quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Afinal, o que é a Venezuela?


Nesta campanha eleitoral a elite brasileira e os seus partidos tem abusado do discurso de que o “regime socialista” da Venezuela levou o país à crise e à fuga de venezuelanos para o Brasil. Eles teriam razão? Os meios de comunicação fariam uma cobertura justa? Afinal de contas, o que é a Venezuela?


Este país, que se encontra ao norte do Brasil, possui um dos maiores reservatórios de petróleo do mundo, além de grandes reservas de ouro, alumínio e água potável. A história política da Venezuela é marcada pelo controle de poucas famílias sobre as melhores e maiores terras, enquanto uma oligarquia urbana se adonou das riquezas proporcionadas pela renda do petróleo e da exploração do ouro.
Por este motivo, até a ascensão de Hugo Chávez ao poder, a Venezuela era conhecida como a “Arábia Saudita da América Latina”: um paraíso de riqueza para uma pequena elite nacional e para o imperialismo. Na Venezuela haviam 5 milhões de pessoas sem direitos civis e mais de 2 milhões de crianças que não iam a escola. O analfabetismo era galopante e a miséria assustadora. Não eram apenas as favelas que esmagavam os prédios e condomínios de luxo, mas a fome, que era presente e a ameaçava diariamente milhões de venezuelanos que quando tinham almoço, muitas vezes não tinham jantar.
A PDVSA (Petróleo de Venezuela - Sociedade Anônima; semelhante à Petrobrás) já existia e sempre foi estatal. Ela se dedica a exploração, produção, refino, comercialização e transporte de petróleo na Venezuela. A diferença entre os governos anteriores a Chávez é que a renda petroleira ficava restrita a uma elite parasitária que tinha a única finalidade de enriquecer a si própria e as empresas estrangeiras, suas sócias maiores; Chávez passou a investir parte desta renda na sociedade venezuelana e privou a elite e estas empresas estrangeiras deste lucrativo rentismo parasitário.
Ficou famosa a declaração de um pobre venezuelano, reproduzida por Eduardo Galeano, em que ele defendia o governo de Chávez contra um novo golpe. Ele disse: “Não quero que Chávez se vá porque não quero voltar a ser invisível”.
Em função dessa situação de miséria para o povo e de riqueza abundante para uma minoria – comum à toda a América Latina –, houveram momentos de rebelião popular que não lograram conquistar o poder. A primeira se deu no chamado “caracaço”, em 1989, onde centenas de milhares de trabalhadores foram às ruas contra a carestia de vida, mas terminaram duramente reprimidos pelo exército, que matou mais de 1000 pessoas. Em 1992 Hugo Chávez tenta dirigir um “golpe de Estado” contra a antiga elite, comandando cerca de 300 soldados. A tentativa fracassa. Não foi a única vez em que Chávez esteve desconectado da mobilização direta das massas.
Formalmente eleito como presidente da República em 1998, Chávez inicia um processo de investimentos sociais com base na renda petroleira: coloca 2 milhões de crianças na escola, investe parte do dinheiro em saúde e educação, cria moradias populares, realiza parte de uma reforma agrária, distribuindo terras, e incentiva os artesãos locais. Porém, Chávez nunca tocou na propriedade privada e no capital. Empresas nacionais e estrangeiras não ligadas ao petróleo operam e exploram a mão de obra livremente na Venezuela. O papel cumprido por Chávez pode ser comparado ao de Lula no Brasil, embora de forma mais radical, pois houveram enfrentamentos diretos com a elite nacional.
Em 2002 a elite venezuelana tenta dar um golpe de Estado para derrubar Chávez, prendendo-o, mas este é aclamado pela massa, que desce das favelas, toma as armas nos quartéis e o tira da cadeia. Chávez, então, ao invés de propor a criação de uma nova democracia e de novas instituições que avancem efetivamente sobre a propriedade privada, uma vez que já tinha sido levado de volta ao poder, conclama a massa a devolver as armas e voltar para as suas casas. A massa segue a orientação dada por ele. Logo após esta tentativa frustrada de golpe em abril de 2002, a elite venezuelana, livre, leve e solta, continua dificultando a vida do governo e, em dezembro, inicia uma operação de sabotagem na PDVSA: destrói parte do seu maquinário, queima poços de petróleo, mina o seu transporte e comércio. Novamente a massa de trabalhadores se levanta contra esta tentativa e a derrotam, mas o chavizmo nada faz contra a elite venezuelana, que continua livre, leve e solta, tendo total controle sobre o capital.
A história recente da Venezuela é marcada por esta guerra não declarada entre a elite e o movimento chavizta, entrecortado por inúmeras tentativas de golpes de Estado. O que nós, brasileiros, estamos voltando a conhecer somente agora.
O assim batizado por Chávez “socialismo do século 21” ou o seu “regime bolivariano” nada tem de socialista. Não mexeu na propriedade privada dos meios de produção. Pretende patrocinar o desenvolvimento social a partir do Estado capitalista, respeitando e fortalecendo as instituições democrático-burguesas. Nesse intento, choca-se inevitavelmente com a elite nacional e estrangeira, ávida por colocar as mãos na totalidade dos recursos do petróleo. Por certo é mais progressivo do que todos os governos da América Latina, inclusive os do PT, mas isso não o transforma em “socialista” e, tampouco, em revolucionário. Todas as estruturas políticas e econômicas centrais do regime burguês estão preservadas.
O que há na Venezuela, então, é uma disputa entre a elite e o governo chavizta pelos despojos da exploração petroleira. Para a elite latino-americana, obsessivamente anti-comunista, isso é “socialismo”, mesmo que a propriedade privada dos meios de produção e o capital sigam intactos. O sucessor de Hugo Chávez, Nicolas Maduro, segue a mesma política do seu mestre. Porém, a crise internacional se agravou: os preços do barril de petróleo despencaram, a elite venezuelana, a partir do seu controle sobre o capital e os meios de comunicação, patrocina uma campanha de sabotagem prolongada do governo, incluindo fuga de capitais, desabastecimentos de supermercados, atentados diretos e incitação ao ódio a partir dos movimentos sociais, tencionando ao máximo o governo e a polícia para chegar a confrontos que resultem em mortos e feridos.
Tudo isso, evidentemente, resulta em desemprego e na fome do povo. Porém, antes de tudo temos que perguntar: em nome do quê trabalha a direita fascista venezuelana para retomar o poder? Quer resolver alguma crise e a fome do povo venezuelano? É claro que não! Tal como no Brasil, trabalha para derrubar o governo e instituir o seu próprio para voltar a ter o controle total sobre o petróleo e abastecer as grandes empresas imperialistas. A atual crise venezuelana é o resultado de um regime que não quer avançar ao socialismo, mas preservar as bases do capitalismo, tentando justificar tudo isso como "as condições históricas e nacionais".
A elite brasileira e os seus partidos gritam contra “o autoritarismo socialista” do governo venezuelano, mas não falam nada sobre a sabotagem consciente da direita fascista e do imperialismo, que ordenam e patrocinam a fuga de capitais e o desabastecimento do mercado interno. Tal como a direita brasileira, trabalham dia e noite para derrubar Maduro. Falam dos esfomeados e dos desempregados da Venezuela para ignorar os milhares de esfomeados e desempregados do Brasil, da Argentina e de toda a América Latina. Denunciam os privilégios da “elite chavizta”, mas calam vergonhosamente sobre os privilégios da elite brasileira, dos políticos, dos bancos, dos grandes latifundiários e magnatas. Vociferam e acusam, com os olhos faiscantes, o “socialismo venezuelano” para esconder e desviar o foco da crise do capitalismo semi colonial e dependente de toda a América Latina.
Os trabalhadores conscientes devem ter tudo isso em mente antes de denunciar o governo venezuelano e organizar a luta contra ele.

domingo, 23 de setembro de 2018

A nossa crise econômica e a deles

Em 2018, o governo burguês “democrático-popular” de São Leopoldo (RS) anunciou a crise municipal, onde culpa estado e união, cria medidas para arrecadar impostos e faz calendário de pagamento (atraso salarial no hospital e geral). Isso impacta sobretudo na saúde pública. Mas antes, na eleição de 2016, Vanazzi e Frison (ambos do PT) afirmavam que atrasos e problemas financeiros eram falta de competência “tucana” de Moacir e Mattos (ambos do PSDB).

Assim, até hoje há municipário que não recebeu 13º salário, e a maioria está sendo paga após o vencimento etc. No Portal Transparência consta que: operário da PMSL recebe R$ 2054,08 (ago.), agente operacional do SEMAE R$ 2.013,10 (jul.), e auxiliar de serviços gerais da FHCSL R$ 1.124,20 (jul.) Sendo que estes salários brutos não passam de R$ 1.150,00 líquidos, isto é, menos de 2 mínimos e abaixo do necessário, que atingiu R$ 3.636,04 em agosto para o DIEESE. Para comparação, o salário médio na Stihl, segundo LM, para operador de produção é R$ 2.134,00.

