quarta-feira, 28 de novembro de 2018

As ideologias brasileiras


A ideologia que impera em uma sociedade é, principalmente, a expressão das necessidades de justificar o poder de sua classe dominante. A ideologia brasileira, com suas milhares de ramificações, mistificações e fantasias reacionárias, é a expressão da classe dominante brasileira, historicamente conhecida por crescer à sombra do imperialismo na periferia do mercado mundial, além de professar valores escravocratas e de ódio ao próprio povo.
        O que diria o grande defensor da aristocracia e das classes dominantes, Nietzsche, sobre a elite brasileira? Teria ela a vontade de poder da monarquia absolutista francesa ou inglesa? Expressaria ela a potência criadora da aristocracia grega ou romana? De alguma forma a “nossa elite” daria exemplos de um triunfo da vontade que existe nas burguesias imperialistas norte-americana ou alemã?
        Será que Nietzsche teria coragem e honestidade filosófica para sustentar sua teoria sobre a superioridade aristocrática defendendo a elite brasileira? O fato é que a nossa classe dominante não pode ser defendida nem mesmo por um Nietzsche, porque é retrógrada em todos os campos, estúpida e sem vontade de poder, seja a nível internacional, seja pelo seu projeto de nação. Ela fala fininho e bate continência “patriótica” para os EUA e a Europa, enquanto engrossa a voz e demonstra toda a sua gana sociopata para controlar o povo brasileiro e os países latino americanos, visando manter seus pequenos privilégios e viver absurdamente bem em um paraíso tropical, enquanto a população passa fome.
Para isso, lança mão de todo o seu arsenal ideológico através de intelectuais mercenários que vivem na sua sombra, sem nenhum tipo de escrúpulos ou sem nenhum outro projeto nacional que não seja manter o país como um reles produtor de matérias-primas, aceitando satisfatoriamente viver na periferia do mercado mundial. Ou seja, se submete conscientemente ao poder do imperialismo e da sua superelite mundial. Aceita ser uma aristocracia de segunda ordem às custas da exploração, da miséria e da humilhação do seu próprio povo. Que belo patriotismo! Nesse sentido, necessita impor o espírito de rebanho não apenas ao seu próprio povo, mas a si própria, aceitando de bom grado a ordem internacional e o seu papel periférico nela.
        Esta forma de dominação e aceitação da realidade é transformada em ideologias que condensam e criam inúmeros mitos que são naturalizados e aceitos como normal pela maior parte da população. Sofremos diariamente um bombardeio ideológico marcado por um irracionalismo flagrante, muito bem arquitetado pelos ideólogos burgueses e imperceptível ao senso comum. Há uma cuidadosa doutrinação de centenas de milhares de mentes para se “combater” as consequências e não as causas. Isso tudo não seria possível sem que as universidades e a mídia comercial tivessem disseminado aos quatro cantos as ideologias pós-modernas que se centram no individualismo (negando os valores universais) e a auto-verdade, que afirma que basta “acreditar na sua própria verdade”, ignorando fatos, comprovações empíricas e experiências.
Na perspectiva de esclarecer este mar de confusão, intencionalmente criado e mantido, algumas das principais ideologias brasileiras estão reproduzidas (e desmascaradas) a seguir.

Medievalismo versus iluminismo
        A única vontade de poder da elite brasileira é sobre o seu próprio povo, visto como uma galinha dos ovos de ouro. Para governa-lo é fundamental uma distorção monstruosa da realidade (e, portanto, da verdade), feita permanentemente, baseada no culto ao ódio, no sadismo, no medievalismo, no misticismo religioso. A burguesia brasileira, portanto, não conhece e nunca conheceu o período das luzes, a filosofia iluminista e o seu tribunal da razão. Ao contrário, para sustentar esta estrutura social grotesca, que condena mais da metade da população à fome, à miséria e ao subemprego, precisa recorrer ao obscurantismo medieval e ao combate do iluminismo.
        Atualmente nenhuma análise expressa pela grande mídia comercial, pelas universidades e pela educação em geral pode olhar a verdade de frente. Usam e abusam do método religioso de distorção da realidade. São os serviçais do poder verdadeiramente absolutista dos bancos e do sistema financeiro (que governam sem nenhum tipo de Constituição ou respeito às supostas instituições democráticas) e do irracionalismo religioso; e são também inimigos irreconciliáveis da luz da razão, conforme pregavam os iluministas. Estão entrincheirados definitivamente ao lado do antigo regime.

