sexta-feira, 26 de março de 2021

A esquerda renega a teoria de Trotski sobre os sindicatos

Texto publicado originalmente no site da Luta Marxista em 5 de novembro de 2008

Os textos Escritos sobre sindicato de Trotski são, em geral, desconhecidos. Não por acaso. Em Os sindicatos na época imperialista, o revolucionário analisa a tendência de integração dos sindicatos ao Estado na época da dominação do capital monopolista: “O capitalismo monopolista é cada vez menos capaz de conviver com a independência dos sindicatos”. Para ele os sindicatos “já não podem ser politicamente neutros”; “já não podem ser reformistas, porque as condições objetivas não dão espaço a nenhuma reforma séria ou duradoura”.

Disso não se deduz que já não se deva atuar nos sindicatos. É preciso impor à burocracia a nossa participação. Não podendo os sindicatos ser reformistas, somente lhes resta duas alternativas: “Os sindicatos do nosso tempo podem ou servir como ferramentas secundárias do capitalismo imperialista para subordinar e disciplinar os operários e para impedir a revolução ou, ao contrário, transformar-se nas ferramentas do movimento revolucionário do proletariado”. O centrismo sabota esse caráter revolucionário dos sindicatos. Tenta mantê-los no quadro do sindicalismo reformista.

Esse economicismo se apóia numa cultura oportunista e reacionária que rotula de ultra-esquerdista a política de denúncia do capitalismo. Não faz distinção entre a política revolucionária e o doutrinarismo inconseqüente. A primeira, vincula de forma concreta o programa mínimo com o programa máximo; a luta imediata com as tarefas de expropriação do capital, do controle da produção, da organização de base, do duplo poder e da propaganda do poder dos trabalhadores. O doutrinarismo é abstrato. O método revolucionário é concreto. Todos são rotulados como “a ultra”, no jargão oportunista. Nesse sentido, o doutrinarismo lhe presta um serviço inestimável.

Essa “esquerda” se permite falar de socialismo nos Primeiros de Maio, nas teses para o Congresso, etc. Mas, ao mesmo tempo, propaga um código oportunista não escrito, assimilado por parte da vanguarda, que estabelece os limites para esse discurso aos dias de festa. O pretexto é que não se deve desconsiderar “o nível de consciência das massas”. Certamente que não se deve, e esse é o método leninista: partir desse nível de consciência, mas para elevá-lo. O oportunismo esquece a necessidade de elevação do nível de consciência das massas. A sua tradução oportunista do leninismo é: não devemos assustar as massas, principalmente a classe média, com propaganda radical. Para Lênin, os sindicatos devem ser “escolas de socialismo”. Para a quase totalidade da esquerda, são “escolas de oportunismo”.

Os sindicatos e o partido
A maioria das correntes tem uma posição falsa sobre a relação entre partido e sindicato. Pela mesma razão que separam a luta sindical da luta contra o capitalismo, também escondem o partido dos trabalhadores nos sindicatos. Defendem a “autonomia” dos sindicatos em relação aos partidos. O que seria justo. Entretanto, essa pretensa defesa da autonomia é feita de maneira a destilar preconceito contra os partidos. “Os operários devem desconfiar duplamente dos aspirantes a dirigentes que atuam disfarçadamente, pretendendo lhes fazer acreditar que não necessitam de nenhuma direção”.

Alguns grupos satélites do PSTU vão mais longe: defendem a total independência política dos sindicatos dos partidos em geral. Não distinguem partidos operários de partidos burgueses. Um semi-anarquismo semelhante Trotski combateu no texto “Comunismo e sindicalismo” de 1929: “O partido é a ferramenta fundamental para a ação do proletariado, a organização de combate de sua vanguarda, que deve erigir-se em direção da classe operária em todos os âmbitos da sua luta, sem exceção, e portanto, também no campo sindical”. “Aqueles que, em princípio, contrapõem a autonomia sindical à direção do partido comunista estão contrapondo – queiram ou não – o setor proletário mais atrasado com a vanguarda da classe operária; a luta pelas conquistas imediatas com a luta pela libertação dos trabalhadores; o reformismo com o comunismo; o oportunismo com o marxismo revolucionário”.

