domingo, 30 de junho de 2019

A operação Lava-Jato é a maior fraude no combate à corrupção

As recentes escutas dos chefes da operação Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept, trazem a público o que já era bastante evidente: o juiz Sérgio Moro esteve o tempo todo tramando contra o alto escalão do governo anterior, não respondendo a nenhum anseio popular de combate à corrupção. As sentenças eram seletivas e visavam claros fins políticos de assalto ao poder.
Tudo isso acabou ficando parcialmente obscurecido porque a operação Lava Jato teve uma patrocinadora privilegiada: a Rede Globo, que divulgou aos quatro cantos que se tratava "do maior esquema de corrupção da nossa história". Este slogan, repetidos à exaustão em vários meios de comunicação, serviu para preparar a opinião pública para a derrubada dos governos do PT e pavimentar a ascensão de um governo que tivesse as condições ideais para aplicar um plano de retirada de direitos dos trabalhadores sem precedentes.
Sabemos de todos os problemas de corrupção e de alianças dos governos petistas, mas sabemos também que não foram eles que inventaram a corrupção no Brasil. Além disso, este falso slogan serve perfeitamente para esconder os maiores esquemas de corrupção legalizados: a especulação financeira e o sistema da dívida pública, que destinam trilhões para os banqueiros e grandes empresários, comprometendo os serviços públicos, a metade do orçamento federal e as condições de vida básica de toda a população do país. Além disso, a operação Lava-Jato serviu para desmantelar setores estratégicos da economia brasileira, que passaram a ser controlados direta ou indiretamente pelo imperialismo estadunidense (construção civil, refinarias de petróleo, estaleiros, frigoríficos, indústria aeronáutica, etc.) O que restou de um projeto "nacional desenvolvimentista" novamente foi arrasado pela raiz, com atuação central da operação Lava Jato e da grande mídia burguesa.
As centrais sindicais, os partidos de "esquerda" (sobretudo o PT, o principal acusado na Lava Jato) e os movimentos sociais deveriam desencadear uma campanha de denúncias de toda esta estrutura, bem como sobre o papel da Lava-Jato no suposto combate à corrupção. Mas fazem exatamente o oposto: elogiam esta operação e a justiça burguesa, que remonta aos privilégios do período imperial. Temem à morte desagradar a institucionalidade burguesa e romper com a opinião pública reacionária. Por isso se tornam cúmplices deste teatro nefasto.
A operação Lava Jato não combate nenhuma corrupção. Ao contrário: serviu perfeitamente para esconder as corrupções legalizadas e defender a destruição do que restava da economia nacional, entregando tudo de bandeja para o mercado financeiro, a especulação monetária e o imperialismo. O "arauto do combate a corrupção", Sérgio Moro, está nu para quem tiver coragem e honestidade para ver. A despeito daqueles bolsonaristas que tampam os olhos para não olhar o que lhe é inconveniente, o fato é que a operação Lava-Jato pavimentou o caminho para o neofascismo no Brasil, que tem a finalidade de manter o capitalismo periférico e em crise no nosso país. Foi pra isso que ela foi montada e mantida até hoje.

Escrito para a página Ação Anti-Fascista Porto Alegre e Região

quarta-feira, 26 de junho de 2019

O "marxismo" de Roberto Robaina

Prefácio
Os textos abaixo foram publicados pela Luta Marxista entre 2010 e 2011 visando demonstrar o verdadeiro papel político e teórico do Movimento de Esquerda Socialista (MES), uma das correntes internas do PSOL mais à direita, da qual fazem parte Roberto Robaina, Luciana Genro e vários parlamentares deste partido. As posições eleitorais de Robaina e do MES se constituem numa escandalosa ruptura com qualquer vestígio de marxismo, bem como suas "interpretações" teóricas de Lenin e Trotsky, as quais foram ensinadas à juventude do MES em diversos cursos de "formação" (na verdade, deformação teórica).

Seguindo a velha tradição do reformismo, Robaina e o MES-PSOL querem se valer da autoridade revolucionária de Marx, Lenin e Trotsky para sustentar o seu oportunismo prático. Como o site da Luta Marxista está fora do ar e as posições nefastas do oportunismo de Robaina e do MES seguem ganhando novos adeptos, se faz necessário reeditar estes textos como uma advertência e um alerta.

As eleições presidenciais de 2010
A disputa interna para ver quem será o candidato à presidência do PSOL segue acirrada. O que chama a atenção neste debate são as citações do “Que fazer?” e do “Esquerdismo” de Lênin e do “Programa de Transição” de Trotsky, das quais Roberto Robaina se utilizou para reforçar suas teses de aliança eleitoral com o PV – hoje descartada – e de apoio à candidatura de Martiniano [parlamentar que em 2010 estava no PSOL e hoje faz parte do Rede Sustentabilidade, um partido burguês].

Vejamos as suas declarações: “Uma eventual composição com Marina [em 2010 era uma possível candidata do PV à presidência, hoje também está na Rede] para disputarmos pela esquerda a base social com a qual dialoga não implica de nenhuma forma uma adesão ao programa burguês que ela vem apresentando muito menos qualquer perspectiva de relação mais significativa com o PV. (...) nos serve a retomada do exemplo histórico da polêmica entre Lênin e os esquerdistas ingleses detalhada no Esquerdismo... Contra a coalizão de direita estabelecida entre os liberais e os conservadores, Lênin defendia que os comunistas ingleses adotassem a tática do voto no Partido Trabalhista dos dirigentes Henderson e Snowden, chamados por ele de reacionários irrecuperáveis” (Panorama do PSOL e tática eleitoral de 2010 – R. Robaina). Na realidade, o que Lênin propôs foi o voto nos Trabalhistas após uma eleição especial entre a classe operária que confrontasse os trabalhistas e os comunistas. Chamar o voto num determinado partido nada tem a ver com frente orgânica, que pressupõe um programa comum, o que seria contrariar os princípios da independência de classe. Além disso, a caracterização de Lênin era que o Partido Trabalhista chegaria inevitavelmente ao poder e, ao adotar esta tática, aceleraria a experiência da classe operária para com ele. Não há ilusões da classe trabalhadora em relação ao PV e muito menos ele se elegerá inevitavelmente. As eleições são cartas marcadas. Robaina argumenta que uma eventual “composição com Marina não implica de nenhuma forma uma adesão ao programa burguês que ela vem apresentando ...”. Isso é falso. A proposta, então em pauta, era de uma coligação eleitoral entre PV e PSOL, não apenas de um eventual chamado ao voto em Marina. Toda coligação pressupõe um programa comum. Robaina tergiversa para mascarar o seu pretendido apoio ao programa do PV.

A seguinte citação deixa claríssimo que o oportunismo eleitoral de Robaina está acima de qualquer coerência programática: “Mesmo que seu programa eleitoral não seja o que o PSOL levou adiante nas últimas eleições presidenciais e os perfis sejam bastante distintos, o espaço político-eleitoral que Marina abre tem sua semelhança com o que Heloísa [Helena] ocupou em 2006. Há um campo a ser explorado que não quer a continuidade dos projetos anteriores, mas não necessariamente coaduna com as posições do PSOL. Esse espaço que tanto Marina quanto Heloísa vem ocupando – mais à direita ou à esquerda – é muito maior que o PSOL, está em disputa e não pode ser desprezado se queremos de fato postular uma influência de massas” (Idem – grifos nossos).

Referindo-se às demais correntes internas, que eram contrárias à aliança com o PV, Robaina afirma: “Agora o perigo maior do partido é outro, o sectarismo. O partido foi posto de pé, existe e luta. Com isso alguns setores podem crer que basta seguir marchando com as bandeiras socialistas para que nosso futuro seja defendido e construído. Não é assim. Estes setores, diante do refluxo do movimento de massas, podem querer a tranquilidade e a segurança de se agarrar apenas no programa esquecendo-se de que o programa sem a política e sem as táticas é incapaz de ligar o partido às massas. E sem as massas cedo ou tarde o partido transforma-se numa seita de propaganda. Hoje, a maior pressão do PSOL é a do sectarismo propagandista. A pressão oportunista agora é mais distante porque não há hipótese do partido se diluir nem de abdicar de candidaturas a governador que levarão nossa política nacional também nas eleições” (Idem)Robaina investe contra o suposto sectarismo das correntes internas à sua esquerda como o maior perigo dentro do partido. Não vê qualquer  perigo de oportunismo. Atribui a essas correntes a intenção de “seguir marchando com as bandeiras socialistas” e ignorar a questão da tática. A rigor, essas correntes também não defendem um programa socialista ou de transição para as eleições. Robaina cria um fantasma supostamente sectário para justificar a sua política oportunista. Evidentemente, que uma estratégia ou um programa desvinculado de uma tática correspondente caracteriza uma política doutrinária. No entanto, o que Robaina combate não é o suposto doutrinarismo, mas apenas uma política um pouco mais à esquerda que a sua, ainda que também compatível com o programa burguês. Na verdade, o oportunismo de direita, que Robaina não vê como perigo, é dominante no PSOL, representado pelo MES, sua corrente, pelo MTL, pela APS, entre outros.

O programa de Martiniano e do MES

Uma vez impossibilitada a aliança com o PV, o MES apressou-se em lançar um candidato em conjunto com o MTL - Martiniano Cavalcante -, justificando da seguinte forma o fracasso dessa frente: “Procuramos dialogar com o movimento desencadeado por ela [Marina Silva], com sua simbologia de política limpa vinculada à importantíssima questão ambiental e com a base social que ela representa. Propusemos que ela se juntasse a nós para combater, com coligação de esquerda, a polarização PT x PSDB. Esta atuação do PSOL demonstrou a todo o país, com fatos e não com discursos professorais, que ela e o seu PV preferiram se aproximar dos Tucanos e dos Demos, deixando-nos em posição privilegiada para combatê-la” (Por que aceitei a pré-candidatura à presidência da república). Mais adiante afirma: “Ele [programa de campanha] não pode ser uma plataforma de caráter diretamente socialista por pura impossibilidade das condições concretas. Será, isto sim, um programa centrado na realização da emancipação social, nas reivindicações e nas demandas mais agudas da luta popular. (...) Fundado no compromisso irredutível com o caráter radicalmente democrático do governo, do estado e do socialismo que defendemos. Impregnado da utopia ecossocialista que deve orientar a construção de uma nova economia e de um novo modo de vida, verdadeiramente sustentáveis. Assim nosso programa será anti-capitalista com orientação socialista” (Idem- grifos nossos).

A orientação burguesa – e não socialista – da campanha do MES/MTL fica ainda mais clara na seguinte citação: “A crise global do capitalismo agravada pela crise financeira desencadeada em 2008 nos dá excelente condição para defender uma intervenção mais forte do Estado na economia, uma vez que os grandes capitalistas do mundo inteiro socorreram-se, despudoradamente, dos recursos públicos para se salvarem da quebradeira geral. Apesar desse aspecto bastante favorável, devemos ter clara consciência de que a correlação de forças não nos permite apresentar propostas gerais de estatização de setores econômicos, sejam da indústria ou dos serviços como educação e saúde. Nas atuais condições tais posicionamentos servem apenas para 'chocar' a opinião pública, quando nosso objetivo é justamente ao contrário; estabelecer um diálogo mediado e pedagógico com a população. Por isso, acredito que nossa melhor opção é desenvolver a linha da sintonia fina entre as grandes mudanças políticase a aplicação de medidas democráticas profundas e incontestáveis. (Idem – grifos nossos). Sobre a dívida externa, Martiniano propõe apenas suspender o pagamento dos juros, reconhecendo o direito dos banqueiros internacionais de explorar e controlar a economia nacional.

Robaina e a defesa do “Programa de Transição”
Robaina começa o seu texto dizendo que Martiniano “se manteve defendendo a linha expressa no seu manifesto de lançamento. Reivindicando o PSOL como carro chefe da recomposição da esquerda, a necessidade de um programa de transição, a luta contra a corrupção e a liderança de Heloísa Helena”. Como já vimos, esse manifesto de lançamento não defende em nada um “programa de transição”. Pelo contrário, está em harmonia com o capital. Robaina posa de teórico “marxista”, afirmando que Plínio oscilou entre diversas posições e que “não tem claro como formular estrategicamente a questão do programa”. Mais adiante diz que “Plínio, com estas divergências no seu campo de apoio fica sem saber o que dizer. Por isso ora diz que o programa é diretamente socialista, ora diz que é de reformas do capitalismo, sem conseguir articular de modo correto a ponte entre a luta por reformas e a luta por revolução”. Claro está que Plínio tenta agradar os seus diversos apoiadores internos com diferentes discursos, porém, o que realmente vale é o programa reformista. Mas a candidatura de Martiniano tampouco faz esta ponte entre a “luta por reformas com a luta por revolução”. Pelo contrário. Seu programa é exclusivamente “reformista-burguês”, pois não se “permite apresentar propostas de estatização”.

A conclusão de Robaina é um primor: “O MES seguirá defendendo a necessidade de uma elaboração estratégica do PSOL que resgate muitas bandeiras e medidas democráticas, econômicas e sociais do programa democrático e popular e ao mesmo tempo continuaremos defendendo o método do Programa de Transição segundo o qual é preciso mobilizar os trabalhadores por suas demandas mais sentidas e fazer com que se estabeleça a ponte entre estas mobilizações e demandas com a necessidade de um poder de novo tipo, um poder dos trabalhadores e do povo. Poder que somente será conquistado com luta, combinando a participação das mais diversas formas de luta, entre as quais a eleitoral, mas que somente poderá ser conquistado e mantido com a derrota política e militar das forças da burguesia e da contrarevolução”. Robaina fala em defender o “Programa de Transição” para unir as reivindicações mínimas com as de transição, mas ao mesmo tempo defende o manifesto de Martiniano que afirma exatamente o inverso. As suas declarações em defesa do “Programa de Transição” são piadas de mau gosto, ditas para iludir os incautos, enquanto pratica uma política burguesa rebaixada expressa pelo programa de Martiniano. A prática do PSOL também desmente essa pretensão do “trotskista” de ocasião chamado Roberto Robaina. O PSOL aceita financiamento da burguesia para a campanha eleitoral, nunca vai além das reivindicações mínimas nas lutas concretas e sua participação eleitoral, bem como sua atuação no parlamento serve apenas para reforçar a credibilidade nas instituições burguesas.

Robaina defende de mentirinha o Programa de Transição enquanto na prática apóia o programa burguês de Martiniano, que nem sequer se pode caracterizar como um programa burguês democrático radical. Cinicamente Martiniano argumenta que o socorro despudorado por parte dos governos ao capital nos dá “excelente oportunidade para defender uma intervenção mais forte do Estado na economia”. Mas essa intervenção não contempla nenhuma estatização de setores econômicos, nem sequer dos serviços públicos, como saúde e educação. Acontece que a estatização dos serviços públicos não faz parte do programa diretamente socialista, mas do programa democrático radical, compatível com o capitalismo. O Programa de Transição engloba também o programa democrático. Mas o inverso não é verdadeiro, como pretende o oportunismo. Martiniano nem sequer admite a estatização dos serviços públicos, porque supostamente a conjuntura não permitiria, serviria apenas para “chocar” a opinião pública. Portanto, quando fala de intervenção forte na economia está falando de uma fantasia oportunista, que de concreto não representa nada para o povo. A sua afirmação de “aplicação de medidas democráticas profundas e incontestáveis” é uma impostura demagógica e vazia. A pretensa defesa de Robaina do Programa de Transição se traduz na impostura de Martiniano.

A aplicação do Programa de Transição não é uma receita pronta, depende das condições objetivas e subjetivas. As condições objetivas existem a muitas décadas, estão caindo de maduras. É preciso criar as condições subjetivas, que passa pela mobilização e organização dos trabalhadores. Um governo operário somente pode ser fruto de uma revolução; é impossível surgir de uma eleição burguesa. Mas a eleição improvável de um candidato operário criaria imediatamente as condições para o começo das transformações socialistas e democráticas, mas não dispensaria a revolução armada. As suas medidas mais imediatas, respaldadas na mobilização popular, seria exatamente a estatização dos serviços públicos. Um governo desse tipo que não suspendesse também imediatamente a privatização das reservas de pretróleo, e as privatizações em geral, a pretexto de não chocar a opinião pública, seria um governo de traidores. Um candidato que não defenda esse programa está a serviço da burguesia, como o estão Martiniano, Robaina e a maioria do PSOL.  

Robaina desfigura o trotskismo

Tivemos a oportunidade de desmascarar o “marxismo” do dirigente do MES (PSOL), Roberto Robaina, num artigo anterior, onde desvendamos suas reais intenções políticas nas eleições presidenciais de 2010 (vide: O “marxismo” de Robaina) escondidas sob uma fraseologia falsamente marxista. Agora, frente às rebeliões do mundo árabe, Robaina ataca novamente de teórico “marxista”. No seu artigo intitulado “Sobre a revolução russa, a teoria da revolução permanente e a situação atual”, redigido a partir de uma intervenção na escola de quadros do MES/PSOL-RS, Robaina desfigura completamente a teoria da Revolução Permanente, de Trotsky, para justificar a posição do MES de apoio às supostas “revoluções do mundo árabe”.

Esta extensa intervenção de Robaina é uma espécie de reedição do curso que deu Moreno para a juventude do MAS em 1984, na Argentina, e cujo resultado final foi publicado no livro “Escola de Quadro”. Caracteriza-se por não desenvolver nenhuma questão seriamente e até o fim. Centraremos a nossa crítica nos pontos essenciais, confrontando-os com o que diz Lênin e Trotsky. Diferente dos demais morenistas que não assumem abertamente as posições revisionistas de Moreno, o dirigente do MES procura sustentá-las, incorrendo em contradições a cada instante e falsificando Lênin e Trotsky.


A ditadura democrática dos operários e camponeses e a revolução permanente
Robaina começa expondo as divergências teóricas entre os marxistas russos do início do século 20. Diz, corretamente, que todas as frações sociais-democratas da época – bolcheviques, mencheviques e Trotsky – consideravam a revolução russa como uma revolução democrático-burguesa. No entanto, a justeza da análise termina aí. A partir deste ponto começam as distorções, escondidas num texto obscuro e contraditório. A falta de clareza – nos diria Lênin – é uma característica do oportunismo. Na exposição das ideias de Lênin antes da revolução de 1917, Robaina nos diz que a preocupação do líder bolchevique – uma vez que caracterizava a revolução como “democrático-burguesa” – era “desenvolver o capitalismo por duas vias”: uma, através de um acordo com os latifundiários; e a outra, através das pequenas propriedades rurais. As principais preocupações de Lênin, expressas nas resoluções da conferência bolchevique de 1905, estavam ligadas à conquista do poder pelos operários e camponeses através de uma insurreição popular, contra a burguesia liberal e os latifundiários e não em “acordo com eles” como falsifica Robaina – única forma de cumprir as tarefas da revolução democrática. As premissas de Lênin eram as mesmas de Trotsky: lutar por um governo operário e camponês que cumprisse as tarefas que a burguesia não iria mais cumprir, tais como: a queda da monarquia, a proclamação da república “democrática”, a expropriação do latifúndio semi-feudal. Uma vez que a burguesia liberal russa mantinha laços com o czarismo, com os latifundiários e com a burguesia imperialista, lhe era impossível cumprir tais tarefas. A única diferença entre Lênin e Trotsky era sobre a composição do governo operário e camponês. Para Trotsky, os operários deveriam ter a hegemonia política. Até 1917 Lênin deixou esta questão sem resposta. As Teses de abril, apresentadas durante a revolução, trataram de resolver a polêmica, admitindo Lênin a Ditadura do Proletariado.

