauvin com muita moderação, dado que a grande mídia e a “esquerda” festiva funcionam como uma válvula de escape da revolta, fazendo a raiz do problema se perpetuar. O racismo estrutural está na instituição policial, no sistema econômico e no aparelho estatal norte-americano. Isso explica os inúmeros casos de espancamentos e assassinatos. O diferencial desta vez é que um policial foi condenado, ao contrário dos processos judiciais do passado, que sempre terminavam absolvendo-os. A atual condenação pode ser um precedente, que só vai se consolidar caso o movimento avance sem ilusões, retomando pautas que atinjam a base do sistema econômico; isto é, reacendendo pautas dos antigos Panteras Negras, indo muito além do atual black lives matter – instrumentalizado, em grande parte, pelo partido democrata.

         A questão negra nos EUA escancara a fraude da sua “democracia” – tida como a maior do mundo e chamada por alguns de “terra das oportunidades” (para homens brancos, necessitariam acrescentar). A bem dos fatos históricos, os EUA são a terra do assassinato de negros e negras pobres em escala industrial. A “esquerda” tem a obrigação de denunciar tudo isso, acabando com os mitos propagados pela grande mídia (reparem o comentário do apresentador do BBB, que afirmou em horário nobre ser os EUA o “país mais livre do mundo”) e pelo governo estadunidense. Também deve se preocupar em alertar o movimento da classe trabalhadora negra norte-americana sobre as visíveis limitações desta condenação e do frenesi da suposta “vitória” que sempre paralisa e gera novas ilusões.

 

Um trecho acima diz: "até que o sistema seja alterado, nada vai mudar;
nós apenas iremos para rua novamente cantar por um nome diferente".

A condenação de Derek Chauvin deve intensificar a campanha pela imediata libertação de Mumia Abu-Jamal!

         O momento é propício para retomarmos a campanha pela libertação do Pantera Negra Mumia Abu-Jamal, preso desde 1981 sob a falsa acusação de matar um policial branco. De nome verdadeiro Wesley Cook, Mumia se tornou jornalista na Filadélfia e ficou popular com o seu programa de rádio A voz dos sem-voz. O nome de guerra, Mumia Abu-Jamal, surgiu a partir da influência de um professor que o fez resgatar a cultura africana, em particular a história do lutador nacionalista do Quênia, de nome Mumia, que resistiu aos colonizadores britânicos[3].

         A história de vida e a militância de Mumia Abu-Jamal demonstram com provas insofismáveis o caráter racista do sistema prisional estadunidense, bem como de sua suposta “democracia”. Grande parte do inquérito contra ele se deve a sua atividade militante, de emancipação do povo negro e da classe trabalhadora no geral. Os Panteras Negras, como se sabe, organizaram diversas manifestações públicas – inclusive contra o embargo econômico à Cuba promovido pelos EUA. A atuação de Mumia Abu-Jamal e dos Panteras Negras está embasada naquela afirmação de Malcolm X de que “não há capitalismo sem racismo”.

         Levando tudo isso em consideração é fácil entender por que na visão do FBI e da polícia os Panteras Negras eram um grupo radical e extremista que deveria ser combatido. Para o chefe do FBI, J. Edgar Hoover, eles seriam “a maior ameaça à segurança interna do país”[4]. Além disso, os Panteras Negras ainda enfrentavam a violência policial de armas nas mãos, o que aumentava o temor da elite estadunidense e a necessidade de criminalizá-los a qualquer custo. Foi só assim que conseguiram frear a brutal repressão sanguinária de negros e negras nos bairros periféricos. Daí as diversas provas forjadas de relação com o tráfico de drogas, de “ameaça à segurança interna” – dado o seu internacionalismo proletário –, bem como a perseguição ininterrupta e a prisão forjada de diversos de seus membros.

         Mumia foi preso em dezembro de 1981 sob a acusação de ter assassinado o oficial de polícia branco, Daniel Faulkner, na Filadélfia, e condenado à morte em 1982. Ao longo de 20 anos de uma incessante batalha judicial, repleta de apelos por um julgamento justo por parte de personalidades e milhares de manifestantes, e apesar da constatação de inúmeras irregularidades em seu processo, a data de sua execução foi várias vezes remarcada e, por fim, suspensa em 2008, sendo substituída arbitrariamente por uma condenação à prisão perpétua. Esta alteração já é um reconhecimento não declarado da injustiça da condenação.