Logo, segundo Marx: “Na superfície da sociedade burguesa, o salário do operário aparece como preço do trabalho”. Agora porém, desde a crise capitalista de 2008 e com dívidas públicas, o salário não está sendo pago no mês para concursados. E para privados, Temer cortou R$ 10,00 no mínimo, liberou terceirização (com salário menor) e aumentou o desemprego. Portanto, nossa crise é receber depois do prazo, menos que o necessário e estar sem emprego. A deles é gerenciar a exploração do trabalho pelo capital.

Augusto Colling. Operador de hidráulica em São Leopoldo (RS). 
Contato: colling77@gmail.com

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Verás que os filhos teus votam naqueles que te subordinarão aos estrangeiros e, logo depois, fugirão à luta! - Notas sobre a difícil conjuntura eleitoral do Brasil

Os seres humanos possuem potencial para ser um manancial de erros (o que me faz afirmar que "perseverare in errore humanum est"). Que energia é essa capaz de tornar a humanidade sempre disposta a repetir os mesmos erros, a acreditar em supostos heróis, salvadores da pátria, messias, em suma, em tudo aquilo que dê um "colorido místico" especial para a sua vida e lhe deixe na confortável situação de "bebê egocêntrico" e "cosmocêntrico"?
Nesta eleição não há debate sério. E isso não se dá apenas pela manipulação midiática, das pesquisas eleitorais, pelo poder do dinheiro. Não! Existem pessoas que não querem ver o que está diante dos olhos (e em muitos casos transcende as eleições). Nenhum argumento e nenhum fato é capaz de fazê-las ver. É a concretização do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.
Somente forças sádicas e masoquistas, somadas a uma ignorância voluntária, podem explicar determinadas posturas.
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Não há debate eleitoral neste jornalismo comercial (e na maioria dos horários eleitorais). Só falam de pesquisa, de colocação em porcentagem; só manipulação.
Onde estão as análises, onde estão as ideias, onde estão as ideologias, onde estão os programas?
E o pessoal acha tudo isso normal e "democrático".
O dia que as pesquisas forem proibidas, acabou as eleições, acabou essa democracia de fachada...
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Na campanha dos partidos de direita (PSDB, MDB, PSL, "Novo", PV, etc.) se escuta o tempo todo a defesa de um "Estado mínimo". O que eles querem dar a entender com isso?
Que o Estado "não funciona" quando se trata de economia, que ele não pode investir na sociedade e que é "corrupto" por natureza, possuindo vícios de origem. Em contrapartida, mesmo que alguns não digam, defendem o mercado como eficiente, perfeito, quase um santo.
O que significa realmente um "Estado mínimo"? Menos investimento nas áreas sociais, corte de verbas, entrega de todos os recursos públicos para a iniciativa privada: sistema financeiro (dívida pública), agronegócio, grandes empresas multinacionais e nacionais.
Em todos os casos o "Estado mínimo" significa o subdesenvolvimento social, maiores e piores privações aos trabalhadores em nome da manutenção e do aumento da riqueza dos 1%.
"Estado mínimo" para o povo e máximo para o lucro deles.
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Um dos principais problemas do país é a dívida pública. É uma fraude legalizada, que consome infinitamente mais recursos do que qualquer corrupção. É uma corrupção monstruosa e legalizada, que não é debatida por nenhum partido de direita, que fala só em "Estado mínimo" ou na sua boa colocação nas pesquisas eleitorais.
Nós não sabemos o quanto é gasto nos juros nominais dos rentistas do tesouro público, usado para pagar a dívida. Não temos o direito de saber o custo efetivo desta dívida, que está totalmente baseado em práticas ilegais, como o anatocismo (prática ilegal de cobrar juros sobre juros), sobre o qual incidirão novos juros sucessivamente, aos quais, levarão à emissão de novos títulos da dívida, num círculo vicioso que traduz o que é a escravidão moderna.
As "atualizações monetárias" são feitas por critérios ilegais, que levam apenas à valorização dos títulos da dívida controlado pelos banqueiros em detrimento do investimento no país. Os supostos "recursos" provenientes deste "crédito" externo e interno não servem para financiar projetos de desenvolvimento econômico e social. Ao contrário, é a forma mais criminosa de extorsão e controle político. Se ela não for resolvida não é possível falar em soberania política e crescimento econômico.
Como nenhum candidato da direita fala sobre dívida pública (incluso o PT), tudo não passa de uma grande farsa. Todos eles não apenas compactuam com a ilegalidade dessa extorsão financeira, como querem aprofundá-la. A "responsabilidade" e "não radicalidade" dos candidatos da direita e, até mesmo, de muitos da "esquerda", não passa de uma irresponsabilidade social contra o seu próprio povo. O candidato fascista, por sua vez, fala só em matar bandido, discurso de ódio pelo ódio, pra alimentar o sadismo que alimenta sua campanha. Nenhuma palavra séria sobre economia ou sobre as reais causas da criminalidade.
Como o debate eleitoral não tem profundidade, as principais questões passam longe dele, tal como passam longe da consciência da maioria dos brasileiros no dia a dia.
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Errata do hino nacional: verás que um filho teu só foge da luta.
Qual brasileiro hoje (sobretudo os de classe média) não quer sair do país para fugir dos seus problemas ao invés de enfrentá-los?

domingo, 9 de setembro de 2018

Qual a diferença entre socialismo e comunismo?


A linguagem humana pode servir pra expressar o íntimo de um escritor através de belas obras literárias que marcam época, mas pode também servir como defesa para esconder certas verdades e confundir premissas de um debate. É assim que a burguesia e os seus ideólogos têm usado a linguagem atualmente. A discussão acerca do que é capitalismo, socialismo ou comunismo tem sido vítima de uma gama infindável de distorções teóricas e políticas, se utilizando, para isso, da ignorância sobre a teoria revolucionária e os fatos históricos.
            Hoje em dia podemos escutar que o “Estado investir na economia” ou “aplicar programas sociais” é sinônimo de “ser socialista”; bem como a aberração de que o “nazi-fascismo era de esquerda”, gerando um turbilhão de ignorância e má fé. Para muitas pessoas “comunismo” é sinônimo do que foram os regimes stalinistas, marcados por uma brutal repressão civil e militar; e “socialismo”, algo próximo do reformismo social-democrata europeu (algo semelhante ao PT no Brasil). Segundo o ponto de vista marxista, socialismo e comunismo não tem nada a ver com isso.
            Comunismo e socialismo, assim como o próprio capitalismo, são sistemas econômicos. O comunismo seria a fase superior do socialismo, isto é, a expressão de quando o nível de desenvolvimento econômico, político, social e psicológico criariam as condições para o desaparecimento das classes sociais e do Estado, dando lugar a uma sociedade autogestionária e federativa. O socialismo surgiria das contradições econômicas e sociais geradas pelo capitalismo a partir de uma revolução proletária. Para isso, necessitaria passar por um período denominado “ditadura do proletariado”, que nada tem a ver com os regimes stalinistas, mas com a Comuna de Paris, de 1871. É precisamente por isso que o socialismo marxista se diferencia de todas as outras escolas de socialismo.
           
Capitalismo: o egoísmo e a propriedade privada como motores!
            O capitalismo é o sistema econômico que vivemos atualmente. Está presente no mundo todo a partir do desenvolvimento do mercado mundial entre os séculos XV e XVIII. Apesar de ser mundial e ter características gerais, o capitalismo possui particularidades nacionais, sobretudo em razão do lugar que cada nação ocupa no mercado mundial: se é um país imperialista (produtor de mercadorias de alta tecnologia e valor agregado) ou semicolonial (produtor de matérias-primas, as chamadas commodities). O capitalismo passou por várias fases, sendo a atual caracterizada pela constituição de países imperialistas, em que um punhado de nações e suas megacorporações dominam ramos inteiros da produção e do mercado, formando os cartéis e trustes de preços, liquidando definitivamente com o “livre mercado”.
O que define o capitalismo em comparação ao socialismo ou o comunismo? As características comuns a este sistema são: existência de classes sociais e do Estado, seja ele de caráter republicano ou monárquico. Mas isso não o diferencia, por exemplo, dos sistemas econômicos anteriores, como o escravismo e o feudalismo. O que o diferencia dos seus predecessores, então, são os seguintes elementos: dominação do capital sobre o trabalho a partir da propriedade privada dos meios de produção e o trabalho assalariado. As duas principais classes sociais adquirem contornos específicos: a burguesia (dona dos meios de produção, do capital) e o proletariado (impossibilitado de possuir meios de produção para ser obrigado a vender sua força de trabalho em troca de um salário).
O capitalismo não possui apenas estas duas classes, mas algumas outras classes e estratos sociais, como a pequena-burguesia e o lumpem proletariado (os marginais da sociedade). Porém, as duas classes sociais principais são a burguesia e o proletariado porque elas estão envolvidas diretamente com a reprodução econômica do capital. O essencial deste nosso debate para a diferenciação entre os sistemas econômicos é a existência da propriedade privada dos meios de produção (fábricas, empresas, terras, bancos, transportes, etc.). A propriedade privada é a principal característica do capitalismo em relação ao socialismo e condição fundamental para a reprodução do capital, o enriquecimento do burguês e a exploração da força de trabalho do proletariado. Consequentemente, a propriedade privada gera permanentemente a divisão da sociedade em classes e obriga o Estado a defendê-la, sendo, portanto, parte essencial e indispensável do sistema.