Ao contrário disso, o dirigente do MES nos diz: “O Trotsky elaborou outra teoria. Ele disse: esse plano do Lênin não vai dar. Se de fato ele está certo e a batalha é pra ter uma revolução cujo sujeito social é o proletariado e os camponeses, e o proletariado terá um dinamismo e um protagonismo grande, de sujeito político dominante, os proletários não aceitarão derrotar o czarismo, assumir o governo e aceitar que os patrões sigam explorando os trabalhadores nas fábricas. Ele dizia que iria ter uma dinâmica de controle operário e de expropriação da burguesia. Isso ele escreve em 1905, no livro Balanço e Perspectivas. Então o Trotsky fazia a ligação de que a revolução é democrática burguesa, mas se transforma em socialista, ela é permanente. É daí que vem a tese da revolução permanente do Trotsky, que ele começou a desenvolver em 1905 mas o que o Lênin nunca concordou, sempre achou que era meio delirante”. Esta citação, quase 100 anos depois de transcorrida estas polêmicas, visa opor de uma forma distorcida – bem como tentaram os stalinistas – a posição de Lênin à de Trotsky.

Vejamos o que diz Trotsky sobre o mesmo assunto: “Se se examinassem as minhas antigas divergências com Lênin à luz de uma justa perspectiva histórica, e não através de citações destacadas à vontade e ao acaso, seria muito fácil compreender qual era, pelo menos pra mim, o ponto principal da discussão. Não se tratava, então, de saber se a Rússia estava realmente em face de tarefas democráticas que exigiam métodos revolucionários para a sua realização, ou se a aliança dos camponeses com o proletariado era indispensável para esse fim. Tratava-se de definir que forma política de partido e de Estado poderia tomar a colaboração revolucionária do proletariado e do campesinato, e que conseqüências adviriam para a revolução. (...) enquanto Lênin, partindo sempre do papel dirigente do proletariado, insistia sobre a necessidade da colaboração revolucionária e democrática dos operários e dos camponeses, ensinando-nos a todos essa verdade, eu, partindo sempre dessa colaboração, insistia sobre a necessidade da direção proletária, tanto no bloco das duas classes quanto no governo chamado a pôr-se à frente desse bloco. Eis tudo. Não se pode achar outra diferença” (A Revolução Permanente – Leon Trotsky).

Vejamos agora, como Lênin se referia à teoria da Revolução Permanente, de Trotsky: “Antes da revolução de 1905, Trotsky formulou uma teoria original e particularmente significativa hoje, a teoria da revolução permanente, segundo a qual a revolução burguesa de 1905 se transformaria diretamente numa revolução socialista que seria a primeira na série das revoluções nacionais” (Obras completas, volume XIV – Lênin).

O velho militante bolchevique, Adolf Ioffe, perseguido pelo stalinismo, deixou uma carta testamento à Trotsky, em que afirmava: “Várias vezes já lhe disse que Lênin me afirmara que, em 1905, não era ele quem estava certo, mas você”. Vemos então, como a afirmação de que “Lênin nunca concordou e que achava delirante” a teoria da Revolução Permanente não passa de uma fraude. O propósito dessa falsificação é – a pretexto de apoiar a proposta algébrica de Lênin pré-1917, ou seja, a ditadura democrática dos operários e dos camponeses – defender na atualidade a democracia burguesa.

Robaina opõe de forma absoluta a fórmula de Lênin à de Trotsky, que seria “outra teoria”. Colocada dessa forma isso não é verdade. As duas teorias concordavam no fundamental: a aliança dos operários e dos camponeses pobres contra a burguesia liberal. Diferiam apenas na forma política da ditadura, para Trotsky seria a ditadura do proletariado apoiado nos camponeses, para Lênin seria a ditadura dos operários e dos camponeses, sem definir a preponderância de uma classe sobre outraLênin, após 1905, nos diz: “A fórmula escolhida pelos bolcheviques é esta: ‘o proletariado conduzindo atrás de si os camponeses’. Não é evidente que o pensamento de todas essas fórmulas continua a ser o mesmo? Que ele traduz precisamente a ditadura do proletariado e dos camponeses? Que a fórmula o proletariado apoiado nos camponeses continua inteiramente nos quadros da mesma ditadura do proletariado e dos camponeses?”. Trotsky comenta esta citação: “Aqui Lênin interpreta sua fórmula algébrica de um modo que exclui a idéia de um partido camponês independente e do seu papel predominante no governo revolucionário: o proletariado conduz os camponeses, o proletariado apóia-se nos camponeses e, por conseguinte, o poder revolucionário concentra-se nas mãos do partido proletário. E era justamente nisso que consistia o ponto essencial da teoria da revolução permanente” (A Revolução Permanente – Leon Trotsky).

Vejamos como Trotsky entendia a possibilidade da revolução democrática passar “automaticamente” para a revolução socialista: “Entre o programa mínimo e o programa máximo, estabelece-se, assim, uma continuidade revolucionária. Não se trata de um só golpe, nem de um dia ou de um mês, mas de toda uma época histórica, cuja duração seria absurdo definir de antemão” (Idem).


A negação do partido revolucionário e as revoluções “objetivamente socialistas”
Robaina reafirma as teses revisionistas de Moreno, que desfiguram a Revolução Permanente, nega a necessidade do partido e relativiza a importância do proletariado como sujeito social e distorce a posição de Lênin. Vejam: “O Moreno se apoiou no Preobrazensky para desenvolver outra teoria. O Preobrazensky diz ao Trotsky: Está errado dizer que tem que ser o proletariado, tem que te abrir, estamos a recém conhecendo o oriente. O Preobrazensky estava discutindo a China. E comprovou que nisso o Trotsky errou totalmente. O Moreno agarrou isso. A China foi uma revolução cujo sujeito social principal foi o campesinato, mas o sujeito político na revolução chinesa foi uma tendência camponesa revolucionária que surgiu dentro do PC chinês encabeçada pelo Mao que através de um processo de guerra prolongada, que combinou com lutas na cidade, levou  a uma revolução vitoriosa que expropriou a burguesia. Ou seja, não foi como disse o Trotsky nas tesesNem o sujeito social foi o proletariadonem o sujeito político foi o partido bolchevique revolucionário” (grifos nossos). E Robaina conclui: “Eu concordo com o Moreno, o mundo do século XX demonstrou que pra que haja uma revolução que chega à estação da expropriação da burguesia não precisa partido revolucionário, e não necessariamente é o proletariado o sujeito social mais importante. A tese do Moreno foi confirmada [aonde, quando?] e ela é fundamental [para quê?]. Mesmo assim nosso objetivo é seguir lutando pelo que o Trotsky defendeu, ou seja, o proletariado como sujeito social e o partido revolucionário comunista como sujeito político” (Idem – grifos e adendos entre colchetes nossos).

Robaina concorda com a Tese de Moreno contra Trotsky (de que é dispensável o partido revolucionário e o proletariado como sujeito social), diz que este errou completamente e ao mesmo tempo afirma “seguir lutando pelo que Trotsky defendeu”. É impossível compreender essa contradição, esse duplo discurso próprio do oportunismo que tenta mascarar as suas posições revisionistas de negação do partido e do papel do proletariado. A verdade é o inverso. A realidade demonstrou que a posição de Trotsky foi confirmada pela História. Como regra é impossível a revolução socialista sem partido e sem o proletariado como sujeito social. As exceções Trotsky mesmo previu no Programa de Transição. Mas Moreno e Robaina transformaram a exceção em regra e por isso causam um dano profundo à causa do socialismo, com o seu revisionismo charlatão. Moreno e Robaina concordam com Preobrajensky porque este defende a mesma posição que os dois: a ditadura democrática dos operários e camponeses como etapa anterior e diferente da ditadura do proletariado. Robaina não sustenta o porquê Preobrajensky acertou e Trotsky errou. E isto não é por acaso! Moreno disse, no Escola de Quadros, que “a discussão com Preobrajensky coloca que Trotsky é muito esquemático quando diz que o sujeito social só pode ser a classe operária”. O esquematismo de Trotsky está baseado na rigorosidade científica da teoria da Revolução Permanente. Rigorosidade esta da qual Moreno e Robaina querem se ver livres para poder sustentar a “revolução democrática”. Robaina se utiliza das revisões de Moreno para sustentar a mesma posição, mesmo vendo que as chamadas “revoluções” de hoje – como Egito, Tunísia, etc. – não expropriaram a burguesia. E nem sequer apontaram pra isso, uma vez que não contavam com um partido revolucionário. Portanto, quem errou não foi Trotsky, mas Moreno.

Robaina se apóia na compreensão morenista de que levantar as bandeiras democráticas nos países atrasados, como Egito e Tunísia, leva “automática” e “objetivamente ao socialismo”. Por exemplo: derrubar uma ditadura já seria uma tarefa socialista, mesmo sem partido e sem bandeiras socialistas como a expropriação da burguesia e o controle operário. Vejamos o que diz Robaina: “Trotski diz: a revolução democrática burguesa não tem como ser só democrática burguesa por que as tarefas acabam sendo socialistas [como e por que, Robaina não nos diz!]. Mas ele agrega que tem que ter o partido e que o sujeito social é o proletariado. Para o Trotsky não existe revolução democrático burguesa que se transforma em socialista sem o proletariado como sujeito social.(...) É o que Trotsky disse para a China: unificação [nacional] leva ao socialismo[aonde ele disse isso?] (...) O Trotsky tocou nisso e o Moreno generalizou. Trotsky disse: se ataca o latifúndio e se unifica o país já vai ao socialismo [insistimos: aonde foi dito isso?]. E Moreno disse é isso mesmo: para expropriar não precisa de direção socialista, nem do proletariado como sujeito social [isso é verdade! Moreno faz esta revisão profunda no livro Escola de Quadros, só que em nome de uma pretensa “atualização do trotskismo”]. Fez a definição dele e aplicou como exemplo a China” (Idem – R. Robaina – grifos e adendos entre colchetes nossos).

Vejamos agora o que diz Trotsky em suas cartas à Preobrajesky: “a revolução chinesa (a terceira) terá de lançar-se contra o kulak [camponês rico] nas suas primeiras etapas; terá de expropriar as concessões dos capitalistas estrangeiros porque sem isso não pode haver unificação na China no sentido de uma soberania estatal genuína no terreno da economia e da política. (...) O mais provável é que expropriemos todas as fábricas nos primeiros momentos da ‘terceira revolução chinesa’. (...) a unificação nacional da China e sua soberania econômica significam a emancipação do imperialismo mundial, para o qual a China segue sendo a válvula de escape mais importante contra o colapso do capitalismo europeu e amanhã do capitalismo norte-americano. A solução do problema agrário na China, sem unificação nacional e autonomia tarifária (em essência, o monopólio do comércio exterior), não abre nenhum caminho nem perspectiva para o país” (3ª carta de Trotsky à Probrajensky). Aqui vemos como existe um abismo entre as duas concepções e como Robaina falsifica Trotsky. Para este, a autêntica unificação nacional da China somente seria conquistada com a expropriação da burguesia, do grande capital e a instauração do monopólio do comércio exterior, isto é, através da ditadura do proletariado. Para o morenismo basta que haja unificação nacional (uma tarefa democrático-burguesa) para que haja socialismo, sem partido revolucionário e sem ditadura do proletariado. A ditadura da burguesia, segundo Robaina e o morenismo, se transformaria em ditadura do proletariado de forma evolutiva, sem revolução, como propunha Berstein. A História não confirmou esse evolucionismo. Trotsky diz claramente que é necessário a expropriação do grande capital e o monopólio do comércio exterior: tarefas que só um partido revolucionário e a ditadura do proletariado pode cumprir.

“Então se a tese do Trotsky está certa – continua Robaina –, e para expropriar a burguesia o sujeito social é o proletariado e a direção é o partido comunista revolucionário, logo o PC chinês é a continuidade do bolchevismo, o castrismo é a continuidade do bolchevismo, o estalinismo é a continuidade, por que expropriou em vários países”. Como todo oportunista, Robaina se utiliza da metafísica. Associa mecanicamente “expropriação” com “bolchevismo”. É certo que o bolchevismo defende a expropriação da burguesia, mas a defende através do controle operário e dos seus organismos sob direção de um partido marxista, coisas que não aconteceram nem na China, nem em Cuba e nem no Leste Europeu; além disso, o bolchevismo é intransigentemente internacionalista – a principal característica do proletariado –, enquanto que essas três vertentes são rigorosamente nacionalistas – uma diferença abismal. Robaina faz coro com os ideólogos burgueses mais reacionários que querem associar a idéia de bolchevismo com as ditaduras burocráticas.

