Uma
abordagem a partir da psicologia de massas
“Oh filósofo que não vê nada além do instantâneo,
como é estreita tua visão!
Teu olho não está feito para seguir o
trabalho subterrâneo das paixões”.
(Goethe)
Mesmo com o desgaste dos governos
petistas e toda a campanha midiática contra Lula, a maior parte do povo
brasileiro segue tendo inúmeras ilusões resultantes das esperanças em sua
possível eleição em 2022. Excetuando-se a propaganda direta da máquina
eleitoral petista – que se estende dos publicitários das grandes agências de marketing até os aparatos sindicais –, e
da propaganda indireta da grande
mídia e das instituições estatais, que exercem profunda influência no
inconsciente coletivo e no imaginário do país, há causas que precisam ser
procuradas na relação entre o discurso oficial do PT e a psicologia de massas.
Também há o elemento faltante: o que a
ausência de um discurso, um trabalho de base, somado a uma agitação e
propaganda coerentes por parte da esquerda “revolucionária”, facilitam e
credenciam as ilusões no petismo? Até onde esses fatores poderiam desfazer
ilusões e até onde a sede das massas humanas por consumir discursos que lhe
acalmem as ansiedades e preocupações, tal como um filho em desespero anseia
pelo consolo do colo dos pais, impede o seu entendimento político?
Nota importante: neste texto não se leva
em consideração as mentiras escabrosas da grande mídia burguesa baseadas na
fraudulenta Operação Lava-Jato contra Lula e o PT. Tentaremos compreender a
influência que Lula exerce sobre o imaginário da classe trabalhadora no sentido
de paralisá-la e fazê-la esperar, freando e abortando qualquer processo
revolucionário no país.
Lula cultiva e rega as
flores da ilusão tal e qual um jardineiro
O Brasil é um país construído sobre
bases católicas. Toda a mitologia cristã, com seus inúmeros signos e
hierarquias morais, pesam sobre o inconsciente coletivo e o imaginário da
nação. A visão católica de mundo reflete-se, antes de tudo, sobre a forma de funcionamento da sociedade. Ao
contrário do que julga grande parte da “esquerda revolucionária”, a classe
trabalhadora não representa um antídoto por
si mesma ao capitalismo, uma vez que está inserida nesse contexto e
reproduz em maior ou menor medida todo este relicário de esperanças cristãs.
Dentre as esperanças mais cultivadas
está a espera de um “salvador da pátria” – um messias –, que fará por nós tudo
o que precisamos e nos redimirá do mal, evitando confrontos, crises, guerras e
revoluções. A história do Brasil está repleta de ilusões como esta, resultante,
sobretudo, destas compreensões messiânicas. Lula e o PT cultivam estas ilusões. Falam o que o povo está acostumado a ouvir nos
discursos da religião, só que de outra maneira.
O messianismo está
presente também na “esquerda revolucionária”
Alguns poucos setores da “esquerda
revolucionária” já se deram conta do problema da espera pelo messianismo
presente no proletariado brasileiro, tanto que criticam a saída eleitoreira de
um “salvador da pátria”. Porém, não percebem que a sua idealização da massa
substitui o “salvador da pátria” encarnado em uma única liderança política,
transferindo este signo para o coletivo abstrato que é a massa humana, que
“virá nos redimir” através de uma sublevação espontânea e redentora.
Certamente esperamos um ascenso de
massas que seja capaz de varrer a podridão da política burguesa e da sua
sociedade, tal como demonstraram alguns processos revolucionários ao longo da
história. Porém, temos que trabalhar com a massa real, tal como ela é: cheia de
contradições e desvios moralistas, burgueses, patriarcais, religiosos; e,
sobretudo, precisamos insuflar-lhe consciência de sua devida responsabilidade social, procurando
analisar no concreto a sua mudança de postura, e confrontando-a permanentemente
com suas próprias contradições. Inclusive devemos fazer um longo trabalho de
base que combata a sua espera por um milagre vindo de um “salvador da pátria”:
tarefa longa, dificílima e impopular, renegada pela “esquerda revolucionária”.
É de uma massa que cresça dentro desta perspectiva difícil que podemos
“esperar” alguma reação revolucionária que supere a deplorável situação em que
o nosso país se encontra e prepare as bases para uma revolução socialista.
Por alimentar ilusões que
são familiares, o discurso petista tem um apelo popular que não é compreendido
pela “esquerda revolucionária”
Há uma profunda apatia na classe
trabalhadora brasileira fruto de vários fatores, mas, em particular, da
utilização demagógica da psicologia de massas pela direita (bolsonarismo, partidos
da elite, grande mídia, igrejas evangélicas, etc.), de um lado; e pelo petismo,
por outro – sendo um o peso da gangorra para o outro. O espírito de rebanho,
por exemplo, é cuidadosamente cultivado por ambos os lados nestes discursos
oficiais de poder real e simbólico.
O petismo, por seu turno, propõe uma
mudança conservando esse espírito, só que com uma ênfase “popular”. É evidente
que teremos aí um discurso sedutor, que será a antípoda do discurso da direita
oficial, embora por estar dentro da ordem e conciliar com a nata da elite
nacional, não pode ser capaz de derrota-la completamente, dado que o seu
projeto programático e a sua conduta política é incapaz de resolver os grandes
e graves problemas estruturais do
país, deixando o caminho em aberto para novos e piores golpes de Estado.
As palavras de ordem, ações e trabalho
de base da esquerda “revolucionária”, por sua vez, soam irreais ou causam pavor
na massa humana – em sua maioria não são sequer compreendidas. Ela não desfaz
os estragos demagógicos do reformismo, nem se preocupa com os desvios internos
da massa, já que ela é idealizada messianicamente. O seu “trabalho de base” não enfrenta suas hipocrisias cotidianas,
sem o quê é impossível ajuda-la a superar as ilusões petistas e reformistas.
Mais do que isso: ela surfa nessas hipocrisias; e ao proceder dessa forma, não
se ilude simplesmente, mas ajuda a massa humana a se iludir.
Já os discursos de Lula e do PT soam
como “realistas” em contraposição aos da esquerda “revolucionária”. São os
únicos que parecem ser “viáveis”
(seja pelo peso nos movimentos sindicais e sociais; seja pela carta branca
direta ou indireta que lhe é dado pela grande mídia e pela estrutura oficial,
beneficiada diretamente por essas ilusões). Essa noção esperançosa de que o PT
é o “único viável” reflete a visão atual da classe trabalhadora e o seu
eleitoralismo latente. Dentro desta visão, as eleições são vistas como a “única
possibilidade de mudança” – e, para se tirar qualquer dúvida, basta ouvir os
comentários nos locais de trabalho, estudo e moradia. Sem compreender as
ilusões da psicologia de massas e sem realizar um longo trabalho de base que
combata o messianismo, a esquerda revolucionária pula por cima de tudo isso e
prega uma saída revolucionária que não é compreendida (e muitas vezes não quer
ser compreendida).
A tentativa da esquerda
“revolucionária” de desejar tudo logo e já no “concreto” é uma das origens do
espanto causado na massa. Pretender que se possa realizar todo o programa
socialista perfeitamente e numa tacada só transforma-se numa espécie de
fanatismo. Tudo o que é existente pode ser transfigurado e transformado, mas
nunca se converte no absoluto, no perfeito, no infalível, na totalidade. Nesse
sentido, sua agitação e propaganda acabam rompendo as poucas pontes que existem
com a massa.
O PT de Lula desponta como a única
“esquerda realista” e “possível” (como já foi dito, não sem o ativo apoio do
Estado e da grande mídia) porque a despeito do seu oportunismo descarado, sabe
convenientemente levar em consideração elementos da realidade. Já a esquerda
“revolucionária” não consegue agir desse modo, pois está cega por este
“fanatismo” totalizador; além disso, não consegue estabelecer um trabalho de
base coerente, com uma agitação e propaganda que quebre ou sequer arranhe essas
ilusões. Talvez aja assim por medo do
novo ou mesmo por idealizar a massa, que é vista sempre como ingênua e enganada
por “direções traidoras”, sem querer perceber a dialética da interdependência que
existe entre “massas enganadas” e “direções traidoras” na psicologia de massas.
Aí está um dos maiores calcanhares de
Aquiles desta esquerda no momento: a ausência de preocupações e debates acerca
da psicologia de massas, ignorando a necessidade de formular um programa e uma
abordagem em relação a ela. Sem entendê-la não há possibilidade de quebrar os seus
efeitos. Simplesmente afirmar repetidas vezes que “Lula é burguês”, “traidor”,
“antissocialista”, não resolve o problema da ausência das outras condições,
como um trabalho de base prolongado que enfrente as contradições da psicologia
de massas, pois se choca prematuramente com as suas ilusões, cuidadosamente
cultivadas por várias esferas de poderes simbólicos e reais que não são
combatidos e sequer compreendidos. O que temos que descobrir é como realizar um
trabalho de base para implementar um programa que quebre progressivamente estas
ilusões e não as reforce, como tem acontecido até agora.
