Vem ganhando uma relativa influência sobre a
vanguarda de “esquerda” o nome do professor Ivo Tonet, que tem uma teoria
bastante peculiar sobre o marxismo e a luta de classes. Se dizendo devoto do “marxismo
ortodoxo”, que trata as contribuições de marxistas posteriores (Lenin,
Trotsky, etc.) como “deturpações” do marxismo clássico,
defende que a vanguarda dos trabalhadores deve permanecer fiel aos textos “marxinianos”.
Além disso, Ivo Tonet é contrário à organização dos trabalhadores em partido
revolucionário, caracterizando isso como um dos principais problemas que
afligem a luta pelo socialismo.
Já é hora de fazer uma análise do seu
pensamento e, sobretudo, das suas consequências sobre a vanguarda que
influencia. A base destas análises são as palestras proferidas por ele em Porto
Alegre, em outubro de 2018, no SIMPA e no Sintrafuje-RS, bem como o seu texto Os descaminhos da esquerda: da centralidade
do trabalho à centralidade da política, escrito com a parceria de Adriano
Nascimento. Julgamos ser fundamental uma reflexão sobre as principais teses
apresentadas por ele nesta oportunidade e neste texto.
a) O método de debate remonta
à burocracia sindical e à velha esquerda (não há forma dissociada de conteúdo)
O tipo de debate imposto pelo
palestrante, quando da sua referida vinda à Porto Alegre em outubro de 2018,
denota que havia problemas de conteúdo. Desde o início impôs o ritmo e a forma
das intervenções. Este método remonta as práticas das burocracias sindicais e
políticas que não podem ser debatidas, esmiuçadas ou dar-se voz à base. Há o
controle das divergências para que não saiam de certos limites. Isso ficou mais
evidente no sábado, dia 27 de outubro, no Sintrajufe-RS, embora já estivesse
claro na sexta feira, dia 26, no SIMPA.
Tal controle, com interrupções do
próprio Ivo Tonet para qualquer fala que expressasse divergências de fundo, afirmando
que ele “não tinha dito” tal ou qual coisa, apenas denota uma recusa em
aprofundar o debate; em ouvir contrapontos dos temas que ele mesmo levantou.
Que diferença há neste método com o praticado pelas burocracias sindicais ou
pelos partidos políticos de “esquerda”? O fato de serem mais sutis e realizadas
por um “militante independente” que “não defende partido”, não apaga o fato de
conterem, em germe, as mesmas práticas burocráticas da “esquerda”
institucionalizada.
A partir destas conclusões, a questão a
se perguntar é: por que Ivo Tonet agiu
desta forma?
b) A questão do Estado e do
poder: Marx seria anarquista?
A tese central apresentada por Ivo
Tonet nas suas palestras diz respeito à destruição do Estado no processo
revolucionário. Em relação a ideia geral não há nada a se objetar. Os
trabalhadores organizados e conscientes devem destruir o Estado burguês através de uma revolução para instaurar um Estado revolucionário proletário, sem o
quê, é praticamente impossível resistir à contra-revolução burguesa. Ivo Tonet
apresenta uma tese anarquista quando sustenta que “é uma ilusão achar que
o Estado pode voltar a ser um Estado ‘livre’”, defendendo abertamente que
um dos problemas da Revolução Russa, por exemplo, foi a própria utilização do Estado. Isto, segundo ele, teria sido uma das principais causas
da sua degeneração. Nesse sentido, não se difere em nada da tese anarquista (e seria
bem mais honesto admiti-lo). Em diversas passagens escritas e faladas, Ivo
Tonet combate com desdém a possibilidade de construção de um Estado proletário, chegando a afirmar
que isso “nada tem a ver com socialismo”
e que alteraria “definitivamente a teoria
revolucionária”. Reconhece, da boca pra fora, todos os problemas
enfrentados pelos bolcheviques como “um
período extremamente complexo e sem precedentes” (“Descaminhos...”, página 17), aos quais, quando descritos, são
conclusões praticamente copiadas das obras de Trotsky, mas sem referências
bibliográficas e sem tirar maiores conclusões.
Interpreta de forma rasa e oportunista
determinadas citações de Lenin, as quais estão em contradição com a análise em
que afirmou que a Revolução Russa enfrentou “problemas
de um período extremamente complexo e sem precedentes”. Nas palavras de
Ivo: “Tratava-se segundo ele [Lenin] de um Estado com profundas deformações, com
enormes deficiências. Mesmo assim, ele considerava que se tratava de um Estado
Operário e não de um Estado burguês. Portanto, de um instrumento positivo para
a construção da sociedade socialista” (“Descaminhos...”,
página 21). Ora, tamanha distorção não é saudável para um debate franco entre
revolucionários, ainda mais quando não é possível uma resposta de tempo livre.
Fica claro, assim, a tentativa de criminalizar e culpar os bolcheviques pelos
erros que foram consequência de um processo histórico com “problemas extremamente complexos e sem precedentes”. Está claro
que Lenin e Trotsky nunca fizeram das tripas coração; isto é: nunca acharam que
um Estado deste tipo seria “positivo para a construção de uma sociedade
socialista”. Ambos morreram afirmando o contrário e apontando todos os seus
problemas.
Mas ainda falta conferir as colocações
de Marx sobre o Estado, que estão em contradição com o que afirmou Ivo. O que
disse Marx a respeito do Estado? No debate do dia 27 de outubro se tentou apontar um trecho
fundamental escrito por Marx em 1875 (portanto, na sua fase de maturidade
intelectual e política) acerca do Estado, do livro Crítica ao programa de Gotha, mas infelizmente fomos interrompidos
pelo palestrante, que afirmou capciosamente que ele não defendia o que se
estava criticando. Conforme ficou claro acima, Ivo Tonet defende exatamente o
que se criticava. A tese central dos “Descaminhos...”
está em franca contradição com o pensamento de Marx, conforme se pode ver: “Entre a sociedade capitalista e a
comunista, situa-se o período da transformação revolucionária de uma na outra.
A ele corresponde também um período de transição, cujo Estado não pode ser outro que não a ditadura revolucionária do
proletariado” (Crítica ao programa de Gotha – grifos nossos).
Fica claro como a luz do dia que Marx e
Engels defendiam a necessidade de um Estado que serviria como forma de transição de um tipo de
sociedade para outra. Por certo que esta forma de Estado não é o Estado
burguês, com suas instituições e a politicagem burguesa que lhes correspondem,
mas nem por isso deixa de ser um Estado. Marx e Engels insistiram que a Comuna
de Paris seria essa forma de Estado proletário, ou de ditadura do proletariado.
Em nenhum caso renunciou a uma forma de organização estatal ou de política
(proletária), afirmando que sua função era preparar
as bases materiais para a sua extinção. Esta foi uma das principais
polêmicas entre Marx e os anarquistas na 1ª Internacional. Qualquer pessoa que
conhece a literatura proletária do século XIX sabe disso, incluindo o professor
Ivo Tonet.
O Estado proletário soviético,
organizado a partir dos sovietes, representou a forma encontrada pelos
revolucionários russos no início do século XX para organizar a sua revolução,
destruir o Estado burguês e preparar a construção do Estado proletário. Ivo
Tonet quer encontrar um talismã ou uma pedra filosofal que impeça a
degeneração, simplesmente apagando ou ignorando os “problemas extremamente complexos e sem precedentes” da construção
do socialismo (problemas absolutamente difíceis e intrincados de se resolver,
que somente pessoas honestas e muito conscientes podem admitir e se debruçar) e colocando
fórmulas simples como o “trabalho associado comunista” e a “centralidade do
mundo do trabalho” para milagrosamente “resolvê-los”.
