quarta-feira, 26 de junho de 2019

Robaina desfigura o trotskismo

Tivemos a oportunidade de desmascarar o “marxismo” do dirigente do MES (PSOL), Roberto Robaina, num artigo anterior, onde desvendamos suas reais intenções políticas nas eleições presidenciais de 2010 (vide: O “marxismo” de Robaina) escondidas sob uma fraseologia falsamente marxista. Agora, frente às rebeliões do mundo árabe, Robaina ataca novamente de teórico “marxista”. No seu artigo intitulado “Sobre a revolução russa, a teoria da revolução permanente e a situação atual”, redigido a partir de uma intervenção na escola de quadros do MES/PSOL-RS, Robaina desfigura completamente a teoria da Revolução Permanente, de Trotsky, para justificar a posição do MES de apoio às supostas “revoluções do mundo árabe”.

Esta extensa intervenção de Robaina é uma espécie de reedição do curso que deu Moreno para a juventude do MAS em 1984, na Argentina, e cujo resultado final foi publicado no livro “Escola de Quadro”. Caracteriza-se por não desenvolver nenhuma questão seriamente e até o fim. Centraremos a nossa crítica nos pontos essenciais, confrontando-os com o que diz Lênin e Trotsky. Diferente dos demais morenistas que não assumem abertamente as posições revisionistas de Moreno, o dirigente do MES procura sustentá-las, incorrendo em contradições a cada instante e falsificando Lênin e Trotsky.


A ditadura democrática dos operários e camponeses e a revolução permanente
Robaina começa expondo as divergências teóricas entre os marxistas russos do início do século 20. Diz, corretamente, que todas as frações sociais-democratas da época – bolcheviques, mencheviques e Trotsky – consideravam a revolução russa como uma revolução democrático-burguesa. No entanto, a justeza da análise termina aí. A partir deste ponto começam as distorções, escondidas num texto obscuro e contraditório. A falta de clareza – nos diria Lênin – é uma característica do oportunismo. Na exposição das ideias de Lênin antes da revolução de 1917, Robaina nos diz que a preocupação do líder bolchevique – uma vez que caracterizava a revolução como “democrático-burguesa” – era “desenvolver o capitalismo por duas vias”: uma, através de um acordo com os latifundiários; e a outra, através das pequenas propriedades rurais. As principais preocupações de Lênin, expressas nas resoluções da conferência bolchevique de 1905, estavam ligadas à conquista do poder pelos operários e camponeses através de uma insurreição popular, contra a burguesia liberal e os latifundiários e não em “acordo com eles” como falsifica Robaina – única forma de cumprir as tarefas da revolução democrática. As premissas de Lênin eram as mesmas de Trotsky: lutar por um governo operário e camponês que cumprisse as tarefas que a burguesia não iria mais cumprir, tais como: a queda da monarquia, a proclamação da república “democrática”, a expropriação do latifúndio semi-feudal. Uma vez que a burguesia liberal russa mantinha laços com o czarismo, com os latifundiários e com a burguesia imperialista, lhe era impossível cumprir tais tarefas. A única diferença entre Lênin e Trotsky era sobre a composição do governo operário e camponês. Para Trotsky, os operários deveriam ter a hegemonia política. Até 1917 Lênin deixou esta questão sem resposta. As Teses de abril, apresentadas durante a revolução, trataram de resolver a polêmica, admitindo Lênin a Ditadura do Proletariado.

Ao contrário disso, o dirigente do MES nos diz: “O Trotsky elaborou outra teoria. Ele disse: esse plano do Lênin não vai dar. Se de fato ele está certo e a batalha é pra ter uma revolução cujo sujeito social é o proletariado e os camponeses, e o proletariado terá um dinamismo e um protagonismo grande, de sujeito político dominante, os proletários não aceitarão derrotar o czarismo, assumir o governo e aceitar que os patrões sigam explorando os trabalhadores nas fábricas. Ele dizia que iria ter uma dinâmica de controle operário e de expropriação da burguesia. Isso ele escreve em 1905, no livro Balanço e Perspectivas. Então o Trotsky fazia a ligação de que a revolução é democrática burguesa, mas se transforma em socialista, ela é permanente. É daí que vem a tese da revolução permanente do Trotsky, que ele começou a desenvolver em 1905 mas o que o Lênin nunca concordou, sempre achou que era meio delirante”. Esta citação, quase 100 anos depois de transcorrida estas polêmicas, visa opor de uma forma distorcida – bem como tentaram os stalinistas – a posição de Lênin à de Trotsky.