Para Trotski, o essencial não é “a forma jurídica da autonomia”. É a política sindical. “A uma política incorreta deve-se opor uma política correta”. “Os fatos demonstram que não há, em lugar nenhum, sindicatos politicamente independentes. Nunca houve. A experiência e a teoria nos dizem que nunca haverá”. Ou estão a serviço da política da burguesia ou dos interesses do proletariado. “Na realidade, a independência de classe dos sindicatos, quanto às suas relações com o Estado burguês, somente pode garanti-la, nas condições atuais, uma direção revolucionária, isto é, a IV Internacional”.

A unidade da maioria da Conlutas e a de Trotski
A unidade dos trabalhadores é uma necessidade. A tática de frente única (entendida como unidade de ação, que nada tem a ver com o esquema em voga) foi preconizada pelos bolcheviques diante da divisão do movimento operário. Essa tática se aplica à atualidade, mas foi transformada numa fórmula oportunista. Para o oportunismo, a unidade das organizações está em primeiro lugar, as tarefas em segundo. As tarefas devem ser adaptadas às necessidades da unidade. O oportunismo considera um pecado condicionar a unidade ao programa revolucionário; assustaria assim os seus possíveis aliados. No concreto, a prioridade do PSTU é forçar o PSOL a assumir a Frente de Esquerda, o que exige a unidade com a Intersindical. Como esta, em parte, está também na CUT, é preciso assumir certas bandeiras governistas (“Contra a emenda 3”, “Por uma nova política econômica”, etc.) e todo o calendário de “lutas” do governismo.

Essa é uma unidade de capitulação. Para Trotski “a unidade das organizações sindicais tem enormes vantagens”. “De qualquer modo, a nós comunistas interessa demonstrar aos operários que a responsabilidade pela ruptura dos sindicatos recai inteiramente sobre a social democracia. Mas daí não se pode concluir que a fórmula vazia da unidade seja mais importante para nós que as tarefas revolucionárias da classe operária”. “Na realidade, o futuro da revolução não depende da fusão dos aparelhos sindicais, mas da unificação da maioria da classe operária ao redor de bandeiras e métodos de luta revolucionários”.

Portanto, a política de unidade revolucionária é uma política de desmascaramento dos revisionistas. “É indubitável que a unidade da classe operária só pode realizar-se sobre bases revolucionárias. A política de frente única é um dos meios para libertar os operários da influência reformista e, inclusive, em última instância, de avançar para a genuína unidade da classe operária”. “Não preterimos nada que signifique luta para quando se consiga a unidade”. “A tarefa não consiste em sempre propor, formalmente, aos reformistas a frente única, mas em impor-lhe em cada caso as condições que correspondem o melhor possível à situação”.

Essa tática de desmascaramento é transformada em tática de embelezamento. Um setor criou a receita oportunista chamada “exigências e denúncias”. As exigências são esquecidas. Quando existem, são feitas a frio, sem mobilização. Servem para embelezar os conciliadores, como se estes pudessem assumir, sem pressão, as ditas exigências. O Programa de Transição, quando fala em “exigir das direções traidoras”, quer dizer “impor as suas condições”. Essa política de combate é substituída por outra de acomodação, já que [...] não se deveria importunar, exasperar ou molestar os queridos amigos com embustes, críticas inoportunas, intransigências sectárias, etc.”. Entretanto, [...] uma das tarefas do Partido Comunista é precisamente a de assustar e impedir o sonho dos centristas e semi-centristas”.

Entre a política de unidade revolucionária e a da maioria da Conlutas existe um abismo.


__________________________________
(*) As citações contidas neste artigo são extratos de “Escritos sobre sindicato”, Leon Trotski, Edição Kairós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário