A
ideologia que impera em uma sociedade é, principalmente, a expressão das
necessidades de justificar o poder de sua classe dominante. A ideologia
brasileira, com suas milhares de ramificações, mistificações e fantasias
reacionárias, é a expressão da classe dominante brasileira, historicamente
conhecida por crescer à sombra do imperialismo na periferia do mercado mundial,
além de professar valores escravocratas e de ódio ao próprio povo.
O que diria o grande defensor da
aristocracia e das classes dominantes, Nietzsche, sobre a elite brasileira?
Teria ela a vontade de poder da
monarquia absolutista francesa ou inglesa? Expressaria ela a potência criadora da aristocracia grega
ou romana? De alguma forma a “nossa elite” daria exemplos de um triunfo da vontade que existe nas
burguesias imperialistas norte-americana ou alemã?
Será que Nietzsche teria coragem e
honestidade filosófica para sustentar sua teoria sobre a superioridade aristocrática defendendo a elite brasileira? O fato é
que a nossa classe dominante não pode ser defendida nem mesmo por um Nietzsche,
porque é retrógrada em todos os campos, estúpida e sem vontade de poder, seja a nível internacional, seja pelo seu projeto de nação. Ela fala fininho e
bate continência “patriótica” para os EUA e a Europa, enquanto engrossa a voz e
demonstra toda a sua gana sociopata para controlar o povo brasileiro e os
países latino americanos, visando manter seus pequenos privilégios e viver
absurdamente bem em um paraíso tropical, enquanto a população passa fome.
Para isso, lança mão de todo o seu arsenal
ideológico através de intelectuais mercenários que vivem na sua sombra, sem
nenhum tipo de escrúpulos ou sem nenhum outro projeto nacional que não seja
manter o país como um reles produtor de matérias-primas, aceitando
satisfatoriamente viver na periferia do mercado mundial. Ou seja, se submete
conscientemente ao poder do imperialismo e da sua superelite mundial. Aceita
ser uma aristocracia de segunda ordem às custas da exploração, da miséria e da
humilhação do seu próprio povo. Que belo patriotismo! Nesse sentido, necessita
impor o espírito de rebanho não
apenas ao seu próprio povo, mas a si própria, aceitando de bom grado a ordem
internacional e o seu papel periférico nela.
Esta forma de dominação e aceitação da
realidade é transformada em ideologias que condensam e criam inúmeros mitos que
são naturalizados e aceitos como normal pela maior parte da população. Sofremos
diariamente um bombardeio ideológico marcado por um irracionalismo flagrante, muito
bem arquitetado pelos ideólogos burgueses e imperceptível ao senso comum. Há
uma cuidadosa doutrinação de centenas de milhares de mentes para se “combater”
as consequências e não as causas. Isso tudo não seria possível sem que as
universidades e a mídia comercial tivessem disseminado aos quatro cantos as
ideologias pós-modernas que se centram no individualismo
(negando os valores universais) e a
auto-verdade, que afirma que basta “acreditar na sua própria verdade”, ignorando
fatos, comprovações empíricas e experiências.
Na perspectiva de esclarecer este mar de
confusão, intencionalmente criado e mantido, algumas das principais ideologias
brasileiras estão reproduzidas (e desmascaradas) a seguir.
Medievalismo versus iluminismo
A única vontade de poder da elite brasileira é sobre o seu próprio povo,
visto como uma galinha dos ovos de ouro.
Para governa-lo é fundamental uma distorção monstruosa da realidade (e,
portanto, da verdade), feita permanentemente, baseada no culto ao ódio, no
sadismo, no medievalismo, no misticismo religioso. A burguesia brasileira,
portanto, não conhece e nunca conheceu o período das luzes, a filosofia
iluminista e o seu tribunal da razão. Ao contrário, para sustentar esta
estrutura social grotesca, que condena mais da metade da população à fome, à
miséria e ao subemprego, precisa recorrer ao obscurantismo medieval e ao
combate do iluminismo.
Atualmente nenhuma análise expressa pela
grande mídia comercial, pelas universidades e pela educação em geral pode olhar
a verdade de frente. Usam e abusam do método religioso de distorção da
realidade. São os serviçais do poder verdadeiramente
absolutista dos bancos e do sistema
financeiro (que governam sem nenhum tipo de Constituição ou respeito às
supostas instituições democráticas) e do irracionalismo religioso; e são também
inimigos irreconciliáveis da luz da razão, conforme pregavam os iluministas.
Estão entrincheirados definitivamente ao lado do antigo regime.