Vejamos o que diz Trotsky sobre o mesmo assunto: “Se se examinassem as minhas antigas divergências com Lênin à luz de uma justa perspectiva histórica, e não através de citações destacadas à vontade e ao acaso, seria muito fácil compreender qual era, pelo menos pra mim, o ponto principal da discussão. Não se tratava, então, de saber se a Rússia estava realmente em face de tarefas democráticas que exigiam métodos revolucionários para a sua realização, ou se a aliança dos camponeses com o proletariado era indispensável para esse fim. Tratava-se de definir que forma política de partido e de Estado poderia tomar a colaboração revolucionária do proletariado e do campesinato, e que conseqüências adviriam para a revolução. (...) enquanto Lênin, partindo sempre do papel dirigente do proletariado, insistia sobre a necessidade da colaboração revolucionária e democrática dos operários e dos camponeses, ensinando-nos a todos essa verdade, eu, partindo sempre dessa colaboração, insistia sobre a necessidade da direção proletária, tanto no bloco das duas classes quanto no governo chamado a pôr-se à frente desse bloco. Eis tudo. Não se pode achar outra diferença” (A Revolução Permanente – Leon Trotsky).

Vejamos agora, como Lênin se referia à teoria da Revolução Permanente, de Trotsky: “Antes da revolução de 1905, Trotsky formulou uma teoria original e particularmente significativa hoje, a teoria da revolução permanente, segundo a qual a revolução burguesa de 1905 se transformaria diretamente numa revolução socialista que seria a primeira na série das revoluções nacionais” (Obras completas, volume XIV – Lênin).

O velho militante bolchevique, Adolf Ioffe, perseguido pelo stalinismo, deixou uma carta testamento à Trotsky, em que afirmava: “Várias vezes já lhe disse que Lênin me afirmara que, em 1905, não era ele quem estava certo, mas você”. Vemos então, como a afirmação de que “Lênin nunca concordou e que achava delirante” a teoria da Revolução Permanente não passa de uma fraude. O propósito dessa falsificação é – a pretexto de apoiar a proposta algébrica de Lênin pré-1917, ou seja, a ditadura democrática dos operários e dos camponeses – defender na atualidade a democracia burguesa.

Robaina opõe de forma absoluta a fórmula de Lênin à de Trotsky, que seria “outra teoria”. Colocada dessa forma isso não é verdade. As duas teorias concordavam no fundamental: a aliança dos operários e dos camponeses pobres contra a burguesia liberal. Diferiam apenas na forma política da ditadura, para Trotsky seria a ditadura do proletariado apoiado nos camponeses, para Lênin seria a ditadura dos operários e dos camponeses, sem definir a preponderância de uma classe sobre outraLênin, após 1905, nos diz: “A fórmula escolhida pelos bolcheviques é esta: ‘o proletariado conduzindo atrás de si os camponeses’. Não é evidente que o pensamento de todas essas fórmulas continua a ser o mesmo? Que ele traduz precisamente a ditadura do proletariado e dos camponeses? Que a fórmula o proletariado apoiado nos camponeses continua inteiramente nos quadros da mesma ditadura do proletariado e dos camponeses?”. Trotsky comenta esta citação: “Aqui Lênin interpreta sua fórmula algébrica de um modo que exclui a idéia de um partido camponês independente e do seu papel predominante no governo revolucionário: o proletariado conduz os camponeses, o proletariado apóia-se nos camponeses e, por conseguinte, o poder revolucionário concentra-se nas mãos do partido proletário. E era justamente nisso que consistia o ponto essencial da teoria da revolução permanente” (A Revolução Permanente – Leon Trotsky).

Vejamos como Trotsky entendia a possibilidade da revolução democrática passar “automaticamente” para a revolução socialista: “Entre o programa mínimo e o programa máximo, estabelece-se, assim, uma continuidade revolucionária. Não se trata de um só golpe, nem de um dia ou de um mês, mas de toda uma época histórica, cuja duração seria absurdo definir de antemão” (Idem).