         Ainda que as autoridades tentem tratá-lo como um criminoso comum, Mumia Abu-Jamal é, na realidade, um prisioneiro político dos Estados Unidos, embora não tenha sido o primeiro. Segundo o relato de várias testemunhas, tudo começou quando Jamal interveio para socorrer seu irmão mais novo, que estava sendo brutalmente espancado pelo referido oficial de polícia. Houve muita confusão, gritos e disparos. No momento em que os outros policiais chegaram ao local, Mumia Abu-Jamal estava ferido e Faulkner morto[5].

         A atual condenação de Derek Chauvin pelo assassinato de George Floyd é o reconhecimento tácito das agressões policiais contra os bairros negros, bem como, indiretamente da inocência de Mumia Abu-Jamal. A sua prisão passa a ser exclusivamente política, de cunho abertamente racista, dado que ele foi um ativista socialista que se levantou organizada e conscientemente contra o racismo estrutural e o próprio sistema, sabendo encontrar aliados e combater os inimigos corretos. Por isso não foi perdoado e condenado à morte. A promotoria não apresentou nenhuma prova material de suas acusações e, ao longo do seu julgamento, foi comprovada a prática de intimidação de testemunhas[6].

         Toda a história posterior dos EUA, com seus inúmeros casos de espancamentos e assassinatos de negros e negras nas periferias das grandes cidades, coaduna com a tese da inocência de Mumia Abu-Jamal. Como a “esquerda” não sabe fazer unificação de pautas e junção de movimentos de caráter classista, se satisfazendo com qualquer “vitória” midiática, deixa o grande ativista dos Panteras Negras – um dos militantes mais conscientes e ativos dos EUA – largado à própria sorte.

         Que esta pequena contribuição sirva para conscientizar as organizações de “esquerda” honestas, os sindicatos e os movimentos sociais da importância conjuntural e histórica da retomada imediata da campanha pela libertação de Mumia Abu-Jamal. Este sim seria um duro golpe no racismo estrutural entranhado nas instituições “democráticas” estadunidenses, possibilitando que Mumia Abu-Jamal retome imediatamente suas atividades políticas, tão necessárias em períodos de identitarismos instrumentalizados e vazios como o que estamos vivendo.

- Pela imediata libertação de Mumia Abu-Jamal, preso político dos EUA!

- Pela condenação de todos os policiais, empresas e seguranças envolvidos em espancamentos e assassinatos de negros e negras nos EUA e no Brasil!

- Não há capitalismo sem racismo!

 


Referências




quinta-feira, 22 de abril de 2021

A história de amor entre o governo Leite, google, Samsung e uma “crise financeira” seletiva

Antes da pandemia, diziam aos quatro cantos os jornais e telejornais da grande mídia que vivíamos no Brasil e no RS uma “crise financeira”. Veio, então, a pandemia. Em julho de 2020, sem perder tempo, o garoto propaganda dos governos do PSDB, Luciano Huck, anunciou solenemente que ela “veio para acelerar a digitalização da educação”[i].

        Na sequência, em agosto de 2020, o responsável pelo setor de informática da SEDUC-RS afirma, em um áudio vazado, que tinha sido incumbido pelo então secretário da educação, Faisal Karam, “de preparar o aluno da escola pública estadual para a nova economia”, complementando que “o plano para trazer o aluno para esta nova economia deve ser acelerado e colocado de pé o quanto antes”[ii].

        Mas que “nova economia” é essa?

        Ora, pra quem ainda não entendeu, trata-se da economia uberizada, baseada em serviços – sobretudo virtuais, tipo Amazon, iFood, Uber, EaD –, de capital financeiro improdutivo, embora extremamente lucrativo para uma ínfima minoria.

Segundo Ladislau Dowbor, “há um endividamento generalizado dos países, dado o poder de grandes corporações — não mais General Motors, General Eletric, por exemplo — como Google, Amazon, Facebook, Microsoft e Apple. Ou seja, de um lado, sistemas que controlam a informação e o conhecimento servem de base para nossa própria comunicação. Do outro lado, como o dinheiro hoje é imaterial, também é uma unidade de informação, que navega nas ondas eletromagnéticas, gerando o High Frequency Trading em escala mundial, dando aos grandes bancos e investidores institucionais poder financeiro sobre os governos, as empresas produtivas, as finanças das famílias”[iii].

Ficamos sabendo que durante a pandemia, “casualmente”, os bilionários deste setor – dentre outros – ficaram U$ 5 trilhões mais ricos[iv]. Isso, no entanto, parece não indignar muito as pessoas e a “esquerda”, nem lhes levantar maiores dúvidas.