O racismo de classe
        Em consonância com seu papel histórico, a ideologia da burguesia brasileira adquire contornos racistas e de auto-colonização. Escravista no passado e orgulhosamente semicolonial no presente, trouxe consigo para o século XXI o ódio às classes dominadas, ao pobre, à ralé brasileira, como uma herança maldita da qual não pode se desfazer sem acabar com a sua própria dominação. Este racismo de classe impõe as piores explicações para os fenômenos sociais, jogando a sua própria culpa como elite que não tem a menor capacidade de resolver os problemas nacionais dos pobres, como se estes fossem responsáveis pela sua própria miséria. Nesse sentido a meritocracia é uma ideologia fundamental. No entanto, a própria elite nacional não respeita qualquer princípio meritocrático na sua conduta diária ou nas instituições políticas do país que ajudou a construir e a manter (aí impera o nepotismo e a mentalidade patrimonialista e clientelista, da qual é a primeira beneficiária e a principal mantenedora).
        A sua grande “capacidade de desenvolvimento econômico” é criar, como geralmente acontece no capitalismo, uma ilha de prosperidade para si própria e para uma parte da classe média, enquanto mantém um oceano de miséria e pobreza para o proletariado e o povo pobre, que irá se dispor a ser explorado em qualquer serviço para conseguir sobreviver. A grande preocupação dessa elite (que é reproduzida por uma parte da classe média), portanto, é manter o estrito controle sobre os trabalhadores e o povo pobre a partir de um desprezível discurso liberal utópico, irreal, que descamba para o ódio e o medo; em síntese, da manipulação do irracionalismo da massa através da mídia comercial, da educação e das igrejas.

A meritocracia serve para culpabilizar os pobres
        A ideologia da meritocracia tem duas grandes funções: iludir os pobres de que um dia eles poderão se tornar ricos e, ao mesmo tempo, culpá-los pela própria miséria. Assim, livra a cara do sistema, esconde todas as suas culpas e falhas, dissimula os privilégios de classe e seduz os trabalhadores com o discurso de que um dia eles poderão ser tão ricos quanto a burguesia. Ou seja: corrompe as esperanças dos trabalhadores desde pequenos, quando são ensinados na escola a aprender para ser alguém na vida.
        Assusta a quantidade de pobres que pensam de forma meritocrática no Brasil. A meritocracia é o grilhão preso aos pés dos trabalhadores pobres que serve para escravizá-los à própria condição miserável em que se encontram; é o que retroalimenta suas ilusões baseados no próprio egoísmo e hedonismo; em síntese: são os desenhos na parede da caverna moderna de Platão. É certo que a mentalidade religiosa e a atual didática escolar ajudam a separar todos os fenômenos em compartimentos isolados, como se um não tivesse nada a ver com o outro, porém, há uma grande parcela que compra conscientemente o discurso liberal burguês de empreendedorismo e livre mercado, como se estes existissem realmente e os partidos e empresários que os pregam estivessem de fato preocupados com a aplicação dos seus “princípios”.