O racismo de classe
Em consonância com seu papel histórico,
a ideologia da burguesia brasileira adquire contornos racistas e de auto-colonização. Escravista no passado
e orgulhosamente semicolonial no presente, trouxe consigo para o século XXI o
ódio às classes dominadas, ao pobre, à ralé
brasileira, como uma herança maldita da qual não pode se desfazer sem
acabar com a sua própria dominação. Este racismo de classe impõe as piores
explicações para os fenômenos sociais, jogando a sua própria culpa como elite
que não tem a menor capacidade de resolver os problemas nacionais dos pobres,
como se estes fossem responsáveis pela sua própria miséria. Nesse sentido a
meritocracia é uma ideologia fundamental. No entanto, a própria elite nacional não
respeita qualquer princípio meritocrático
na sua conduta diária ou nas instituições políticas do país que ajudou a
construir e a manter (aí impera o nepotismo e a mentalidade patrimonialista e
clientelista, da qual é a primeira beneficiária e a principal mantenedora).
A sua grande “capacidade de desenvolvimento
econômico” é criar, como geralmente acontece no capitalismo, uma ilha de
prosperidade para si própria e para uma parte da classe média, enquanto mantém
um oceano de miséria e pobreza para o proletariado e o povo pobre, que irá se
dispor a ser explorado em qualquer serviço para conseguir sobreviver. A grande
preocupação dessa elite (que é reproduzida por uma parte da classe média),
portanto, é manter o estrito controle sobre os trabalhadores e o povo pobre a
partir de um desprezível discurso liberal utópico, irreal, que descamba para o
ódio e o medo; em síntese, da manipulação do irracionalismo da massa através da mídia comercial, da educação e
das igrejas.
A meritocracia serve para
culpabilizar os pobres
A ideologia da meritocracia tem duas
grandes funções: iludir os pobres de que um dia eles poderão se tornar ricos e,
ao mesmo tempo, culpá-los pela própria miséria. Assim, livra a cara do sistema,
esconde todas as suas culpas e falhas, dissimula os privilégios de classe e
seduz os trabalhadores com o discurso de que um dia eles poderão ser tão ricos
quanto a burguesia. Ou seja: corrompe as esperanças dos trabalhadores desde
pequenos, quando são ensinados na escola a aprender
para ser alguém na vida.
Assusta a quantidade de pobres que
pensam de forma meritocrática no Brasil. A meritocracia é o grilhão preso aos
pés dos trabalhadores pobres que serve para escravizá-los à própria condição
miserável em que se encontram; é o que retroalimenta suas ilusões baseados no
próprio egoísmo e hedonismo; em síntese: são os desenhos na parede da caverna moderna de Platão. É certo que a
mentalidade religiosa e a atual didática escolar ajudam a separar todos os
fenômenos em compartimentos isolados, como se um não tivesse nada a ver com o
outro, porém, há uma grande parcela que compra conscientemente o discurso
liberal burguês de empreendedorismo e
livre mercado, como se estes existissem realmente e os partidos e
empresários que os pregam estivessem de fato preocupados com a aplicação dos
seus “princípios”.
Livre mercado e
empreendedorismo pra quem?
A meritocracia, que justifica a pobreza
e a exploração culpando os pobres, encontra seu ponto alto nas ilusões de que a
solução para os problemas do Brasil seria a aplicação
dos princípios liberais do livre mercado e do empreendedorismo.
A “nossa” burguesia nacional
“empreendedora e liberal”, muito bem expressa no governo eleito que assumirá o
poder em 2019, sustenta uma política econômica de desindustrialização, de
desvalorização monetária, sem nenhum centavo de investimento em ciência ou tecnologia
e que bate continência ao imperialismo yankee,
se subordinando com toda a gula de
uma camarilha parasitária ao sistema financeiro, aos bancos e aos monopólios e
trustes que controlam com mãos de ferro o mercado mundial. Teme a morte o
choque com o imperialismo para investir em qualquer país do exterior (seja na
América Latina, África ou Ásia) e mesmo para desenvolver o próprio mercado
interno ou a indústria nacional. Nesse sentido, cabe perguntar: empreendedorismo
do quê? Livre mercado para quem?
Para a elite nacional, o liberalismo
econômico e o seu “livre mercado” se resumem como a melhor forma de controlar o
Estado e garantir o seu orçamento para sustentar parasitariamente as empresas
privadas, os monopólios imperialistas e o agronegócio. Atualmente é uma das
mais nefastas ideologias de dominação e confusão. Ela é complementada por
aquela outra ideologia brasileira, muito disseminada por intelectuais e pela
mídia comercial, de que o Estado é ineficiente para resolver os problemas do
país e o mercado é a solução. Na verdade, o que está por trás dela é a disputa
pelos recursos do Estado e o ocultamento de que todos os serviços e empresas
públicas são sistematicamente sabotados pela política de privatização aplicada
por todos os governos burgueses.