O diálogo petista com a
meritocracia presente na psicologia de massas da classe trabalhadora
Ao contrário do seu discurso e apesar
dos 14 anos à frente do governo federal, o petismo não ganhou a consciência
popular para o que seria um projeto nacional, nem combateu seus preconceitos
burgueses. Ao contrário: reforçou a falta (ou confusão) de projetos e reforçou
a mentalidade burguesa através da “integração social a partir do consumo” –
todos elementos aceitáveis e incentivados pelo neoliberalismo. Orgulha-se da
sua falta de teoria (e, consequentemente, de projeto) – conduta que vende como
“não dogmática” e “adaptada à realidade”.
O que é visto e sentido pela população
pobre como o “projeto petista” é, simplesmente, o aumento do consumo através de
programas sociais e a facilitação do ingresso dos mais pobres nas
universidades. São medidas importantes para um país de desigualdades gritantes
e que matam, mas não se sustentam sem um projeto de longo prazo que se enfrente
com o sistema vigente, até porque podem
ajudar a reciclá-lo, reforçando as desigualdades sociais por todos os
outros canais (sem falar que as universidades são burguesas e, portanto,
criarão conteúdo de classe e formarão pessoas comprometidas com essa
concepção). Não casualmente, o governo Temer e Bolsonaro cortaram uma a uma
dessas medidas “progressistas” dos governos petistas sem maiores dificuldades.
Segundo Jessé Souza, insuspeito de
antipetismo, “os pobres são pragmáticos.
Eles percebem a política como um jogo sujo e corrupto dos ricos e querem saber
quem, no final das contas, vai ajuda-los de algum modo efetivo”[1]. Assim,
podemos concluir que o verdadeiro projeto político petista – que encontra amplo
eco em um povo marcado pelo “pragmatismo da miserabilidade e da fome” – está
assentado numa espécie de meritocracia burguesa não declarada (assim como o
atual identitarismo[2]).
A imagem popular do petismo apenas facilita a manutenção e propagação de
valores ideológicos burgueses, vendidos como “emancipação social” através de
projetos sociais muito limitados – embora Jessé não reconheça essa armadilha,
nem combata este tipo de falsa “emancipação”.
É importante ressaltar que esse engodo
“meritocrático-popular” não seria possível se não houvesse uma propensão na
população mais pobre em aceitar e vibrar com a ideologia de “vencer pelo
próprio esforço individual” (tipo discurso de Uber, de self-made-man) e
de certa admiração e respeito religioso às fortunas individuais que ela entende
ser nada mais do que o resultado de um suposto esforço individual; nem vê nada
de errado nas taxas de juros escorchantes praticadas pelos bancos, já que tudo
isso é sentido como um “direito dos ricos” (sempre com a justificativa de que
“não entendemos de economia, então o que fazem deve estar correto”).
Nesse sentido, há uma manipulação
histórica muito bem feita das suas ideias, dos seus “valores morais”, do seu
sadismo e das suas emoções primárias pela grande mídia, pela moral social,
pelas escolas e universidades, pelas igrejas; em síntese, pela estrutura
oficial. A esquerda “revolucionária” não quer compreender esta mentalidade da
massa – já que a enxerga de forma idealizada – e, por isso mesmo, sequer
arranha tais fortalezas ideológicas da burguesia, que seguem operando e
alimentando o aparente “realismo” do caminho petista.
Olívio Dutra, um dos poucos petistas
críticos ao partido, afirmou: “fizemos
concessões a um tipo de política em que as negociações de cúpula valem mais do
que o envolvimento do povo. O PT caiu na vala comum dos outros partidos. E nós
não mexemos nessa estrutura, não fizemos reforma política séria, nem reforma
tributária, nem reforma agrária, nem reforma urbana, que ficou tudo no
Judiciário. Continuamos dando isenção tributária a grupos poderosos. Nós não
mexemos nessas coisas”[3].
Tal declaração, sincera e pouco comum
nos meios petistas, não abala em nada a esperança da massa na reeleição de Lula
como “única saída”, mesmo que absolutamente nenhuma vírgula dessa crítica tenha
se modificado ou vá se modificar. Este “pragmatismo” resultante da
miserabilidade continua sendo o seu principal norte – o que é um perigo, para
se dizer o mínimo.
