Prólogo:
Nas vésperas das eleições de 2018 que levou ao poder o candidato neofascista, Jair Bolsonaro, foi debatido longamente dentro da oposição sindical, Construção pela Base, uma política eleitoral que expressasse o combate a esta candidatura. Como a massa trabalhadora progressiva estava confusa e apática; e a sua parte reacionária, completamente hipnotizada pelo neofascismo, o único caminho que restou naquela ocasião foi o voto crítico, que é sempre uma tática política muito polêmica e controversa. Refletindo todo esse contexto, o texto abaixo foi redigido em agosto de 2018 e serviu de base para a declaração pública desta corrente sobre as eleições que levariam ao poder o neofascismo.
Por tudo isso e, sobretudo, por conter uma importante exposição sobre o método do voto crítico, segue publicado na íntegra a seguir.
***
A
Construção pela Base se caracteriza por ser uma corrente sindical que se baseia
na perspectiva socialista revolucionária. Este é o seu norte. Por isso, tem
elaborado políticas importantes e conseguido manter a independência em relação
à burocracia sindical (diferentemente da totalidade das correntes sindicais do
CPERS). Em muitos momentos ela conseguiu elaborar uma política para além do
CPERS, inclusive em períodos eleitorais. O debate atual entre o voto crítico versus o voto nulo está inserido neste
contexto.
Pra começar, deve-se dizer que o voto
nulo não é um princípio para os socialistas revolucionários, apenas para o anarquismo.
Porém, se sairmos da perspectiva revolucionária, o “voto crítico” torna-se um
voto acrítico, oportunista e desesperado. Em primeiro lugar, houve (e há) uma
polêmica sobre se devemos defender este tipo de voto publicamente. Alguns
pensam que não, que isso seria se expor demais ou “entrar no jogo”. Outros,
como eu, pensam que enquanto corrente sindical revolucionária que somos,
devemos publicizar nossas posições, uma vez que a entendemos como necessária
para os trabalhadores. A diplomacia secreta só pode nos levar à politicagem
burguesa e à burocratização sindical. Se decidimos defender uma política
devemos levá-la até o fim, publicizando-a, ou renunciar a ela, pois se tal
política necessita ser “escondida”, não merece ser defendida. A cristalização
de uma conduta como esta é o início da renúncia à revolução e o princípio da
adaptação ao sistema. Basta um breve olhar sobre a história (incluso a do PT).
Haveria ainda o argumento de que a nossa corrente sindical não teria condições
e acúmulos para uma política eleitoral que transcenda o CPERS. Contudo, NINGUÉM
defendeu isso, apenas apresentaram-se evasivas sobre votar às escondidas numa
candidatura com peso eleitoral para “derrotar a direita” e se exigiu a nossa
renúncia ao voto nulo.
O aumento do fascismo no Brasil e a sua
possível vitória nas eleições de outubro acendem um sinal de alerta. Debatemos
e chegamos a conclusão que devemos chamar voto crítico em quem tem condições de
vencer eleitoralmente o fascismo. A abertura dessa brecha fez vir à luz uma
série de posições oportunistas EXTREMAMENTE PERIGOSAS, que reforçam as ilusões
eleitorais, na democracia dos ricos, no sistema, numa saída fácil (como se ela
existisse); em síntese: transformam o “voto crítico” num “voto útil” à burguesia,
despolitizado e beirando o senso comum. Isto seria a ruína; seria entrar no
círculo vicioso da democracia burguesa que oscila entre governos “reformistas”
e fascistas-ditatoriais. Há também quem compre todo o discurso da burocracia
sindical do CPERS (em particular o da Helenir) sobre os malefícios do voto
nulo, chegando a afirmar que “devemos abdicar dele pra sempre”. Ora, o voto
nulo é uma tática, tal como o voto crítico. Podemos recorrer a ele ou não. Não
foi o voto nulo que fez a direita vencer em Porto Alegre, no Estado e no país, mas
a política reformista do PT, a sua conciliação e adaptação. O voto nulo jamais
pode ser (e no nosso caso nunca foi) uma tática de passividade, de gerar
ilusões de que “anularíamos as eleições e faríamos novas”. Sempre foi um voto
de rebeldia, pela autonomia, contra a farsa e as mentiras eleitorais e,
principalmente, contra a legitimação desta farsa. Por certo tem consequências,
assim como tudo nessa vida e, também, como o voto útil, que legitima as
eleições, apoia os eleitos e reforça a passividade e as inúmeras ilusões da
classe trabalhadora.