O socialismo: propriedade social dos meios de produção e poder dos trabalhadores
            Tendo suas tendências principais surgidas do seio do próprio capitalismo, o socialismo seria caracterizado por criar um Estado proletário, com instituições novas e diferentes das burguesas, cuja principal finalidade seria gerar riqueza social e distribuir renda entre aqueles que trabalham. Ao contrário do que afirmam os propagandistas da burguesia, socialismo não é um sistema que “entra na casa das pessoas, rouba seus bens e os ‘divide com os pobres’”. Isso não geraria nenhum valor novo, mas apenas socializaria a pobreza ou, na melhor das hipóteses, riquezas já existentes. O socialismo tem a finalidade exclusiva de socializar os meios de produção e o capital, que no capitalismo são propriedade privada da burguesia (isto é, a base sagrada do seu poder; a sua “galinha dos ovos de ouro”). No capitalismo o trabalho já está socializado, mas os seus frutos não. O socialismo tem por meta geral, portanto, acabar com esta contradição.
            Dada as frágeis estruturas sociais e as inevitáveis cicatrizes que serão resultado de profundas convulsões sociais nesta transição, um Estado ainda se faz necessário, pois a burguesia não será suprimida da noite para o dia. Ao contrário, todas as experiências históricas demonstram claramente que ela oferece a mais dura resistência, sabotando, mentindo, subornando e desencadeando guerras para manter os seus privilégios. Porém, este “Estado” deve ser transitório, almejar a formação de uma organização social superior, que prescinda deste tipo de controle e o torne obsoleto e inútil.
            Segundo os fundadores do marxismo, os primeiros anos após a revolução inevitavelmente serão marcados por guerras civis, o que obriga os trabalhadores conscientes a recorrer à chamada “ditadura do proletariado”. Todas as classes lançaram mão de uma ditadura nos anos posteriores às suas revoluções, em razão das contradições sociais que os antigos regimes carregavam. Foi assim, em especial, com a burguesia, que lançou mão da ditadura do terror jacobino durante a Revolução Francesa, ou de Oliver Cromwell na Inglaterra durante a Revolução Gloriosa. Segundo Marx, “a classe operária deve ganhar no campo de batalha o direito à sua emancipação”. Sendo assim, entre a sociedade capitalista e a comunista, media o período de transformação revolucionária da primeira na segunda. A este período corresponde também um período político de transição, cujo proletariado não pode abrir mão de um Estado que nas suas primeiras décadas (talvez séculos) não pode ser outro que não o da ditadura revolucionária do proletariado, entendida sempre como a Comuna de Paris e nunca como o stalinismo.
            Se compreendemos que a sociedade é dividida em classes sociais e que, portanto, ela é marcada pela luta de classes, então, forçosamente, teremos que reconhecer que esta luta entre as classes conduz, necessariamente, à ditadura do proletariado. Esta mesma ditadura não pode ser mais do que um período de transição até a abolição de todas as classes sociais (incluso o próprio proletariado) e o fim de todo e qualquer tipo de Estado. A existência de um Estado proletário na sociedade socialista teria a finalidade de garantir a resistência contra as investidas da contra-revolução burguesa e trabalharia para elevar o nível material, cultural e psicológico dos trabalhadores. Introduziria o mercado socialista regulamentado e a economia planificada. O nivelamento material das classes sociais prepararia as bases para a abolição do Estado e o apogeu de uma sociedade sem classes.

Comunismo: a fase superior do socialismo, o fim do Estado e das classes sociais
            Em uma fase superior da sociedade socialista, quando houver desaparecido a escravizante subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, os antagonismos entre o trabalho manual e o trabalho intelectual; quando o trabalho tiver se tornado não só o meio de vida, mas também a primeira necessidade da existência; quando, com o desenvolvimento dos indivíduos, em todos os sentidos, as forças produtivas forem crescendo, e todas as fontes da riqueza pública jorrarem abundantemente, só então, o estreito horizonte do direito burguês será completamente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira: “de cada um conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades”.
            O comunismo caracteriza-se por atingir um nível extremamente avançado das forças produtivas e da distribuição de riqueza social. O trabalho passa de um instrumento da exploração, opressão e embrutecimento, para um meio de realização pessoal. O Estado e os seus governos despóticos são substituídos pela livre associação federativa entre os indivíduos. O comunismo enquanto sistema econômico e social se caracteriza, portanto, pela inexistência de Estado e de classes sociais. Isso não significa que não haverá contradições sociais e políticas, mas elas serão de outra ordem, muito diferente da disputa pela sobrevivência mais bárbara e imediata. Nesta perspectiva teórica, fica bastante claro que nunca existiu comunismo. Indivíduos, partidos, organizações e mesmo governos o reivindicarem, não o torna uma realidade. Ao contrário, na maior parte das vezes trata-se de uma forma de enganação. São os mais ferrenhos defensores do capitalismo ou de uma sociedade de classes.
            O fim comunista é comum tanto aos anarquistas, quanto aos socialistas (inclusive os de vertente marxista). A perspectiva marxista, contudo, contrariando o que sustentam os anarquistas, afirma que o comunismo – isto é, a extinção do Estado e das classes sociais – não pode surgir da noite para o dia. Contraditoriamente, se faz necessário um longo período de transição e preparação, que consiga vencer a contra-revolução e nivele pelo alto as graves diferenciações sociais de classe. Aos anarquistas, bastaria uma revolução vitoriosa para que o comunismo seja implantado no dia seguinte. A experiência histórica demonstra que as classes dominantes não abandonam a cena histórica sem oferecer uma resistência desesperada, nem o nível material e intelectual dos trabalhadores permite uma supressão instantânea. O desaparecimento do Estado e das classes sociais só pode ser fruto de uma longa e dolorosa evolução, que desemboque semi-espontaneamente no fim do Estado.

A grande mídia e os intelectuais burgueses trabalham para confundir tudo!
            Os meios de comunicação e os ideólogos burgueses trabalham incansavelmente para associar “comunismo” ao que foram os regimes stalinistas (ex-URSS, leste europeu, China, etc.). Se é certo que a Revolução Russa degenerou dando origem a um regime repressor, sem precedentes na história, tal como foi o stalinismo, isso não é responsabilidade da teoria (como querem sustentar intelectuais vendidos até os últimos fios de cabelo). É mais o reflexo do atraso cultural e econômico dos países onde ocorreram, dos problemas não resolvidos e não debatidos (como a questão moral e sexual); mas, sobretudo, da pressão da contra-revolução interna e internacional, da sabotagem e do embargo inaceitáveis. Existem inúmeras obras teóricas e históricas que atestam com inúmeros exemplos concretos o grau de degeneração e traição aos princípios teóricos e políticos que fundaram as revoluções socialistas.
            A demonstração da má fé destes setores se dá nos debates que faz sobre “socialismo” e “comunismo”. Seguindo apenas os dogmas econômicos da escola de Chicago, os intelectuais e jornalistas burgueses afirmam ou dão a entender que países como Cuba, China, Coréia do Norte ou Venezuela são “socialistas” ou “comunistas”. Em nenhum desses países o Estado ou as classes sociais deixaram de existir; sequer a propriedade privada dos meios de produção foi abolida. Chegam ao cúmulo do absurdo ao sustentar que os governos petistas foram “socialistas” e o próprio PT é “comunista”. Ora, os governos petistas jamais questionaram a propriedade privada. Ao contrário, chegaram a defendê-la abertamente. Para os intelectuais burgueses, completamente degenerados e maliciosos, o PT é “comunista” porque defende programas sociais, como o Bolsa Família ou o ProUni. Nenhum desses programas assistencialistas questiona a propriedade privada e chegam, até mesmo, a serem orientados e defendidos por órgãos como o FMI e o Banco Mundial. A intelectualidade burguesa e a grande mídia sabem perfeitamente disso, o que não os impede de continuar propagando tamanhos disparates.
            Isto se dá dessa forma porque eles sabem que serão repetidos por um exército de delinquentes raivosos na internet, nas redes sociais e nas conversas de botequim. Trabalharão para se auto escravizar e manter a escravidão assalariada do proletariado. O Estado “investir” na sociedade não faz um governo ser socialista ou comunista, como a intelectualidade doentia da classe média brasileira afirma. Este irracionalismo ignora toda e qualquer premissa teórica do debate econômico mais básico e elementar.
            Para quê servem os conceitos? Para estabelecer a ligação da teoria com a prática, uma vez que se fosse possível conhecer a verdade e a essência das coisas de um modo direto e imediato, não haveria necessidade das ciências. Os conceitos nos aproximam de uma gama infinita de experiências humanas condensadas ao longo dos séculos, transformadas em teoria, testadas, debatidas, abandonadas. A teoria, como parte da ciência, por sua vez, é mais um modo de pensar do que um conjunto de fatos brutos. A complexidade da realidade exige certos pré-requisitos conceituais de interpretação, uma vez que para isso o senso comum não é apenas inútil, mas um estorvo. 
        Trotski, na sua obra “A Revolução Traída”, de 1937, desenvolve um conceito fundamental para compreendermos se um país ou um governo é capitalista ou socialista, que permanece bastante atual (o que exclui o debate de um governo atual ser um “regime comunista”, uma vez que isso exige uma etapa impensável para o momento, como o fim das classes sociais e do Estado). Para ele, um governo pode ser definido como capitalista ou socialista a partir da propriedade que defende e patrocina. Os governos atuais, sem exceção, defendem e patrocinam a propriedade privada. Isso basta para fazer cair por terra todos os mitos dos macarthistas[i] do passado e do presente.
           