Cai de maduro, portanto, que Ivo Tonet
despreza a estratégia da organização de um Estado revolucionário, da política
proletária e de uma organização política para os trabalhadores. Que fique
claro: se fosse possível desprezar um Estado revolucionário de antemão, seríamos os
primeiros a renegá-lo “da noite para o dia”, como querem os anarquistas e o nosso professor. Mas
dentro do campo marxista fica a pergunta: é possível fazê-lo sem renunciar a
própria revolução, que se verá em maus lençóis frente a contra-revolução que sempre
desencadeará “problemas complexos e sem
precedentes”?
c) Centralidade da política
e do trabalho ou centralidade do espontaneismo? As distorções grosseiras sobre
a Revolução Russa
Ivo Tonet declara que há profundas
diferenças entre as concepções de Marx e dos revolucionários russos, igualando
indistintamente Lenin, Trotsky e Stalin. Forja uma diferença na questão do
Estado. Para ele, os revolucionários soviéticos (e aqui nos referimos
exclusivamente a Lenin e Trotsky) não se
interessaram em “estabelecer o trabalho associado comunista”, o que
supostamente impediu o êxito da revolução e o fim do Estado. Ou seja: a questão
central não foram os “problemas complexos
e sem precedentes” da Revolução Russa e da própria revolução internacional, mas uma má orientação política, que
“divergia” dos textos originais de Marx e Engels. Ivo Tonet menospreza,
relativiza, vai e volta quando convém para não reconhecer estes problemas complexos sem precedentes e, quando reconhece, os
joga para as nuvens, como se bastasse a “livre vontade” dos bolcheviques e não
as condições historicamente determinadas, que eram conhecidamente graves.
Para o nosso professor, a tomada do
poder até se justificaria se fosse
para a destruição do poder burguês e para a preparação imediata da extinção do
próprio Estado (colocado indistintamente e omitido seu caráter de classe), tal
como preconizam os anarquistas. Segundo ele, os bolcheviques “não quiseram
fazer isso” porque optaram pela
“centralidade da política”, que leva à centralidade do Estado, e abandonaram a
“centralidade do trabalho”. Na nossa avaliação, claro está que os bolcheviques
procuraram seguir este caminho conforme lhes foi possível, mas os obstáculos
foram muito maiores do que pensaram, a começar pelo atraso secular da Rússia e
o espírito de rebanho presente no
seio dos movimentos dos trabalhadores e praticamente não estudado pela
esquerda. Ao invés de relacionar o estudo destes problemas, bem como suas
graves consequências, com a psicologia de massas dos trabalhadores e os “problemas complexos e sem precedentes”,
Ivo Tonet levanta fórmulas e tantras que jogam fora as principais conclusões da
primeira experiência exitosa de tomada do poder pelos trabalhadores na
história.
Chama a atenção que Ivo não faz uma única menção aos problemas de
degeneração ocasionados pelo surgimento do stalinismo, que é consequência e,
dialeticamente, o aprofundamento das causas desses “problemas complexos e sem precedentes”, que se alimentam
mutuamente. Como é possível simplesmente ignorar ou mesmo renegar todas as
caras conclusões sobre a burocratização do Estado soviético presentes no
pensamento trotskista do livro A
Revolução Traída (1937)?
Em diversos trechos da política
expressa por Ivo Tonet fica claro que a conquista
do poder pelos trabalhadores seria algo indesejável, pois prepararia o que
ele chama de deslocamento da centralidade do trabalho para a centralidade da
política. Em relação aos problemas e traições ocasionados pela compreensão
reformista, não há nada a se objetar! De fato o reformismo desvia,
objetivamente, a luta de classes do caminho revolucionário para o beco sem
saída do poder nas instituições burguesas e, portanto, para o Estado burguês. Indo
além disso, porém, encontramos uma nova contradição com o pensamento de Marx e
Engels, que se torna flagrante na medida que confrontamos estas conclusões com
trechos da própria obra dos fundadores do marxismo, expressos no Estatutos da
Associação Internacional dos Trabalhadores: “Art
7º. Em sua luta contra o poder reunido das classes possuidoras, o proletariado
só pode se apresentar como classe quando
constitui a si mesma num partido político particular, o qual se confronta
com todos os partidos anteriores formados pelas classes possuidoras. Essa
unificação do proletariado em partido político é indispensável para assegurar o
triunfo da revolução social e seu fim último – a abolição das classes.