 

Governadores dos Estados e google: uma história de amor sem crises financeiras!

        A vice-presidente de Joe Biden, Kamala Harris – talvez a maior expoente do identitarismo burguês em voga –, tem ligação direta com as corporações big tech (google, Amazon, facebook, Microsoft, etc.)[v]. Para todos estes atores a pandemia surge como um “presente dos céus”! Com o topo do mundo dominado pelas big tech, basta realinhar as neocolônias.

        Eis que surge, então, como um “raio em céu sereno”, a plataforma google sala de aula para “salvar” a educação pública! Convênios foram fechados com esta megacorporação em 19 estados brasileiros. A seguir, governadores como Eduardo Leite e João Dória passaram a ser vendidos pela grande mídia como responsáveis gestores da crise durante a pandemia[vi] – como se fossem uma suposta alternativa a Bolsonaro –, quando, na realidade, estavam vendendo barato a educação púbica a estas corporações. É aí que entram também as “consultorias” de Luciano Huck e da Fundação Lemann, interessadíssimos em abocanhar os recursos da educação pública.        

      O referido responsável pelo setor de informática da SEDUC-RS relativiza tais falcatruas sustentando que “não há nenhum centavo de dinheiro público” para as plataformas do google[vii]. O que ele não diz é que as “novas tecnologias” – tipo google, facebook, whatsapp e outros – usam a sua “gratuidade” para acessar a intimidade dos usuários, não apenas para moldar a opinião pública, mas também para obter informações de mercado privilegiadas[viii]. Deste controle econômico e de informação via redes sociais para o controle político-pedagógico da educação pública é um passo.

        Além disso, os 50 mil chrome books fornecidos pelo governo Leite ao magistério público estadual numa parceria entre google e samsung, chegam a marca dos R$ 80 milhões[ix] – sem contar o restante que não entra na prestação de contas pública. Em São Paulo, Dória “ofereceu” R$ 2 mil para que educadores pudessem “comprar computadores novos”[x]. O governo do Estado do Espírito Santo, por sua vez, repetiu[xi] o que fez Eduardo Leite no RS, doando dinheiro público para megacorporações privadas sem nenhuma contrapartida, como a quebra de patentes das tecnologias “adquiridas”, por exemplo[xii].

        A crise financeira é, como sempre, apenas para o funcionalismo público e o setor estatal, mas nunca para o mercado e as grandes corporações. Qual será o retorno para os Estados brasileiros nisso tudo senão mais dependência financeira, tecnológica e política?

       

A justiça burguesa e o governo Leite: outra história de amor!

        Durante as greves do magistério contra o pacote de retirada de direitos e no episódio da demissão das educadoras contratadas em licença saúde, o governo Leite e sua justiça foram impiedosos[xiii]. Em uma rapidez espantosa acabaram sentenciando e condenando a nossa categoria, sem nenhuma chance de recurso: salários cortados e descontados, apesar das aulas recuperadas; demissão ilegal de educadoras contratadas em licença saúde sem readmissão.

        No caso do retorno às aulas presenciais, mesmo que em alguns estados já tenha ocorrido, não vemos a mesma gana, nem as mesmas manobras da justiça e do governo. Leite, apesar de recorrer na justiça contra a decisão[xiv], parece não ter a mesma pressa e nem as mesmas articulações político-judiciais que marcaram a sua cruzada contra o direito de greve e as demissões das trabalhadoras precarizadas. Tal "benevolência súbita" também se reflete no não desconto dos salários e sequer em ameaças nesse sentido para o retorno presencial.

        Este impasse denota que a atitude do governo Leite desta vez é marcada pelo conflito de projetos, já que, pelo menos, as duas posições lhe são favoráveis em parte, assim como lhe prejudicam em parte. Por exemplo: o governo quer o retorno presencial porque isso dialoga com setores empresariais locais e com famílias que não tem com quem deixar os filhos durante o expediente. Por outro lado, na medida em que as aulas presenciais não voltam, o governo vai aplicando seu projeto de ensino à distância, implantando mecanismos de controle através das plataformas google sala de aula, Educar-RS, etc.; e criando as condições para a “nova economia”. Basta dizer que por anos a SEDUC tentou impor as chamadas online, sem muito sucesso, apesar do assédio moral sobre algumas escolas. Agora a chamada online e toda a estrutura do ensino remoto é uma realidade em todas as escolas!