NOTA


[i] Joseph Raymond McCarthy foi um político norte-americano, membro inicialmente do Partido Democrata, e, mais tarde, do Partido republicano. Também foi senador do Estado de Wisconsin entre 1947 e 1957. Passou a ser conhecido por suas declarações de que havia um grande número de comunistas, espiões soviéticos e simpatizantes dentro do governo federal norte-americano. Estas declarações tornaram-se obsessões paranoicas, disparadas conscientemente contra qualquer adversário político do capitalismo norte-americano (mesmo que elas sabidamente não fossem comunistas). No Brasil o macarthismo fez escola com intelectuais como Olavo de Carvalho, militantes do MBL e Jair Bolsonaro.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Introdução à dialética marxista


Texto elaborado coletivamente pelos militantes da Luta Marxista e publicado originalmente no seu site entre os anos de 2008-2009

1 – Por que estudar a dialética marxista?
A dialética materialista é a espinha dorsal do marxismo. Foi desenvolvida por Marx e Engels em oposição às concepções idealistas que imperavam na filosofia clássica alemã. A dialética materialista está presente em toda a obra dos teóricos marxistas: Marx, Engels, Lênin, Trotsky, Rosa Luxemburgo, etc. É impossível tornar-se um verdadeiro militante marxista sem conhecê-la. Da mesma forma, podemos dizer que não há elaboração de uma política marxista sem a compreensão da lógica desta dialética.

2 – A dialética na antiguidade
A dialética não foi descoberta por Marx. Marx apenas deu a ela uma concepção materialista e um sólido embasamento científico. O objetivo deste texto é esclarecer a dialética marxista e não o desenvolvimento da filosofia dialética em geral, que vem desde a Grécia Antiga. Sobre o seu surgimento cabe apenas um breve esboço.

Aristóteles considerava Zenon de Eléa (490-430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideravam Sócrates (469-399 a.C.). A essência da concepção dialética dos antigos gregos se expressa no famoso trecho do fragmento Nº 91, de Heráclito (540-480 a.C.), que dizia: um homem não toma banho duas vezes no mesmo rio. Por quê? Por que da segunda vez não será o mesmo homem e nem estará se banhando no mesmo rio (ambos terão mudado). Os filósofos dialéticos da Grécia Antiga consideravam que tudo existe em constante mudança e que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas; diziam também que vida ou morte, sono ou vigília, juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras .

Com estas contribuições, os filósofos gregos lançaram as primeiras sementes da concepção dialética. Foram os criadores da forma primária da filosofia materialista: o chamado materialismo espontâneo, que encerrava um ponto de vista dialético ingênuo sobre os fenômenos da realidade. Como regra, suas opiniões filosóficas eram apenas hipóteses geniais, fruto da observação direta do mundo e não encontravam uma fundamentação científica suficiente. Naqueles tempos remotos, a ciência dava apenas os seus primeiros passos. Para poder alcançar uma visão de conjunto da filosofia da natureza (a dialética) estes filósofos não tinham outro remédio senão substituir as conexões reais, ainda desconhecidas, por outras ideais, imaginárias, substituindo os fatos ignorados por explicações fictícias, preenchendo as lacunas reais por meio da imaginação. Com este método, eles chegaram a certas idéias geniais e pressentiram algumas descobertas posteriores. Mas levou também, como não poderia deixar de ser, a absurdos . Tendo levantado uma série de importantes questões (sobre a essência material do mundo, o movimento na natureza e outras áreas), os filósofos antigos deram um poderoso impulso ao desenvolvimento do pensamento filosófico. Várias gerações de filósofos ocuparam-se com a solução dessas questões .

3 – A questão fundamental da filosofia: a relação entre o pensamento e o ser
3.1: Antes da definição do método filosófico – dialético ou metafísico – é preciso resolver a questão fundamental da filosofia: o que determina a realidade? O pensamento (idealismo) ou a matéria (materialismo)? Em outras palavras: o mundo foi criado por deus (uma idéia, ou dito de outra forma, um espírito) ou existe desde toda a eternidade (evolução da natureza)? Seria a idéia que cria a realidade social ou a experiência social que cria a prática social? Segundo a resposta que dessem a esta pergunta, os filósofos dividiam-se em dois grandes campos. Os que afirmavam o caráter primordial do espírito em relação a natureza e a História e, admitiam, portanto, em última instância, uma criação do mundo e da prática social, de uma ou de outra forma, firmavam o campo do idealismo. Ou seja, para estes a idéia é primária em relação à matéria e a experiência humana e cria a realidade. Os outros, que viam a natureza (ou em outras palavras, o mundo material e a prática social) como o elemento primordial, pertencem às diferentes escolas do materialismo . Para estes, a matéria existe fora da consciência do ser humano e independentemente dela. A matéria e a natureza existiram sempre, e o ser humano é o resultado de um desenvolvimento relativamente recente do mundo material. Para o materialismo, a consciência é um produto da natureza, uma propriedade da matéria altamente organizada: o cérebro humano. “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência” (Marx).

Pode o cérebro pensar isoladamente? Não! A consciência está indissoluvelmente ligada ao meio material que rodeia o ser humano e sem a sua influência não pode funcionar. As sensações visuais, auditivas, olfativas e outras surgem no cérebro apenas sob a influência de coisas objetivamente existentes, de cores, sons, odores, etc. Por isso dizemos que a matéria determina a realidade objetivamente e a consciência subjetivamente. Esta realidade objetiva atua sobre os órgãos dos sentidos, e as excitações resultantes são transmitidas pelos canais nervosos ao córtex dos grandes hemisférios do cérebro, onde surgem as sensações correspondentes. Com base nessas sensações formam-se as percepções, as representações, os conceitos e outras formas de pensamento. Todas elas representam apenas imagens, reflexos mais ou menos exatos dos objetos e fenômenos objetivamente existentes. O pensamento é inseparável da matéria, do cérebro, mas não pode ser identificado com a própria matéria .

O pensamento é um reflexo, mais diretamente, da prática social, da experiência humana. A experiência precede o pensamento e não o contrário. Na luta da humanidade pela sobrevivência, a sua experiência mais importante é a sua experiência social, coletiva, representada pelo trabalho.

A dialética marxista é materialista, pois compreende que as mudanças se passam primeiro no mundo material - aí incluída a experiência social - e se refletem no mundo das idéias. A dialética existe em todos os processos da natureza e da sociedade, independente da compreensão do ser humano (ainda que o ser humano possa compreendê-la e estudá-la). Quando o ser humano a compreende, como método filosófico, a própria noção de dialética torna-se apenas o reflexo deste movimento natural da matéria e da experiência social no cérebro humano. A dialética materialista entende que o movimento permanente é a forma de existência da matéria (seja ele no âmbito físico, químico, biológico, ou social etc.).

3.2: O idealismo é a base de todas as religiões (cristianismo, islamismo, budismo, espiritismo, etc.) na medida em que a própria religião é a fase embrionária da filosofia. Desde a pré-história, mergulhado na mais profunda ignorância sobre seu próprio organismo e excitado pelas aparições que sobrevinham em seus sonhos, o ser humano chegou à idéia de que seus pensamentos e suas sensações não eram funções de seu corpo, e sim uma alma especial que morava nesse corpo e o abandonava na hora da morte. Desde essa época o ser humano teve forçosamente que refletir sobre as relações dessa alma com o mundo exterior. O problema da relação entre o pensamento e o ser, entre o “espírito” e a natureza, o problema supremo de toda a filosofia, tem, assim, tanto quanto a religião, suas raízes na ignorância e nas concepções limitadas desde o período do selvagismo. Não pôde, entretanto, adquirir toda a sua significação, senão depois que a sociedade européia despertou do sono hibernal da Idade Média cristã . Para o materialismo não foi Deus que criou o homem, mas o homem que criou Deus à sua imagem e semelhança.

Outra forma do idealismo se expressar é através do chamado agnosticismo, classificado por Engels como um “materialismo envergonhado”. Nele, não existe um deus propriamente dito, mas uma força sobrenatural que o substitui, ou seja, uma “idéia perfeita” (uma “força”) que rege toda a natureza e não pode ser conhecida pelo ser humano.

3.3: Apesar destas duas concepções – materialismo e idealismo – estarem em contradição irreconciliável, é preciso entender dialeticamente a recíproca influência que exercem entre si. Ainda que a realidade seja definida pelo mundo material, o mundo das idéias exerce considerável influência sobre esse mundo. Uma idéia racional na mente humana pode converter-se numa realidade material. Se não fosse assim, não existiria uma escola filosófica tão poderosa como foi o idealismo e as idéias não dariam a plena impressão de se transformarem em entes independentes do próprio ser humano a ponto de este achar que elas criam a realidade. Uma compreensão mecânica da teoria marxista pode traçar uma relação estática entre o materialismo e o idealismo. É preciso desfazer os esquemas artificiais.