Lula e o PT dialogam
com as ilusões e não propõem nenhuma tarefa política que ultrapasse ou abale
essas ilusões
A concepção política de quase toda a
“esquerda”, mas em especial de Lula e do PT, está pautada, como se disse, pela
visão messiânica e semi-religiosa. Para Lula e o PT isso está absolutamente
tranquilo e é exatamente isso que significa, para eles, “dialogar com a massa e
a classe trabalhadora”. Por exemplo: Lula busca uma aliança desesperada com as
igrejas evangélicas – as quais, em sua maioria, estiveram envolvidas no golpe
de 2016 e são bases ativas do governo Bolsonaro –, afirmando, demagogicamente,
que “sempre teve jeitão de pastor” e
que “o lugar natural dessas igrejas seria militando no PT”[4].
Lula também tem dito seguidamente que
“não adianta apenas elegê-lo se os latifundiários e a ‘direita’ têm maioria no
Congresso Nacional”[5].
Este é sempre o dilema petista, refém das eleições e das instituições
democrático-burguesas. Se vence o pleito presidencial em 2022, esbarra no velho
problema da sabotagem via a maioria-minoria no parlamento burguês. No entanto,
o petismo e a “esquerda” brasileira não se preocupam quase nada com a questão
do Estado – isto é: quais são as instituições políticas novas, que sejam a
representação da classe trabalhadora e do povo pobre organizado, que serão
colocadas no lugar das corrompidas e irreformáveis instituições da democracia
burguesa, voltadas a nunca dar uma maioria segura à classe trabalhadora (até
porque quando ela por ventura a conquiste, sofre e sofrerá sempre golpes violentos
para reduzi-la a uma “minoria perseguida”)?
O problema não é, nem de longe, apenas
o de conquistar a maioria no parlamento, mas é estrutural, econômico e
político. Alimentar ilusões nas eleições é alimentar ilusões no atual Congresso
Nacional, que governa sempre contra o povo e é, antes de tudo, um balcão de
negócios para os endinheirados. Aliás, a atual estrutura internacional do
capitalismo é marcada pelo controle das transnacionais e da perda de força
política decisória por parte dos Estados nacionais frente à pequena elite
financeira que controla essas megaempresas e grandes bancos internacionais.
A tarefa central é criar instituições
políticas que representem a classe trabalhadora organizada e que busquem destruir
conscientemente este atual controle político e econômico da burguesia ligada ao
grande capital, substituindo-o por um controle popular. O PT – e a maioria da
esquerda – é inimigo deste projeto (a outra parte, que se diz “revolucionária”
é vaga sobre isso e não apresenta nada, a não ser o seguidismo às esquerdas com
maior influência política e sindical).
O problema das novas
instituições e da apatia das massas
Este blog tem insistido, quase
solitariamente, que de nada adianta gritar “fora Bolsonaro”, “fora este ou
aquele”, clamar por “greve geral”, propor mil ações radicalizadas sem um
contexto coerente, sem correlação de forças, sem partido revolucionário
organizado e com influência de massas – em síntese: sem nada novo para propor
no lugar do que se critica e combate! O resultado é o crescimento do desespero,
da confusão e, obviamente, do suposto “realismo” de projetos como o do PT. Ao
invés de desmascará-lo, se reafirma sua imagem de “sensato” e “único viável”.
Por outro lado, sabemos que o
oportunismo demagógico do PT e da maioria da esquerda reforça a apatia das
massas e “dialoga” com seus desvios e ilusões. O resultado é o surgimento de um
sério problema: ao não se proporem fazer experiências revolucionárias com os
movimentos sociais, sindicais e estudantis, a classe trabalhadora tende a não
apontar para nenhuma forma organizativa e institucional diferente, deixando-a
refém de um círculo vicioso infernal no qual ela sempre perde. Por exemplo: em
fevereiro de 1917 a classe operária russa apontou para os conselhos populares.
No Brasil e no mundo atual as mobilizações e rebeliões apontam para onde?
O petismo, evidentemente, não tem o
menor interesse em se perguntar sobre essas questões incômodas. Vê a limitação
imposta por ele próprio ao movimento independente da classe trabalhadora, o seu
controle burocrático dos sindicatos e as ilusões eleitorais na república
burguesa cuidadosamente cultivadas como a “única saída”. Ao senso comum, ao
movimento espontâneo, isso termina por soar, definitivamente, como a “única
saída”.
Mas o que tem feito a dita esquerda
“revolucionária” (tipo PSTU, setores do Psol e centenas de organizações
menores)? Percebemos que da sua parte não há nenhuma preocupação com a ausência
de apontamentos de formas organizativas e institucionais alternativas para a
classe trabalhadora. Basta estar eternamente “na rua”, “na luta”, em “movimento”,
gritando “fora este ou aquele”, chamando “greves gerais”, mesmo que não haja a
menor correlação de forças e nada novo para por no seu lugar; nem que todas
estas “propostas” incentivem as piores ilusões, um espontaneísmo bárbaro e a
mais rasteira submissão às direções hegemônicas – algumas burguesas – que inevitavelmente irão controlar todo o
processo. Jura que, contra todas as evidências, a simples “denúncia” das
direções traidoras irá fazer brotar, messianicamente, uma alternativa.