        O governo tira partido deste “conflito” de projetos, enquanto que a “esquerda” e o movimento sindical não querem perceber o que está em jogo. Neste contexto complexo, devemos desconfiar, inclusive, das decisões judiciais supostamente “contrárias” ao governo Leite. A justiça, os governos tucanos e o mercado se entendem tacitamente: basta um olhar!

        O fundamental nesta conjuntura, portanto, é desmascarar a utilização política da pandemia para acelerar a aplicação dos projetos da “nova economia”. A “esquerda” e o movimento sindical só gritam por “vacina já”, ecoando os governos estaduais e a mídia burguesa. Por mais importante que isso seja, se não sublinharmos e colocarmos corajosamente em primeiro plano a utilização política da pandemia, terminamos por liquidar a independência de classe, nos tornando a retaguarda de um dos blocos burgueses em luta.

 

A crise política e a inoperância do CPERS

        Frente a esta realidade cruel, o CPERS está paralisado e semi-morto. Os áudios do Conselho Geral demonstram a crise na qual está enredado. Toda a preocupação da direção central concentra-se em estancar a sangria política do seu racha – a chapa “Muda CPERS”, que pretende concorrer para a direção central; enquanto que a outra oposição – “Novo Rumo” – não levanta nenhuma das questões abordadas anteriormente sobre os problemas do ensino híbrido e da utilização da pandemia contra a classe trabalhadora.

        Apesar do Sineta de fevereiro de 2021 denunciar corretamente que o “ensino híbrido acirra desigualdades e prepara terreno para demissões e privatizações”, reforçando que “o governo se vale da situação emergencial para implantar um projeto político-pedagógico gestado por fundações empresariais interessadas no orçamento público”; e que o “setor pedagógico da SEDUC não está a serviço dos interesses da comunidade escolar; [mas] atua por procuração de agentes privados”[xv], isso não se traduz na política concreta da direção central e de nenhuma das correntes majoritárias do CPERS.

        Toda a justeza desse artigo do Sineta se esvai com as decisões tomadas no Conselho Geral de 5 de março de 2021. O seu primeiro ponto de encaminhamento diz: “Manter o trabalho/ensino remoto como solução de compromisso para enfrentar o quadro pandêmico e pedagógico”. Assim, uma análise que poderia servir para a construção de uma política correta, morre no nascedouro porque é vítima de uma contradição flagrante. Ao que tudo indica, houve unanimidade entre todas as forças do CPERS nessa proposta que praticamente rasga o que foi escrito no Sineta e reforça, quer se queira ou não, a política das big tech.

        Não basta dizer que se é contra o “projeto político gestado por fundações empresariais”. Isso precisa transparecer nas declarações escritas, mas, sobretudo, na prática sindical de enfrentamento a este projeto. Nenhum setor do CPERS parece querer perceber tais contradições, que certamente teriam implicações sobre a política levantada até aqui quase que unanimemente. Além disso, todas as suas propostas de mobilização versam sobre “luta virtual” ou carreatas.

Presente maior para as big tech e a Fundação Lemann não poderia haver. Quando sairmos da pandemia, provavelmente estaremos numa nova “normalidade” marcada por um regime de trabalho mais precarizado, com toda a boiada “já passada para o outro lado”. Para este novo cenário, infelizmente a “esquerda” e o movimento sindical terão sido peça chave.




Referências

[xii] Ver como funciona na economia chinesa a relação entre megacorporações e o Estado no último tópico do texto que segue: http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/01/a-etica-confucionista-e-o-espirito-do.html

[xv] Sineta – jornal oficial do CPERS (gestão 2017-2021), fevereiro de 2021 – página 7. 

domingo, 18 de abril de 2021

Bradesco anti-machista?!

A farsa da preocupação com o machismo veiculada pela propaganda da BIA na grande mídia

*Por Rafaela Lima

Bradesco e grande mídia se somando às pautas identitárias...?

Recentemente a grande mídia e, em especial, a Rede Globo, começaram a divulgar a propaganda da BIA do banco Bradesco. A BIA é o serviço de inteligência artificial que atende aos clientes virtualmente e, que, como divulga a propaganda, agora possui um novo repertório de comentários que supostamente estariam "combatendo" o machismo. É importante frisar a demagogia a que recorrem, tanto a Rede Globo e a grande mídia, quanto o banco Bradesco e os demais bancos listados a seguir.

O Bradesco é um dos maiores devedores do Governo Federal¹. Até agosto do ano passado, 2020, o mesmo devia à União 7,9 bilhões de reais. Dinheiro que falta para o investimento no setor público em Educação, Segurança, Serviço Social e Saúde (em ano pandêmico)². Durante o mandato presidencial de Michel Temer foi perdoada, em 3 meses, uma dívida de cerca de 30 bilhões de reais dos grandes bancos privados, como Bradesco, Santander e Itaú³. 

