quinta-feira, 1 de julho de 2021

O CPERS está se tornando uma força conservadora


*Texto publicado originalmente na página do facebook das Divergências Construtivas, em 14 de junho

Finda mais uma eleição e nada muda no CPERS. Sua orientação política continuará sendo a mesma, tanto na direção central quanto nos núcleos (dada pelo PT, PCdoB, PDT; CUT, CTB). Com razão, uma das principais beneficiárias do resultado eleitoral, a ZH-RBS, comemora: “professores avalizam moderação e negociação”.

         Os votos estão encolhendo. De 2014 até 2021 houve 3 eleições. Em 2014, ao todo, votaram 36.406 pessoas; em 2017, 35.657; em 2021, sendo uma eleição virtual, tivemos apenas 27.207 votos. Ou seja, cerca de 10 mil sócios deixaram de votar – sem falar no grande contingente de não-sócios que não tem o menor desejo de se associar.

         O CPERS realmente tem ensinado “democracia”? Quais vícios impedem o CPERS de “ensinar democracia” e tem, na prática, servido para pós-graduar militantes e correntes em burocracia sindical?

         Seguem alguns fatos para suscitar a reflexão:


         1) O papel central na transformação do CPERS em uma força conservadora cabe à política hegemônica que conduz o sindicato desde sempre: o PT, a CUT e o seu sindicalismo “cidadão”. Durante 2008 e 2014, o PT esteve à frente do governo federal e estadual, o que absorveu e deslocou grande parte da sua militância para o aparato estatal. Como o caminho ficou parcialmente desimpedido, foi possível que houvesse direções das correntes que hoje se dizem “oposição” (como as forças que compunha a chapa “Novo Rumo”). Durante esse período, nada de essencial foi modificado dentro do CPERS.

         Uma vez que o PT sofreu o golpe do impeachment e o governo Tarso foi derrotado eleitoralmente pelos aliados nacionais, como o MDB, todos os quadros políticos absorvidos pelas tarefas de administração do Estado puderam retornar para a disputa sindical; e, obviamente, deram uma ênfase especial ao CPERS, que é o maior sindicato estadual e um dos maiores da América Latina.

         Desde então, a militância petista concentra sua energia no controle do CPERS, reforçando sua política de décadas, baseada na ligação com os sócios aposentados (e, em alguns casos, na sua manipulação direta). Esta “nova orientação” política de retomar os sindicatos foi explícita após o impeachment. O petismo tem cumprido nos sindicatos o mesmo papel que os “pelegos” ligados aos governos militares cumpriram no final da ditadura. Ou seja, se esforçam para conter o surgimento de um novo movimento sindical, procurando manter hegemonia total sobre o sindicalismo e os movimentos sociais brasileiros.

 

         2) O sindicalismo do CPERS – pautado pela referência petista – é baseado no “correntismo”; isto é, as correntes sindicais fecham os seus acordos políticos e só depois estes são apresentados às instâncias sindicais. Os ativistas independentes ficam à mercê dos acordões entre as correntes, que decidem, indicam, escrevem e falam em quase todas as esferas como se fosse “a categoria”. Quando algumas instâncias sindicais contrariam determinada deliberação das correntes hegemônicas, as primeiras são sumariamente ignoradas.

         A princípio não é problema se organizar em uma corrente ou partido. O problema é que o CPERS tem funcionado apenas com base nesses conchavos, no aparelhamento e a maioria esmagadora das correntes sustenta um programa político e um sindicalismo eleitoreiro, reformista e/ou dogmático.

         Como já foi dito, o sindicalismo hegemônico é o do petismo – repetido tacitamente pela maioria das correntes sindicais, inclusive de outros partidos, já que é o modus operandi reconhecido pelo aparato. Este sindicalismo funciona dentro dos estreitos limites da democracia dos ricos e trabalha por levar nossa categoria a aceita-la passivamente. Tudo gira em torno do calendário eleitoral e da “importância” de eleger governos petistas (ou de outros partidos reformistas, como o Psol). Ele não gera consciência de classe, nem aumenta a combatividade da base.

         Para dar um singelo exemplo de como esse sindicalismo funciona, destacamos o novo golpe dado contra os educadores de Porto Alegre pelo governo Leite e Melo, que estão ávidos por mexer no direito à meia passagem de ônibus (restrito aos professores, já que exclui absurdamente os funcionários de escola, que nunca possuíram este “direito”). O que fez o CPERS? O mesmo de sempre: foi “cobrar explicações” do governo e da SEDUC. Sim! É exatamente assim que eles vendem a sua “atuação sindical” nas redes sociais: como se isso fosse a resolução do problema! Enquanto isso a prefeitura retira o nosso direito em conluio com o governo estadual sem nenhum tipo de resistência.

         Vivemos um tempo em que nenhum governo admite os seus ataques, feitos, na maioria das vezes, nas entrelinhas. Ao sindicato cabe interpretá-los e denunciá-los, com a finalidade de pressioná-lo pela base para expor suas contradições flagrantes. Esta é a única forma de que o governo “explique” algo ou volte atrás. “Exigir explicação” não apenas reforça as artimanhas dos ataques dos governos, como fortalece aquele jogo nefasto de empurra-empurra entre governo, SEDUC e CREs, que só serve para não responsabilizar ninguém e deixar que a patrola dos ataques sigam livremente o seu curso.

         O sindicalismo reformista e burocrático do CPERS – que se consolidou como uma força conservadora – não apenas reforça essa farsa toda, a hipocrisia social, dos governos e da grande mídia, como mantém a base da categoria numa condição de “filha”, que espera tudo dos pais, cujo protagonismo é negado ou mistificado.