(...) Como os senhores do solo e do
capital se servem dos seus privilégios políticos para proteger e perpetuar seus
monopólios econômicos, assim como para escravizar o trabalho, então a conquista do poder político torna-se
uma grande obrigação do
proletariado” (grifos nossos).
Lendo este trecho devemos concluir,
forçosamente, que ou Marx e Engels estavam se distanciando da centralidade do
trabalho a caminho da centralidade da política (organização em partido) e do
Estado (conquista do poder político e ditadura do proletariado) ou, então, Ivo Tonet está atribuindo suas
próprias conclusões a Marx
e Engels. Soa, no mínimo, estranho e curioso sua verdadeira ojeriza ao Estado proletário
e à organização política dos trabalhadores.
Sendo assim, uma das principais conclusões
dos revolucionários marxistas do século XX é jogada fora por Ivo Tonet, senão
totalmente confundida com uma crítica feita pela própria burguesia à Revolução
Russa; qual seja: a necessidade de organização dos trabalhadores em partido
político (ou qualquer outra forma análoga de organização) que, como vimos,
deita suas raízes em Marx e Engels. Se os partidos proletários irão degenerar
ou não isto é algo que não se pode controlar de antemão. Não existe talismã
contra isso – nem mesmo a mágica da “centralidade do trabalho”. Só o desenrolar da luta de
classes pode garanti-lo. O fato, contudo, é que a organização política dos
trabalhadores em partido revolucionário não apenas está de acordo com a
literatura marxista como é de fundamental importância para os tempos em que
vivemos, marcados por um forte espontaneismo, de repulsa a qualquer organização
política (isto é: aonde os partidos operários e revolucionários sofrem com o
desgaste dos partidos burgueses, como se fossem a mesma coisa). Este
espontaneismo não é apenas tolerado por Ivo Tonet, mas transformado na sua
principal tese. A degeneração não é o resultado direto da simples organização
em partido político, mas, sim, o resultado do seu programa, da sua prática e dos interesses
de classe que representa, combate ou sustenta.
A “centralidade do trabalho”, tal como nos é
apresentada nos textos escritos e nas conferências, faz das tripas coração,
transformando o “trabalho associado” numa idealização da classe tal como ela é
hoje, que não necessitaria de nenhum tipo de organização política (visto por
Ivo apenas como um estorvo), descambando totalmente para o espontaneismo.
Assim, a “centralidade do trabalho” se transformaria na “centralidade do
espontaneismo”. Acredito que o trabalho associado comunista não poderá nascer
dissociado de uma longa luta política, revolucionária, realizada por uma
organização política extremamente consciente e capaz, que, sendo parte do
proletariado, ajudará os
trabalhadores mais atrasados a edificar um Estado proletário para resistir às
investidas da contra revolução burguesa; e, neste processo, conseguirá (ou não) desenvolver uma nova forma de organização do trabalho, correspondente à sociedade comunista.
Nesse caminho tortuoso e difícil será
indispensável superar as técnicas de trabalho desenvolvidas pela sociedade
burguesa. Isso geralmente se dará em meio a “problemas
complexos e sem precedentes” de uma “resistência
desesperada e violenta” contra as ofensivas da classe dominante. Durante
todo o século XX, a classe dominante internacional não deu um minuto de trégua
à existência da União Soviética. Isto é preciso ser lembrado numa época em que
o pós-modernismo, as universidades e a mídia comercial afirmam que o
“socialismo colapsou em si mesmo”. Por tudo isso, soa muito cínica a crítica de
que Lenin abandonou os objetivos do trabalho associado comunista quando quis
“se apropriar das técnicas e dos conhecimentos científicos acerca do trabalho
desenvolvidos pelo sistema capitalista”, aumentando a “exploração sobre o
operariado russo”. O trabalho comunista só nascerá superando o trabalho capitalista. Isto inclui a incorporação da experiência e da técnica do trabalho capitalista. Assim, constatamos tristemente que todos os pilares do marxismo são destruídos por Ivo Tonet em
nome do próprio marxismo.
d) O grande ausente: o
partido revolucionário!