Aqui cabe relembrar, também, as dívidas das igrejas evangélicas perdoadas, recentemente, pelo governo Bolsonaro, nas quais mais de 1 bilhão de reais deixaram de entrar para os cofres da União.⁴ De bilhões em bilhões estão perpetuando a exploração que é desumana e condenando à miséria toda uma classe social e uma nação! 

Assim, com o perdão da dívida desses e outros bancos e empresas⁵, a dívida do setor privado se transforma em dívida pública e quem paga são os(as) trabalhadores(as). A intensificação da exploração do trabalho e o alto índice de desemprego estão interligadas diretamente a isso. 

A falta de investimento nessas áreas interfere — e muito! — no desenvolvimento social. Enquanto isso, a BIA do Bradesco é “vendida” como se tocasse ou mexesse nessa estrutura. No entanto, trata-se de uma "solução" demagógica que se gerou a partir da adesão do discurso da esquerda pela grande mídia e demais setores, que ajuda a reciclar o sistema econômico, e que, também, vem ajudando a torná-lo mais aceitável para a opinião pública através da manipulação das massas. 

No início do texto foi enfatizada a Rede Globo dentro da grande mídia. Isso foi feito porque este canal, que é transmitido na TV aberta, tem audiência  e repercussão consideráveis e se utiliza amplamente dos discursos e das bandeiras das lutas dos movimentos das mulheres, das/dos negras e negros e, também, LGBTQI+++. Atuando para que essas pautas se transformem em produtos ou sirvam para a venda deles e de padrões que não são questionados mas amplamente propagados pela mídia.

A nova imagem que a emissora pretende passar — e já está passando —, uma vez que pessoas desses movimentos compraram a suposta “militância da Globo”, faz parte da busca por legitimação e maior audiência. E, não! O BBB não está ajudando na luta. Está reforçando o individualismo e gerando mais aversão contra quem milita a partir do momento que molda um estereótipo de “militante”, como aconteceu nos casos de Lumena e Karol Conká. Há diversas reproduções de uma lógica viciada que apenas contribui para a polarização e a dicotomização. Esse é um dos pontos sobre essa emissora. A saída não está por dentro do capitalismo, pois suas bases retroalimentam o machismo, a misoginia, o racismo, a homofobia, xenofobia, etc.

O banco Bradesco e a tal da BIA, assim como a Globo, não combatem o machismo, uma vez que não mexem na estrutura econômica, perpetuando a desigualdade de gênero, social e de exploração de classe através dos seus vários dispositivos ideológicos e políticos. Sua influência midiática e de poder são, também, muito maiores que os da “esquerda” no geral. E aí temos um grande perigo mal compreendido ou mesmo menosprezado.


Pontos para contribuir no debate:


1) A tendência  é  que, inicialmente, ocorra o oposto do noticiado na propaganda do banco, uma vez que as pessoas vão xingar a BIA para testarem o mecanismo.

2) A BIA não é uma mulher, apesar de se utilizar da voz de uma. O assédio na família, no trabalho, nos poucos momentos de lazer (por causa da dupla ou tripla jornada de trabalho), seguirá. Além disso, salientamos que o assédio no trabalho geralmente é praticado por parte das pessoas que ocupam maior posição de poder dentro de um estabelecimento, como os chefes, gerentes e patrões.

3) Essa propaganda é voltada, diretamente, para o favorecimento do próprio banco, reforçando uma imagem que não corresponde à realidade. Por acaso o banco Bradesco investe seus lucros nos Serviços Sociais e na construção de casas de acolhimento para mulheres que sofrem violência doméstica e social, bem como reincorporação profissional no mercado de trabalho para elas?

4) A utilização perversa da representatividade e de outras bandeiras dos movimentos sociais pelo mercado seguirá e tornará mais complicada ainda a nossa luta. 

5) As grandes empresas usam as bandeiras e os discursos em benefícios próprios e interesses de outra classe que NÃO É A DAS(OS) TRABALHADORAS(ES). Isso, para explorar o maior número de pessoas possível, para gerar maiores lucro para os patrões e, felizmente ou infelizmente, para as patroas.

6) A propaganda da BIA visa dar uma aparência bonita para a podridão de conteúdo. “Novas embalagens para antigos interesses”⁶.