Mas agora, apesar de ter defendido o
voto nulo, compreendo ser possível sim mudar a tática, disputando a consciência
do “voto útil” e do “voto desesperado” da massa, completamente desorientada, procurando
dar uma PERSPECTIVA DE POLITIZAÇÃO PROLETÁRIA. O voto crítico, desde que usado
com sabedoria, seria uma arma pra isso. Porém, existe entre nós quem procure
justificativas inaceitáveis para votar no PT ou no PDT. Não podemos, NEM POR UM
MOMENTO, iludir quem quer que seja que o voto no PT é “melhor” do que na
direita porque o PT tem programas sociais ou “aumenta o salário mínimo”; ou que
“Ciro Gomes sabe como enfrentar a direita e não se identifica com o
anti-petismo” (que é uma das principais bandeiras da direita fascista). Haddad
e Ciro Gomes se equivalem, no essencial, entre si e não podem ser embelezados;
e, no fundo, POSSUEM O MESMO PROGRAMA QUE A DIREITA, embora em um ritmo mais
lento. Isto seria cair no oportunismo mais rasteiro; seria tocar fora as
experiências da classe trabalhadora com esses governos; fazer troça da nossa
própria luta em nome do caminho mais fácil.
O voto crítico deve ser claro: votamos
no PT porque defendemos as liberdades democráticas mínimas contra o fascismo;
porque é um dos únicos que tem peso eleitoral neste momento para deter este
avanço. E complementar: NÃO TEMOS A MENOR ILUSÃO NOS GOVERNOS DO PT, pois estes
foram instrumentos dos bancos e das grandes empresas e CONTROLAM COM MÃOS DE
FERRO O MOVIMENTO SINDICAL; e concluir: damos este voto crítico agora para
derrotar o fascismo que nos ameaça, MAS ESTAREMOS NA LINHA DE FRENTE PARA
COMBATER OS SEUS GOVERNOS, CASO SEJAM ELEITOS.
Não há outro voto crítico além deste. O
resto é apoio oportunista que só vai gerar novas e piores ilusões! O mesmo
poderia ser adaptado e dito sobre um eventual voto crítico em Ciro Gomes,
embora eu, particularmente, seja avesso à ideia de apoiá-lo, pois não podemos
nos basear apenas em pesquisas e os votos de Lula tendem a se deslocar para
Haddad ao longo da campanha, além de Ciro não ter sido derrubado pela direita
e, em muitos casos, fazer coro com o seu discurso anti-petista (que atinge toda
a esquerda).
Muitos camaradas ainda sustentam os seus
argumentos afirmando que “a revolução está muito longe” e que agora devemos
“trabalhar com o que se tem”. Este argumento seria correto se não ignorasse que
ao se defender qualquer política se renuncia de vez à revolução, lançando-a
para um futuro indeterminado. O nosso norte deve continuar sendo a revolução,
que é a nossa estratégia principal. As táticas precisam estar em harmonia com
essa estratégia e não em oposição. O “voto crítico” de alguns camaradas está em
franca contradição com a perspectiva da revolução.
A Construção pela Base está numa
encruzilhada. Talvez haja vontade inconsciente de abandonar o caminho
revolucionário, que é sempre mais criterioso, exigente, inconciliável, pelo
caminho dos interesses e dos medos pessoais, mais palpáveis, concretos e
reconfortantes. Nesse sentido, a Construção pela Base perderia a razão de ser.
Dentro em breve perderia sua independência e a sua política sindical
tornaria-se tão senso comum quanto qualquer outra. Continuo pensando que o
caminho revolucionário, trilhado com firmeza e serenidade, é o único que pode
nos ajudar a compreender e superar a barbárie social criada todos os dias pelo
capitalismo e pela sua “democracia”. Renunciar a ele não é uma decisão muito
inteligente e seria o mesmo que jogar a bússola no mar em meio a uma tempestade.
Com minhas melhores saudações
Eduardo Cambará
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