Historicamente o espontaneismo tem
efeitos nefastos sobre toda a esquerda. Ivo Tonet é mais um teórico não
declarado do espontaneismo, apresentando a sua teoria peculiar de menosprezo da
organização política revolucionária. Várias organizações de “esquerda”
demonstram os mesmos rechaços, porém, com argumentos diferentes. Num texto
recente ele chega a afirmar que “a
propaganda e a agitação em torno dessas ideias [isto é, da propaganda do
comunismo] são absolutamente fundamentais
para que, em momentos de intensificação das lutas sociais, elas não se resumam
à defesa ou conquista de interesses parciais, mas avancem para uma
transformação radical da sociedade”.
Porém, não nos fala quem fará essa agitação.
Seriam os trabalhadores isolados? Independentes? Por categorias? Organizados
apenas em sindicatos ou em oposições? Afinal, seria necessário para isso uma
organização em partido revolucionário ou não? Sobre isso não lemos uma única
palavra! Apenas evasivas que dificultam ainda mais a nossa situação, criticando
inclusive as importantes caracterizações sobre o nível de consciência,
organização e disposição de luta dos trabalhadores na conjuntura atual, de avanço da direita mais reacionária, como
sendo “argumentos surrados”.
A despeito destas graves omissões,
concordamos com o fato de que é necessário ir além da defesa ou conquista de
interesses parciais, o que significa ir além das categorias e, principalmente,
do espontaneismo mais imediatista de todos os trabalhadores, procurando dar a
consciência da totalidade das tarefas e dos objetivos revolucionários. Porém,
para o marxismo, a questão do partido revolucionário é fundamental para a
superação deste sindicalismo estrito e rasteiro, fechado em si mesmo nas
reivindicações corporativistas de cada categoria (e às vezes até mesmo
reacionárias).
Marx e Engels, nos referidos Estatutos da 1ª
Internacional, assim se expressam: “A união
das forças dos trabalhadores, que já é obtida mediante a luta econômica [sindical,
de categoria], tem de tornar-se, nas mãos
dessa classe, uma alavanca em sua luta contra o poder político de seus
exploradores”. O início deste trecho – já citado antes – afirma a
necessidade de um “partido político particular”, de novo tipo, e, logo a
seguir, afirma a necessidade de conquistar “o poder político”. Em síntese: tudo
aquilo que Ivo Tonet condena!
Portanto, a crítica marxista deve ser feita
em relação ao programa, a conduta e a ação dos partidos que se dizem socialistas
e de esquerda; e não à forma de organização partidária em si mesma ou a
necessidade de conquista do poder político visando a destruição do Estado
burguês e a criação de um Estado proletário.
e) Descaminhos da esquerda
“tonetiana”: quais são as implicações prática da teoria da centralidade do
trabalho?
A massa trabalhadora se conta por centenas de
milhares. Não pode atingir o socialismo de forma desorganizada. A sua força reside exatamente na sua organização numérica. Nesse sentido, precisa contar com vários tipos de organizações: sindicais, culturais,
associativas, políticas. É claro que não se trata de construir partidos
burgueses (como é o PT) e, tampouco, de manter o Estado burguês (como quer o
reformismo social-democrata). Porém, é necessário organização! Elas não serão
perfeitas e nem eternas, mas são mais do que necessárias.
O proletariado se subdivide em vários
segmentos, como vanguarda e retaguarda. Isto
é um fato sociológico. Não se pode igualar a sua vanguarda com a sua
retaguarda, ainda que se tenha que levar em consideração os anseios da
retaguarda. Ignorar, menosprezar ou, o que é pior, lutar contra a organização
política dos trabalhadores vai contra todo o espírito do marxismo! O que Ivo propõe para o seu lugar? Um espontaneismo
não declarado, mas que cai de maduro para qualquer observador arguto.