 

As estratégias de luta apenas funcionariam se tivessem medidas a longo prazo sendo efetuadas em conjunto, DIALETICAMENTE, com medidas de controle do mercado, do sistema financeiro e de mudanças econômicas e sociais. No entanto, vemos na “esquerda” atual uma cisão entre o marxismo e o feminismo, uma vez que o último pretende se tornar uma linguagem independente e lente de percepção de mundo com um fim em si própria, como os grandes filtros, com completude. Porém, essa expansão ou esse afastamento com o marxismo custa caro, pois causa um distanciamento/descolamento entre as ideias do movimento e a realidade da classe trabalhadora, e a dissolução das bases materiais dessa linguagem, fundamentais para a leitura da realidade.

Com isso, os problemas da falta de leitura junto aos de leitura da realidade, seguem. 

Em resumo, a não garantia dos direitos humanos a todos seres é uma realidade cotidiana e devemos lutar contra. No entanto, cabe ressaltar que é com a mudança da estrutura econômica (que retroalimenta indireta e diretamente as ideologias burguesas e que subjuga as massas trabalhadoras, beneficiando amplamente o banco Bradesco e a Rede Globo) que conseguiremos nos aproximar de um combate mais efetivo contra o machismo (racismo, xenofobia, homofobia, etc.). É necessário mudar o sistema econômico!

Portanto, NÃO xinguem ou assediem a BIA. Ao invés dos xingamentos e do "assédio" a uma inteligência artificial, questione o banco através dela, perguntando:


1) Quando o banco Bradesco vai pagar os 7,9 bilhões que deve à União?!!!

2) O banco Bradesco perdoará também as dívidas dos seus clientes mais pobres tal como a União generosamente lhe perdoa as dívidas bilionárias?

3) O banco Bradesco vai construir casas de acolhimento para mulheres que sofrem violência doméstica?

4) O banco Bradesco vai ajudar a criar mecanismos de reincorporação profissional independente dessas mulheres no mercado de trabalho ou a sua preocupação é só com o “machismo” contra uma inteligência artificial?





Referências

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¹ https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/10/31/maiores-devedores-uniao-petrobras-vale-bradesco-csn.htm


² https://www.brasildefato.com.br/2020/07/27/divida-de-mil-empresas-com-a-uniao-pagaria-o-auxilio-emergencial-por-14-meses

³ https://spbancarios.com.br/08/2017/em-tres-meses-temer-perdoa-quase-r-30-bi-dos-bancos

https://www.otempo.com.br/politica/congresso-perdoa-divida-bilionaria-de-igrejas-com-respaldo-de-bolsonaro-1.2460913


https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2019/01/21/temer-perdoou-r-474-bi-de-dividas-de-empresas-maior-anistia-em-10-anos.htm


Sugestão de música aqui, citação extraída dela:

https://www.youtube.com/watch?v=-1cI4nYIQqs 


Notícias complementares:

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/03/divida-publica-alcanca-90-do-pib-e-bate-novo-recorde-em-fevereiro-diz-bc.shtml


https://www.msnoticias.com.br/editorias/geral-ms-noticias/apos-dar-bilhoes-aos-bancos-guedes-diz-que-credito-nao-chega-as/99297/


https://www.brasildefato.com.br/2020/07/27/divida-de-mil-empresas-com-a-uniao-pagaria-o-auxilio-emergencial-por-14-meses


quinta-feira, 15 de abril de 2021

A condenação de Lula e o cuidado que todos os trabalhadores conscientes devem ter

*Texto escrito originalmente para o blog da Construção pela Base (construcaopelabase.blogspot.come publicado pela 1ª vez em fevereiro de 2018.

