1.
Era uma vez uma fazenda chamada
Pindorama. Ela se estendia por terras grandes e férteis, tendo por principal
atividade a suíno e avicultura. Criava animais de genética apurada, com bichos
desenvolvidos para a produção de carnes nobres. Durante décadas foi administrada
por uma união entre os proprietários humanos, os cachorros e os porcos mais
fortes, chamados de “aristocratas”. A grande prosperidade para os humanos e os
porcos aristocratas, no entanto, despertou a revolta nos porcos pobres e nos
perus.
Eles passaram, então, a desafiar
essa autoridade. “Faremos uma revolução dos bichos!”, gritavam os porcos pobres
e os perus. Para tentar controlar esse descontentamento, se criou uma nova administração
entre os humanos, os cachorros, os porcos aristocratas e a união dos porcos pobres.
Tudo se acalmou durante um tempo. Os humanos continuaram comendo bacon e
lucrando, os cachorros os ossos e os porcos aristocratas as melhores rações, à
base de milho e soja. Os porcos pobres, que se contentavam apenas com a lavagem
e os restos, agora ganhavam a “bolsa ração”, implementada pelos representantes
dos porcos pobres na nova administração.
“Somos uma fazenda feliz, próspera e
humana”, diziam os proprietários, repetiam os cachorros e os porcos. E a
fazenda realmente enriquecia e centenas de milhares de reais afluíam de
Pindorama, somado aos caminhões que saíam de lá levando carregamentos de bacon
e de peito de peru.
2.
Sobreveio então uma crise econômica e o caos
geral se instaurou. Os humanos se atolaram em dívidas com suas diversas
fazendas de outras regiões e se esquecerem de Pindorama. A grama se transformou
em mato alto; as máquinas enferrujaram; o ambiente das instalações se tornou insalubre e muitos porcos e perus morreram de fome, frio ou de doenças. Pra
piorar, lobos ferozes passaram a atacar a fazenda, saqueando e devorando os
porcos que sobreviveram. Apesar disso, Pindorama era resistente e tinha grande
potencial natural. Por mais destruída e saqueada que fosse, sempre estava lá,
de pé e pujante.
Como viviam na “casa grande”, os cachorros e
os porcos aristocratas escapavam de todos os ataques dos lobos; ou mesmo da
fome, do frio e das doenças. Mas como a ração começou a escassear lá também e
por se verem totalmente desamparados pelos humanos, cachorros, porcos
aristocratas e porcos pobres começaram a brigar entre si. Os cachorros e os
aristocratas afirmavam que toda a culpa era dos porcos pobres na administração,
que roubavam ração e estavam envolvidos nos escândalos de desvio de bacon.
Por mais que se esforçassem em dizer o
contrário, a união dos porcos pobres tinha sido definitivamente excluído da
“casa grande”.
3.
Os porcos pobres das pocilgas e dos
chiqueiros e os perus começaram a se desesperar e a expressar certo
descontentamento. Os porcos pentecostais rezavam e eram incitados pelos porcos
pastores à acusar a união dos porcos pobres como o responsável pela situação.
Nisso eram seguidos pelos porcos leigos e pelos perus, que tentavam encontrar
alguma explicação em meio àquele caos.
Os porcos proletários, contudo, conscientes
de toda aquela situação terrível e inconciliáveis com a união dos porcos pobres,
procuravam alertar toda Pindorama: “Temos que fazer como na Granja do Solar:
tomar o controle da administração, expulsar os humanos, os cachorros e os
porcos aristocráticos”. Insistiam ainda que um dos grandes problemas era o
consumo de carne dos humanos: “Enquanto forem carnívoros e quiserem apenas
lucrar com a nossa carne, a nossa situação só vai piorar!”.
Muitos porcos imediatistas ficavam aflitos:
“Como mudar tudo isso?”, diziam uns; “O melhor mesmo seria continuar levando a
nossa vida, ganhando a nossa lavagem que, afinal de contas, estava garantida”,
afirmavam outros. Os porcos pentecostais ganhavam terreno, pregando o paraíso
no post-mortem, onde a lavagem
jorraria como água desde que se trabalhasse e se aceitasse esse mundo tal como
ele era.
4.
Subitamente os humanos reapareceram
e exigiram a mudança de toda a forma de organização e administração de
Pindorama. Decretaram uma austeridade profunda visando um rendimento maior da
fazenda: “Somente assim poderemos sair do vermelho e ter prosperidade novamente”,
eles se justificavam. Tencionaram os cachorros para que começassem o trabalho,
mas estes estavam velhos e cansados. Exigiu que os porcos aristocratas
expulsassem os porcos pobres da administração: “Eles desviaram ração e bacon,
ora bolas, onde já se viu uma coisa dessas?”.
Então a união dos porcos pobres,
depois de longos e profundos serviços prestados aos proprietários humanos,
foram expulsos como porcos imundos e infames. Toda Pindorama falava sobre eles:
“Roubaram ração e bacon, que absurdo”! “São ateístas, deus nos livre!”, diziam
os porcos pentecostais. “Foi o maior escândalo de corrupção de Pindorama;
talvez de todas as fazendas do mundo!”, diziam os porcos aristocratas.
