Concordando
com ele, mesmo parecendo “fora de qualquer propósito”, respondo o seu texto.
Começo afirmando que não deliro, faço críticas políticas muito bem
fundamentadas, tanto que ele, com atraso de um ano quando escrevi “O Fascismo
segundo Reich e Trotsky”, não pôde continuar ignorando. Também não existem
“velhas acusações inquisitórias”. Militamos juntos na LM. Qualquer crítica ou
caracterização que a ele tenha feito ficaram ali sepultadas, jamais as repeti
fora dos seus quadros, como manda os princípios de uma organização. Mesmo
porque já as esqueci e, como estou velho, morrerão comigo. Porque escarafunchar
o passado? A atual polêmica nada tem a ver com isso. Diz respeito
exclusivamente à análise do fascismo, se o mesmo se explica por uma visão
psicologista ou sócio-política.
Eduardo Cambará tornou-se discípulo
acrítico da teoria psicologista de Reich sobre o fascismo, responsabilizando
exclusivamente as massas por ele “que seriam incapazes de liberdade”,
inclusive, o estalinismo também seria culpa sua, (“seria absurdo atribuir a
culpa a Stálin ou a qualquer outro”). Reich a partir de 1933 rompe
progressivamente com toda a teoria marxista, que defendera até então, segundo a
qual a “psicologia é uma ciência auxiliar da sociologia”. Veja EC não distorça,
por “ciência auxiliar” não se entende que o marxismo despreze a psicologia.
Isso está muito claro nas citações que faço de Trotsky e nas minhas próprias.
Jamais ignoramos a importância da psicologia. Outra coisa radicalmente distinta
é explicar o fascismo exclusivamente pela psicologia. Isso é reacionarismo,
mais do que oportunismo. Você diz que foi chamado de oportunista apena por
“querer, conhecer, estudar e desenvolver uma teoria”. Não é assim. Você se
tornou um militante do psicologismo. Diz no seu texto a mim enviado que reconhece
as causas sociais, econômicas e políticas. Claro, mas com atraso de um ano e
apenas em privado. De público, jamais mencionou essas causas.
Naquela plenária você falou uma hora
exclusivamente de psicologia. Apenas após a minha crítica, e por causa dela,
foi obrigado a dizer que não concorda que “as massas sejam incapazes de liberdade”.
Escreveu para mim: “permaneço valorizando a análise das crises econômicas do
capitalismo como elemento decisivo para explicar o fascismo”. Mas “esqueceu”
disso e de outras causas político-sociais no seu informe. Você se defende
dizendo: “... para ruminarmos o que todos nós já sabemos e que ninguém negou:
que não haveria fascismo sem crise do capitalismo .... etc., e um longo etc.”.
Você não negou mas não afirmou. Por omissão passou o pacote reichiano completo.
Também não é verdade que todos saibam dessas causas e que seja supérfluo
mencioná-las. Esse argumento é uma vergonha.
O que diz em privado não conta. Se você
defendesse para a vanguarda o que escreveu pra mim, quem sabe, a minha crítica
seria outra. Você aparentemente mudou porque não pôde ignorar aquela minha
crítica na plenária. Você ignorou o meu texto anterior porque achou que poderia
continuar defendendo impunemente o seu psicologismo radical. Reconhece para mim
os erros de Reich: “nunca afirmei nada semelhante”; “todas as colocações de
Reich abrem profunda ruptura com o pensamento marxista”. No movimento, você
nunca disse isso espontaneamente. Na prática, por omissão, avalizou o Reich
reacionário, que você conhece muito bem e escamoteou, mesmo após o meu texto
citado. Você diz que nunca conciliou com a burguesia. Mas como se chama esse
psicologismo reichiano acrítico?