Há que se reconhecer – como foi dito
mais acima – para reforçar a importante ideia de que, de fato, o petismo e
“oposições” como o Psol impedem o surgimento de alternativas, já que canalizam
tudo para as instituições da república burguesa. Esta “esquerda” institucional
(ou liberal, se preferirem) está plenamente integrada à institucionalidade
burguesa, fazendo um trabalho de base, uma agitação e propaganda dentro deste
estrito ponto de vista. Assim sendo, combaterá qualquer possibilidade de
aprofundamento da crise institucional ou de uma nova institucionalidade que
questione a existente – inclusive irá apelar para discursos de “realismo” e de “única
saída possível”.
Embora tudo isso explique muita coisa,
encerra apenas uma parte da realidade, deixando outros flancos perigosos em
aberto. Por exemplo: há uma nova apatia na classe trabalhadora, fruto de vários
fatores descritos nesse texto (e outros tantos não abordados), mas que é
cuidadosamente cultivado pela burguesia através da sua oficialidade social,
pela grande mídia, redes sociais, igrejas, etc. O problema da psicologia de
massas hoje está sob total controle da burguesia – em especial da burguesia neofascista – e é absurdamente ignorado
pela esquerda “revolucionária”, que pensa ter todas as respostas.
O primeiro passo é se apropriar dessa
discussão com urgência e adaptá-lo a debates de formação, a um trabalho de
base, uma agitação e propaganda de longo prazo; o segundo é desenvolver um
método – que hoje não existe – para conseguir desenvolver responsabilidade
social com consciência de classe, levando a que o proletariado, hoje apático e
conformado, passe a ter iniciativa com e para além das direções. Nesse sentido,
há que se levar em consideração que nos momentos de crise a massa humana, pelo
peso da inércia histórica, tende a ir à direita, e não à esquerda, como se
espera. Isso aumenta ainda mais a responsabilidade do elemento consciente de
uma revolução – isto é, de sua direção. Mas o problema é que a repetição de
fórmulas prontas, supostamente leninistas e, em particular, egocêntricas e
apegadas a disputas secundárias e fechadas em si mesmas, não abrem o caminho
para uma nova prática. É necessário combater o espírito de rebanho, presente na
massa humana, e abrir caminho para um novo trabalho de base e uma nova
prática.
O resultado inevitável deste círculo
vicioso é o ressurgimento do petismo como uma suposta “alternativa viável”.
Para romper este eterno retorno ao
ponto de partida do proletariado do país, há que se levar em consideração os
novos avanços científicos – como a psicanálise, por exemplo –, procurar novas
formas organizativas, mais condizentes com a realidade da classe trabalhadora
brasileira e se basear criticamente
nas experiências socialistas do passado, sabendo usa-las como referência, e não
como dogmas.
Os pontos destacados neste artigo dão o
ponta pé inicial para buscar novas explicações acerca do porquê a classe
trabalhadora brasileira ainda acredita em Lula, mas, certamente, não explica
tudo. Toda crítica honesta (e não
ressentida) em contrário será não apenas bem vinda, como necessária para o
avanço da luta por uma sociedade socialista.
Referências
[1]
SOUZA, Jessé. A guerra contra o Brasil. Editora Estação Brasil, Rio de Janeiro,
2020 (página 180).
[2]
Ver: https://conscienciaproletaria.blogspot.com/2021/02/os-meritos-e-os-perigos-do-identitarismo.html
[3]
Citação extraída do Jornal “A verdade”, julho de 2021, nº240, ano 21, página
12. Ver também: https://www.cartacapital.com.br/politica/olivio-dutra-o-pt-se-acomodou-em-um-processo-de-exercer-poder-e-ter-cargo-8104/
e https://gauchazh.clicrbs.com.br/geral/noticia/2014/12/PT-caiu-na-vala-comum-dos-demais-partidos-avalia-Olivio-Dutra-4656630.html
[4]
Ver: https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-02-04/o-que-significam-os-estranhos-elogios-de-lula-a-bolsonaro.html
(grifos nossos).
[5]
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=1Evq2dx1ZNQ&ab_channel=RESISTENTES
(citação de Lula por volta de 1h08min da live).