Livre mercado e empreendedorismo pra quem?
        A meritocracia, que justifica a pobreza e a exploração culpando os pobres, encontra seu ponto alto nas ilusões de que a solução para os problemas do Brasil seria a aplicação dos princípios liberais do livre mercado e do empreendedorismo.
        A “nossa” burguesia nacional “empreendedora e liberal”, muito bem expressa no governo eleito que assumirá o poder em 2019, sustenta uma política econômica de desindustrialização, de desvalorização monetária, sem nenhum centavo de investimento em ciência ou tecnologia e que bate continência ao imperialismo yankee, se subordinando com toda a gula de uma camarilha parasitária ao sistema financeiro, aos bancos e aos monopólios e trustes que controlam com mãos de ferro o mercado mundial. Teme a morte o choque com o imperialismo para investir em qualquer país do exterior (seja na América Latina, África ou Ásia) e mesmo para desenvolver o próprio mercado interno ou a indústria nacional. Nesse sentido, cabe perguntar: empreendedorismo do quê? Livre mercado para quem?
        Para a elite nacional, o liberalismo econômico e o seu “livre mercado” se resumem como a melhor forma de controlar o Estado e garantir o seu orçamento para sustentar parasitariamente as empresas privadas, os monopólios imperialistas e o agronegócio. Atualmente é uma das mais nefastas ideologias de dominação e confusão. Ela é complementada por aquela outra ideologia brasileira, muito disseminada por intelectuais e pela mídia comercial, de que o Estado é ineficiente para resolver os problemas do país e o mercado é a solução. Na verdade, o que está por trás dela é a disputa pelos recursos do Estado e o ocultamento de que todos os serviços e empresas públicas são sistematicamente sabotados pela política de privatização aplicada por todos os governos burgueses.
        Este controle parasitário do Estado pela elite nacional, somado à sua visão capitalista de como se inserir no mercado mundial, esconde por todos os meios que é ela própria que cria inúmeros impostos e burocracias sobre quem quer empreender; isto é, entrava a vida dos pequenos-empresários e dos profissionais liberais. Tudo isso fica escondido sob mil véus de hipocrisias e distorções, cabendo culpar o próprio Estado ou mesmo um “comunismo” fictício pela impossibilidade real de empreender. Os verdadeiros culpados não passam apenas completamente desapercebidos, mas são tratados como heróis: a própria elite nacional, o imperialismo e os seus intelectuais.
        Portanto, todo o empreendedorismo e o livre mercado defendidos pelos partidos burgueses – do PSDB de FHC, Dória, Aécio e Alckmin, passando pelo Dem, MDB, PP, PSL, até a farsa do Partido “Novo” de Amoedo, do “Podemos”, do MBL e do próprio PT (dentre outros) –, pela mídia comercial e por centenas de milhares de intelectuais dentro e fora das universidades, não passa de uma grande enganação! É uma das mais perniciosas e hipócritas ideologias brasileiras, voltadas a apresentar uma utopia reacionária como “saída” para o povo, quando, na verdade, sob o capitalismo o Brasil jamais poderá superar sua condição de subordinação periférica no mercado mundial, a qual agrada muito a elite nacional.
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        Para o liberalismo clássico, a desigualdade social é inevitável, natural e desejável, sendo a própria base de funcionamento do capitalismo. Porém, sempre sustentou a tese contraditória de que o “crescimento do bolo” beneficiaria a todos de alguma forma. Ao contrário disso, temos visto o capitalismo imperialista degenerar de tal forma que as desigualdades transformaram-se em abismos intransponíveis e quase o bolo inteiro é solapado pela mão invisível do sistema financeiro e da dívida pública, que condena centenas de milhares de pessoas à fome, à miséria “democrática” e à morte.
        A extrema necessidade dos pobres serviria para obrigá-los a trabalhar e a “empreender”. Esta desculpa tem se tornado a pior forma de escravidão e humilhação do povo, pois o subemprego e o desemprego obrigam milhões a trabalharem desumanamente, quase de graça, e a não receberem nem 5% da riqueza que produzem. Assim, temos desmistificado pela prática social as principais falácias do liberalismo.

O Brasil nasceu pra ser agrário e atrasado: o complexo de vira-lata!
        Durante séculos a elite nacional plantou a ideia de que o Brasil tinha uma vocação agrária pelo seu tamanho, diversidade da flora e da fauna, e sua grande capacidade de impulsionar a agropecuária. Embora isso seja verdade, não quer dizer necessariamente que a economia brasileira deva se restringir apenas à agricultura. Segundo a Rede Globo, o Agro é pop! Isso é uma ideologia antiga que serve perfeitamente aos interesses do agronegócio atual. Assim como somos um país “bonito por natureza”, também temos grandes potenciais humanos e urbanos que são conscientemente subaproveitados, dado o baixo investimento em educação, ciência, tecnologia e indústria. Grandes potencialidades humanas são desperdiçadas todos os anos porque a estrutura social está voltada para manter o país como plataforma de exportação de matérias-primas na periferia do mercado mundial, garantindo, dentre outras coisas, grandes taxas de juros aos bancos nacionais e internacionais.
Isto não é uma fatalidade econômica ou divina, como eles dão a entender, mas uma opção política de aceitar a sentença que nos foi dada pelo mercado capitalista. A pobreza em que vegeta a maior parte da nossa população a condena a modos de vida arcaicos, selvagens e bárbaros; numa palavra: desumanos! A elite, então, prega a pecha de que o nosso povo é incapaz do progresso; pode ser tratado apenas como “burro de carga”, fazendo os trabalhos mais penosos e embrutecedores em nome dos privilégios de poucos e, através destes, satisfazendo os interesses do mercado mundial.
O que, de fato, temos que nos perguntar é se somos geneticamente atrasados, como eles querem nos fazer crer, ou se a nossa condição econômica é uma herança colonial não superada? As condições sociais e econômicas da maioria do povo e da situação geral do país tende a nos fazer pensar que somos incapazes, mas isso, no entanto, foi um complexo introjetado no inconsciente coletivo nacional, nos fazendo crer que somos vira-latas, enquanto os estadunidenses e os europeus são de pedigrees mais refinados.