Mas
mesmo em privado continua defendendo o psicologismo. Se contrapondo ao JB que
diz: “a submissão das massas ao chefe tem causas históricas e não acontecem em
quaisquer circunstâncias. Determiná-las é tarefa da sociologia política e
apenas secundariamente da psicologia”. A isso você responde: “o fascismo é explicado primeiramente pela
crise econômica (não é apenas crise econômica, mas sociologia política) e
apenas secundariamente pela psicologia das massas. Isso é metafísico ...”. “Na
conjuntura brasileira, que levou Bolsonaro ao poder, a psicologia das massas
adquiriu importância fundamental”. E continua Eduardo Cambará: “assim como
também não haveria fascismo se não houvessem mecanismos psicológicos cultivados
na massa”; “um alimenta o outro dialeticamente e não apenas em um sentido. A
submissão da massa ao chefe tem sido a regra, não a exceção”. Claro, em certo momento, condicionadas pelas
causas sociais de longo prazo, a psicologia adquire “importância fundamental”. Mas
você se engana: dialética não é apenas a influência recíproca de certas causas.
Existe uma hierarquia entre essas causas. É a lógica do concreto, as causas e
conseqüências e sua hierarquia devem ser determinadas concretamente. Não basta
uma abstração de causa e efeito.
Uma crise econômica pode ser
desencadeada pela quebra de um banco. Mas as causas profundas são a super
produção. Parte das massas brasileira delegaram a sua sorte ao chefe Bolsonaro,
que lhes vendeu a ilusão de salvador da pátria, anticorrupção, lhes prometeu
segurança. Essa psicologia de submissão, alienada, de fuga da responsabilidade
social foi decisiva. Mas isso não seria determinante se não houvessem outros
fatores políticos e sociais: - a traição de 15 anos do PT, a desorganização que
impede qualquer sentimento coletivo, as derrotas, o conluio do PT com as máfias
burguesas, a campanha orquestrada da Globo, a operação Lava Jato, as ONGs e
suas fake news financiadas pelo imperialismo, o interesse imperialista de
destruir a indústria nacional e a geopolítica imperialista para separar o país
dos BRICs. Apenas nessas condições, as causas psicológicas se impõem e se
tornam decisivas. Você inverte a ordem das causas. Não é verdade que “JB propõe
voltar as costas a esta tarefa teórica e política fundamental”. De nada adianta
o seu método milagroso de denunciar a submissão das massas ao chefe sem atacar
as causas de fundo.
Você quer “buscar as raízes da crise de
direção e a influência da psicologia das massas”. “Podemos desvincular a
traição do PS e PC das massas que lhes sustentavam, como se isso não tivesse
nenhuma ligação com as responsabilidades dessas mesmas massas”. “Porque são
elas que abrem vácuos para que ocorram as traições políticas”; “não se trata de
igualar (o papel das massas e das direções) queremos é estabelecer o papel das
contradições da massa nessa dialética”; “é importante tirar a massa do seu
papel idealizado”. Isso é uma afronta ao marxismo, que jamais idealizou as
massas. Pelo contrário, afirma que a sua ideologia é a ideologia da burguesia e
que o socialismo não é inevitável. Mesmo afirmando o contrário, você, como bom
discípulo de Reich, culpa prioritariamente as massas pela sua submissão. Isso é
semelhante a culpar os pobres pela pobreza, as mulheres pelo estupro e os
negros pelo racismo. Não, “a teoria de Reich não estaria irremediavelmente perdida”,
apenas é preciso colocá-la no seu lugar e a psicologia a serviço da sociologia.
Nem Reich seria inescrupuloso, ele foi vítima ao fim da vida de uma obsessão
impressionista.
O “é preciso recomeçar” de JB, fora do
contexto pode ser preenchido por qualquer absurdo. Significa assimilar o melhor
da experiência do proletariado, das lições das suas derrotas e considerar a sua
psicologia da forma correta. As mentiras de Bannon não triunfarão onde houver
consciência e organização, como Reich, noutro momento, também afirma. Fora
disso não há salvação psicologista milagrosa.
JB
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