        

         3) As eleições do CPERS são marcadas pelo “grenalismo” (sim, isso mesmo, pelo fanatismo da principal disputa de futebol do RS). Se a minha camisa é vermelha, então torço para o vermelho, mesmo que ele apresente um futebol medíocre; o mesmo vale para a camisa azul. A tradição e a torcida são as únicas coisas que importam.

         No CPERS isso se traduz como parte do “correntismo”: se minha corrente, que tem meus amigos e conhecidos, diz para votar na chapa X ou Y, eu voto na chapa indicada, independentemente da política que essa corrente apresente para o sindicato (muitas das quais colocaram o CPERS na situação deplorável em que se encontra). No futebol isso é, apesar de condenável, bastante compreensível; num sindicato e na política, não.

         Depois das eleições, quando tudo seguirá igual e piorando, se lançam numa reclamação sem fim como se essa postura grenalista não tivesse nada a ver com este triste quadro e a responsabilidade fosse única e exclusivamente do CPERS in abstracto.

 

         4) Parte dos problemas do CPERS está expresso nas eleições, que são viciadas e marcadas pelo burocratismo, formalismo e o malfadado “grenalismo”. O debate é, portanto, viciado e pouco serve para mudar posições ou esclarecer qualquer divergência. A comissão eleitoral é indicada pelas correntes através das quatro paredes do Conselho Geral.

         Há, ao contrário do que indicou Paulo Freire, um distanciamento cada vez maior entre o que se fala e o que se faz – e isso demonstrou ser importante para pouquíssimas pessoas, infelizmente.

         A pedagogia freiriana também é lembrada só nos discursos, mas negada e abafada pela prática cotidiana. Vemos no dia-a-dia apenas a pedagogia da dependência, da patrola das posições minoritárias, da fala imposta pelas maiorias oficiais e da não-escuta. Não existe o menor esforço de empatia para quem prega um “CPERS unido e forte”, bem como para as demais forças majoritárias que dizem “ouvir a base”.

         A reeleição das chapas tradicionais para a direção central e para os núcleos reforçará essa prática sindical, pautada por uma cultura nefasta de hipocrisia e condescendência com sucessivas práticas autoritárias e “democrático-formais”.

 

         5) As supostas “oposições” pensam que todo o erro se concentra apenas na direção central e que sua política é correta, nada tendo a ver com a sua reeleição. Muito da “preferência” pela atual direção central foi consequência de uma política inconsequente apresentada pela “Novo Rumo” e pela “Muda CPERS” – esta última, a bem da verdade, sendo quase uma extensão da direção central.

         Logo após uma derrota (com alguns traços de tragédia), a reação típica é procurar um culpado, porque não aguentamos viver com coisas que não têm sentido e explicação: “se a ‘oposição’ tivesse saído unificada...”; “se tivéssemos feito tal tipo de campanha...”; “se isso..., se aquilo...”. Encontrar alguém para culpar cria uma falsa sensação de não ser necessário avaliar nenhum dos nossos erros, já que eles, supostamente, estariam apenas “fora de nós”.

         Não se muda uma orientação política de um sindicato tão grande se diferenciando nas questões secundárias, como, por exemplo, a data para a deflagração de uma greve; ou se devemos decretar uma greve sanitária ou não; bem como propondo sempre ações radicalizadas descontextualizadas e descoladas da massa da categoria. O que uma oposição real precisa fazer é se lançar em uma luta decidida contra a atual cultura sindical e todas as suas consequências, como o funcionamento antidemocrático do “correntismo”, os acordos de bastidores, a ausência de democracia das instâncias (que funcionam através do conchavo das correntes), a prática da não-escuta, a hipocrisia cotidiana de uma falsa agitação e autopropaganda, o programa reformista, a conivência com o burocratismo, etc.

         Nada disso é feito pelas “oposições”, que ao forçarem diferenciações artificialmente, na verdade só ajudam a consolidar as posições das correntes da direção central e, em alguns casos, ainda lhe conferem algum ar de “respeitabilidade”. Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros. É impossível alguém liderar à altura uma grande causa sem compreender a essência profunda da natureza humana; alguém que faz do sindicalismo e das suas ideias objeto de compra e venda, moeda de troca com farsantes, vendilhões de toda a espécie e cúmplices da hipocrisia cotidiana. Sem valores elevados é incoerente professar ideais elevados.

         E o CPERS tem feito exatamente isso.

 

         6) A nossa participação disputando o 38º núcleo serviu para contribuir com esse tipo de debate. Apresentamos um outro caminho, dentro de nossas debilidades materiais e pessoais, mas sempre primando por um caminho com independência e consciência de classe. Poetizamos o percurso porque criticamos duramente, mas sem perder a ternura jamais.

         Agradecemos calorosamente os 49 votos, sem cabresto e amiguismo, que apostaram num projeto totalmente novo e independente, de respeito às divergências para construir conjuntamente. Aqui as divergências – honestas e fraternas – são aceitas, ao contrário de como recebem a maioria esmagadora das correntes dirigentes do CPERS, que entendem “unidade” como monolitismo sem críticas. Para nós podem ser o cimento que ergue novas construções e o combustível para a formação teórica.

         Se, por acaso, alguém não concordar com este balanço e quiser divergir para construir um caminho realmente novo, que aponte as falhas de nossas análises e que se manifeste (honesta e cordialmente), entrando no debate sem medo, de peito aberto e coração estreleiro. O debate franco, honesto e olho-no-olho, sem tergiversações e máscaras, é artigo em falta dentro do nosso sindicato. Já está mais do que na hora de incentivá-lo.

         

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