4 – Noção de método: diferenciação entre dialética materialista e metafísica
Os caminhos para se atingir um objetivo, o conjunto de determinados princípios, de processos de investigação teórica e de ação prática, constituem o método. Sem o emprego de determinado método não é possível solucionar nenhuma tarefa científica e prática. Se quisermos, por exemplo, determinar a composição química de qualquer substância, devemos decompô-la em suas partes integrantes, descobrir suas propriedades químicas, etc. Um método determinado é igualmente necessário para a pesquisa dos fenômenos físicos, biológicos, sociais e de outra natureza. O marxismo, generalizando as conquistas das ciências, da filosofia e da prática da humanidade, elaborou o seu método de conhecimento: a dialética materialista.

4.1: Para o método metafísico, as coisas e suas imagens no pensamento, os conceitos, são objetos isolados de investigação, objetos fixos, imóveis, observados um após o outro, cada qual independente do outro, como algo determinado e eterno. O metafísico pensa em uma série de antíteses desconexas: para ele, há apenas o sim e o não, e, quando sai desses moldes, encontra somente uma fonte de transtornos e confusão. Para ele, uma coisa existe ou não existe. Não concebe que esta coisa seja, ao mesmo tempo, o que é e, ao mesmo tempo, uma outra coisa distinta. Ambas se excluem de modo absoluto, positiva e negativamente. À primeira vista, este método nos parece plausível, porque é o do chamado senso comum. A metafísica, por mais justa e necessária que seja em vastas zonas do pensamento, mais ou menos extensas, de acordo com a natureza do objeto de que se trata, tropeça sempre, cedo ou tarde, com uma barreira que, franqueada, faz com que ela se torne um método unilateral, limitado; perde-se em contradições insolúveis, uma vez que, absorvidos pelos objetos concretos, não consegue enxergar as suas relações . A lógica que deriva deste método é a lógica formal (A = A; A não pode ser não-A; A é diferente de B). Os dialéticos não consideram inútil a lógica formal. Mas em si mesma a lógica formal é insuficiente. Seus elementos válidos se converteram em parte constitutiva da dialética, pois o lado puramente formal da lógica se subordina a ela.

A velha metafísica que encarava os objetos como coisas acabadas e imutáveis nasceu no período em que a ciência da natureza investigava as coisas mortas e as coisas vivas como acabadas. Primeiro era necessário estudar as coisas, para depois estudar os processos. Quando essas pesquisas científicas já se achavam tão avançadas que era possível realizar o avanço decisivo, que consistia em passar ao estudo sistemático das modificações experimentadas por aquelas coisas na própria natureza, também no domínio da filosofia soou a hora final da metafísica. Com efeito, se até o fim do Século 18 as ciências naturais foram ciências colecionadoras, ciências com objetos acabados, nos Séculos 19 e 20 passaram a ser ciências essencialmente coordenadoras, ciências que estudam os processos, a origem, o desenvolvimento dessas coisas e a concatenação que faz desses processos naturais um grande todo . O todo é composto de um conjunto de categorias. Para compreendê-lo é preciso compreender essas categorias, suas interações, seus conflitos. Portanto, o todo, o concreto, é um conjunto de abstrações, ou seja, de elementos que isoladamente não se explicam a si mesmos. O próprio todo, sem a compreensão das suas partes, torna-se uma abstração. 

É importante dizer também que a metafísica é o método amplamente utilizado nas escolas e universidades capitalistas. Sendo assim, as ciências não fazem sentido entre si, são desconexas e unilaterais. Eis motivo – como assinalou Engels – que desvenda aos nossos olhos a ilimitada confusão hoje reinante na teoria das ciências naturais e que constitui o desespero de mestres e discípulos, de autores e leitores .

4.2: A dialética, por sua vez, compreende que não se pode conceber o mundo como um conjunto de coisas acabadas, mas como um conjunto de processos, em que as coisas que parecem estáveis, da mesma forma que seus reflexos no cérebro do ser humano, passam por uma série ininterrupta de transformações. A dialética encara as coisas em suas conexões, em sua ligação e concatenação, em sua dinâmica . A pedra de toque da dialética é a natureza e a História, pois somente ela expõe um quadro de conjunto da conexão existente na natureza, na sociedade e no pensamento humano. Só pela via dialética, não perdendo de vista a ação geral das influências recíprocas, da gênese e da caducidade de tudo que vive, das mudanças de avanço e retrocesso, podemos chegar a uma concepção exata do universo, de seu desenvolvimento e do desenvolvimento da humanidade, assim como da imagem por ele projetada nos cérebros dos seres humanos. Além disso, a dialética vê a fonte do movimento e do desenvolvimento nas contradições internas, inerentes aos próprios objetos e fenômenos.

A dialética tem, é claro, seu lado “conservador”. Reconhece que determinados estágios do conhecimento e da sociedade estão justificados para seu momento e circunstância; mas só dentro de certos limites. O conservadorismo deste modo de ver as coisas é relativo; seu caráter revolucionário é absoluto, o único absoluto que admite . Ao mesmo tempo em que a dialética reconhece cada “etapa” do desenvolvimento das “coisas” como necessária e, portanto, justificada para o momento e as condições a que devem a sua origem, também reconhece que esta “etapa” engendra novas e superiores condições de desenvolvimento que amadurecem e se desenvolvem no interior dessa “etapa”. Segundo a dialética, tudo o que existe merece perecer; ou dito de outra forma: “tudo o que é sólido se desmancha no ar”. Para ela nada é final, absoluto, sagrado; mas demonstra o caráter transitório de tudo e em tudo, nada pode perdurar depois dela, exceto o ininterrupto processo de aparição e desaparição. Para a dialética a única coisa permanente é o movimento.

4.3: A metafísica é o método oposto à dialética, pois nega o surgimento do novo e compreende o movimento e o desenvolvimento como simples deslocamento mecânico no espaço. Frente às grandes descobertas científicas, a metafísica ingressou no caminho da deformação da essência do desenvolvimento. Ela compreende o desenvolvimento como um aumento ou diminuição do ponto de vista quantitativo, como uma simples repetição do que já existia, sem o aparecimento do novo. Em suma, ela nega as contradições internas como fonte do desenvolvimento. A relação entre o pensamento dialético e o pensamento metafísico – escreveu Trotsky – é semelhante ao de um filme com uma fotografia. O filme não invalida a fotografia imóvel, mas combina uma série delas, de acordo com as leis do movimento. A dialética não nega o silogismo, mas nos ensina a combinar silogismos de tal forma que nos leve a uma compreensão mais certeira da realidade eternamente em mudança. O vício fundamental do pensamento metafísico radica no fato de querer se contentar com fotografias inertes de uma realidade que se compõe de eterno movimento . Para a dialética, o movimento existe em todos os fenômenos naturais: sejam químicos, físicos, biológicos; políticos, sociais, psicológicos, etc. Trotsky conclui: “chamamos nossa dialética de materialista, por que suas raízes não estão no céu nem nas profundezas do ‘livre arbítrio’, mas na realidade objetiva, na natureza. A consciência surgiu do inconsciente, a psicologia da fisiologia, o mundo orgânico do mundo inorgânico, o sistema solar da nebulosa. Em todas as balizas desta escala de desenvolvimento, as mudanças quantitativas se transformam em qualitativas. Nosso pensamento, inclusive o pensamento dialético, é somente uma das formas de expressão da matéria em modificação. Neste sistema não existe lugar para deus e nem para o diabo, nem para a alma imortal, nem para modelos eternos de leis e morais. A dialética do pensamento, tendo surgido da dialética da natureza, possui, conseqüentemente, um caráter completamente materialista”.

5 – Dialética hegeliana e dialética marxista
Na transição da sociedade escravista para a sociedade feudal, a Igreja passou a ocupar uma posição dominante, exercendo imensa influência no poder político, na economia, na ciência e na educação. A filosofia transformou-se em serva da teologia. O materialismo e a dialética dos antigos foram esquecidos e durante longos séculos firmou-se o predomínio da concepção do mundo idealista e metafísico. Com o despertar do movimento democrático-burguês e a crise do feudalismo, surgiu um novo movimento filosófico, correspondente às novas condições materiais e sociais, propiciadas pelo modo de produção capitalista. A expansão do capitalismo transformou radicalmente não só os meios de produção, as relações políticas e a moral, mas também as mentalidades da humanidade. As mudanças profundas nas condições de vida e de trabalho produzem mudanças não menos transcendentais nos hábitos de pensamento dos seres humanos. A partir daí irrompe na França o movimento iluminista (Voltaire, Diderot, Danton, etc.) que questionava o absolutismo feudal e que preparou ideologicamente a grande Revolução Francesa de 1789. Influenciado por esta filosofia francesa do Século 18 surge, logo após, a moderna filosofia alemã (a chamada filosofia clássica alemã), da qual Hegel era o principal representante e sintetizador. O principal mérito dessa filosofia foi a restauração da dialética como forma suprema do pensamento.