Para não cair neste espontaneismo, Ivo Tonet
precisa responder quais são as implicações práticas da teoria da “centralidade
do trabalho”: que formas de organização e intervenção na luta de classes ela
deve assumir? Quais serão as formas de participação e organização dos
sindicatos e movimentos sociais que é diferente do que os revolucionários
realizam hoje? Para manter a pureza da “centralidade do trabalho” devemos
abdicar da intervenção política, das palavras de ordem, da construção de organizações e partidos revolucionários?
Desgraçadamente Ivo Tonet não responde nenhuma dessas
perguntas que surgem logicamente das suas próprias afirmações, nem nos seus
textos e, tampouco, nas suas palestras. Sendo assim, a “centralidade do
trabalho” torna-se a “centralidade do espontaneismo”, da aceitação da “classe
tal como ela é” (“centralizar pela classe” mesmo que ela esteja completamente
perdida, fragmentada, correndo atrás do próprio rabo), da ojeriza à organização
política (como a expressada pelos anarquistas em 2013, por vários setores de
classe média na Espanha e em outras mobilizações pelo mundo). Está, portanto,
em franca contradição com toda a história do marxismo.
f) Conclusões: a crise de
direção e a teoria de Ivo Tonet
Durante o debate do dia 27 de outubro, um dos
camaradas presentes na palestra chegou a expressar uma ideia de que a teoria de
Ivo Tonet não estaria em total contradição com o pensamento de Trotsky. O
presente texto demonstrou que a teoria de Ivo Tonet está não apenas em
contradição com o trotskismo – que defende claramente a necessidade de uma
direção revolucionária para as massas –, mas com o próprio marxismo “clássico”.
Cabe destacar que o trotskismo entende
o partido revolucionário como uma direção que desenvolve uma relação dialética
com a massa (e não de opressão, tal como o stalinismo). Não podemos idealizar
as massas – tal como faz toda a esquerda hoje; inclusive nosso professor. A
autoridade é parte concedida pelos subordinados e parte construída em cima dos
medos (medo da punição, da demissão, da perseguição, da desagregação – o
chamado “espírito de rebanho”). Um partido revolucionário, para receber esse
nome, necessita desenvolver a ideia de que as massas não devem seguir nenhuma
liderança ou partido por medo (inclusive ele próprio), mas por convicção, por
compreender as suas ideias e perceber a justeza de suas posições. Foi
precisamente este o papel do bolchevismo sob Lenin – que Ivo Tonet tentou
transformar na mesma coisa que o stalinismo, tal como faz a mídia comercial e a intelectualidade burguesa.
Somente este método de construção partidária
pode preparar as condições para dissolver a necessidade de uma direção e criar
coragem e capacidade para que as massas avancem para a autogestão. Em suma:
precisam ser ensinadas, desde a mais tenra infância e durante toda a militância, a agir desse modo; a
revolução entra como parte deste elo (antes e depois dela). É uma calúnia
atribuir ao bolchevismo a intenção de “centralizar tudo em si, obrigar as
massas a obedecê-los, tratá-las como crianças”. Isto é, precisamente, o
stalinismo. O bolchevismo exigia disciplina e respeito às decisões da maioria
(ou tudo isso não é necessário para uma revolução?); tampouco idealizava as
massas e, muito menos, o seu espontaneismo.
Nesse sentido, acreditamos que a
teoria de Ivo Tonet está em franca contradição com o marxismo. Não há uma
contribuição dele que, de fato, aponte para a superação dos erros do passado,
mas apenas a ressurreição de críticas burguesas à experiência soviética, feitas
sob pretensão de “encontrar uma explicação” para a degeneração soviética. A
teoria do camarada Ivo Tonet aponta para o espontaneismo e, portanto, para o
passado (para antes do Que fazer?). Não critica os erros do bolchevismo, mas
os seus acertos.
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