Este controle parasitário do Estado pela
elite nacional, somado à sua visão capitalista de como se inserir no mercado
mundial, esconde por todos os meios que é ela própria que cria inúmeros
impostos e burocracias sobre quem quer empreender; isto é, entrava a vida dos
pequenos-empresários e dos profissionais liberais. Tudo isso fica escondido sob
mil véus de hipocrisias e distorções, cabendo culpar o próprio Estado ou mesmo
um “comunismo” fictício pela impossibilidade real de empreender. Os verdadeiros
culpados não passam apenas completamente desapercebidos, mas são tratados como
heróis: a própria elite nacional, o imperialismo e os seus intelectuais.
Portanto, todo o empreendedorismo e o livre
mercado defendidos pelos partidos burgueses – do PSDB de FHC, Dória, Aécio
e Alckmin, passando pelo Dem, MDB, PP, PSL, até a farsa do Partido “Novo” de
Amoedo, do “Podemos”, do MBL e do próprio PT (dentre outros) –, pela mídia
comercial e por centenas de milhares de intelectuais dentro e fora das
universidades, não passa de uma grande enganação! É uma das mais perniciosas e
hipócritas ideologias brasileiras, voltadas a apresentar uma utopia reacionária como “saída” para o
povo, quando, na verdade, sob o capitalismo o Brasil jamais poderá superar sua
condição de subordinação periférica no mercado mundial, a qual agrada muito a
elite nacional.
***
Para o liberalismo clássico, a desigualdade
social é inevitável, natural e desejável, sendo a própria base de funcionamento
do capitalismo. Porém, sempre sustentou a tese contraditória de que o “crescimento
do bolo” beneficiaria a todos de alguma forma. Ao contrário disso, temos visto
o capitalismo imperialista degenerar de tal forma que as desigualdades
transformaram-se em abismos intransponíveis e quase o bolo inteiro é solapado
pela mão invisível do sistema
financeiro e da dívida pública, que condena centenas de milhares de pessoas à
fome, à miséria “democrática” e à morte.
A extrema necessidade dos pobres serviria
para obrigá-los a trabalhar e a “empreender”. Esta desculpa tem se tornado a pior
forma de escravidão e humilhação do povo, pois o subemprego e o desemprego
obrigam milhões a trabalharem desumanamente, quase de graça, e a não receberem
nem 5% da riqueza que produzem. Assim, temos desmistificado pela prática social
as principais falácias do liberalismo.
O Brasil nasceu pra ser
agrário e atrasado: o complexo de vira-lata!
Durante séculos a elite nacional plantou
a ideia de que o Brasil tinha uma vocação
agrária pelo seu tamanho, diversidade da flora e da fauna, e sua grande
capacidade de impulsionar a agropecuária. Embora isso seja verdade, não quer
dizer necessariamente que a economia brasileira deva se restringir apenas à
agricultura. Segundo a Rede Globo, o Agro
é pop! Isso é uma ideologia antiga que serve perfeitamente aos interesses
do agronegócio atual. Assim como somos um país “bonito por natureza”, também
temos grandes potenciais humanos e urbanos que são conscientemente
subaproveitados, dado o baixo investimento em educação, ciência, tecnologia e
indústria. Grandes potencialidades humanas são desperdiçadas todos os anos
porque a estrutura social está voltada para manter o país como plataforma de
exportação de matérias-primas na periferia do mercado mundial, garantindo,
dentre outras coisas, grandes taxas de juros aos bancos nacionais e internacionais.
Isto não é uma fatalidade econômica ou
divina, como eles dão a entender, mas uma opção política de aceitar a sentença
que nos foi dada pelo mercado capitalista. A pobreza em que vegeta a maior
parte da nossa população a condena a modos de vida arcaicos, selvagens e
bárbaros; numa palavra: desumanos! A
elite, então, prega a pecha de que o nosso povo é incapaz do progresso; pode
ser tratado apenas como “burro de carga”, fazendo os trabalhos mais penosos e
embrutecedores em nome dos privilégios de poucos e, através destes, satisfazendo
os interesses do mercado mundial.
O que, de fato, temos que nos perguntar é
se somos geneticamente atrasados, como eles querem nos fazer crer, ou se a
nossa condição econômica é uma herança colonial não superada? As condições
sociais e econômicas da maioria do povo e da situação geral do país tende a nos
fazer pensar que somos incapazes, mas isso, no entanto, foi um complexo introjetado
no inconsciente coletivo nacional,
nos fazendo crer que somos vira-latas, enquanto os estadunidenses e os europeus
são de pedigrees mais refinados.
A violência social é causa
ou consequência dos problemas econômicos do país?