         Após o golpe do impeachment se abriu uma ofensiva da direita contra os trabalhadores. Com a condenação de Lula pelo TRF-4 chegamos a uma nova etapa desta ofensiva, visando insuflar o ódio da classe média contra o PT e, a partir deste, contra toda a esquerda. A semeadura da confusão é diária, sobretudo por parte da grande mídia, mas também se aprofunda a partir de setores da “esquerda”.
       Vemos, de um lado, os ataques ininterruptos e parciais contra a principal liderança petista, enquanto que notórios corruptos do PSDB, PMDB, PP e outros, não apenas saem ilesos, como têm seus processos escandalosamente arquivados. Alguns poucos são usados como bodes expiatórios (como o caso de Sérgio Cabral e Eduardo Cunha) para se passar a ideia de que “algo está sendo feito contra a corrupção neste país”. Ledo engano! Primeiro porque os principais corruptores e o sistema que permite que a corrupção siga livre – isto é, o capitalismo –, estão plenamente operantes; segundo, porque todos os principais atos destes “corruptos presos” (tal como o próprio impeachment liderado por Eduardo Cunha com o pagamento de cerca de 1 milhão de reais para cada parlamentar que votou por ele) não foram anulados. As instituições democrático-burguesas, com especial destaque ao Congresso Nacional, seguem abrigando uma gama indescritível de corruptos que continuam operando como sempre fizeram: utilizando-se de infindáveis negociatas. Da mesma forma, os grandes bancos, empresas e a mídia continuam corrompendo, manipulando e distorcendo, sem nenhum tipo de controle ou punição.
         O suposto “combate à corrupção” foi transformado num espetáculo sombrio, cuja única intenção é criminalizar Lula, o PT e a esquerda. Lula não está sendo condenado por corrupção. A burguesia brasileira jamais condenaria um político por isso (e o seu sistema judiciário, sua mídia, seus partidos e personalidades tampouco tem moral para condenar alguém). Isso significaria condenar a si própria. Ela está condenando a história pregressa de Lula, querendo desmoralizar a primeira trajetória do PT. De quebra, quer dar a entender que todo o movimento se perverte; que Lula é apenas mais um; que não há saída senão submeter-se à sociedade tal como ela é, aceitando os partidos tradicionais, a corrupção tradicional, o poder absolutista do mercado e do sistema financeiro. Seu objetivo imediato é impedir a candidatura de Lula à presidência, uma vez que, em razão da crise internacional, esta é um estorvo momentâneo para o sistema financeiro e para o imperialismo norte-americano; não porque o PT e Lula representem um programa “socialista” e de “esquerda” (como os setores doentios da classe média e parte da mídia sustentam), mas porque o programa democrático-popular do PT disputa as verbas públicas para projetos assistencialistas compensatórios (como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, etc.). Em nenhum dos casos este programa democrático-popular pode solucionar os graves problemas sociais, políticos e econômicos do país, e tampouco representa o “socialismo” ou o “comunismo”, como os McCarthistas brasileiros patologicamente defendem; embora comprometa parte do orçamento com gastos inadmissíveis para o imperialismo neste momento (e este é o real motivo), além do seu alinhamento político com os BRICs. A direita, por sua vez, apresenta o mesmo programa colonial de sempre: subordinação total e incondicional ao imperialismo capitalista, submetendo o país à uma ditadura militar se necessário for.
         Os trabalhadores conscientes e as oposições sindicais classistas não devem titubear: precisam defender a esquerda e o programa socialista desta verdadeira cruzada direitista e midiática, cuja finalidade última é destruir os direitos dos trabalhadores, levando o programa neoliberal até as últimas consequências no Brasil e no mundo. Estes ataques são os principais sintomas da decadência histórica do capitalismo, que se expressam nesta cruzada para aumentar a exploração sobre os trabalhadores, disfarçadas com frases sobre “modernização” e “liberdade”. A “modernização” que a burguesia imperialista e o sistema financeiro internacional almejam é a transformação do mundo todo numa grande China, com salários miseráveis, regimes de trabalho semi-escravo de estafantes jornadas de trabalho e a desregulamentação do mercado e do sistema financeiro para a livre especulação dos grandes magnatas banqueiros. Quer a volta da “livre” exploração da força de trabalho, tal como vigorou durante a revolução industrial inglesa do século 19.
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         O PT, por sua vez, não visa uma luta contra tudo isso. Ao contrário, pretende apenas restaurar a velha ordem “democrático-burguesa” que possibilitou os seus governos. Faz uma leitura limitada do golpe e tampouco pretende questionar o sistema e suas instituições. Novamente serve como contenção para as lutas, deixando-as restritas ao marco aceitável para a burguesia. Sendo assim, não pode derrotar o golpe, aplainando o caminho para novos golpes. Pelo programa, tática e estratégia do PT não é possível fazer uma incursão profunda sobre as raízes deste golpe, bem como afiar nossas armas para estarmos a altura do embate contra a elite econômica nacional, que está alinhada ao imperialismo ianque.
