quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Sobre o sentimento religioso

Se for interpretado um registro fiel das ideias do Homem sobre a Divindade, ele será obrigado a reconhecer que, na maioria das vezes, a palavra "deuses" foi utilizada para expressar as causas ocultas remotas, desconhecidas de efeitos testemunhados por ele; que ele aplica este termo quando a origem do natural, a fonte das causas conhecidas, cessa de ser visível: assim que perde o fio de continuidade das causas, ou logo que a sua mente não consegue mais seguir a cadeia, ele resolve a dificuldade, termina a sua busca, atribuindo-a aos seus deuses... Quando, portanto, imputa a seus deuses a produção de algum fenômeno... não estará ele fazendo nada além de substituir a limitação da sua própria mente por um som que está acostumado a ouvir com respeito e temor?

(Paul Heinrich Dietrich, Barão von Holbach, Sistema da Natureza, Londres, 1770, in "Cosmos", de Carl Sagan).

***

Numa vida curta e incerta, parece cruel fazer qualquer coisa que possa privar as pessoas do consolo da fé, quando a ciência não pode remediar a sua angústia. Aqueles que não conseguem suportar o peso da ciência têm a liberdade de ignorar os seus preceitos. Mas não podemos fazer ciência aos pedacinhos, aplicando-a quando nos sentimos seguros e ignorando-a quando nos sentimos ameaçados. A não ser dividindo a mente em compartimentos herméticos separados, como é possível voar em aeroportos, escutar rádio ou tomar antibióticos, sustentando ao mesmo tempo que a Terra tem 10 mil anos ou que todos os sagitarianos são gregários e afáveis?

(Carl Sagan - O mundo assombrado pelos demônios).

Nenhum comentário:

Postar um comentário