5.1: Em suas obras, Hegel propõe formular uma lógica “adequada ao elevado desenvolvimento das ciências” e necessária “para assegurar o progresso científico”. Este novo método de pensamento era a dialética moderna. Como sintetizador do método dialético, Hegel deve ser considerado o fundador da lógica moderna. O pensamento de Hegel se alastrou pela Prússia, obrigando a todos a se aprumar com as poderosas idéias que havia desencadeado . Após a morte de Hegel, surgiu a escola dos seguidores de Hegel, conhecidos como jovens hegelianos, cujos principais nomes são: Strauss, Bauer, Stirner, Feuerbach, Marx e Engels. A dialética de Hegel concebe o mundo da natureza, da História e do espírito como um processo, isto é, como um mundo sujeito a constante mudança, transformações e desenvolvimento. Porém, em Hegel, a dialética é apenas o auto desenvolvimento do conceito, pois não a reconhece como uma força na própria natureza. A dialética de Hegel era o reflexo do “espírito absoluto” (a coroação do sistema hegeliano) que se “exterioriza” ao converter-se na natureza, o que equivalia a converter a dialética hegeliana num produto cerebral. Resumidamente: a dialética de Hegel era idealista. Sendo assim, ela convertia-se num labirinto sem saída, ou nas palavras de Marx e Engels: “se encontrava de cabeça pra baixo”. Era necessário colocá-la de pé, isto é, retirar-lhe a couraça mística de idealismo e dar-lhe um conteúdo materialista.

5.2: O primeiro hegeliano a romper com a escola idealista de Hegel foi Ludwig Feuerbach, que com suas críticas influenciou Marx e Engels. Feuerbach criticava a existência da “Idéia absoluta” hegeliana como um “resíduo fantástico de um criador ultraterreno”. Porém, como assinalou Engels, Feuerbach era “materialista em baixo e idealista em cima”, pois não liquidou criticamente Hegel, mas limitou-se a colocá-lo de lado, como coisa inútil, enquanto que em confronto com a riqueza enciclopédica do sistema hegeliano, ele nada soube trazer de positivo, a não ser uma balofa religião do amor e uma moral pobre e impotente. Como conseqüência, o materialismo de Feuerbach era limitado, vulgar e “grosseiro”, nas palavras de Engels. Separava o materialismo do desenvolvimento das ciências, ou seja, lhe tirava a vida. O materialismo feuerbachiano era, portanto, igual ao materialismo do Século 18: predominantemente mecânico. Assim, ao renegar a dialética hegeliana abraçou a metafísica. Seu materialismo era metafísico.

5.3: O marxismo, por sua vez, tirou a couraça idealista da dialética de Hegel e corrigiu as distorções metafísicas do materialismo de Feuerbach. Transformou a dialética em materialista e o materialismo em dialético. Marx, no prefácio da segunda edição de O Capital, assim diferencia o seu método do de Hegel: “Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo de pensamento – que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de idéia – é o criador do real, e o real é apenas a sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. (...) Critiquei a dialética hegeliana, no que ela tem de mistificação, há quase 30 anos, quando ela estava em plena moda. Ao mesmo tempo em que elaborava o primeiro volume de O Capital, era costume dos epígonos impertinentes, arrogantes e medíocres que pontificavam nos meios cultos alemães comprazerem-se em tratar Hegel (...) como um ‘cão morto’. Confessei-me, então, abertamente, discípulo daquele grande pensador (...). A mistificação por que passa a dialética nas mãos de Hegel não o impediu de ser o primeiro a apresentar as formas gerais de seu movimento de uma forma ampla e consciente. Nos escritos de Hegel, a dialética está de cabeça pra baixo. É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de descobrir a substância racional dentro do invólucro místico” . Para concluir, Engels mostra que: “Marx e eu fomos os únicos a resgatar conscientemente a dialética da filosofia alemã e aplicá-la a concepção materialista da natureza e da História” .

6 – Breve apresentação das leis dialéticas e sua aplicação prática
Ainda que a dialética materialista tenha as suas leis, isto não deve ser entendido como uma “receita de bolo”. A dialética não tem espaço para tais receitas e nem verdades eternas; o materialismo dialético repudia o formalismo. Para a dialética materialista a verdade é concreta; não é eterna. Mas uma vez estabelecida, através da dialética, a nossa aproximação escrupulosa às questões fundamentais, sempre poderemos chegar a uma solução concreta de qualquer problema concreto, por mais complicado que seja . Contudo, a dialética, como forma de pensamento, só corresponde aproximadamente à realidade. Para que estejamos o mais próximo da verdade (ou em outras palavras, da realidade), não podemos substituir uma apreciação concreta de cada situação específica, baseada numa análise de todas as complexas circunstâncias, incluída a relação entre os seus elementos e sentido de sua evolução. Resumidamente, podemos dizer que a dialética trata das leis gerais do movimento: a transformação da quantidade em qualidade, as contradições, as relações entre os fenômenos, a preponderância de uns sobre os outros. Essas leis gerais definem um método, que não dispensa a análise das leis específicas de cada fenômeno . Por fim, é importante dizer que a descoberta destas “leis” é mérito de Hegel.

6.1: Unidade e luta dos contrários: toda a evolução real ocorre de forma contraditória, pelo conflito de forças opostas que rodeiam e formam parte do todo existente. Nada é inalterável e está terminado. Tudo se resume ao curso da evolução. A necessidade se converte em ausência de necessidade; a racionalidade em irracionalidade; a verdade de ontem se torna hoje uma meia verdade, amanhã um erro, para logo ser absolutamente falsidade. Uma coisa não é somente ela, mas ao mesmo tempo, é o seu oposto. A contradição, a luta dos contrários, constitui a fonte fundamental do desenvolvimento da matéria e da consciência. O desenvolvimento – disse Lênin – é a luta dos contrários.

“Certamente – escreveu Engels – desde que nos limitemos a focalizar as coisas como se fossem estáticas e inertes, contemplando-as isoladamente, cada uma por si mesma, no tempo e no espaço, não descobriríamos nessas coisas nenhuma contradição. Nos limites desta zona de observação podemos aplicar o método vulgar da metafísica sem nenhum perigo. Mas a coisa é diferente se quisermos focalizar os objetos dinamicamente, acompanhando-os em sua mobilidade, vendo-os transformar-se, viver e influir uns sobre os outros. Ao pisar nesse terreno cairemos imediatamente em uma série de contradições. O próprio movimento é, por si mesmo, uma contradição; o deslocamento mecânico de um lugar para o outro somente pode ser realizado por estar um corpo, ao mesmo tempo, num e noutro lugar e também pelo fato de estar e não estar no mesmo local. A sucessão contínua de contradições desse gênero, ao mesmo tempo formuladas e solucionadas, é precisamente o que constitui o movimento” .

Cientificamente, no campo da matemática, a contradição dialética se expressa através do cálculo diferencial, equiparando, em certas circunstâncias, as retas às curvas . Na natureza inorgânica se verifica em ampla escala a luta de forças opostas como a atração e a repulsão. A ação recíproca das forças de gravidade, elétricas, nucleares, e de outras forças de atração e repulsão, desempenha um imenso papel no aparecimento e na existência dos núcleos atômicos, dos átomos e das moléculas. Nos organismos vivos existe o processo contraditório da assimilação e desassimilação. A luta, a ação recíproca entre eles representa também a fonte específica do desenvolvimento do ser vivo. Os processos e fenômenos naturais não podem encontrar-se em equilíbrio absoluto, um dos seus elementos predomina necessariamente. Na biologia, sua ação recíproca, sua contradição é a vida. Quando cessa essa contradição, cessa a vida, sobrevém a morte. Na sociedade, a unidade e luta dos contrários se expressa através das contradições de classe. No capitalismo temos a luta entre as duas principais classes que constituem o sistema: a burguesia e o proletariado. Entre as contradições do desenvolvimento social, desempenham um papel particularmente grande as contradições na produção material e, sobretudo, entre as forças produtivas e as relações de produção. Na sociedade dividida em classes antagônicas, esta última se expressa na luta das classes hostis, que conduz à revolução social, à substituição do velho regime social por um novo.

Assim, os objetos e fenômenos bifurcam-se em aspectos opostos, são uma unidade de contrários. Os contrários não coexistem simplesmente, mas se encontram em constante mudança, em luta entre si. A luta dos contrários constitui o conteúdo interno, a fonte do desenvolvimento da realidade. Esta é a essência da dialética da unidade e luta dos contrários .

6.2: A transformação da quantidade em qualidade: a transformação da quantidade em qualidade demonstra de que modo ocorre o processo de desenvolvimento, bem como qual é o mecanismo desse processo. A qualidade é tudo o que torna o objeto precisamente um objeto determinado, e não outro objeto, tudo o que o distingue da inumerável quantidade de outros objetos. Todos os objetos e fenômenos possuem qualidades. Isso nos permite diferenciá-los e determiná-los. A qualidade manifesta-se nas propriedades de cada objeto e fenômeno. Por exemplo, a presença de propriedade privada, trabalho assalariado, extração de mais valia e outras características distinguem o capitalismo do feudalismo; a cor amarela, a maleabilidade e ductilidade são propriedades do ouro. Já a quantidade, em regra geral, se expressa em números. Possuem expressão numérica as proporções, o peso e o volume dos objetos, a intensidade das cores, dos sons, etc. As características quantitativas são inerentes também aos fenômenos sociais. Cada regime econômico e social possui um nível, um grau correspondente de desenvolvimento e produção .

