"É preciso ensinar ao povo horrorizar-se consigo mesmo,
para insuflar-lhe coragem".
K. Marx
Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel.
Naquele horripilante vídeo de Bolsonaro defendendo a tortura e a ditadura militar que circulou pela internet o que mais assusta não é a afirmação "eu sou favorável à tortura, você sabe disso!", mas precisamente o que segue. Ali podemos constatar, sombria e tardiamente, que ele falava com certo conhecimento de causa. Um conhecimento mais intuitivo do que refletido, é verdade, mas ainda assim um "conhecimento", que é baseado numa "conversa entre inconscientes".
Qual é a sequência da frase? "E o povo é favorável a isso também!". Favorável ao quê? Ora, favorável à tortura! É doloroso constatar isso, mas é uma triste verdade. É claro que atrás desta palavrinha "povo" se põe o que quiser; cabendo mundos e fundos. Inclusive podemos ser imprecisos e, por isso mesmo, injustos. Contudo, Bolsonaro tem razão: grande parte do povo o elegeu e o apoiou, mesmo sabendo de tudo isso. Não podemos dourar a pílula. Se queremos superar o problema temos que tocar na ferida e olhá-la de frente.
Mais adiante, ainda no mesmo vídeo, o entrevistador pergunta: "se você fosse hoje o presidente da República, você fecharia o Congresso Nacional?", ao que o "nosso" fascista responde: "Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia. Não funciona! E eu tenho certeza que, pelo menos, 90% da população ia fazer festa e bater palma".
Como a mídia comercial, as grandes empresas e as "autoridades" não apenas fizeram vistas grossas, mas apoiaram abertamente tal tipo de "liberdade de expressão", o resultado é que através do sadismo, das taras e do ódio descarado, o bolsonarismo soube manipular o lado podre do ser humano, tão bem conhecido por ele, misturando fake news e confusão de conceitos. Já foi dito que "Estes métodos de 'debate' servem perfeitamente para manipular emoções infantis de 'pessoas comuns' e ocultar os níveis de privilégios e exploração do capitalismo imperialista, que se encontra em avançado estado de degeneração. As contradições são muito grandes para não serem percebidas, por isso esta direita se especializou em métodos refinados de distorção da realidade, que misturam 'auto-verdade', pós-modernismo, egotismo e sadomasoquismo"*.
Em contrapartida, a "esquerda" continua com o seu ramerrão político, "explicando" o bolsonarismo meramente como: "um voto de protesto contra o PT". E que protesto!
Que puniram o PT, não restam dúvidas; porém, não estavam simplesmente "punindo" o PT, mas a si mesmos, optando conscientemente pela tortura e pela ditadura militar para atender anseios inconscientes. Ainda sem compreender nada, a "esquerda" segue se autoenganando: "Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos válidos. São 57 milhões de pessoas, na imensa maioria trabalhadores, que votaram em uma saída machista, racista, homofóbica e neoliberal. Mas que fizeram isso não por apoiar estas ideias, mas pensando estar votando contra a corrupção e a violência que assolam a classe trabalhadora e se refletem na morte dos jovens, na insegurança das mulheres e na falta de verba para a saúde e educação".
Que dentre estes 57 milhões existam indivíduos iludidos que votaram em Bolsonaro esperando melhoras até se pode concordar (alguns começam a se manifestar hoje), mas ignorar que a maior parte conhecia declarações, vídeos, reportagens e outras tantas bizarrices de Bolsonaro e, ainda assim, votaram nele (e seguem o defendendo), é porque estão de acordo com uma saída machista, racista, homofóbica, neoliberal, defensora da tortura, da intervenção militar, da subserviência aos EUA e um longo etc. Nesse caso Bolsonaro tem razão: o povo "é favorável"!
É triste constatar isso, mas Bolsonaro conhece o "povo" melhor que a "esquerda". E por que isso acontece? Porque ele leva em consideração uma massa real, cheia de contradições. Não a idealiza, como faz a "esquerda", que a trata como criança, tipo Cristo na cruz: "perdoa-os pai, ela não sabe o que faz!". Se os trabalhadores queriam punir o PT, porque escolheram puni-lo exatamente com a ditadura militar e a tortura? Isto é: por que evoluíram à direita e não à esquerda?
Superar o velho discurso dogmático, repetitivo e estéril é necessário. Existem determinados avanços na ciência ignorados pela "esquerda", como a psicanálise. Temos que aprender a intervir nos fenômenos da psicologia de massas; a politizar as questões da vida cotidiana, a desmascarar as contradições da massa e a tornar as suas perversões, sadomasoquismos e taras do inconsciente coletivo em atividades perfeitamente conscientes! Não podemos idealizar a massa, mas olhá-la de frente e apontar os seus problemas sem medo de ser impopular ou de "perder votos". Isso não é uma tarefa fácil, nem existe receita de bolo. Aliás, é uma tarefa pioneira, que nunca foi tentada em lugar nenhum. Para chegar até as massas ela deve começar por nós, passar pelos nossos "companheiros", pelo atual sindicalismo e militância política que reproduzem o paternalismo e o clientelismo da direita, "protegendo" a massa, como se fossem filhos mimados.
Numa sociedade acostumada a dissimular sentimentos e desvios, chamar as coisas pelo seu nome continua sendo um ato revolucionário. Não tenhamos medo de olhar a massa e a nós mesmos no nosso "espelho profundo". É um primeiro e decisivo passo para procurar uma luz no fim do túnel.
*Ver, neste blog, a postagem de 28 de janeiro de 2019:
http://conscienciaproletaria.blogspot.com/2019/01/quem-esta-por-tras-de-olavo-de-carvalho.html
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