A negação do partido revolucionário e as revoluções “objetivamente socialistas”
Robaina reafirma as teses revisionistas de Moreno, que desfiguram a Revolução Permanente, nega a necessidade do partido e relativiza a importância do proletariado como sujeito social e distorce a posição de Lênin. Vejam: “O Moreno se apoiou no Preobrazensky para desenvolver outra teoria. O Preobrazensky diz ao Trotsky: Está errado dizer que tem que ser o proletariado, tem que te abrir, estamos a recém conhecendo o oriente. O Preobrazensky estava discutindo a China. E comprovou que nisso o Trotsky errou totalmente. O Moreno agarrou isso. A China foi uma revolução cujo sujeito social principal foi o campesinato, mas o sujeito político na revolução chinesa foi uma tendência camponesa revolucionária que surgiu dentro do PC chinês encabeçada pelo Mao que através de um processo de guerra prolongada, que combinou com lutas na cidade, levou  a uma revolução vitoriosa que expropriou a burguesia. Ou seja, não foi como disse o Trotsky nas tesesNem o sujeito social foi o proletariadonem o sujeito político foi o partido bolchevique revolucionário” (grifos nossos). E Robaina conclui: “Eu concordo com o Moreno, o mundo do século XX demonstrou que pra que haja uma revolução que chega à estação da expropriação da burguesia não precisa partido revolucionário, e não necessariamente é o proletariado o sujeito social mais importante. A tese do Moreno foi confirmada [aonde, quando?] e ela é fundamental [para quê?]. Mesmo assim nosso objetivo é seguir lutando pelo que o Trotsky defendeu, ou seja, o proletariado como sujeito social e o partido revolucionário comunista como sujeito político” (Idem – grifos e adendos entre colchetes nossos).

Robaina concorda com a Tese de Moreno contra Trotsky (de que é dispensável o partido revolucionário e o proletariado como sujeito social), diz que este errou completamente e ao mesmo tempo afirma “seguir lutando pelo que Trotsky defendeu”. É impossível compreender essa contradição, esse duplo discurso próprio do oportunismo que tenta mascarar as suas posições revisionistas de negação do partido e do papel do proletariado. A verdade é o inverso. A realidade demonstrou que a posição de Trotsky foi confirmada pela História. Como regra é impossível a revolução socialista sem partido e sem o proletariado como sujeito social. As exceções Trotsky mesmo previu no Programa de Transição. Mas Moreno e Robaina transformaram a exceção em regra e por isso causam um dano profundo à causa do socialismo, com o seu revisionismo charlatão. Moreno e Robaina concordam com Preobrajensky porque este defende a mesma posição que os dois: a ditadura democrática dos operários e camponeses como etapa anterior e diferente da ditadura do proletariado. Robaina não sustenta o porquê Preobrajensky acertou e Trotsky errou. E isto não é por acaso! Moreno disse, no Escola de Quadros, que “a discussão com Preobrajensky coloca que Trotsky é muito esquemático quando diz que o sujeito social só pode ser a classe operária”. O esquematismo de Trotsky está baseado na rigorosidade científica da teoria da Revolução Permanente. Rigorosidade esta da qual Moreno e Robaina querem se ver livres para poder sustentar a “revolução democrática”. Robaina se utiliza das revisões de Moreno para sustentar a mesma posição, mesmo vendo que as chamadas “revoluções” de hoje – como Egito, Tunísia, etc. – não expropriaram a burguesia. E nem sequer apontaram pra isso, uma vez que não contavam com um partido revolucionário. Portanto, quem errou não foi Trotsky, mas Moreno.

Robaina se apóia na compreensão morenista de que levantar as bandeiras democráticas nos países atrasados, como Egito e Tunísia, leva “automática” e “objetivamente ao socialismo”. Por exemplo: derrubar uma ditadura já seria uma tarefa socialista, mesmo sem partido e sem bandeiras socialistas como a expropriação da burguesia e o controle operário. Vejamos o que diz Robaina: “Trotski diz: a revolução democrática burguesa não tem como ser só democrática burguesa por que as tarefas acabam sendo socialistas [como e por que, Robaina não nos diz!]. Mas ele agrega que tem que ter o partido e que o sujeito social é o proletariado. Para o Trotsky não existe revolução democrático burguesa que se transforma em socialista sem o proletariado como sujeito social.(...) É o que Trotsky disse para a China: unificação [nacional] leva ao socialismo[aonde ele disse isso?] (...) O Trotsky tocou nisso e o Moreno generalizou. Trotsky disse: se ataca o latifúndio e se unifica o país já vai ao socialismo [insistimos: aonde foi dito isso?]. E Moreno disse é isso mesmo: para expropriar não precisa de direção socialista, nem do proletariado como sujeito social [isso é verdade! Moreno faz esta revisão profunda no livro Escola de Quadros, só que em nome de uma pretensa “atualização do trotskismo”]. Fez a definição dele e aplicou como exemplo a China” (Idem – R. Robaina – grifos e adendos entre colchetes nossos).