         Todas estas limitações se expressam nas palavras de ordem lançadas pelo PT e seus aliados contra o golpe e a condenação de Lula. O petismo se submete e tenciona os trabalhadores a também se submeterem à falsa polarização eleitoral e política do país. Nas eleições mantinha-os reféns da seguinte bandeira: “votar no PT para evitar a volta da direita”. Na luta contra o golpe mudou o discurso, mas manteve a lógica. Frisamos a importância de se posicionar contra o golpe, embora isso não possa significar, de maneira alguma, a submissão política ao PT. Novamente os movimentos sociais estão sendo educados na perspectiva de que existem apenas dois caminhos políticos: o PT ou a direita. Qualquer crítica ao PT é vista dogmaticamente como apoio ao golpe: ou seja, o PT se torna incriticável, baixando uma verdadeira “censura” (expressa no ranço que seus militantes lançam àqueles que criticam honesta e programaticamente o partido), impedindo o debate e a reflexão que permitiriam a busca por uma nova estratégia e novas táticas. O inverso também é verdadeiro: ponderar os ataques midiáticos ao PT é visto por qualquer membro doentio da classe média – verdadeiros fanáticos da direita – como apoio ao petismo.
Por que somos contra esta lógica? Pela seguinte razão: ficar refém desta dicotomia e se alinhar politicamente ao PT significa se submeter à limitação de combater a direita apenas de dentro do campo democrático burguês (ou seja, a submissão ao campo e às regras do inimigo). Para derrotar o golpe e a ofensiva da direita precisamos afiar nossas armas e nossas táticas para ir muito além disso. É esta submissão política e programática ao regime democrático-burguês que levou o PT, ao seu modo, a aplicar projetos neoliberais de retirada de direitos contra os trabalhadores.
         Querendo demonstrar-se aceitável para a burguesia (ou “pós-moderno”?), o PT exalta e defende as instituições democrático-burguesas sempre que pode, inclusive ignorando assustadoramente o fato de que foram elas que permitiram e facilitaram o golpe do impeachment. Continuamos insistindo que a democracia burguesa é uma farsa (e gestará novos e piores golpes contra os trabalhadores)! Devemos ser contra o golpe do impeachment, por tudo o que ele significa, mas não podemos cair, em hipótese alguma, na defesa da democracia burguesa. Ser contra o golpe significa hoje defender as liberdades democráticas mínimas, o que não pode se confundir com a defesa da democracia burguesa enquanto regime político e o capitalismo como sistema econômico. A “democracia” na sociedade capitalista continua a ser, de certa forma, o que foi na Grécia antiga e no regime partidário do Brasil imperial: uma liberdade de senhores fundamentada na escravidão. Os escravos assalariados de hoje, em consequência da exploração capitalista, vivem de tal forma brutalizados pelas necessidades cotidianas e pela miséria, que não possuem tempo para se ocupar com “democracia” ou com “política” (e jamais poderiam interferir na política burguesa de fato). É por isso que o Le Monde Diplomatique (Brasil) acerta ao dizer que “o foco do poder não está na política, mas na economia”, embora não apresente nenhuma tática para combater o sistema, interferir na economia e condene como “utópico” quem apresenta.
         Outro problema digno de menção é como a estratégia do petismo condiciona a ação política a um imediatismo bárbaro, tornando os trabalhadores e o movimento sindical reféns das eleições burguesas. A sua preocupação central é disputar as eleições com um candidato “viável”, capaz de fazer frente ao aparato midiático, político e financeiro das outras candidaturas. Para muitos militantes do PT as principais lições do golpe não foram tiradas, deixando o caminho aberto para se cometerem os mesmos erros. Infinitamente mais importante do que pensarmos em um “nome viável”, numa “vitória eleitoral” (que como vimos com o impeachment, é fugaz e totalmente passível de novos golpes), é preciso debater qual a estratégia, o que queremos enquanto “esquerda”, qual o nosso objetivo: somos socialistas ou renunciamos ao socialismo? Se não somos socialistas, o que queremos de fato? “Humanizar o capitalismo” e as suas instituições? Ou se queremos o socialismo, como pretendemos chegar nele: pelas eleições ou por uma revolução? A nossa preocupação central deve ser eleger um presidente para que este possa fazer uma suposta “reforma política” preservando as bases econômicas do capitalismo? A cada resposta que dermos a essas perguntas criaremos um futuro, uma tática e uma estratégia diferentes.
         A estratégia deve ser: ou transformamos a luta de resistência contra o golpe numa luta contra o sistema capitalista, debatendo um novo programa, novas táticas e estratégias que superem o assistencialismo petista, com organização pela base, destruição da burocracia sindical, formação teórica e política; ou os golpistas nos derrotarão, senão totalmente, pelo menos estabelecendo uma nova correlação de forças onde a direita continuará exercendo o poder político e econômico, e os trabalhadores viverão ameaçados permanentemente com a espada de Dâmocles prestes a cair nas suas cabeças a qualquer virada de conjuntura.