As recentes explosões de revolta popular no Equador e no Chile são uma justa reação contra os projetos do capitalismo imperialista de ajuste fiscal em nome do sistema financeiro. Para manter o alto nível de vida da burguesia internacional e dos países do centro do mercado mundial, se retiram recursos e vida dos países da periferia. No Equador, o problema foi o fim dos subsídios estatais aos combustíveis, fazendo o preço de todos os produtos dispararem. No Chile, a gota d'água foi, como no Brasil de 2013, o aumento do transporte público, que desnudou os estragos causados na vida de milhões de chilenos os anos de austeridade neoliberal. Vários mitos burgueses e neoliberais explodiram junto com essas revoltas.
Todos os trabalhadores latino americanos e do mundo olham com simpatia, esperança e apreensão para estes protestos. Eles nos representam pela intensidade com que aconteceram e acontecem. Contudo, há um problema que os trabalhadores conscientes precisam debater: o espontaneísmo! Todas as grandes manifestações de Quito e de Santiago demonstraram grande empenho em manter-se nas ruas. Junto com este empenho, destaca-se a repulsa aos partidos e à institucionalidade.
Por um lado, é extremamente positiva tal repulsa, pois significa o repúdio inconsciente e confuso à institucionalidade burguesa; isto é, capitalista. Percebem que o problema são os ricos e a sua politicagem. Por outro, esta raiva contida e descarregada agora não apresenta nenhuma alternativa. O resultado provável é que a burguesia recuará (tal como fez Lenín Moreno no Equador, retirando o pacote de ajuste, e Piñera no Chile, com a anulação do aumento das tarifas) para se reorganizar e mudar de tática. Porém, a exploração e a sociedade burguesa continuarão.
A maioria esmagadora da "esquerda" é refém e admiradora do espontaneísmo. Acha que o quebra-quebra — justo e compreensível — por si mesmo basta. No início do século XX as grandes manifestações proletárias da Europa, que também eram espontâneas, cujo ápice se deu na Revolução Russa de 1917, apontaram os sovietes (i.e.: os conselhos populares como alternativa de administração social). O que as manifestações de 2013 no Brasil e de 2019 no Equador e no Chile apontam? O descontentamento com os planos de ajuste fiscal do capitalismo imperialista. Ok! Já compreendemos. E além disso?
No Equador se percebe uma forte tendência ao reformismo, com a possibilidade de reapresentar Rafael Correa como candidato para uma eleição antecipada. E no Chile? E se tivermos novas jornadas de junho no Brasil, o que fazer? Preparar o terreno, por medo de ousar, para a direita neofascista ou para o reformismo? O fato é que, apesar da alegria e da esperança de vermos um povo se sublevar contra a injustiça e a opressão, o espontaneísmo não oferece alternativas além do sistema. Aí faz falta o papel consciente: a organização política, o que costuma-se chamar na literatura marxista de partido revolucionário ou de direção revolucionária.
Certamente dirão que os trabalhadores rechaçam os partidos porque estes os traem. De acordo; porém, trata-se dos partidos burgueses (ou reformistas, que são, também, burgueses). Pensemos "partido" em um sentido mais amplo: que não priorize as eleições, que signifique formação política e teórica; e, sobretudo, que apresente e sustente um programa revolucionário. Por exemplo: foi-se o tempo em que os conselhos populares surgiam espontaneamente. Provavelmente esta seja uma das principais tarefas de um "partido revolucionário" (substituam por movimento revolucionário, se preferirem). Há que se dizer, forçosamente, que não existe talismã contra degeneração: é imprescindível tentar! São muitas forças, atores e fatores sociais envolvidos. Mas pra isso, é necessário ousadia e não temer o novo.
Organizar a espontaneidade não é fácil! Soa como autoritarismo, como imposição ou mesmo oportunismo. Mas, na difícil conjuntura que vivemos, é justamente isso que estes protestos latino americanos carecem: organização, coordenação, formação, perspectiva socialista... Isso não significa de modo algum sufocar as reivindicações e a legítima indignação espontânea, porém, nem só de quebra-quebra podem viver os protestos de rua. Isso tende a se tornar uma catarse, contida pela escalada autoritária do militarismo neofascista e, posteriormente, pelas ilusões reformistas. Quais alternativas para além do ajuste fiscal e do capitalismo?; que formas de organização social estão apontadas ou se pode propor para a América Latina para além das revoltas populares contra pacotes neoliberais? Como organizar e dar uma direção revolucionária a eles?
Estas questões — que são omitidas ou traídas pela "esquerda" — precisam ser debatidas e respondidas para sairmos deste círculo vicioso de dominação autoritária burguesa, sublevações populares e governos reformistas, sob pena de nos tornarmos refém dele.
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