Vejamos agora o que diz Trotsky em suas cartas à Preobrajesky: “a revolução chinesa (a terceira) terá de lançar-se contra o kulak [camponês rico] nas suas primeiras etapas; terá de expropriar as concessões dos capitalistas estrangeiros porque sem isso não pode haver unificação na China no sentido de uma soberania estatal genuína no terreno da economia e da política. (...) O mais provável é que expropriemos todas as fábricas nos primeiros momentos da ‘terceira revolução chinesa’. (...) a unificação nacional da China e sua soberania econômica significam a emancipação do imperialismo mundial, para o qual a China segue sendo a válvula de escape mais importante contra o colapso do capitalismo europeu e amanhã do capitalismo norte-americano. A solução do problema agrário na China, sem unificação nacional e autonomia tarifária (em essência, o monopólio do comércio exterior), não abre nenhum caminho nem perspectiva para o país” (3ª carta de Trotsky à Probrajensky). Aqui vemos como existe um abismo entre as duas concepções e como Robaina falsifica Trotsky. Para este, a autêntica unificação nacional da China somente seria conquistada com a expropriação da burguesia, do grande capital e a instauração do monopólio do comércio exterior, isto é, através da ditadura do proletariado. Para o morenismo basta que haja unificação nacional (uma tarefa democrático-burguesa) para que haja socialismo, sem partido revolucionário e sem ditadura do proletariado. A ditadura da burguesia, segundo Robaina e o morenismo, se transformaria em ditadura do proletariado de forma evolutiva, sem revolução, como propunha Berstein. A História não confirmou esse evolucionismo. Trotsky diz claramente que é necessário a expropriação do grande capital e o monopólio do comércio exterior: tarefas que só um partido revolucionário e a ditadura do proletariado pode cumprir.

“Então se a tese do Trotsky está certa – continua Robaina –, e para expropriar a burguesia o sujeito social é o proletariado e a direção é o partido comunista revolucionário, logo o PC chinês é a continuidade do bolchevismo, o castrismo é a continuidade do bolchevismo, o estalinismo é a continuidade, por que expropriou em vários países”. Como todo oportunista, Robaina se utiliza da metafísica. Associa mecanicamente “expropriação” com “bolchevismo”. É certo que o bolchevismo defende a expropriação da burguesia, mas a defende através do controle operário e dos seus organismos sob direção de um partido marxista, coisas que não aconteceram nem na China, nem em Cuba e nem no Leste Europeu; além disso, o bolchevismo é intransigentemente internacionalista – a principal característica do proletariado –, enquanto que essas três vertentes são rigorosamente nacionalistas – uma diferença abismal. Robaina faz coro com os ideólogos burgueses mais reacionários que querem associar a idéia de bolchevismo com as ditaduras burocráticas.