A quantidade e qualidade estão unidas, porquanto representam aspectos do mesmo objeto. Mas entre eles há, também, importantes diferenças. A mudança de qualidade leva à mudança do objeto, à sua transformação em outro objeto. “No processo de desenvolvimento – escreveu Marx em O Capital – simples mudanças quantitativas, em determinado grau, passam a diferenças qualitativas”. A passagem das mudanças quantitativas a mudanças qualitativas é uma lei geral do desenvolvimento do mundo material. A célula, como unidade de cuja multiplicação e diferenciação se desenvolve todo o corpo do vegetal e do animal, demonstra que o desenvolvimento e o crescimento de todos os organismos superiores são fenômenos sujeitos a uma única lei geral. A eletricidade, o magnetismo, a energia química, revelaram-se como formas diferentes da manifestação do movimento universal, formas que, em determinadas situações se transformam uma nas outras - sofrem mudanças de qualidade - e de tal modo que a quantidade de uma força que desaparece é substituída por determinada quantidade de outra que surge, e que todo o movimento da natureza reduz-se a este processo incessante de transformação de umas formas em outras . A lei periódica dos elementos químicos, de Mendeleiev, estabelece que a qualidade dos elementos químicos depende da quantidade de carga positiva do núcleo do seu átomo. Até determinados limites, a mudança quantitativa da energia nuclear não provoca mudanças qualitativas do elemento químico, mas em certo grau estas mudanças quantitativas conduzem à formação de um novo elemento. Aumentar o número de átomos de um determinado ácido o transforma em outro.

Na luta de classes, uma realidade aparentemente imutável, de apatia e conformismo dos trabalhadores, pode tornar-se o seu oposto frente a um fato que traga uma mudança qualitativa no ânimo dos trabalhadores. Não há como prever de antemão; este fato pode se traduzir em retirada de direitos, limitação de “liberdades democráticas”, arrocho salarial, agravamento da fome, da miséria, guerras, etc. Dependendo do grau de organização e da quantidade de trabalhadores envolvidos, esta luta pode converter-se numa rebelião espontânea, numa greve, greve geral ou numa insurreição popular. Atualmente, um pequeno grupo marxista, encontra-se em desvantagem em relação a hegemonia do oportunismo na vanguarda do proletariado. Mas esta realidade pode converter-se no seu oposto, na medida em que este grupo aproxima novos militantes ou se unifica com outros grupos afins. A partir daí, de acordo com o acréscimo de quantidade, a luta pela construção do partido revolucionário deve dar um salto de qualidade. Cabe aos marxistas, com base neste método dialético, acompanhar, estudar e intervir nestes fenômenos sociais da realidade objetiva.

6.3: A lei da negação da negação: em qualquer esfera da realidade material ocorre constantemente o processo de esgotamento do velho, do caduco, e de aparecimento do novo. A substituição do velho pelo novo é o desenvolvimento; e a superação do velho pelo novo, que surge tendo por base o velho, é o que se denomina negação. O termo “negação” em filosofia foi introduzido por Hegel, mas este lhe conferia um sentido idealista. Do seu ponto de vista, por meio da negação desenvolve-se apenas a idéia, o pensamento. Marx e Engels, tendo conservado o termo, interpretavam-no do ponto de vista materialista. Demonstraram que a negação representa um momento inseparável do desenvolvimento da própria realidade material. “Em nenhuma esfera – indicava Marx – pode ocorrer um desenvolvimento que não negue suas formas anteriores de existência”. A negação não é algo introduzido de fora no objeto ou no fenômeno. É o resultado de seu próprio desenvolvimento interno. Os objetos e fenômenos, como já dissemos, são contraditórios e, desenvolvendo-se na base de contradições internas, criam as condições para a sua própria destruição, para a passagem a uma qualidade nova e superior.
A dialética e a metafísica concebem de modo diverso a questão da essência da negação. A metafísica, deformando o processo de desenvolvimento da realidade material, compreende a negação como a eliminação e a destruição absoluta do velho. Os dialéticos denominam tal concepção da negação como inútil, pois ela exclui qualquer possibilidade de desenvolvimento posterior. A concepção dialética da negação parte de que o novo não destrói simplesmente o velho, mas conserva tudo o que de melhor estava contido neste. Mas é preciso ter em vista que o novo nunca toma o velho inteiramente em sua forma anterior. Conserva-o, reelaborando-o; o eleva a um grau mais elevado. A dialética marxista, por exemplo, não incorporou simplesmente as conquistas do pensamento filosófico do passado, mas reelaborou-as criticamente, enriqueceu-as com as novas conquistas da ciência e da prática, elevou a ciência filosófica a um estágio qualitativamente novo e superior. Assim, como conseqüência da negação, soluciona-se uma ou outra contradição, o velho é destruído e afirma-se o novo. Mas, cessará com isso o desenvolvimento? Não, com o aparecimento do novo o desenvolvimento não cessa. Tudo que é novo não permanece eternamente novo. Ao desenvolver-se, prepara as premissas, as condições para o aparecimento do que é ainda mais novo e avançado .

Na natureza a negação da negação se expressa de diversas formas, como por exemplo, o grão de cevada. Todos os dias, milhões de grãos de cevada são moídos, cozidos e consumidos na fabricação de cerveja. Mas, em circunstâncias normais e favoráveis, esse grão plantado em terra fértil, sob a influência do calor e da umidade, experimenta uma transformação específica: germina. Ao germinar, o grão, como grão, se extingue, é negado e, em seu lugar, brota a planta, que nascendo dele é a sua negação. E em seguida essa planta floresce, é fecundada e produz, finalmente, novos grãos de cevada, devendo, em seguida ao amadurecimento desses grãos, morrer, ser negada . E assim sucessivamente. E um processo semelhante se dá com os insetos, como a mariposa, por exemplo. Nascem, estas, também do ovo, por meio da negação do próprio ovo, destruindo-o, atravessando depois uma série de metamorfoses até chegar a maturidade sexual, se fecundam e morrem por um novo ato de negação. No campo da formação geológica fica nítido como ocorre o ato da negação, pois toda a geologia não é mais do que uma série de negações negadas, uma série de desmoronamentos de formações rochosas antigas, sobrepostas uma às outras, e de justaposição de novas formações.

O mesmo acontece com a História. Todos os povos civilizados têm em sua origem a propriedade coletiva do solo. E ao penetrar numa determinada fase primitiva, o desenvolvimento da agricultura, a propriedade coletiva converte-se num entrave para a produção. Ao chegar este momento, a propriedade coletiva se destrói, se nega, convertendo-se, após etapas intermediárias mais ou menos longas, em propriedade privada. Mas, ao chegar a uma fase mais elevada de progresso no desenvolvimento da agricultura, fase essa que se alcança devido à propriedade privada do solo, se converte, então, num obstáculo para a produção, conforme hoje já se observa no capitalismo. Nestas circunstâncias, surge, por força da necessidade, a aspiração de negar também a propriedade privada e de convertê-la novamente em propriedade coletiva . Esta nova aspiração não visa restaurar a primitiva propriedade comunal, mas, sim, uma forma muito mais elevada e mais complexa de propriedade coletiva. Na história dos modos de produção, o escravismo negou o comunismo primitivo, o feudalismo negou o escravismo, o capitalismo negou o feudalismo e, agora, está colocado na ordem do dia a negação do capitalismo por um sistema imensamente mais desenvolvido e racional: o socialismo. O socialismo não surge de um desejo humanista, mas da negação das próprias tendências retrógradas do capitalismo. Este novo sistema social, ao negar o velho através da revolução socialista, conserva suas forças produtivas, as conquistas da ciência, da técnica e da cultura, mas para libertá-las das amarras e deixá-las se desenvolver plenamente e conscientemente. O próprio desenvolvimento do socialismo faz surgir uma nova etapa, superior, de desenvolvimento social, o comunismo, quando a humanidade se libertará de todos os resquícios da sociedade de classe. As contradições nesta sociedade, evidentemente, não deixarão de existir, mas não serão contradições de classe; serão de outra ordem.

7 – A parte e o todo: o método de elaboração política
No que se refere à elaboração e atuação política, a dialética marxista representa um método preciso que deve ser levado em consideração sob pena de cairmos no oportunismo ou no doutrinarismo de esquerda. Partindo da compreensão da necessidade histórica do socialismo e da superação revolucionária do capitalismo, o movimento operário acumulou uma série de experiências teóricas e práticas, expressas na teoria marxista, que devem ser bem compreendidas. Como a dialética demonstra a conexão universal existente na realidade objetiva, para a prática política, devemos ter em mente a dialética da “parte e do todo”.