As experiências citadas por Robaina confirmam pela negativa Trotsky, uma vez que todas essas direções pequeno burguesas tiveram que romper com a burguesia para concretizar as suas tarefas democráticas (na China, de Mao, foi necessário expropriar a burguesia para haver unificação, tal como apontou Trotsky; mesmo que Mao tivesse hesitado inúmeras vezes), mas, no entanto, instauraram uma ditadura burocrática nacionalista, o que caracterizamos como um estado operário degenerado. Trotsky diz no Programa de Transição que, “sob a influência de uma combinação de circunstâncias excepcionais” os partidos pequeno-burgueses, incluído os stalinistas, podem se ver forçados a romper com a burguesia. Robaina desconsidera estas “circunstâncias excepcionais” e, como Moreno, as transforma em regra. Quais eram as condições em que se deram as expropriações em Cuba, na China e nos países do Leste Europeu? As condições eram a de um poderoso ascenso da classe operária mundial pós Segunda Guerra Mundial. As revoluções cubana e chinesa, mesmo que não tenham sido dirigidas por um partido revolucionário e pelos conselhos operários, estavam sob a influência ideológica e política deste ascenso do proletariado mundial, e da própria existência objetiva da URSS (fatores que não existem hoje). Faltou o partido trotskista para criar os conselhos operários, isto é, garantir a democracia proletária revolucionária, e instaurar a ditadura do proletariado. Por isso Trotsky não errou, mas acertou, dizendo que estes governos operários e camponeses representariam “um curto episódio em direção à ditadura do proletariado”. Por serem partidos de caráter nacionalista e pequeno-burguês, não foram conseqüentes na condução do Estado Operário e terminaram por levar à restauração do capitalismo. Vimos isso nos três exemplos citados por Robaina. No Leste Europeu temos outro processo, onde a burocracia stalinista fez uma expropriação “de cima pra baixo”, militarizada e diretamente controlada por Moscou. Esta expropriação foi de caráter defensivo – de defesa das fronteiras – e geopolítico – aumentar sua influência e poder de barganha. Foi o resultado de uma partilha com o imperialismo. Igualar a expropriação stalinista com a bolchevista é insustentável e uma falsificação. É o assassinato do trotskismo em “nome do trotskismo”. É por isso que Trotsky disse que “aqueles que identificam o heroísmo revolucionário dos bolcheviques com o cinismo burocrático dos termidorianos inspiram somente desprezo. (...) Está claro que na identificação do stalinismo com o bolchevismo não existe nem vestígios de critério socialista” (Bolchevismo e Stalinismo – Leon Trotsky).

Robaina, seguindo os passos de Moreno, falsifica Lênin e Trotsky: “Então o Moreno definiu que a dinâmica do enfrentamento levaria a expropriação mesmo que as direções não quisessem, mesmo que o proletariado não fosse o sujeito social”. Porque então, mesmo não havendo expropriação no Egito e na Tunísia, mesmo assim os morenistas – incluído, Robaina – as classificam como revoluções democráticas? Mais uma vez a experiência que está em curso no norte da África, confirma Trotsky e desmente Moreno. As experiências egípcias e tunisiana não avançaram um centímetro além do regime burguês; além disso, as tarefas “democráticas não se transformaram em socialistas”, como preconiza o morenismo. O sujeito social que desencadeou as mobilizações foi o proletariado, mas a ausência de um partido revolucionário impediu a vitória dos trabalhadores. Podemos dizer, seguramente, que transformará a “vitória da revolução democrática” dos morenistas – ou “vitória parcial”, como disfarçam alguns – numa derrota.

Por fim, Robaina chega onde queria: “Então, se não há outubro, quer dizer que os processos vai ser sempre totalmente congelados quase que na hora? Não pode se produzir fenômenos novos, que mesmo sem ser outubro são mais do que fevereiros, mais do que os fevereiros que no máximo dão novos governos contra-revolucionários? Creio que não. Regimes intermediários são possíveis. Seria o caso teórico da ditadura democrática do proletariado e do campesinato que Lênin defendeu em 1905. Ou mais prosaico, o regime bolivariano(...) Agora tem outra questão: nós sabemos separar a existência de regimes intermediários. Trotsky disse que não havia. Este é uma das teses da permanente: não há regime intermediário entre o bolchevismo e o kerenkismo. E nisso Trotsky errou feio[por que?]. Regimes que não são como o Kerenski e que não são a ditadura revolucionária do proletariado podem sim existir. Nós sabemos separar. Existem regimes intermediáriosO chavismo é um deles. Não é kerenkismo” (Idem – grifos e comentários nossos). Robaina, ao contrário dos demais morenistas, teve a desfaçatez de assumir esta profunda revisão. O regime de Chávez seria um regime intermediário entre a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado? É evidente que não. Basta olhar a posição pró-Kadafi tomada por Chávez, além do seu namoro com as petroleiras imperialistas, que exploram livremente o povo venezuelano. O governo Chávez é um governo burguês, nacionalista na aparência, e totalmente entreguista no conteúdo; a sua retórica pseudo-socialista acaba sendo utilizada como álibi pelo MES, para apoiá-lo politicamente. Uma vergonha!

Trotsky disse, nas suas Lições de Outubro, que “não significa que a Revolução russa tivesse necessariamente que trilhar o caminho que na realidade veio a tomar de Fevereiro à Outubro de 1917. A marcha da Revolução poderia ter sido diferente nas mesmas bases de classe (...). Aí está porque Lênin, logo de início, combateu a antiga palavra de ordem 'ditadura democrática do proletariado e do campesinato', que significava, nas novas condições, a transformação do Partido Bolchevique em esquerda do bloco defensista. É preciso orientarmo-nos não pelas velhas fórmulas teóricas mas pela nova realidade” (As Lições de Outubro – Leon Trotsky, grifos nossos). Robaina e os morenistas transformam a Revolução de Fevereiro – este “miserável aborto”, nas palavras de Trotsky – num objetivo político. E, com mais razão ainda, podemos chamar de “miserável aborto” não só o chavizmo na Venezuela, como também os “novos” regimes de Tunísia e Egito.