As experiências citadas por Robaina confirmam pela negativa Trotsky, uma vez que todas essas direções pequeno burguesas tiveram que romper com a burguesia para concretizar as suas tarefas democráticas (na China, de Mao, foi necessário expropriar a burguesia para haver unificação, tal como apontou Trotsky; mesmo que Mao tivesse hesitado inúmeras vezes), mas, no entanto, instauraram uma ditadura burocrática nacionalista, o que caracterizamos como um estado operário degenerado. Trotsky diz no Programa de Transição que, “sob a influência de uma combinação de circunstâncias excepcionais” os partidos pequeno-burgueses, incluído os stalinistas, podem se ver forçados a romper com a burguesia. Robaina desconsidera estas “circunstâncias excepcionais” e, como Moreno, as transforma em regra. Quais eram as condições em que se deram as expropriações em Cuba, na China e nos países do Leste Europeu? As condições eram a de um poderoso ascenso da classe operária mundial pós Segunda Guerra Mundial. As revoluções cubana e chinesa, mesmo que não tenham sido dirigidas por um partido revolucionário e pelos conselhos operários, estavam sob a influência ideológica e política deste ascenso do proletariado mundial, e da própria existência objetiva da URSS (fatores que não existem hoje). Faltou o partido trotskista para criar os conselhos operários, isto é, garantir a democracia proletária revolucionária, e instaurar a ditadura do proletariado. Por isso Trotsky não errou, mas acertou, dizendo que estes governos operários e camponeses representariam “um curto episódio em direção à ditadura do proletariado”. Por serem partidos de caráter nacionalista e pequeno-burguês, não foram conseqüentes na condução do Estado Operário e terminaram por levar à restauração do capitalismo. Vimos isso nos três exemplos citados por Robaina. No Leste Europeu temos outro processo, onde a burocracia stalinista fez uma expropriação “de cima pra baixo”, militarizada e diretamente controlada por Moscou. Esta expropriação foi de caráter defensivo – de defesa das fronteiras – e geopolítico – aumentar sua influência e poder de barganha. Foi o resultado de uma partilha com o imperialismo. Igualar a expropriação stalinista com a bolchevista é insustentável e uma falsificação. É o assassinato do trotskismo em “nome do trotskismo”. É por isso que Trotsky disse que “aqueles que identificam o heroísmo revolucionário dos bolcheviques com o cinismo burocrático dos termidorianos inspiram somente desprezo. (...) Está claro que na identificação do stalinismo com o bolchevismo não existe nem vestígios de critério socialista” (Bolchevismo e Stalinismo – Leon Trotsky).

Robaina, seguindo os passos de Moreno, falsifica Lênin e Trotsky: “Então o Moreno definiu que a dinâmica do enfrentamento levaria a expropriação mesmo que as direções não quisessem, mesmo que o proletariado não fosse o sujeito social”. Porque então, mesmo não havendo expropriação no Egito e na Tunísia, mesmo assim os morenistas – incluído, Robaina – as classificam como revoluções democráticas? Mais uma vez a experiência que está em curso no norte da África, confirma Trotsky e desmente Moreno. As experiências egípcias e tunisiana não avançaram um centímetro além do regime burguês; além disso, as tarefas “democráticas não se transformaram em socialistas”, como preconiza o morenismo. O sujeito social que desencadeou as mobilizações foi o proletariado, mas a ausência de um partido revolucionário impediu a vitória dos trabalhadores. Podemos dizer, seguramente, que transformará a “vitória da revolução democrática” dos morenistas – ou “vitória parcial”, como disfarçam alguns – numa derrota.

Por fim, Robaina chega onde queria: “Então, se não há outubro, quer dizer que os processos vai ser sempre totalmente congelados quase que na hora? Não pode se produzir fenômenos novos, que mesmo sem ser outubro são mais do que fevereiros, mais do que os fevereiros que no máximo dão novos governos contra-revolucionários? Creio que não. Regimes intermediários são possíveis. Seria o caso teórico da ditadura democrática do proletariado e do campesinato que Lênin defendeu em 1905. Ou mais prosaico, o regime bolivariano(...) Agora tem outra questão: nós sabemos separar a existência de regimes intermediários. Trotsky disse que não havia. Este é uma das teses da permanente: não há regime intermediário entre o bolchevismo e o kerenkismo. E nisso Trotsky errou feio[por que?]. Regimes que não são como o Kerenski e que não são a ditadura revolucionária do proletariado podem sim existir. Nós sabemos separar. Existem regimes intermediáriosO chavismo é um deles. Não é kerenkismo” (Idem – grifos e comentários nossos). Robaina, ao contrário dos demais morenistas, teve a desfaçatez de assumir esta profunda revisão. O regime de Chávez seria um regime intermediário entre a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado? É evidente que não. Basta olhar a posição pró-Kadafi tomada por Chávez, além do seu namoro com as petroleiras imperialistas, que exploram livremente o povo venezuelano. O governo Chávez é um governo burguês, nacionalista na aparência, e totalmente entreguista no conteúdo; a sua retórica pseudo-socialista acaba sendo utilizada como álibi pelo MES, para apoiá-lo politicamente. Uma vergonha!

