A grande mídia convencionou chamar o BBB de reality show. Contudo, se quisermos fazer jus à verdade, deveríamos chamá-lo de unreality show (isto é: show de irrealidade).
Que pessoas no Brasil de hoje podem ficar em casa sem trabalhar, comendo bem, bebendo melhor ainda; malhando, tomando banho de piscina e, a cada 3 dias, participando de festas que custam, no mínimo, 100 mil reais? Toda semana um presente novo de alguma grande marca, com dinheiro entrando na conta pessoal ou de pessoas indicadas pelos participantes. A cada prova uma possibilidade de ganhar um carro novo, ou um celular, ou um eletrodoméstico que está muito além das possibilidades de qualquer pessoa comum, que vive no cotidiano do verdadeiro e único "show da realidade". Sem falar nos prêmios que vem por fora e nas possibilidades de trabalho que se abrem pela simples participação no programa; além, é claro, do prêmio final de 1,5 milhão de reais.
Como isso pode ser visto como "show de realidade"? O estresse psicológico que os participantes experimentam não é, nem de perto, igualável ao estresse de uma pessoa subempregada ou desempregada que precisa levar comida para a mesa de casa; ou mesmo de um indivíduo que está sob pressão do patrão com possibilidade de ir para "o paredão" e ser "eliminado", saindo com uma mão na frente e a outra atrás. Aliás, o BBB serve muito bem para alimentar (direta ou indiretamente) este espírito de "eliminação" de concorrentes, importantíssimo para o funcionamento do sistema. Nesse sentido, há um pingo de realidade na sua irrealidade geral — não casualmente, um elemento que serve para retroalimentar o sistema econômico do qual o programa depende.
As pautas e os debates levantados pelos participantes e incentivados conscientemente pela direção do programa podem ter alguma importância, embora descambem quase que como regra para a picuinha, a fofoquinha, a intriguinha, a disputa egotista e desprovida de conteúdo coletivo, com a desculpa de que apenas 1 pode vencer. O apresentador e os seus idealizadores não poupam tintas: querem ver "fogo no parquinho". Ou seja, incentivam os maus instintos na população, não apenas por audiência, mas como forma de naturalização da ordem social. Quando as intriguinhas não acontecem espontaneamente, não tardam a criá-las. Assim, a fofoca pode ser vista de camarote pelo público, sem nenhum tipo de "culpa" por invadir a vida alheia. O debate complexo é dissolvido em nome do debate simplificado de atritos humanos com doses nada modestas de sadismo, humilhação, agressões simbólicas e psicológicas.
"Ah, mas isso é apenas um jogo em um programa de TV" — podem argumentar algumas pessoas. Sim, isto é um jogo e um programa de TV. Contudo, trata-se de um programa transmitido em horários nobres da TV brasileira (que ainda vive sem legislação específica ou qualquer tipo de controle social). Além disso, este programa tem pautado acriticamente a "esquerda" nacional quase que em sua totalidade. A situação anda tão mal que se bobear ela ainda é capaz de abraçar uma "reivindicação" levantada pelo programa como sua e fazer dela a sua bandeira central.
E esta confusão entre a realidade e a irrealidade não se restringe apenas ao BBB, mas à teoria e à prática da "esquerda" em quase todas as suas esferas de ação. Quando não é feito de forma consciente e oportunista, é por inconsciência e romantismo descabido. Por tudo isso, não é casual que o "show de irrealidade" seja uma das principais pautas teóricas atuais de uma "esquerda" miserável, sem força de vontade própria e pouco ou nada criativa. Entender as "polêmicas" do BBB por esse prisma não significa ignorar a influência que o programa exerce sobre a população trabalhadora. Antes de tudo, significa estar alerta para todas as infiltrações ideológicas burguesas e, sobretudo, ter consciência da necessidade de se combatê-las.
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