Para exemplificar, podemos dizer que as lutas específicas (aumento salarial, melhores condições de trabalho, terra para quem trabalha nela, contra a opressão racista, etc.) são a parte e a luta pelo socialismo (expropriação da propriedade privada, controle operário da produção, ditadura do proletariado) é o todo. Existem inúmeras contradições entre as lutas específicas e a luta pelo socialismo (baixa consciência e organização dos trabalhadores, organizações oportunistas com hegemonia na vanguarda, etc.). Apenas o partido marxista pode eleger um método adequado, de maneira que a luta da parte não possa prejudicar a luta do todo. Somente são aceitáveis os métodos que não prejudiquem a luta pelo socialismo . A mesma coisa poderíamos dizer sobre a dialética da construção das lutas sindicais e do partido. O movimento sindical e a construção do partido em muitos casos entram diretamente em conflito, pois esta relação também é fruto de muitas contradições. Neste caso, a luta pelo avanço do movimento sindical é a parte, e a luta pela construção do partido revolucionário é o todo, pois somente a construção do partido pode garantir o triunfo do socialismo. O movimento sindical por si só, não.

As organizações oportunistas fazem exatamente o oposto: isolam uma determinada luta específica e a transformam em bandeira privilegiada, secundarizam ou mesmo renegam a luta “pelo todo”, isto é, pelo socialismo. Estabelecem um muro, uma contradição entre as lutas específicas e a luta pelo socialismo. Da mesma forma o fazem com a construção do partido, o diluindo num sindicalismo estreito com vistas a crescer mais rápido e mais facilmente, evitando, assim, o confronto com a consciência atrasada. Daí surge o economicismo, que ao invés de fazer crescer o movimento consciente – o partido –, faz crescer apenas o movimento espontâneo e imediato – o sindicalismo. “O pensamento marxista é concreto, quer dizer, considera todos os fatores decisivos e importantes de uma questão determinada, não somente em suas relações recíprocas, senão também em seu desenvolvimento (...) A política começa precisamente com essa análise concreta. O pensamento oportunista, assim como o pensamento sectário, tem em comum o fato de extrair (...) um ou dois fatores que lhe parecem mais importantes, (...), os isolam da realidade complexa e lhes atribuem uma força sem limites nem restrições” (Os ultra-esquerdistas em geral e os incuráveis em particular – Leon Trotsky). Dessa forma, o oportunismo e o sectarismo, atentam contra as leis da dialética: isolam um elemento da realidade e transformam o secundário em principal. Ao proceder dessa forma, metafisicamente, justificam a sua política oportunista. Com esse método abstrato se pode justificar qualquer política. Dessa maneira os oportunistas justificam, por exemplo, a unidade com a CUT e esta, por sua vez, o apoio a Lula. Com o mesmo método, os doutrinários receitam a greve geral como solução mágica, independentemente da realidade.

O programa marxista não separa o programa mínimo – as lutas específicas – do programa máximo, a luta pelo socialismo. Todas as lutas específicas não se bastam a si mesmas, nem se transformam automaticamente em socialistas, como quer o oportunismo economicista. Pelo contrário, essas lutas parciais são apenas “o ponto de partida” da luta pelo socialismo. Da mesma forma, não é o desenvolvimento dessas lutas específicas que permitem a acumulação de forças dos trabalhadores e a sua transformação em luta pelo socialismo. É o contrário. É preciso criar um amplo movimento consciente contra o capitalismo. É a existência desse movimento que propicia a conquista de algumas reivindicações parciais. A burguesia somente concede alguma conquista importante quando se vê na iminência de perder tudo.

8 – O avanço científico dos Séculos 19 e 20 confirmam a dialética marxista
Todo o avanço científico dos Séculos 19 e 20 só fizeram confirmar a dialética materialista. No século 19, a avassaladora expansão das ciências naturais e as principais descobertas científicas, como a evolução das espécies, o darwinismo - as espécies nascem umas das outras pelo princípio da seleção natural e a sobrevivência do mais apto -, a descoberta da célula, da eletricidade, etc., deram um poderoso embasamento à dialética de Marx e Engels. No Século 20, esta base só se aprofundou com a teoria da relatividade de Einstein - a relatividade do tempo e do espaço – a física quântica, a decodificação da genética, a psicanálise de Freud - a descoberta do inconsciente e a evolução da personalidade desde o nascimento através do conflito da criança com os pais, numa relação de amor e ódio -, bem como o avanço de muitas outras áreas científicas. A dialética marxista transforma a filosofia em ciência e a desmistifica. Tira-a do campo meramente especulativo e a transforma numa base para a interconexão das diversas ciências e, portanto, para o ponto de apoio para a evolução do pensamento da humanidade. A forma mais alta de pensamento e de inteligência é guiada pelo método do materialismo dialético. Num futuro, quando as forças produtivas se desenvolverem qualitativamente e novas condições materiais surgirem, certamente ela dará lugar a uma forma de pensamento mais elevada; todavia, hoje, ela representa o ápice do pensamento humano.

O que se passa é que as classes possuidoras não podem reconhecê-la, pois isso significa o reconhecimento de muitas outras conclusões políticas e sociais. Significa reconhecer que as instituições da democracia burguesa não são as mais perfeitas e nem, sequer, eternas. Da mesma forma, teriam de reconhecer que o capitalismo é apenas um sistema transitório na evolução da sociedade humana. Reconhecer a dialética marxista como forma suprema do pensamento significa abandonar seus privilégios de classe e concepções filosóficas, teóricas e políticas, que servem perfeitamente para embasar estes privilégios. A atual educação superior e técnica, se caracterizam pelas barreiras impermeáveis do idealismo e da metafísica. A burguesia só impulsiona a pesquisa científica que traga um retorno lucrativo. Na sociedade burguesa, toda a filosofia da História, do direito, da religião, etc., consiste em substituir a conexão real a ser verificada nos próprios fatos por outra inventada pelo cérebro do filósofo, e a História é concebida, em conjunto e em suas diferentes partes, como a realização gradual de certas idéias que, naturalmente, são sempre as idéias “favoritas” do próprio filósofo . Ou, dito de outra forma, as idéias da classe que este filósofo representa. Com o desenvolvimento do marxismo, toda a filosofia e economia política burguesa que vemos nas universidades e lemos nos jornais, converteram-se em mera distorção grosseira da realidade com o único fim de justificar e perpetuar a exploração capitalista.

Da mesma forma, devemos entender as experiências “socialistas” do Século 20 com base na dialética. Estas experiências não são o resultado definitivo e absoluto na luta contra o capitalismo e pelo socialismo, como sustentam os ideólogos da burguesia. Elas foram apenas um episódio de uma longa História que ainda está por vir, assim como o próprio capitalismo levou séculos para derrotar o feudalismo. A própria burocracia stalinista não “ficou impune frente à dialética” pois foi obrigada a deturpar e falsificar a sua essência revolucionária para manter e assegurar os seus privilégios burocráticos. O trotskismo, que se encontrava marginalizado, foi o responsável por conservar e aprofundar a dialética marxista durante o século 20. A dialética marxista é inaceitável para as castas conservadoras.

Frente a esta realidade, somente a construção do partido revolucionário pode efetivamente defender as conquistas do pensamento materialista dialético; e, da mesma forma, expandi-lo, aprofundá-lo, propagandeá-lo. É através da construção do partido que o militante marxista pode, ao mesmo tempo, aprender e colocar em prática a dialética marxista. Mas a teoria e o estudo apenas não bastam. É necessário a prática revolucionária, ou seja, a militância política, para colocar em ação a teoria e transformá-la numa força viva. Só é possível compreender efetivamente o pensamento marxista através da experiência no movimento de massas, pelo estudo coletivo, pelo pensamento crítico, pela participação na vida e nas lutas da classe operária de forma que os movimentos, modalidades e mentalidade das massas se tornem familiares e conhecidos. É este movimento social que deu vida ao materialismo dialético e é ele que continua inspirando e promovendo sua evolução ao comprometê-lo com a realidade concreta. Até a dialética materialista, a filosofia era uma escola de formação de especuladores filosóficos e diletantes que se consumiam em distintas interpretações do mundo, sem nenhum tipo de prática. Os marxistas entendem que sem teoria revolucionária não há prática revolucionária, mas que, da mesma forma, sem prática revolucionária não há correção da teoria. Nós, assim como assinalou Marx, entendemos que “até hoje os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas o que realmente importa é transformá-lo” .

OBS: para não haver confusão, definiremos nomes diferentes que tem o mesmo conteúdo: dialética materialista; materialismo dialético; dialética marxista. Não confundir estes nomes com materialismo histórico, que é outra categoria e que será objeto da nossa próxima discussão. O materialismo histórico é a aplicação da dialética marxista à História a fim de conhecer as leis materiais que a regem.

Bibliografia:

O que é dialética? Leandro Konder. Editora brasiliense.
Introdução à lógica marxista. George Novack.
O Capital – Tomo I. Karl Marx.
Em defesa do marxismo. Leon Trotsky.
Filosofia marxista – compêndio popular. V.G..Afanássiev.
Anti-dühring. Friedrich Engels.
As cotas e a dialética (texto da Luta Marxista)
Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã. Friedrich Engels.
Teses à Feuerbach. Karl Marx.