Para muitos intelectuais e ideólogos da
grande burguesia o principal problema do país não seria a roubalheira
institucionalizada dos bancos, das grandes empresas, do agronegócio, do
empresariado nacional e internacional, como, por exemplo, o serviço de
pagamento da dívida pública, que quanto mais se paga, mais se deve; mas o crime e a violência urbana. A
desregulamentação do mercado e do setor financeiro geram estas monstruosidades,
que legalizam a corrupção e os superlucros, levando, consequentemente, à
miséria social e à ausência de investimentos nos serviços públicos.
As demais mazelas do capitalismo, como o
desemprego, o subemprego, a falta de perspectiva política, econômica, cultural
e artística, contribuem para que muitas pessoas busquem uma “saída” no tráfico
de drogas e no crime organizado. É uma questão de vida ou morte. Poucos resistem e sobrevivem a toda a lógica social,
que leva a isso.
Os programas policiais que são transmitidos
no horário nobre da televisão brasileira ajudam a reforçar a ideologia de que o
principal problema do país é a violência social, simplificando uma realidade
extremamente complexa, criminalizando a pobreza e ajudando a despertar o ódio
nas camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores e da classe média contra os
favelados e os pobres em geral, como se o grande (e único) problema do país
fosse policial; isto é: polícia x bandido
e tráfico de drogas. Assim, eles doutrinam cotidianamente centenas de milhares
de mentes a “combater” as consequências e não as causas. Aram o campo para se
plantar a semente do bandido bom é
bandido morto, visando sempre defender a propriedade acima de tudo e os
privilégios da elite.
Ordem e progresso para
mantermo-nos como uma semicolônia eterna
Outra ideologia burguesa transformada em
senso comum versa sobre a ideia de que a ordem e o progresso do capitalismo
podem nos fazer avançar ao desenvolvimento dos países imperialistas da Europa e
dos EUA. Este raciocínio raso afirma que: “basta
que o povo trabalhe certinho, não cometa nenhuma pequena corrupção, vote ‘corretamente’,
evite o tráfico de drogas, invista na ‘ordem e no progresso’ trabalhando para o
seu patrão sem questioná-lo, não o importune com reivindicações salariais ou de
condições de trabalho, e o Brasil alcançará os países desenvolvidos” (reparem o termo capciosamente criado
para nos fazer acreditar neste conto de fadas: países desenvolvidos x países
subdesenvolvidos).
Ou seja, incutiram no povo a partir de uma
longa doutrinação de que a sua grande tarefa é continuar fazendo o que está
fazendo – ser brutalmente explorado –, bem como o Brasil sendo o que é –
periferia do mercado mundial, produtor de comodities e matérias-primas a preço
de banana, devedor eterno de juros recordes aos banqueiros –, que conseguiremos
atingir o nível de um país desenvolvido, como os EUA ou algum europeu. Não há nada
mais falso! Esta ideologia serve como um dique de contenção de qualquer
raciocínio sério e independente sobre os reais problemas do Brasil.
O povo brasileiro e latino-americano (e, em
especial, a sua classe média) cria uma imagem idealizada dos países da Europa e
dos EUA. Esta falsa visão dicotômica redunda na ideologia de que os povos
europeus e os EUA são destinados à liderança do mundo por suas virtudes
intrínsecas, enquanto que os povos latino-americanos e dos demais continentes
são predestinados à submissão servil e escravocrata. O grande fato ocultado por
esta ideologia é que a exploração
histórica do nosso continente propiciou as condições para o surgimento de
sociedades avançadas na Europa e na América do Norte. Essa exploração não cessou
com as “independências nacionais” das repúblicas da América Latina; apenas
mudaram sua forma. Em síntese: a vida boa e o alto desenvolvimento da Europa e dos EUA estão assentados sobre o subdesenvolvimento e a miséria dos
demais continentes.
Sendo assim, nenhuma ordem e progresso, boa
educação ou imparcialidade da Justiça
podem ser garantidoras de um desenvolvimento social. Não que a nossa educação
pública e a justiça (dominada por uma camarilha da época imperial) não tenham
muito o que melhorar e contribuir para o desenvolvimento do país, mas o fato,
porém, é que mesmo que elas “funcionassem” como as nossas ilusões esperam, não
poderiam romper com a nossa estrutura do atraso e com a periferia do mercado
mundial – motivo pelo qual não funcionam como deveriam. Apenas a ruptura com o
capitalismo periférico e dependente será capaz de criar as condições para que o
povo saia da sua condição subumana e possa desfrutar das próprias riquezas que
produz e das quais o país dispõem em abundância.
Um dos passos fundamentais nesse sentido é
passar um pente fino crítico em todas estas ideologias que servem como uma
forma de escravidão mental.
Certa vez li que Dom Pedro II e Nietzsche se conheceram pessoalmente. E parece que o Nietzsche simpatizou com o Dom Pedro. Achou ele inteligente e ilustrado. Não sei se teve tempo de notar baixa vontade de potência no homem...Acho que não...rs
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