Os ventos estavam mudando. Os porcos
proletários perceberam e denunciaram: “Estão sendo expulsos da ‘casa grande’
porque não servem mais; querem nos explorar de outras formas!”. A maioria dos
porcos das pocilgas e dos chiqueiros ouvia tudo aquilo, mas não queria
entender. Percebendo a agitação no meio dos porcos e dos perus, os humanos
compreenderam que precisavam fazer algo urgentemente.
5.
“Eu sou a mudança”, disse o lobo de
cima do palanque improvisado, “os cachorros não servem mais e os porcos que
estavam na administração estão totalmente corrompidos”. Parte dos ouvintes levantaram
as orelhas e começaram a prestar atenção.
Os porcos proletários, percebendo
para onde as coisas estavam se encaminhando, interviram: “Este lobo não pode
representar mudança alguma; até ontem estava nos atacando e devorando nossos
irmãos”. Parte dos ouvintes ficou desconfortável. Um porco se levantou e disse:
“O que vocês propõem, então?”.
“Nós temos que tomar o poder dentro
de Pindorama, tal como na Granja do Solar e criarmos um governo dos porcos,
para os porcos, junto dos seus aliados perus; que cesse totalmente a carnificina
animal; libertemos os porcos e os perus das suas prisões; proibamos a venda de
carne”. Alguns porcos mais a frente ficaram completamente desnorteados. Um
princípio de vaia começou a se ouvir.
“Vocês são loucos”, um daqueles
porcos da frente começou a falar, “isso não deu certo em lugar nenhum; olhem
para a Granja do Solar; se lembram de como ela terminou?”. “Isso mesmo”,
gritaram outros que nem sabia do que se estava falando, “Fora comunistas!
Precisamos retomar Pindorama como ela era”. Um porco subiu num balde e
proclamou: “Pindorama acima de tudo!”.
6.
“Um dos grandes problemas foi que os
cachorros e os porcos que administraram Pindorama estavam comendo bacon e peito
de peru, enquanto que vocês passavam fome, com uma lavagem racionada”, disse o
lobo, no comício do dia seguinte. Parte dos porcos começou a ovacioná-lo. “Em
nome de deus, eu digo a todos vocês que vamos superar essa crise e fazer
Pindorama voltar a ser grande!”, exaltou-se o lobo, abraçando um porco
pentecostal.
Os porcos proletários tentavam
panfletear, conversar, alertar. Porém, foram esmagados por uma massa de porcos
que estavam em torno do lobo, quase o cultuando. “Queremos bacon também!”,
gritou um porco que estava do lado do lobo. “Sim, votem em mim e vocês terão
bacon; muito bacon!”, falou o lobo com uma voz grave de locutor. “Chega dessa
roubalheira aqui”, prosseguiu o lobo, “vamos transformar Pindorama num lugar
humanizado e decente; não podemos mais tolerar gorgolejada desses perus”,
bradou o lobo. “Sim, é isso mesmo!”, disseram os porcos quase em uníssono, para
desespero dos porcos proletários, que estavam olhando tudo escanteados.
Liderados pelo lobo, eles saíram com
suas tochas medievais, adentraram a zona das gaiolas dos perus, que ficaram
felizes em ver aquela rebelião, mas quando foram soltos começaram a ser mortos
sem piedade e, logo a seguir, desossados. Foi uma grande carnificina de aves
que encheu Pindorama com rios de sangue.
7.
“O que vocês querem?”, gritava o
lobo, observado pelos humanos da janela da “casa grande”. “Queremos bacon!”, os
porcos gritavam, “É isso que vocês terão!”, ele respondia. Os cachorros foram
definitivamente dispensados da “casa grande”, passando a morar na rua. Os
porcos aristocratas tentavam se aproximar do lobo, para ver se conseguiam
alguma função na nova administração. O lobo, por sua vez, os ignorava. Estava
em êxtase; era o senhor de toda a situação. Já existiam quatro lobos em volta
daquela assembleia, como sentinelas do lobo líder. “Vamos desossar toda essa
peruzada”, já gritava o lobo líder para delírio dos porcos, que pulavam e
clamavam por ele.
“Vejam só”, alertavam os porcos
proletários, “já temos mais quatro lobos a nos espreitar; vão nos devorar aqui
mesmo”. “Calem a boca”, gritavam parcelas significativas de porcos, que estavam
vidrados na figura do lobo líder. Outra parcela dos porcos começou a exigir a
saída deles daquela assembleia: “fora daqui seus porcalhões; do jeito que
Pindorama tava não dava mais”.
8.
Então o lobo líder foi eleito com
uma grande margem de votos, para o grande júbilo dos porcos de Pindorama e dos
seus proprietários. Os mercados já acenaram com a alta das ações na bolsa.
Pindorama voltaria aos seus tempos gloriosos.
“Finalmente teremos bacon agora”,
disse um porco para o outro na fila do matadouro.
“É bacon o que vocês querem?”, falou o lobo
líder de cima da máquina que fazia a esteira do matadouro andar, sob o olhar
atento dos humanos e dos porcos aristocráticos.
“Siiiiiiiim!”, eles responderam em
uníssono e cheios de admiração.
“Pois então é bacon que vocês
terão!”, disse o lobo líder apertando o botão.
FIM
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