Reafirmamos a atualidade das lições deixadas por Lênin e Trotsky às novas gerações de revolucionários. Rechaçamos o morenismo como um desvio irreversível. Convidamos os ativistas honestos a lerem os clássicos marxistas e os comparar com a teoria morenista. Convidamos a que se somem nessa luta imprescindível para construir um autêntico partido marxista. A seguinte citação de Lênin, do livro Duas táticas da social-democracia na revolução democrática, é esclarecedora: “em tempos futuros, quando tiver terminado a luta contra a autocracia russa, quando a revolução democrática já for coisa do passado, será realmente ridículo falar na ‘unidade da vontade’, do proletariado e dos camponeses, na ditadura democrática, etc. Já pensaremos de um modo imediato na ditadura socialista do proletariado e falaremos dela de um modo mais detalhado”.

Essa esquerda oportunista se prende a um passado já caduco, requenta velhas fórmulas pra justificar sua política conciliadora, pretensamente em nome do “trotskismo”. Separar as tarefas democráticas, em pleno século 21, das tarefas socialistas – ou atribuir às tarefas democráticas qualidades socialistas por si mesmas – é ser um lacaio da burguesia, um renegado. É por causa deste obscurantismo teórico e da prática oportunista eleitoreira do MES que a Gerdau, Zaffari, Taurus, dentre outros, lhe financiam. Muito nos preocupa os “quadros políticos” que serão formados nessa escola. A nova realidade confirma o que disse Lênin: as tarefas socialistas adquirem, hoje, preponderância nos processos revolucionários. Mas isso não significa que as tarefas socialistas serão realizadas “objetivamente” apenas se levantando bandeiras democráticas, como quer Robaina e o morenismo. É preciso o partido marxista e o programa revolucionário para alcançar a ditadura do proletariado: única e verdadeira vitória dos trabalhadores!

O economicismo e a revolução por etapas no século 21
Cada frase do texto de Robaina expressa um revisionismo da pior espécie, sem nenhum escrúpulo ou princípio. Tentamos refutar apenas o essencial do texto de Robaina; muito mais poderia ser dito. E que show de horror político e teórico! O “trotskismo” de Robaina não passa de um charlatanismo, utilizado para justificar o seu cretinismo eleitoreiro, o apoio à Chávez, o economicismo mais rasteiro no campo sindical, o financiamento da burguesia, etc. O morenismo é o economicismo do século 21, a revolução por etapas, o evolucionismo social-democrata! Mais desonesto que os economicistas russos e disfarçado por uma carcaça “marxista”, o morenismo, assim como faziam os economicistas, oculta em seu interior um espontaneísmo da pior estirpe: defende que as explosões espontâneas, inconscientes e desorganizadas dos trabalhadores – como as rebeliões do norte da África – são “revoluções vitoriosas”; pior: transforma isso num “objetivo”. É a nova forma de dizer: o movimento é tudo! O partido, o programa e a ditadura do proletariado, nada!

O partido bolchevique só pôde formar-se, no início do século 20, sob o cadáver político dos economicistas e do chauvinismo social-democrata; o partido marxista do início do século 21 só poderá se constituir num combate mortal à teoria da “revolução democrática” das correntes ditas “trotskistas” – dentre elas, a morenista. Relembramos as palavras de Lênin que readquirem urgente atualidade: “só é marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado” (O Estado e a Revolução – Lênin).

segunda-feira, 17 de junho de 2019

Outubros

À beira do dilúvio Ipiranga,
quase lá dentro,
algumas pessoas moram.

Ali não incomodam
os moradores, os comerciantes
e os olhos de muita gente.

Não enfeiam os seus prédios
suas calçadas, suas marquises.

Registro este poema-diário,
é outubro de 2017.

Do ônibus, mostro ao meu filho,
me pergunta por que elas
não têm casas?
Dou-lhe as explicações
que cabem nos seus sete anos.

Escuto em um desses noticiários,
que São Paulo tem 25 mil
pessoas na rua.

Uma revolução faz 100 anos
neste mês.

Um dia as pessoas
não estarão mais ali .

O tempo, a morte,
a providência, as águas do dilúvio,
uma outra revolução.

Um dia as pessoas
não estarão mais ali.

Jorge Fróes
em 29/10/2017

domingo, 16 de junho de 2019

Como iludir o povo com discursos sobre "vandalismo"?

Milhares de "vândalos" no ato público de Porto Alegre
Frente a suposta "greve geral" que levou centenas de milhares de pessoas às ruas de todo o Brasil ontem, os canalhas, facínoras e psicopatas do governo (Bolsonaro, Sérgio Moro, Eduardo Leite), da grande mídia (RBS, Globo, Record, Band, etc.) e da classe dominante do país, tentam, como sempre, desviar a atenção da grave situação política e econômica da maioria do povo para casos isolados de "vandalismo" ou "excessos" de manifestantes. Para isso, precisam naturalizar os "excessos" do sistema econômico, da polícia, dos empresários, da justiça deste país, cometidos diariamente contra o povo, que se convertem na mais impiedosa e cruel forma de vandalismo contra milhões de pessoas.
Igualam os "excessos" desesperados de manifestantes (que muitas vezes é de policial infiltrado) aos excessos do sistema financeiro, dos grandes bancos, do agronegócio, dos políticos e da justiça (vide os escândalos envolvendo Sérgio Moro), tentando desviar a atenção para supostas quebradeiras, pichações e outros atos, que na compreensão deles, são iguais ou piores do que a roubalheira escancarada, legalizada e protegida pelo Estado, pelos governos, pela classe dominante nacional e internacional, que, sabidamente, cometem indescritíveis crimes infinitamente piores contra um povo espoliado, sofrido e alienado.
Não são poucos os bolsonaristas entre as classes populares que gritam em defesa das "pequenas propriedades" destruídas pelos "vândalos" que lutam pela sobrevivência e pelo resquício de qualquer direito, impiedosamente destruído pelo governo Bolsonaro em nome da grande propriedade monopolista. Querem igualar fatos inigualáveis; causas e consequências. Tentam, com isso, se agarrar a qualquer resquício de ligação com a realidade para tentar manter o apoio a um governo degenerado, corrupto, impiedoso e empenhado em sustentar o capitalismo periférico do Brasil em estado de decomposição.
São tristes figuras, escravos mentais do sistema e do neofascismo bolsonariano, programados para justificar as grandes injustiças criminosas dos de cima e condenar a justa contestação de quem está embaixo. Mais triste do que isso é que apenas militantes isolados nas redes sociais respondem a este tipo de manipulação grosseira da realidade, quando isso deveria ser tarefa de todas as centrais sindicais, dos grandes sindicatos e movimentos sociais deste país, que tinham a obrigação de gritar isso aos quatro cantos do mundo.

O futuro sob o capitalismo: "uberização" da economia ou a servidão coletiva moderna!