Trotsky disse, nas suas Lições de Outubro, que “não significa que a Revolução russa tivesse necessariamente que trilhar o caminho que na realidade veio a tomar de Fevereiro à Outubro de 1917. A marcha da Revolução poderia ter sido diferente nas mesmas bases de classe (...). Aí está porque Lênin, logo de início, combateu a antiga palavra de ordem 'ditadura democrática do proletariado e do campesinato', que significava, nas novas condições, a transformação do Partido Bolchevique em esquerda do bloco defensista. É preciso orientarmo-nos não pelas velhas fórmulas teóricas mas pela nova realidade” (As Lições de Outubro – Leon Trotsky, grifos nossos). Robaina e os morenistas transformam a Revolução de Fevereiro – este “miserável aborto”, nas palavras de Trotsky – num objetivo político. E, com mais razão ainda, podemos chamar de “miserável aborto” não só o chavizmo na Venezuela, como também os “novos” regimes de Tunísia e Egito.

Reafirmamos a atualidade das lições deixadas por Lênin e Trotsky às novas gerações de revolucionários. Rechaçamos o morenismo como um desvio irreversível. Convidamos os ativistas honestos a lerem os clássicos marxistas e os comparar com a teoria morenista. Convidamos a que se somem nessa luta imprescindível para construir um autêntico partido marxista. A seguinte citação de Lênin, do livro Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, é esclarecedora: “em tempos futuros, quando tiver terminado a luta contra a autocracia russa, quando a revolução democrática já for coisa do passado, será realmente ridículo falar na ‘unidade da vontade’, do proletariado e dos camponeses, na ditadura democrática, etc. Já pensaremos de um modo imediato na ditadura socialista do proletariado e falaremos dela de um modo mais detalhado”.

Essa esquerda oportunista se prende a um passado já caduco, requenta velhas fórmulas pra justificar sua política conciliadora, pretensamente em nome do “trotskismo”. Separar as tarefas democráticas, em pleno século 21, das tarefas socialistas – ou atribuir às tarefas democráticas qualidades socialistas por si mesmas – é ser um lacaio da burguesia, um renegado. É por causa deste obscurantismo teórico e da prática oportunista eleitoreira do MES que a Gerdau, Zaffari, Taurus, dentre outros, lhe financiam. Muito nos preocupa os “quadros políticos” que serão formados nessa escola. A nova realidade confirma o que disse Lênin: as tarefas socialistas adquirem, hoje, preponderância nos processos revolucionários. Mas isso não significa que as tarefas socialistas serão realizadas “objetivamente” apenas se levantando bandeiras democráticas, como quer Robaina e o morenismo. É preciso o partido marxista e o programa revolucionário para alcançar a ditadura do proletariado: única e verdadeira vitória dos trabalhadores!

O economicismo e a revolução por etapas no século 21
Cada frase do texto de Robaina expressa um revisionismo da pior espécie, sem nenhum escrúpulo ou princípio. Tentamos refutar apenas o essencial do texto de Robaina; muito mais poderia ser dito. E que show de horror político e teórico! O “trotskismo” de Robaina não passa de um charlatanismo, utilizado para justificar o seu cretinismo eleitoreiro, o apoio à Chávez, o economicismo mais rasteiro no campo sindical, o financiamento da burguesia, etc. O morenismo é o economicismo do século 21, a revolução por etapas, o evolucionismo social-democrata! Mais desonesto que os economicistas russos e disfarçado por uma carcaça “marxista”, o morenismo, assim como faziam os economicistas, oculta em seu interior um espontaneísmo da pior estirpe: defende que as explosões espontâneas, inconscientes e desorganizadas dos trabalhadores – como as rebeliões do norte da África – são “revoluções vitoriosas”; pior: transforma isso num “objetivo”. É a nova forma de dizer: o movimento é tudo! O partido, o programa e a ditadura do proletariado, nada!

O partido bolchevique só pôde formar-se, no início do século 20, sob o cadáver político dos economicistas e do chauvinismo social-democrata; o partido marxista do início do século 21 só poderá se constituir num combate mortal à teoria da “revolução democrática” das correntes ditas “trotskistas” – dentre elas, a morenista. Relembramos as palavras de Lênin que readquirem urgente atualidade: “só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado” (O Estado e a Revolução – Lênin).

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