A violência social é causa ou consequência dos problemas econômicos do país?
        Para muitos intelectuais e ideólogos da grande burguesia o principal problema do país não seria a roubalheira institucionalizada dos bancos, das grandes empresas, do agronegócio, do empresariado nacional e internacional, como, por exemplo, o serviço de pagamento da dívida pública, que quanto mais se paga, mais se deve; mas o crime e a violência urbana. A desregulamentação do mercado e do setor financeiro geram estas monstruosidades, que legalizam a corrupção e os superlucros, levando, consequentemente, à miséria social e à ausência de investimentos nos serviços públicos.
        As demais mazelas do capitalismo, como o desemprego, o subemprego, a falta de perspectiva política, econômica, cultural e artística, contribuem para que muitas pessoas busquem uma “saída” no tráfico de drogas e no crime organizado. É uma questão de vida ou morte. Poucos resistem e sobrevivem a toda a lógica social, que leva a isso.
        Os programas policiais que são transmitidos no horário nobre da televisão brasileira ajudam a reforçar a ideologia de que o principal problema do país é a violência social, simplificando uma realidade extremamente complexa, criminalizando a pobreza e ajudando a despertar o ódio nas camadas mais bem remuneradas dos trabalhadores e da classe média contra os favelados e os pobres em geral, como se o grande (e único) problema do país fosse policial; isto é: polícia x bandido e tráfico de drogas. Assim, eles doutrinam cotidianamente centenas de milhares de mentes a “combater” as consequências e não as causas. Aram o campo para se plantar a semente do bandido bom é bandido morto, visando sempre defender a propriedade acima de tudo e os privilégios da elite.

Ordem e progresso para mantermo-nos como uma semicolônia eterna
        Outra ideologia burguesa transformada em senso comum versa sobre a ideia de que a ordem e o progresso do capitalismo podem nos fazer avançar ao desenvolvimento dos países imperialistas da Europa e dos EUA. Este raciocínio raso afirma que: “basta que o povo trabalhe certinho, não cometa nenhuma pequena corrupção, vote ‘corretamente’, evite o tráfico de drogas, invista na ‘ordem e no progresso’ trabalhando para o seu patrão sem questioná-lo, não o importune com reivindicações salariais ou de condições de trabalho, e o Brasil alcançará os países desenvolvidos (reparem o termo capciosamente criado para nos fazer acreditar neste conto de fadas: países desenvolvidos x países subdesenvolvidos).
Ou seja, incutiram no povo a partir de uma longa doutrinação de que a sua grande tarefa é continuar fazendo o que está fazendo – ser brutalmente explorado –, bem como o Brasil sendo o que é – periferia do mercado mundial, produtor de comodities e matérias-primas a preço de banana, devedor eterno de juros recordes aos banqueiros –, que conseguiremos atingir o nível de um país desenvolvido, como os EUA ou algum europeu. Não há nada mais falso! Esta ideologia serve como um dique de contenção de qualquer raciocínio sério e independente sobre os reais problemas do Brasil.
O povo brasileiro e latino-americano (e, em especial, a sua classe média) cria uma imagem idealizada dos países da Europa e dos EUA. Esta falsa visão dicotômica redunda na ideologia de que os povos europeus e os EUA são destinados à liderança do mundo por suas virtudes intrínsecas, enquanto que os povos latino-americanos e dos demais continentes são predestinados à submissão servil e escravocrata. O grande fato ocultado por esta ideologia é que a exploração histórica do nosso continente propiciou as condições para o surgimento de sociedades avançadas na Europa e na América do Norte. Essa exploração não cessou com as “independências nacionais” das repúblicas da América Latina; apenas mudaram sua forma. Em síntese: a vida boa e o alto desenvolvimento da Europa e dos EUA estão assentados sobre o subdesenvolvimento e a miséria dos demais continentes.
Sendo assim, nenhuma ordem e progresso, boa educação ou imparcialidade da Justiça podem ser garantidoras de um desenvolvimento social. Não que a nossa educação pública e a justiça (dominada por uma camarilha da época imperial) não tenham muito o que melhorar e contribuir para o desenvolvimento do país, mas o fato, porém, é que mesmo que elas “funcionassem” como as nossas ilusões esperam, não poderiam romper com a nossa estrutura do atraso e com a periferia do mercado mundial – motivo pelo qual não funcionam como deveriam. Apenas a ruptura com o capitalismo periférico e dependente será capaz de criar as condições para que o povo saia da sua condição subumana e possa desfrutar das próprias riquezas que produz e das quais o país dispõem em abundância.
Um dos passos fundamentais nesse sentido é passar um pente fino crítico em todas estas ideologias que servem como uma forma de escravidão mental.

Um comentário:

  1. Certa vez li que Dom Pedro II e Nietzsche se conheceram pessoalmente. E parece que o Nietzsche simpatizou com o Dom Pedro. Achou ele inteligente e ilustrado. Não sei se teve tempo de notar baixa vontade de potência no homem...Acho que não...rs

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