O que o capitalismo nos reserva para o futuro é a "uberização" completa de todos os campos de trabalho. Mas o que é a "uberização"? Em síntese: é a destruição dos direitos trabalhistas somadas às ideologias meritocráticas do capitalismo (self-mademan, "só não trabalha quem não quer", "é vagabundo porque quer", etc.). Não há vínculo empregatício algum e o trabalhador está completamente desamparado, sem licença saúde, férias, 13º salário e aposentadoria. Este é o "admirável mundo novo" que o capitalismo oferece para a humanidade.
Muitos usam esta verdadeira terra arrasada para dizer que agora somos todos "seres humanos sem patrões". Alguns ingênuos iludidos enxergam o que os mal intencionados vendem como as "maravilhas da tecnologia". De fato a tecnologia facilita muitas coisas, mas não deve jamais excluir direitos elementares e dominar as relações humanas e de trabalho, como vem acontecendo. Ao contrário do que afirma a ideologia "uberista", os patrões continuam existindo, mas são cada vez mais impessoais: os aplicativos de celular (que cortam salários se se "erra a rota" ou se "demora demais"); e os bancos, que escravizam pelas dívidas a partir dos juros dos cartões de crédito. É quase a adaptação do modo de produção asiático do Egito e da Mesopotâmia, e da sua servidão coletiva, a um aplicativo de celular. Ao invés do faraó, trabalha-se para o benevolente deus "uber".
Esta realidade significa a luta mais atroz a que um ser-humano pode ser jogado pela própria sobrevivência: uma auto escravização high tech. É precisamente isso que a reforma trabalhista do "antigo" governo Temer armou e o "inovador" governo Bolsonaro (PSL e comparsas) prepara com a sua "carteira de trabalho verde amarela".
Como o capitalismo não pode oferecer outras medidas para a classe trabalhadora que não seja a exploração mais brutal e miserável, precisa atacar o "socialismo" e o "comunismo", pois representam uma forma de organização social e econômica alternativa ao que temos aí. Ao contrário do que dizem os ideólogos da burguesia, o que existiu na Rússia foi stalinismo, e não socialismo. Este é um livro em aberto que ainda precisa ser escrito pelos trabalhadores. Por isso ataques tão virulentos a um "comunismo" fictício, que serve pra esconder que os verdadeiros privilegiados querem nos tirar tudo!
Evidentemente que o capitalismo não "uberizará" todos os setores sociais e do mercado de trabalho. Deve manter, como sempre, uma classe média e mesmo alguns estratos do proletariado com algum tipo de direito, visando dividir a resistência e jogar uns contra os outros. Esta política econômica tem sustentado o capitalismo por séculos.
A luta sindical, social e política deverá mudar os métodos também ou não servirá mais para nada. O sindicalismo institucionalizado não representa nenhum tipo de resistência, mas uma autêntica conivência com estas transformações pra pior. Uma vez que a impessoalidade dos aplicativos e a divisão geográfica dificultará enormemente a luta sindical, as organizações de esquerda com real consciência de classe devem estar atentas a todas as manifestações destes setores, que podemos chamar seguramente, como já fazem alguns sociólogos, de precariado.
Em suma: não há perspectivas de futuro fora do socialismo...

sábado, 15 de junho de 2019

Corrupção legal e corrupção ilegal

O filme "Lobo de Wall Street" denunciou parte do esquema de corrupção legalizado que opera no mundo

O senso comum reduz todos os problemas do país a um simples problema de corrupção. Por exemplo: o governo Bolsonaro cortou verbas da educação. O que está por trás disso? Este senso comum nos dirá que é pra encher o "bolso deles".

Evidentemente que existe corrupção; ninguém em sã consciência pode negar. Porém, o problema é muito maior do que isso: está no sistema! O senso comum ingênuo acredita que basta resolver o problema da corrupção para "tudo se resolver". A corrupção é a rebarba, a resultante, o sintoma, não a doença em si.

Existe uma corrupção muito maior e legalizada que não chega nem perto de ser considerada pelo senso comum. Qual é? Ora, o funcionamento do sistema, o mercado financeiro (com seus serviços absurdos e extorsivos da dívida pública), a inflação, a desvalorização monetária, o swap cambial, a exploração da força de trabalho através da propriedade privada, dentre outros. A corrupção é uma pequena parte deste grande esquema.

Enquanto o senso comum olha para a corrupção dos políticos, acha justa a extorsão dos bancos, dos juros do cartão de crédito, da desvalorização monetária para agradar a elite exportadora do país, a dívida pública (que é a escravidão moderna). Os políticos roubam milhões; o sistema financeiro bilhões e trilhões. É evidente que não se trata de defender a corrupção "pequena", mas de entender as suas verdadeiras causas.

Dito de outra forma: se o povo não entender que a corrupção dos políticos é o peixe pequeno, será sempre saqueado e enganado pela grande corrupção financeira legalizada, que gera e sustenta a "pequena". Não foi casual que a direita bolsonarista desviou todo o foco para a "pequena corrupção" visando manter a grande...

domingo, 9 de junho de 2019

Como funciona a mentalidade dos bolsonaristas?

Seu pensamento é completamente perturbado por emoções irracionais. As suas conclusões não resultam de pensamentos refletidos honestamente. Tampouco o seu pensamento serve para chegar a uma conclusão correta em conformidade com a realidade, mas para ratificar e "racionalizar" uma conclusão irracional predeterminada, que confirma seus desejos e suas emoções mal compreendidas (em grande parte gerados na energia de um ódio sádico inconsciente). No fundo, é totalmente intolerante a qualquer pensamento racional que possa derrubar as suas bases. Assim, o pensamento dos bolsonaristas não é acessível ou sensível a argumentos. Tem a sua "própria técnica" no seu próprio campo; isto é, sua "coerência irracional" própria. Simplifica qualquer complexidade tanto quanto lhe seja necessário para encaixar a realidade nos moldes das suas opiniões e pretensões.

Esta definição não se refere, evidentemente, aos altos representantes do governo e seus correligionários do sistema financeiro que são bem conscientes dos seus interesses econômicos e possuem uma inteligência maquiavélica. Ainda que em alguns escalões possamos ver raciocínios semelhantes, percebemos que há a compreensão maior do que está em jogo e, na maioria dos casos, do seu próprio cinismo. Se refere, então, aos bolsonaristas da classe média e das classes populares. O seu irracionalismo, na verdade, não está desprovido de finalidades econômicas e políticas para as classes superiores.
É importante acrescentar que poderíamos encontrar, evidentemente, paralelos em setores do petismo (e indo mais além, até mesmo na "esquerda"), embora em menor intensidade.